PROCESSO SUMARISSIMO
OPOSIÇÃO
REENVIO
ABERTURA DE INSTRUÇÃO
Sumário

Em processo sumaríssimo, deduzida oposição pelo arguido ao requerimento de julgamento, o juiz ordena o reenvio do processo para outra forma que lhe caiba, nada obstando a que o arguido seja notificado do despacho que designa dia para a audiência e, em simultâneo, da acusação, com o que fica assegurado o direito de requerer, querendo, a abertura da instrução.

Texto Integral

RECURSO 401/09.9GACPV-A.P1

Relator: Melo lima

Acordam em Conferência, na 1ª Secção Criminal do Porto.

I. RELATÓRIO

1. Nos autos de Processo Comum Singular Nº 401/09.9GACPV-A, a correr termos pelo T. J. de Castelo de Paiva, a arguida B…, notificada do despacho que designou audiência de discussão e julgamento arguiu a sua NULIDADE, requerendo fosse ordenada a notificação dos arguidos para requererem a abertura de instrução, nos termos do artigo 398º do CPP.
2. Sobre a pretensão assim formulada, incidiu a seguinte decisão judicial:
«A arguida B… veio arguir a nulidade por falta de notificação dos arguidos para requererem a abertura de instrução.
Para o efeito invoca que os presentes autos seguiram inicialmente a forma de processo sumaríssimo e notificados que foram nos termos e para os efeitos previstos no art. 396º do CPC, todos os arguidos deduziram oposição.
E que, determinado que o processo seguisse a forma comum, foi proferido despacho a receber a acusação e a designar data para a audiência de julgamento, ordenando-se a notificação nos termos e para os efeitos previstos nos arts. 313º, 315º e 317º, todos do Código Penal.
Diz que, neste caso, seguindo o processo a forma comum, além da acusação o arguido é notificado para requerer a abertura de instrução nos termos do art. 398º, nº 2 do CPC, o que não foi cumprido no caso em análise.
Conclui que tal omissão constitui uma nulidade insanável e deve ser declarada em qualquer fase.
Ora, compulsados os autos constata-se que a arguida B… por correspondência registada de 28.10.1001 (cfr. fls. 198) foi notificada de que foi deduzida a acusação no inquérito acima referenciado, nos termos do artº 283v do Código Processo Penal, e de que dispõe o prazo de VINTE DIAS, nos termos do disposto do art. 287v do mesmo diploma, para requerer, caso queira, a abertura de instrução.
Mais descreve as condições em que tal requerimento pode ser elaborado.
Face ao exposto, conclui-se que foi realizada a notificação cuja omissão se invoca e, desse modo, não se verifica qualquer nulidade.
Por conseguinte, indefere-se a arguição da nulidade requerida pela arguida B….
Sem custas, tendo em conta a simplicidade do incidente.
Admite-se a contestação apresentada. Quanto ao exame pericial requerido ouça-se o MP. Notifique.»

3. Inconformada, recorre aquela arguida, rematando com as seguintes CONCLUSÕES:
3.1 O artigo 398º do CPP prevê que, em processo sumaríssimo, quando haja oposição por parte do arguido, o juiz ordena o reenvio do processo para outra forma que lhe caiba, equivalendo à acusação, em todos os casos, o requerimento do Ministério Público formulado nos termos do art. 394, sendo certo que, no caso de o processo seguir a forma comum, além da acusação, o arguido é notificado para requerer a abertura de instrução (vd. n. 2 do citado artigo).
3.2 O despacho de fis. 192 – ao receber a acusação pública, designando logo data para a audiência de discussão e julgamento e ordenando a notificação dos arguidos para os prazos e obrigações do art. 315 do CPP (nos termos dos art. 312 e ss. do CPP), em vez de ordenar a notificação dos arguidos para requererem a abertura de instrução - violou o disposto no art. 398-2 do CPP, o que constitui a nulidade processual prevista no art. 1 19-d) do CPP.
3.3 Tal nulidade é insanável e deve ser declarada em qualquer fase do procedimento (art. 119 do CPP).
3.4 O ofício de fis. 198 (bem como dos demais ofícios remetidos aos restantes arguidos e defensores na mesma data, da autoria do Sr. Escrivão Adjunto em funções no Tribunal recorrido) não pode de forma alguma prevalecer ou sobrepor-se ao despacho judicial que o precedeu e lhe deu origem.
3.5 Nem poderá pretender-se ou exigir-se que as partes, notificadas de ambas as peças processuais (do despacho judicial e do ofício do Sr. Escrivão Adjunto), em simultâneo, decidissem ignorar a decisão judicial que havia sido tomada e agissem em desacordo com ela, dando preferência às instruções ou advertências feitas pelo Sr. Escrivão Adjunto, instruções e advertências que, aliás, eram confusas e contraditórias.
3.6 A ora recorrente, notificada daquelas duas peças processuais que, até certo ponto, entravam em contradição (o despacho de fis. 192 e o ofício de fls. 198), tinha razões para acatar e deixar-se ficar vinculada pela decisão proferida pela autoridade judicial.
3.7 É injusto e violador das normas e princípios que regem o direito penal que se censure ou penalize a ora recorrente por aquela sua decisão, privando-a de exercer direitos processuais que ela não prescindiu de exercer, como o direito de requerer a abertura de instrução e lançar mão, nessa fase, de todos os meios de defesa e prerrogativas ao seu dispor, alguns deles invocáveis exclusivamente nessa fase processual ou até ao termo desta, como por exemplo, o instituto da suspensão provisória do processo.
3.8 Acresce que o oficio de fls. 198 seria sempre também ele contraditório e ilícito, uma vez que notificava a recorrente, assim como os restantes arguidos, para dois tipos de actuações ou direitos distintos e pertencentes a fases distintas do processo penal — a fase de instrução e a fase do julgamento — fases essas que não decorrem em simultâneo, são dirigidas por autoridades judiciárias diferentes e têm objectivos e regras procedimentais também elas distintas.
3.9 Também por esta razão, não se poderia legitimamente pretender o que pretendeu o Tribunal a quo, isto é, que a recorrente, no meio de tanta contradição ou ambiguidade, preferisse atender àquele ofício do Sr. Escrivão Adjunto, ignorando o conteúdo da decisão judicial que ele visava cumprir e que acabou por cumprir, embora de forma deficiente.
3.10 Perante as circunstâncias ou contexto acima descrito, a recorrente optou, e com razões para isso, por não considerar a notificação do ofício do Sr. Escrivão Adjunto para requerer a abertura de instrução, dando como certas e válidas as restantes notificações nele feitas, por serem as que estavam de acordo e cumpriam o despacho judicial de fis. 192.
3.11 A ilicitude da decisão recorrida não está só na questão de se saber se os arguidos foram ou devem ou não considerar-se notificados para requererem a abertura de instrução.
3.12 Mesmo que se considerasse, como considerou o tribunal a quo, que a recorrente foi notificada para requerer a abertura de instrução através do ofício de fls. 198, teria também de se considerar que ela, por força desse oficio, também estava notificada para apresentar a contestação e rol de testemunhas, nos termos do art. 315 do CPP, bem como para comparecer na audiência de julgamento já designada e dos demais termos de direito previstos nos art. 316 e 317 do CPP.
3.13 Ou seja, a decisão recorrida, a ser considerada válida e eficaz, teria como consequência ou efeito a “sobreposição” de fases distintas do processo penal, implicando que corressem simultaneamente prazos para a prática de actos próprios quer da fase de instrução quer da fase do julgamento, o que também constituiria uma violação grave e grosseira das regras do processo penal.
3.14 Não andou bem, pois, o tribunal a quo ao não declarar a nulidade arguida pela ora recorrente no seu requerimento de 25.11.2011.
3.15 Nestes termos e nos mais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogado o despacho recorrido, determinando-se a sua substituição por outro que declare nulo o despacho de fis. 192 e ordene a notificação dos arguidos para requererem a abertura de instrução.

4 Na instância recorrida o MºPº respondeu:
4.1 Constata-se que nas notificações de fis. 194 o disposto no art. 398°, n°2 do Código de Processo Penal (C.P.P.) foi integralmente cumprido, uma vez que em todas elas se refere a possibilidade dos arguidos requererem a abertura de instrução, no prazo de 20 dias.
4.2 Vem agora a arguida, no recurso interposto, com um novo argumento: o de que a notificação recebida pelos arguidos entra em contradição e não cumpre escrupulosamente o despacho que a ela deu origem, uma vez que em tal despacho não se faz referência ao art. 398° do C.P.P. ou à possibilidade de aos arguidos ser dado prazo para requererem a abertura de Instrução.
4.3 Ora, não podíamos estar mais em desacordo. De facto, o despacho em causa não decide não haver lugar à abertura de Instrução. Só nesse caso é que haveria contradição, porque só aí é que a secretaria estaria a praticar um acto em desrespeito pelo sentido de um despacho judicial.
4.4 O despacho judicial não afasta a possibilidade de ser requerida a abertura de Instrução. É certo que não ordena a notificação para aquele efeito. No entanto, uma vez que a mesma decorre directamente da lei, a Mma. Juíza não tinha que o ordenar, podendo e devendo a secretaria notificar oficiosamente os arguidos naqueles termos e para aqueles efeitos, face ao normativo legal já aludido.
4.5 Veja-se, por exemplo, que quando o Ministério Público profere despacho de acusação e ordena a sua notificação, não faz, em regra, constar do despacho que arguidos e assistentes dispõem do prazo de 20 dias para requerer a abertura de Instrução. Tal notificação é feita, oficiosamente, pelo funcionário que cumpre o despacho de acusação, circunstância que não tem levantado qualquer celeuma.
4.6 Deste modo, entendemos que não foi praticada qualquer nulidade processual, uma vez que o disposto no art. 3 98°, n°2 do Código de Processo Penal foi devidamente cumprido, não tendo o Tribunal a quo violado qualquer norma jurídica.
4.7 Impõe-se, pois, concluir que no foram violadas quaisquer normas ou princípios e o Tribunal aplicou bem o Direito aos factos.
4.8 Termos em que deve negar-se provimento ao recurso e, em consequência, manter-se o douto despacho proferido nos autos nos seus precisos termos.

5 A Exma. Juíza admitiu o recurso, fixando-lhe efeito, modo e tempo de subida, e sustentando a decisão proferida nos seguintes termos: «Face ao teor da notificação feita nos autos, não encontro nas alegações do recorrente razões que me convençam do desacerto da decisão tomada, tanto mais que nenhum direito do arguido ficou afectado, uma vez que o mesmo, face á notificação que lhe foi feita poderia, querendo, requerer a abertura de instrução, sendo, nesse caso os autos distribuídos para essa fase processual. Está em causa apenas uma questão formal que não afectou os direitos de defesa do arguido e que apenas contribui, quanto a nós, para protelar o processo. Entendo, assim, que o despacho em causa não fez agravo ao recorrente, razão pela qual mantenho o despacho recorrido.»
6 Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto Parecer, pronunciando-se no sentido da negação do provimento do recurso:
● No caso em apreço, determinado o reenvio do processo para a forma comum (v. fI. 17 deste processo de recurso), incumbia à secretaria, por força do disposto no n° 2 do art. 398° do Código de Processo Penal, independentemente de despacho nesse sentido, notificar os arguidos da acusação deduzida.
● Os termos da notificação efectuada à recorrente são bastante claros: a recorrente poderia ter requerido abertura de instrução após a notificação que lhe foi efectuada via postal, notificação realizada, aliás, em termos substancialmente idênticos relativamente à sua ilustre defensora.
● Ainda que se considerasse inválida a notificação da acusação efectuada à recorrente, estar-se-ia perante uma mera irregularidade, porque não prevista na lei processual como nulidade (não enquadrável manifestamente na ai. d) do art. 1190 do Código de Processo Penal), entretanto sanada por não ter sido arguida tempestivamente, nos termos do art. 123°, n° 1, do Código de Processo Penal.

7 Colhidos os Vistos, Realizada a Conferência, cumpre decidir.

II FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação objetiva do recurso

De acordo com as conclusões do recurso – consabidamente, delimitativas do thema decidendum – as questões a conhecer reconduzem-se a saber: (i) se, opondo-se a arguida ao requerimento deduzido pelo MºPº para julgamento em processo sumaríssimo, deve o juiz – sob pena de prática de nulidade insanável, não o fazendo (119º/a.c) CPP) - ordenar a notificação daquela (arguida) para requerer, querendo, no caso de o processo seguir a forma comum, a abertura de instrução [398º/2 CPP]? (ii) A notificação simultânea à arguida (a) do despacho judicial que designou dia para julgamento, com vista à apresentação de contestação e rol de testemunhas, (b) como da acusação, tendo em vista poder requerer, querendo, a abertura de instrução, implica, numa violação grave e grosseira das regras do processo penal, uma “sobreposição” de fases distintas do processo penal visto a decorrência simultânea de prazos para a prática de actos próprios quer da fase de instrução quer da fase do julgamento?

2. Conhecendo.
2.1 São pressupostos fáctico-processuais decorrentes quer da decisão sob recurso, quer do requerimento que precede a decisão sob recurso, quer dos articulados produzidos no âmbito da instância recursiva (Motivação do recurso/Resposta/Parecer):
● Em 02.05.2011, o MºPº requereu, em processo sumaríssimo, o julgamento, entre outros arguidos, da ora recorrente.
● Notificados, a recorrente e demais arguidos manifestaram a sua oposição.
● Na sequência do que, em 25.10.2011, foi proferido despacho judicial no qual foi ordenado o registo e autuação do processo como comum, com intervenção do Tribunal singular, foi designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento e ordenada, ainda, a notificação nos termos dos artigos 313/2, 315 e 317 do CPP.
● A recorrente, à semelhança dos demais arguidos, foi notificada daquele despacho por via postal.
● Notificação que, além de cópia do despacho, compreendeu e incluiu o ofício constante de fis. 198, elaborado pelo Sr. Escrivão Adjunto em funções no Tribunal recorrido, onde rezavam os seguintes termos:
«Assunto: NOTIFICAÇÃO POR VIA POSTAL SIMPLES COM PROVA DE DEPÓSITO.
Fica notificado, na qualidade de Arguido, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados:
De que foi deduzida ACUSAÇÃO no Inquérito acima referenciado, nos termos do art.° 283° do Código de Processo Penal, e que dispõe do prazo de VINTE DIAS, nos termos do disposto no art.° 287° do mesmo diploma, para requerer, caso queira, a abertura da INSTRUÇAO. O requerimento deverá ser dirigido ao Juiz de Instrução competente, não estando sujeito a formalidades especiais, devendo conter, em súmula, as razões, de facto e de direito, de discordância relativamente à acusação, bem como, sempre que disso for o caso, meios de prova que não tenham sido considerados no Inquérito e dos factos que através de uns e de outros se espera provar.
Junta-se cópia do despacho de acusação.
Para comparecer neste Tribunal, no próximo dia 21-03-2012, às 09:30 horas, a fim de ser ouvido em audiência de julgamento, nos autos acima referenciados, sendo advertido de que faltando, esta poderá ter lugar na sua ausência, sendo representado para todos os efeitos possíveis pelo seu defensor; em caso de adiamento, fica desde já designado o dia 26-03-2012, às 09.30 horas, nos termos do art.° 312°, ° 2 do C. P. P., podendo nesta data ter lugar a sua audição, a requerimento do seu advogado ou defensor nomeado, ao abrigo do disposto no art. °333°, n.º3 do mesmo diploma legal.
De todo o conteúdo do despacho que recebe a acusação/pronúncia e designa dia para julgamento, cuja cópia se junta, acompanhado da cópia da respectiva acusação/pronúncia.
Para no prazo de VINTE DIAS, apresentar, querendo, a sua contestação, juntamente com o rol de testemunhas até ao máximo de VINTE, identificando-as e discriminando as que devam depor sobre a personalidade e condição pessoal, não podendo estas exceder o número de CINCO, e indicar, querendo, os peritos e consultores técnicos que devam ser notificados para a audiência de julgamento.
De que o rol de testemunhas pode ser adicionado ou alterado, por requerimento, contanto que o adicionamento ou alteração possa ser comunicada aos restantes sujeitos processuais até TRES DIAS antes da data designada para o julgamento — art.° 316° e 283°, n.° 7 do C.P.P.
Da advertência de que, caso falte e não justifique a falta no prazo legal, (por motivo previsível: com cinco dias de antecedência; por motivo imprevisível: no dia e hora designados — art.° 117°, n.º 2 do C. P. Penal), fica sujeito ao pagamento de uma soma entre 2 e 10 (].C’s (U.C = E 102,00), bem como a detenção pelo tempo estritamente necessário à realização da diligência ou a aplicação da medida de prisão preventiva, se esta for legalmente admissível - art. ° 116°, n. ° 1 e 2 do Código de Processo Penal.
Da comunicação deve constar, sob pena de não justificação da falta, a indicação do respectivo motivo, do local onde o faltoso pode ser encontrado e da duração previsível do impedimento. Os elementos de prova da impossibilidade do comparecimento devem ser apresentados com a comunicação referida no número anterior, salvo tratando-se de impedimento imprevisível comunicado no próprio dia e hora, caso em que, por motivo justificado, podem os mesmos ser apresentados até ao 3° dia útil seguinte. Não podem ser indicadas mais de três testemunhas. — n°s 2 e 3, do art° 117° do C. P. Penal. Aguardará os ulteriores termos do processo mediante a seguinte medida de coacção: as decorrentes do art.° 196.º do Código de Processo Penal, Termo de Identidade e Residência, já prestado e explicado Deve contactar e prestar toda a colaboração ao seu mandatário/defensor oficioso: Dr(a). C…, Endereço: Rua …, … -. .°- Sala ., ….-… Porto Os prazos acima indicados são contínuos suspendendo-se, no entanto, nas férias judiciais, iniciam-se a partir do quinto dia posterior à data do depósito na caixa de correio do destinatário, constante do sobrescrito (arl.° 113 n.° 3 do C. P. Penal). Se tratar de processo urgente, os referidos prazos não se suspendem em férias. Terminando o prazo em dia que os tribunais estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.”»
● A defensora da Recorrente foi, também, notificada do mesmo despacho por via postal, notificação que, além da cópia do referido despacho, incluiu um ofício, com o seguinte teor:
“Notificação por via postal registada. Assunto: Artigos 313° e 315° do C. P. Penal. Fica V, notificado, na qualidade de Defensor Oficioso do Arguido B…, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados:
De que, nos termos e para os efeitos do n,° 5, do art.° 283°, do C. P. Penal, foi proferido despacho de ACUSAÇÃO no Inquérito acima referenciado, e para no prazo de VINTE DIAS, querendo, requerer a abertura da instrução - 287° do C. P. Penal. Segue fotocópia do referido despacho. De que foi designado o dia 21-03-2012, às 09:30 horas, para a realização da audiência de julgamento nos autos acima indicados. Em caso de adiamento, nos termos do disposto do art, ° 312°, n. ° 2 do C. P. Penal, fica desde já designado o dia 26-03-2012, às 09.30 horas, do qual fica também notificado.
Em caso de impedimento e mediante prévio acordo com os restantes mandatários, poderá, no prazo de 5 DIAS propor datas alternativas — artigos 312°, n.° 4 do C. P. Penal e 155°, n.° 2 do C. P. Civil. De todo o conteúdo do despacho que recebe a acusação/pronúncia e designa dia para julgamento, cujas cópias se juntam, e para os prazos e obrigações dele decorrentes — art°s 313°, ° 2 e 3)5° do C. P. Penal. (A presente notificação presume-se frita no 3° dia útil posterior ao do envio — art. ° 113°, n. 02, do C. P. Penal)”
2.2 Na primeira das questões enunciadas cuida-se saber se, deduzida pelo arguido oposição ao requerimento de julgamento em processo sumaríssimo, deve o juiz – sob pena de prática de nulidade insanável - ordenar a notificação daquele para requerer, querendo, a abertura de instrução.
Dispõe-se no normativo em causa:
«1. Se o arguido deduzir oposição, o juiz ordena o reenvio do processo para outra forma que lhe caiba, equivalendo à acusação, em todos os casos, o requerimento do Ministério Público formulado nos termos do artigo 394º.
2. Ordenado o reenvio, o arguido é notificado da acusação, bem como para requerer, no caso de o processo seguir a forma comum, a abertura de instrução.»
O ponto tocante que permite a resposta à questão sub iudicio tem o seu epicentro no termo reenvio.
Termo cuja dimensão – exata ou por aproximação - só poderá ser alcançada a partir da leitura conjugada da economia normativa que subjaz ao processo sumaríssimo.
Trata-se de um processo especial de que o MºPº se pode socorrer [1] «em caso de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou só com pena de multa”, “por iniciativa do arguido ou depois de o ouvir”, “e quando entender que ao caso deve ser concretamente aplicada pena ou medida de segurança não privativas de liberdade”, requerendo ao Tribunal “que a aplicação tenha lugar em processo sumaríssimo”. [392º/1 CPP]
Em causa, manifestamente, um processo que o legislador, na atenção quer à menor gravidade do ilícito penal, quer ao propósito do privilegiamento da solução consensual e/ou de adesão [sic, 397º CPP], pretendeu célere.
Processo especial que, de todo o modo, mesmo que decorrente da “iniciativa do arguido” (e ressalvada a hipótese específica do crime particular – 392º/2) não escapa ao domínio do detentor da ação penal, o MºPº [53º/2 als. b) e c) CPP]. Pertence, de facto, ao MºPº a dedução do requerimento para que a aplicação da “sanção concretamente proposta” tenha lugar. [394º CPP]

Pois bem.
A lei estabelece que “Se o arguido deduzir oposição, o juiz ordena o reenvio do processo para outra forma que lhe caiba” [398º/1 CPP]
Conhecem-se pelo menos duas formas de interpretação relativamente ao cumprimento deste reenvio: ora que caiba ao juiz – a ele mesmo - ordenar o reenvio do processo para a forma processual comum ou, sendo ainda possível, para a forma de processo abreviado [2], ora que, em face da oposição do arguido, “ao juiz só reste reenviar os autos ao MºPº para que tramite o caso sob outra forma processual (comum ou abreviada)”[3].
Curiosamente, porém, de acordo com uma e outra correntes de pensamento, sempre competirá ao MºP o dever de notificar de novo o arguido do requerimento-acusação para que ele possa exercer o seu direito à instrução. [4]
Assim, nomeadamente, com referência à opção do Reenvio dos autos ao MºPº, que se entende ser a mais conforme aos princípios relativos ao exercício da ação penal: “Decidindo-se o MºPº pelo processo comum, tem de mandar notificar o arguido nos termos deste nº2 [Leia-se nº2 do artigo 398ºdo CPP], ou seja, de que tem 20 dias para poder requerer a abertura da instrução. Seguindo-se daí em diante as fases e os termos desta forma processual” [5]
De todo o modo, restringindo-nos à questão sob debate de saber se compete ao Juiz ordenar a notificação a que alude o artigo 398º/2 do CPP – como reclama a Recorrente, sob pena de nulidade -, nem uma tal configuração resulta da letra da lei nem de todo o modo deve um tal entendimento resultar do espírito da lei atentas as considerações deixadas referenciadas a respeito do reenvio.
Essencial, é que, no respeito pelo princípio do due process e das garantias da defesa, seja assegurado ao arguido o direito a requerer a abertura de instrução. [6]
Ora, no caso concreto, em face da notificação feita ao arguido para requerer, querendo, a abertura da instrução, mostra-se salvaguardado o princípio do processo devido, garantido, enfim, o direito de defesa.
Falece, de todo o modo, o argumento da invocada nulidade.
2.3 Passemos à segunda questão: a notificação simultânea do despacho judicial que designou dia para julgamento (com vista à apresentação de contestação e rol de testemunhas) e da acusação, (tendo em vista poder requerer, querendo, a abertura de instrução), implica uma “sobreposição” de fases distintas do processo penal (visto a decorrência simultânea de prazos para a prática de actos próprios quer da fase de instrução quer da fase do julgamento) e, daí, uma violação grave e grosseira das regras do processo penal?

Com o devido respeito, não se pode subscrever, de modo nenhum, um tal entendimento.
Admite-se que se tornasse mais claro para a pessoa notificanda o recurso a uma alternativa explícita: poderá requerer a abertura de instrução, não o fazendo, proceder-se-á ao julgamento na data indicada.
Mas por uma tal explicitação não ter sido usada não se colhe daí que a arguida notificanda pudesse ter ficado num estado d’alma que a inibiu – igualmente, a Exma. Advogada nomeada - de requerer a abertura de instrução, posto que essa pudesse ser a sua pretensão.
Subordinado ao propósito do princípio do processo célere [32º/2 – 2ªparte C.R.P.] o tribunal definiu a forma do processo e logo designou data para julgamento.
Foi, então, a arguida notificada – como é facto assente - quer para requerer, querendo, a abertura de instrução, quer - como o entenderá o declaratário normal, pressuposto pela ordem jurídica -, não o pretendendo, para ser submetida a julgamento.
Parece óbvio, com o devido respeito, que escapará ao senso comum, ao princípio da razoabilidade, que outra interpretação pudesse ser possível.
Dúvidas? A tê-las, sempre as poderia superar, confrontando o tribunal com um pedido de esclarecimento.
Mas não. Sendo do seu interesse requerer a abertura da instrução, só teria que formular o respetivo requerimento. Uma vez deduzido, não poderia admitir outra atitude do tribunal que não fosse o honeste procedere respeitando a notificação levada a efeito e/ou, de todo o modo, o cumprimento por dever de ofício, da lei, observando in integrum o direito da arguida.
É manifesta a carência de razão no argumento apresentado.
III DECISÃO
São termos em que, na improcedência do recurso, se confirma a decisão recorrida.
Da responsabilidade da Recorrente a taxa de justiça de 3UC

Porto, 16 de Maio de 2012
Joaquim Maria Melo de Sousa Lima
Francisco Marcolino de Jesus
_________________
[1] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE fala mesmo no “dever de privilegiar o processo sumaríssimo” enquanto “opção democrática de política criminal do legislador”, na justa medida em que, nos termos do Artigo 12º da Lei 51/2007 de 31/8, «Os magistrados do Ministério Público privilegiam, no âmbito das suas competências e de acordo com as directivas e instruções genéricas aprovadas pelo Procurador--Geral da República, a aplicação aos crimes previstos no artigo anterior [Leia-se: criminalidade menos grave, passível de favorecer a reparação da ofensa causada à vítima do crime, a reintegração social do agente e a celeridade processual] das seguintes medidas: f) Processo sumaríssimo». Comentário do CPP, à luz da CRP e da CEDH, 2ªEd. Atualizada, Universidade Católica Editora, pág. 999
[2] PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, OB CIT. PÁG. 1005 e 1006
[3] MAGISTRADOS DO MºPº DO DISTRITO JUDICIAL DO PORTO, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, comentários e notas práticas, Coimbra Editora, 2009, pág.1015
[4] PAULO PINTO ALBUQUERQUE, ob cit. Pág. 1006 (Nota 3)
[5] MAGISTRADOS DO MºPº DO DISTRITO JUDICIAL DO PORTO, ob. cita. Pág. 1016
[6] Abertura de instrução mesmo no caso da opção pelo processo abreviado, no entendimento de que o artigo 391ºC do CPP será inconstitucional, por violação do artigo 32º/3 da Constituição da República, na interpretação de que o mesmo não prevê a instrução na forma de processo abreviado. Neste sentido: PAULO PINTO ALBUQUERQUE, ob cit. Pág. 993.
Divergindo, no sentido de que no processo abreviado, “não há lugar à notificação do arguido para poder requerer a instrução”; MAGISTRADOS DO MºPº DO DISTRITO JUDICIAL DO PORTO, ob cit. pág.1016