1 – A justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador pressupõe, em geral, que da actuação imputada ao empregador resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que se torne inexigível ao trabalhador a continuação da prestação da sua actividade;
2 – Na ponderação da inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho deve atender-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias relevantes, tendo o quadro de gestão da empresa como elemento estruturante de todos esses factores.
3- O prolongamento do prazo de 30 dias de suspensão preventiva do trabalhador, resultante da violação do nº 2 do artigo 354º do CT/2009, pode constituir uma violação do dever de ocupação efectiva do trabalhador.
4- Tendo a suspensão preventiva do trabalhador excedido 19 dias o limite resultante daquele nº 2 do artigo 354º do CT, e atendendo à celeridade com que a empregadora conduziu o inquérito prévio, devendo-se o atraso na notificação da nota de culpa, em grande parte, a um lapso dos serviços da empregadora na indicação do endereço do trabalhador aposto na carta que o notificava desta peça do procedimento disciplinar, temos de concluir pela pouca gravidade e diminuta censurabilidade da conduta violadora do direito à ocupação efectiva do trabalhador, pelo que não se configura a existência de justa causa para este resolver o contrato.
Tendo-se procedido à audiência de partes e não tendo esta derivado na sua conciliação, contestou a Ré, alegando a inexistência de fundamento para a resolução do contrato com justa causa, uma vez que não suspendeu preventivamente o Autor ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 354.º do Código do Trabalho, mas sim do n.º 5 do artigo 329.º do mesmo compêndio legal, o qual não estabelece outro limite temporal para a suspensão preventiva do trabalhador que não seja a condução diligente desse processo prévio de inquérito.
Acrescenta ainda que se a suspensão preventiva do Autor tivesse sido ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 354.º, o não cumprimento do prazo de 30 dias para a notificação da nota de culpa não constituiria, no concreto caso, justa causa de resolução do contrato por não se mostrarem preenchidos os respectivos requisitos legais.
Finalmente alega que pagou ao Autor todas as quantias emergentes da cessação do contrato, pugnando assim, pela improcedência da acção.
Foi proferido despacho saneador, onde foi fixado valor à causa de € 113.966,47, tendo-se dispensado a selecção da matéria de facto assente e controvertida.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, após o que se respondeu à matéria de facto, sem reclamação das partes.
Seguidamente, foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:
“Pelo exposto, julgo a acção totalmente improcedente, e em consequência, absolvo a Ré dos pedidos, extinguindo a instância por inutilidade superveniente da lide em relação aos créditos laborais”.
Inconformado com o assim decidido apelou o Autor, tendo o Tribunal da Relação do Porto julgado o recurso improcedente, e confirmado a sentença recorrida.
Novamente inconformado, traz-nos o A a presente revista, cuja alegação rematou com as seguintes conclusões:
1 - O Recorrente foi suspenso preventivamente e antes da emissão e notificação da nota de culpa em 5 de Dezembro de 2012, suspensão essa que só poderia ser efectuada nos termos e fundamentos do art° 354º, nº 2 do CT e que o Tribunal da Relação no seu Acórdão confirmou e com o qual o Recorrente concorda.
2 - O Recorrente só foi notificado da nota de culpa em 24 de Janeiro de 2013.
3 - A Recorrida estava obrigada legalmente a notificar a nota de culpa ao Recorrente até 4 de Janeiro de 2013, nos termos do art° 354º, nº 2 do CT, pelo que a notificação foi efectuada 20 dias para além do prazo legal.
4 - Em caso de suspensão preventiva antes da emissão e notificação da nota de culpa, a notificação daquela nos 30 dias contados do primeiro dia de suspensão é condição de validade da suspensão e simultaneamente condição "Sine Qua Non" de legalidade daquela.
5 - Não efectuada a notificação da nota de culpa naquele prazo de 30 dias, a suspensão decretada pela entidade patronal passa a ser ilegal e essa suspensão passa a constituir desocupação efectiva do trabalhador e consubstancia obstrução injustificada à prestação efectiva do trabalho levada a cabo pela entidade patronal.
6 - A violação do prazo de 30 dias constitui a prática de uma ilegalidade e não é uma mera irregularidade.
7 - É proibido à entidade patronal obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho pelo trabalhador e, simultaneamente, essa proibição é, para além de um direito do trabalhador, uma garantia legal que lhe está atribuída pelo art°129º, nº 1, al. b) do CT.
8 - A violação dessa garantia pela entidade patronal constitui uma contra-ordenação muito grave, ou na antiga nomenclatura, um ilícito penal administrativo muito grave, punível com coima - no caso da recorrida - de valor entre 300 e 600 UCs.
9 - Esse acto violador contra-ordenacional, por parte da entidade patronal, está definido legalmente como facto típico, ilícito, censurável e muito grave (cf. art° 129º, nº 2 e 548º do CT).
10 - No caso sub judice, o Tribunal da Relação no seu Acórdão considerou, no que o Recorrente concorda em absoluto, que existiu violação do dever da empregadora - Recorrida - à ocupação efectiva do Recorrente quer objectiva quer subjectivamente.
11 - O Tribunal da Relação no seu Acórdão considerou que é certo que a lei qualifica para efeitos contra-ordenacionais de muito grave a violação do direito à ocupação efectiva do trabalhador nos termos do art° 129º, nº 2 do CT; consideração com a qual o recorrente concorda plenamente.
12 - Ao recorrente assiste o direito à resolução do contrato de trabalho com justa causa porque se encontra violado um seu direito e garantia previsto legalmente de forma taxativa, nos termos e por efeitos das disposições conjugadas dos art°s 354º, nº 2, 129º, n° 1, al. b), e nº 2, 548º, 550º e 394º, nºs 1 e 2, al. b) do CT.
13 - O critério que deve presidir ao preenchimento valorativo do conceito de justa causa é um critério objectivo-normativo e não um critério subjectivo normativo, como fez o Tribunal da Relação no seu Acórdão; a gravidade do comportamento é um conceito objectivo-normativo e não subjectivo-normativo e por isso a valoração judicial dessa gravidade não pode ser feita por critérios subjectivo-normativos.
14 - De acordo com o critério objectivo normativo, a não notificação da nota de culpa no prazo previsto no art° 354º, n° 2 do CT, porque o trabalhador passa a estar impedido da prestação efectiva de trabalho sem justificação, constitui nos termos da lei a violação de uma proibição imposta à entidade patronal e simultaneamente a violação de uma garantia legal do trabalhador que a mesma lei qualifica de contra-ordenação muito grave e que nos termos da sua definição é um acto ilícito, censurável e muito grave.
15 - A Recorrida, entidade patronal, sabia e não podia desconhecer que ao suspender preventivamente o Recorrente, antes da emissão e notificação da nota de culpa, estava obrigada a, em 30 dias, notificar-lhe aquela nota de culpa, pelo que, ao não efectuar aquela notificação naquele prazo, bem sabia que estava a incorrer em violação grave de garantias do Recorrente, assim previstas legalmente, consubstanciadas em impedimento injustificado à prestação efectiva de trabalho por parte daquele e que a violação dessa garantia legal era fundamento para a resolução do contrato de trabalho com justa causa.
16 - Ao não produzir aquela notificação no prazo e ao alegar que a tal não estava obrigada porque afinal havia suspendido o Recorrente ao abrigo do art° 329º, nº 5, bem sabendo que esta disposição legal consagra um direito a favor do poder disciplinar da entidade patronal cujos termos e contornos legais estão definidos no art° 354º, nºs 1 e 2 do CT, mostrou completa indiferença e desrespeito pelos direitos do recorrente e tentou dessa forma contornar as disposições legais que a obrigavam, tentando dessa forma criar a seu favor uma suspensão com prazo indeterminado, de tal forma que com esse entendimento cria uma situação de incerteza, insegurança e instabilidade nas relações jurídico-laborais de tal forma que põe em causa a boa-fé que deve presidir às relações laborais.
17 - O direito à resolução do contrato de trabalho com justa causa por parte do Recorrente está legitimado porque se encontra taxativamente previsto na lei, bem como na lei está previsto o facto que preenche aquela justa causa e ainda porque o conhecimento e consciência, por parte da Recorrida, da gravidade dos factos por si praticados em violação das garantias do Recorrente são integráveis nas demais circunstancias que no caso sejam relevantes.
18 - Se se pretender usar um critério objectivo-normativo, para apreciar e decidir da gravidade da violação do prazo de 30 dias em que deveria ter sido efectuada a notificação da nota de culpa ao recorrente e em que essa violação se consubstancia em 19 ou 20 dias para além daqueles 30, considere-se e use-se como elemento de ponderação e para efectivação do princípio da igualdade das partes o disposto na al. g) do nº 2 do art° 351º do CT em que se considera justa causa de despedimento o facto de um trabalhador dar 5 faltas seguidas ou 10 interpoladas, sem justificação e sem necessidade de verificação de prejuízo ou risco para a entidade patronal; só essa consideração e ponderação objectivo-normativa mais do que fundamenta a justa causa do Recorrente quando este viu violados os seus direitos e garantias em 19 ou 20 dias de desocupação intencional, injustificada e ilegal por parte da sua entidade patronal, a Recorrida, e que redundam objectivamente em 50 dias de obstrução à sua prestação efectiva de trabalho contados desde o primeiro dia da sua suspensão.
Pede assim que seja concedida a revista, e que revogando-se o acórdão recorrido, se decrete a existência de justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do recorrente, com todas as legais consequências.
A R também alegou pugnando pela inadmissibilidade da revista por existência de dupla conforme; e caso esta seja admitida, pede a confirmação do acórdão recorrido.
Subido o recurso a este Supremo Tribunal proferiu o relator despacho a admitir a revista por considerar que as decisões da 1ª instância e da Relação assentaram numa fundamentação essencialmente diferente, não estando por isso, reunidos os requisitos da dupla conforme.
O Ex.mº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência da revista, argumentando para tanto que, embora a entidade empregadora tenha notificado a nota de culpa ao trabalhador já depois do prazo de 30 dias contados da data em que o suspendeu preventivamente, e violado por isso o seu direito a ocupação efectiva, tratou-se duma situação de curta duração que não tem a virtualidade de preencher os requisitos da justa causa invocada.
O A respondeu pugnando pela existência de justa causa.
Preparada a decisão, cumpre apreciar.
2---
Para tanto, temos de atender à seguinte matéria de facto:
1. O Autor celebrou com a Ré um contrato de trabalho, em 1 de Março de 2001, com a categoria profissional de chefe de serviços de informática, tendo prestado a sua actividade no âmbito da organização e sob autoridade da Ré até 24 de Janeiro de 2013;
2. Em 24 de Janeiro de 2013, o Autor tinha a categoria profissional de chefe de serviços, Director de serviços de informática, e recebia um salário ilíquido base de € 4.942,00 a que acresciam € 19 de diuturnidades e estava-lhe adjudicada uma viatura para uso pessoal e de serviço com a renda mensal total de € 552,64 da conta da Ré e cartão de combustível no valor de € 250 mensais;
3. Em 5 de Dezembro de 2012, foi comunicado ao Autor a sua suspensão tendo recebido, para o efeito, da Ré, uma comunicação escrita intitulada de “Despacho”, datada de 3 de Dezembro, pela qual lhe era comunicado que: “Atenta a gravidade dos factos chegados ao conhecimento da Administração em 28 de Novembro de 2012, os quais carecem de ser cabalmente esclarecidos e devidamente circunstanciados, uma vez que se indicia a prática de infracções disciplinares de extrema gravidade e elevado nível de culpa, violadora dos deveres de sigilo, de obediência e de lealdade para com a Empresa, determina-se, nos termos do disposto no artigo 352.º do Código do Trabalho, a instauração de procedimento prévio de inquérito. Considerando que os factos acima aludidos são indiciariamente imputáveis ao Director de IT da Empresa, Senhor Engº CC, determina-se a sua suspensão preventiva sem perda de retribuição após o termo do seu período de férias, uma vez que a presença deste no local de trabalho se mostra inconveniente durante o inquérito ora instaurado, visto que, atenta a sua qualidade de Director da Empresa e a natureza dos indícios de facto que lhe são imputáveis, a sua presença é susceptível de perturbar as averiguações do procedimento de inquérito.”
4. O Autor remeteu à Ré a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 16 a 18, datada de 24 de Janeiro de 2013, cujo teor se dá por reproduzido, através da qual resolveu o contrato de trabalho invocando que foi suspenso preventivamente ao abrigo do artigo 354.º, n.º 2 do C. de Trabalho e a nota de culpa não foi enviada até 04/01/2013, existindo violação do prazo de 30 dias para a notificação da nota de culpa após a suspensão ser decretada durante o procedimento prévio de inquérito;
5. Por carta junta a fls. 20/21, cujo teor se dá por reproduzido, a Ré não reconheceu a justa causa invocada pelo Autor para resolver o contrato;
6. O procedimento prévio de inquérito foi instaurado no dia 3 de Dezembro de 2012, na sequência da tomada de conhecimento pela Administração da R., em 28 de Novembro de 2012, de comportamentos laborais graves e culposos, indiciariamente imputáveis ao ora A;
7. No dia 5 de Dezembro de 2012, tiveram início as primeiras diligências do inquérito, na presença do inquirido (e do seu Ilustre Mandatário), no âmbito das quais, com o consentimento do A., se acedeu ao seu computador portátil de serviço, no qual foram recolhidos documentos com relevo para os factos sob investigação, tendo o A. prestado ainda declarações e esclarecimentos;
8. Na sequência de despacho da inquiridora de 12 de Dezembro de 2012, o Sr. DD, Analista de Sistemas da R., foi ouvido em declarações no dia 14 de Dezembro;
9. No dia 18 de Dezembro de 2012, procedeu-se à junção aos autos do procedimento de inquérito de prova documental recolhida na R. (Descrição de Funções, Contrato de Trabalho, Ficha Individual e 4 recibos de vencimentos referentes aos meses de Agosto a Novembro de 2012);
10. No âmbito do inquérito, foi realizada, pela empresa externa especializada “D...”, uma auditoria informática ao computador portátil usado pelo A. (“L…”), a qual foi concluída em 20 de Dezembro de 2012, com a produção de relatório final, apresentado à R. em 28 de Dezembro de 2012;
11. Em 4 de Janeiro de 2013, foi subscrito pela inquiridora o relatório final do procedimento prévio de inquérito, o qual foi remetido à R., tendo esta determinado, em 10 de Janeiro de 2013, atenta a extrema gravidade e o elevado nível de culpa e censurabilidade do comportamento laboral imputado ao A., processo disciplinar com intenção de despedimento;
12. Em 11 de Janeiro de 2013, foi remetido ao ora A., sob registo e aviso de recepção, carta de intenção de despedimento e a respectiva nota de culpa, as quais foram, contudo, devolvidas à R. por erro na morada do A., apenas em 23 de Janeiro;
13. Logo no dia seguinte, 24 de Janeiro de 2013, corrigido de imediato o erro involuntário na redacção da morada do A., foi este notificado de 2ª via da mesma carta e da mesma nota de culpa, datadas de 11 de Janeiro de 2013.
14. Após o decurso de 30 dias de suspensão, o Autor não se apresentou no seu local de trabalho para trabalhar.
15. A Ré procedeu ao pagamento ao Autor das quantias discriminadas no documento de fls. 259, cujo teor se dá por reproduzido.
3----
Sendo pelas conclusões da alegação do recorrente que se afere o objecto do recurso, conforme resulta dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil[2], a questão que é suscitada pelo recorrente prende-se com a justa causa por si invocada para resolver o contrato de trabalho, e que tem de ser apreciada à luz do CT/2009.
Efectivamente, entendeu o acórdão recorrido que o prazo de suspensão preventiva do trabalhador foi ultrapassado, pois a nota de culpa tinha que lhe ser notificada nos 30 dias subsequentes ao início dessa suspensão, tal como decorre do disposto no artigo 354.º, n.º 2, do CT. No entanto, o trabalhador recebeu a comunicação de suspensão em 5 de Dezembro de 2012, e só foi notificado da nota de culpa em 24 de Janeiro de 2013, pelo que o referido prazo de 30 dias expirava em 4 de Janeiro de 2013.
E nesta linha, tendo a empregadora mantido o trabalhador suspenso para além do dia 4 de Janeiro de 2013, concluiu a Relação que foi violado o dever da empregadora à ocupação efectiva do trabalhador.
A recorrida não questiona esta posição da Relação, pois não usou da faculdade de requerer a ampliação do âmbito do recurso ao abrigo do disposto no artigo 636º, nº 1 do CPC.
Por isso, não tendo a solução que foi dada a esta questão sido impugnada pela R, apenas temos que apreciar na revista se este comportamento da empregadora integra justa causa para o trabalhador resolver o contrato.
3.1---
Conforme resulta dos artigos 340º, alínea g), e 394º do Código do Trabalho/2009, uma das formas de cessação do contrato de trabalho consiste na sua resolução por iniciativa do trabalhador e com invocação de justa causa.
Fazendo um breve excurso sobre a evolução mais recente da legislação nesta matéria, constatamos que o legislador não fornece um conceito de justa causa para a resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, limitando-se a indicar alguns comportamentos do empregador susceptíveis de a integrar.
Apesar disso, já se entendia no domínio da LCCT (DL nº 64-A/89 de 27/2) que era à luz do conceito de justa causa que vinha plasmado no seu artigo 9º, nº 1, que deveria ser apreciado se os motivos invocados pelo trabalhador justificavam a resolução imediata do contrato, apontando neste sentido o nº 4 do artigo 35º, que mandava apreciar a justa causa invocada pelo trabalhador com base nos critérios que a lei previa para o julgamento da justa causa invocada pela entidade patronal[3].
No domínio do Código do Trabalho de 2003, a justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador continuou a assentar nos mesmos pressupostos, conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 15/9/2010[4], alicerçando-se na ideia de inexigibilidade da manutenção da relação laboral, a apreciar, com as necessárias adaptações, nos termos do nº 2 do artigo 396º do mesmo Código.
Na mesma linha, temos ainda o acórdão desta Secção Social de 11 de Maio de 2011, proferido no processo n.º 273/06.5TTABT.S1, de cuja doutrina se colhe que «[c]omo é entendimento reiterado deste Supremo Tribunal, a dimensão normativa da cláusula geral de rescisão exige mais do que a simples verificação material de um qualquer dos elencados comportamentos do empregador: é necessário que da imputada/factualizada actuação culposa do empregador resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua actividade».
Esta mesma doutrina continua válida face à disciplina do Código do Trabalho de 2009, conforme já decidiu este Supremo Tribunal no seu acórdão de 2 de Abril de 2014, processo n.º 612/09.7TTSTS.P1.S1, 4.ª Secção.
Efectivamente, a resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador com fundamento em justa causa encontra-se disciplinada nos artigos 394.º e seguintes, resultando do n.º 1 daquele preceito que, ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato, enunciando o n.º 2, de forma meramente exemplificativa, vários comportamentos do empregador que poderão integrar justa causa de resolução do contrato, só esta situação lhe conferindo o direito a indemnização, conforme determina o nº 1 do artigo 396º.
Donde termos de concluir que o Código do Trabalho 2009 também não consagra uma noção de justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador que possa funcionar como cláusula geral relativamente à aferição dos pressupostos daquela forma de extinção da relação de trabalho, tal como faz o n.º 1 do artigo 351.º para a justa causa disciplinar.
Impõe, no entanto, o nº 4 do artigo 394º que na sua apreciação devem ser tomadas em consideração as circunstâncias enunciadas no n.º 3 daquele artigo 351º.
Por isso, e tal como acentua Monteiro Fernandes, a resolução do contrato com justa causa e por iniciativa do trabalhador, respeita a situações anormais e particularmente graves, em que deixa de ser-lhe exigível que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio, operando assim a resolução imediatamente o seu efeito extintivo[5].
E assim, só existirá justa causa para o trabalhador se despedir, quando a conduta do empregador satisfizer estes três requisitos:
um de carácter objectivo, traduzido num ou vários comportamentos deste que violem as garantias legais do trabalhador ou ofendam a sua dignidade;
outro de carácter subjectivo, consistente no nexo de imputação desta conduta a culpa exclusiva do empregador;
mas para além disso, exige-se ainda que esta conduta do empregador gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência do contrato, tornando inexigível ao trabalhador que permaneça vinculado por mais tempo à empresa.
Donde termos de concluir que para ocorrer justa causa tem que existir um comportamento ilícito do empregador, que seja violador dos deveres que lhe são impostos e das garantias do trabalhador e que, pelo seu grau de culpa, condicione de tal forma a relação laboral que não lhe seja exigível que se mantenha vinculado à empresa.
Daí que, nem toda a violação de obrigações contratuais por parte do empregador confira ao trabalhador o direito de resolver o contrato.
Na verdade, e seguindo Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 3.ª ed., Almedina, 2006, págs. 1010/11, «sempre que o empregador falta culposamente ao cumprimento dos deveres emergentes do contrato estar-se-á perante uma situação de responsabilidade contratual; e, sendo grave a actuação do empregador, confere-se ao trabalhador o direito de resolver o contrato. No entanto, nem toda a violação de obrigações contratuais por parte do empregador confere ao trabalhador o direito de resolver o contrato; é necessário que o comportamento seja ilícito, culposo e que, em razão da sua gravidade, implique a insubsistência da relação laboral.»
Doutrina que também vem sendo acolhida por este Supremo Tribunal, nomeadamente no supramencionado acórdão de 2 de Abril 2014, proc. n.º 612/09.7TTSTS.P1.S1, onde se reitera que a justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador pressupõe, em geral, que da actuação imputada ao empregador resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que se torne inexigível ao trabalhador a continuação da prestação da sua actividade, sendo de atender, na ponderação da inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho, ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias relevantes, tendo o quadro de gestão da empresa como elemento estruturante de todos esses factores.
Não é assim um qualquer conflito entre os sujeitos do contrato de trabalho que poderá justificar a resolução imediata do contrato, sendo exigível que esse conflito, além de imputável a culpa da entidade patronal, seja de tal modo grave que provoque a ruptura imediata do contrato por não ser exigível ao trabalhador que permaneça por mais tempo ligado à empresa.
Por outro lado é indiscutível que a ruptura tem que ser imediata, tanto mais que a declaração resolutiva deve ser emitida nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos que fundamentam a justa causa, conforme impõe o nº 1 do artigo 395º. E compreende-se a existência desta limitação temporal para o exercício do direito de resolução, dado que se o contrato perdurar para além deste período é de concluir que a conduta do empregador não foi suficientemente grave para provocar a ruptura imediata do contrato.
Alinhadas estas considerações gerais sobre a matéria, vejamos então o caso presente.
3.2---
O A resolveu o contrato de trabalho com justa causa, invocando a violação do direito a ocupação efectiva, uma vez que a Ré o suspendeu ainda na fase do inquérito prévio e ao mantê-lo preventivamente suspenso por mais de 30 dias contados até à notificação da nota de culpa infringiu o nº 2 do artigo 354º do CT/2009.
A Relação, embora tenha entendido que ocorreu um comportamento violador dos direitos do trabalhador, imputável a actuação culposa da empregadora, não considerou porém, que esta conduta, pela sua gravidade e consequências, tenha tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
É contra tal posição que reage o recorrente, argumentando que o critério que deve presidir ao preenchimento valorativo do conceito de justa causa é um critério objectivo-normativo e não um critério subjectivo normativo, como fez o acórdão impugnado.
Face a esta posição, vejamos então se tem razão.
3.3---
Em 5 de Dezembro de 2012, a empregadora comunicou ao trabalhador a sua suspensão preventiva. E comunicou-lhe também que, nos termos do artigo 352.º do CT, havia determinado a instauração dum procedimento prévio de inquérito, pois tinham chegado ao seu conhecimento, em 28 de Novembro de 2012, a prática pelo A de factos graves que careciam de ser cabalmente esclarecidos e devidamente circunstanciados.
Terminado o inquérito, foi elaborado o relatório final em 4 de Janeiro de 2013, tendo a R determinado, em 10 de Janeiro seguinte, a instauração de processo disciplinar com vista ao despedimento do A, atenta a gravidade e elevada censurabilidade do comportamento laboral que se indiciava do inquérito.
E em 11 de Janeiro de 2013, foi-lhe remetido, sob registo e aviso de recepção, carta com a nota de culpa, que veio devolvida em 23 de Janeiro de 2013, por erro na indicação da morada do A.
E logo no dia seguinte, 24 de Janeiro de 2013, corrigido de imediato o erro involuntário na redacção da morada do A, a R remeteu-lhe 2.ª via da mesma carta, datada de 11 de Janeiro de 2013, e da nota de culpa.
Face a este circunstancialismo, também não podemos concluir pela justa causa na resolução do contrato pelo trabalhador, tal como entendeu a Relação.
Na verdade, flui dos factos descritos sob os n.ºs 6 a 12 da matéria de facto que a R foi diligente na condução do inquérito, tanto mais que, sendo o trabalhador Director dos Serviços de informática, o apuramento dos mesmos era susceptível de alguma demora por demandar a necessidade de realização de perícias e auditorias no campo informático, tal como ocorreu.
Apesar disso, o seu relatório final foi elaborado em 4 de Janeiro de 2013, e a nota de culpa foi remetida ao trabalhador em 11 de Janeiro.
É certo que a mesma só chegou ao seu conhecimento depois de 24 de Janeiro, pelo que se configura a existência dum período de 19 dias de violação do direito a ocupação efectiva do trabalhador.
Na verdade, na senda do estatuído na alínea b) do artigo 122º do CT/2003, resulta do nº 1, alínea b), do artigo 129º do Código do Trabalho de 2009, que é proibido ao empregador “obstar, injustificadamente, à prestação efectiva do trabalho”, consagrando, de forma expressa e clara, o direito à ocupação efectiva do trabalhador.
No entanto, não se trata dum direito absoluto do trabalhador, pois como anotam Pedro Romano Martinez, Pedro Madeira de Brito e Guilherme Dray, a propósito daquela norma[6]:
“[E]m todo o caso, na medida em que se afirma que o empregador não pode obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho, não deixa de ser dispensável o recurso à boa fé para efeitos de apuramento e concretização daquele conceito indeterminado. Como dispõe o nº 2 do artigo 762º do CC, o empregador (credor da prestação), no exercício do direito correspondente, deve proceder de boa fé. Importa apurar, caso a caso, se a não atribuição ao trabalhador de uma ocupação efectiva é ou não, à luz da boa fé, justificável, o mesmo é dizer, se estamos perante uma situação em que a não atribuição de uma ocupação tem em vista causar prejuízos ao trabalhador ou pressioná-lo em termos inaceitáveis…”.
Também Bernardo Xavier sustenta que a conduta do empregador em manter um trabalhador inactivo, mesmo pagando-lhe o ordenado, será de censurar quando constituir quebra do dever de boa-fé ou constitua um abuso do direito[7].
Ora, não resulta da factualidade apurada que a empregadora, na sua actuação violadora do direito a ocupação efectiva do trabalhador, tivesse sido movida por uma actuação de má-fé, nomeadamente por uma intolerável intenção de causar prejuízos ao trabalhador ou de o querer pressionar.
Por outro lado, e como adverte Furtado Martins[8], a lei não estipula sanção, designadamente invalidade do procedimento, para a irregularidade consistente no prolongamento do prazo de suspensão para além dos 30 dias antes da notificação da nota de culpa (artigo 382.º, n.º 2, do CT).
E acrescenta o mesmo autor:
“Admite-se que em casos extremos de patente injustificação ou excessivo prolongamento do afastamento do trabalhador a suspensão preventiva irregular possa configurar uma violação da proibição de «obstar injustificadamente à prestação efectiva do trabalho» [artigo 129.º, 1, b)], com a inerente possibilidade de configurar a prática de uma contraordenação muito grave (artigo 129.º, 2) ]. E, nas hipóteses mais graves, não é de excluir que a ordem ilegítima de suspensão represente uma violação culposa de uma garantia do trabalhador suscetível de fundamentar a resolução do contrato com justa causa, nos termos do artigo 394.º, 2, b) [].
O que antecede não significa que exista uma ligação automática e imediata entre a irregularidade da suspensão e a violação culposa de garantias do trabalhador.”.
Ora, se é certo que a R violou o nº 2 do artigo 354º do CT, temos de considerar que se trata, manifestamente, dum curto período de tempo (19 dias) em que se pode falar duma não ocupação do trabalhador.
E por outro lado, atendendo à celeridade com que conduziu o inquérito prévio, e dado que o atraso na notificação da nota de culpa resultou, em parte, dum lapso involuntário dos serviços da empregadora, temos de concluir pela pouca censurabilidade da sua conduta, pois grande parte deste período de inactividade do trabalhador adveio do erro na indicação do endereço da carta com a nota de culpa.
Por tudo isto, temos de confirmar a decisão recorrida quando concluiu que, no concreto circunstancialismo, a suspensão preventiva do trabalhador durante 19 dias para além do limite permitido por lei, não constitui justa causa de resolução do contrato, por não se ter provado que desta violação tenham resultado efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que tenham tornado inexigível ao trabalhador a continuação da prestação da sua actividade, tanto mais que o A não provou a existência de quaisquer prejuízos que esta situação lhe tenha provocado, assim como não provou que antes da cessação do contrato alguma vez tenha reagido contra ela.
Na verdade, e conforme decidiu o acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Julho de 2011, processo 105/08.0TTSNT.L1.S1-4ª secção, só quando se trata duma violação grave do direito à ocupação efectiva do trabalhador, é que este tem justa causa para resolver o contrato, pois não é uma qualquer violação dos direitos do trabalhador que lhe confere este direito.
E por isso, é absolutamente indiferente que estejamos perante um caso de eventual responsabilidade contra-ordenacional do empregador, pois este ponto é irrelevante para a apreciação desta questão.
Pelo exposto, e improcedendo todas as conclusões do recorrente, impõe-se a confirmação do julgado.
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Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido.
Custas a cargo do A
Anexa-se sumário do acórdão.
Lisboa, 9 de Setembro de 2015.
Gonçalves Rocha (Relator)
Leones Dantas
Melo Lima
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[1] Por manifesto lapso, na petição inicial o Autor refere o ano de 2012.
[2] Cuja entrada em vigor ocorreu em 1 de Setembro de 2013, conforme determinado no artigo 8º da Lei 41/2013 de 26 de Junho, sendo a disciplina do novo Código já aplicável por força do preceituado no nº 1 do seu artigo 5º, que a manda aplicar às acções declarativas pendentes.
[3] Neste sentido se pronunciava a jurisprudência deste Supremo Tribunal, nomeadamente no acórdão de 23/5/95, BMJ 447/271.
[4] Processo nº 234/07.7TTSTB.S1-4ª secção, www.dgsi.pt. No mesmo sentido, veja-se ainda o acórdão deste Supremo Tribunal de 13/7/2011, Processo 105/08.0TTSNT.L1.S1-4ª secção (Revista), também acessível em www.stj.pt.
[5] Direito do Trabalho, 13ª edição, Almedina, pág. 610.
[6] Código do Trabalho Anotado, 2013, 9.ª Edição, Almedina, pág. 343.
[7] Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 2ª edição, pgª 338/339, pronunciando-se ainda neste sentido João Moreira da Silva, Direitos e Deveres dos Sujeitos da Relação Individual do Trabalho, 109 e ss.
[8] Cessação do Contrato de Trabalho, 214, 3ª edição, Principia.