I - Sendo de revista o recurso interposto para o STJ da decisão de um tribunal colectivo, visando exclusivamente a matéria de direito conforme estabelece o art. 434.º, do CPP, devem as questões de facto, nomeadamente a determinação da intenção do agente, mais concretamente a intenção de matar ou a fixação dos elementos subjectivos do dolo nos crimes em que este é elemento essencial, considerar-se definitivamente resolvidas pela instância recorrida.
II - Da factualidade dada como provada não resulta que o arguido tenha representado como possível que da actuação destinada a imobilizar a vítima por forma a preservar a sua integridade física pudesse resultar a respectiva morte, o que poderia vir a configurar uma situação de dolo eventual, antes emerge que o arguido quis causar a morte do seu opositor, o que conseguiu alcançar. O elemento volitivo do dolo configura, portanto, uma situação de dolo directo, tal como considerou o tribunal colectivo.
III - Valorando a inexistência de um plano criminoso previamente assumido, a forma como se desenvolveu a agressão, com grande violência e, bem assim, a ausência de qualquer atitude do arguido no sentido de minorar o resultado da sua conduta, deve concluir-se que a ilicitude, no estrito âmbito do tipo legal de homicídio, é de considerar de mediana intensidade.
IV - Atenta a ausência de antecedentes criminais, o arrependimento verbalizado pelo arguido, e a circunstância de serem de baixa intensidade as necessidades de prevenção especial, a pena é fixada em 10 anos de prisão – e não nos 11 anos de prisão em que foi condenado pelo tribunal colectivo – pena que responde suficientemente às necessidades de prevenção geral e que se contém dentro da medida da culpa do arguido.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
1. Acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131ºe 132º nºs 1 e 2 al. e) do Código Penal, foi julgado pelo tribunal colectivo da Instância Central de Cascais – 2ª Secção Criminal, Juiz 2 da Comarca de Lisboa Oeste, AA, com os demais elementos de identificação constantes dos autos, e, após audiência, foi condenado pela prática de um crime de homicídio p. e p. pelo arts. 131º do Código Penal na pena de 11 anos de prisão.
Inconformado o arguido recorre ao Supremo Tribunal de Justiça, tendo sintetizado a motivação que apresentou nas conclusões que se reproduzem:
1 . Vem o presente recurso do acórdão proferido nos autos, no qual foi o recorrente condenado,
como autor material de um crime de homicídio simples, previsto e punido no artigo 131.º do Código Penal.
2. Com o mesmo não pode o arguido conformar-se, limitando a sua discordância a questões de direito.
3. Desde logo, atenta a matéria de facto dada como provada e não provada, aponta-se desde já o facto de o Tribunal ter concluído que o arguido agiu com dolo direto e não eventual
4. Na verdade, como bem refere o douto acórdão em crise, todos os pormenores do que sucedeu na cena do crime foram trazido[s] a julgamento pelo arguido, que se responsabilizou por ter tirado a vida à vítima BB.
5. Tratou-se de uma luta entre dois indivíduos de compleição física semelhante e que, atenta a gravidade do confronto um teria que ser imobilizado.
5. Entende o arguido ter agido com dolo eventual e não com dolo direto, como decidido no acórdão em crise, o que, a atender-se, se refletirá, necessariamente, na medida da pena,
6. No crime de homicídio, age com dolo eventual quem represente a morte da vítima como consequência da sua conduta e se conforma com o resultado, cfr acórdão do STJ de 6/6/84, BMJ, n.º 337, pág 307.
7. O arguido não pretendia causar a morte da vítima mas sim imobilizá-la por forma a preservar a sua integridade física.
8. Mas mesmo que assim não se entenda, considerando todos os factos dados como provados e não provados, a condenação ao cumprimento de uma pena de onze anos de prisão é manifestamente
excessiva.
10. Sem olvidar estarmos perante um crime de extrema gravidade, a verdade é que foi cometido numa luta corpo a corpo iniciada pela vítima.
11. O arguido após ter cometido o crime informou as autoridades que a vítima se encontrava morta e, logo que confrontado com as suspeitas de ter sido o autor do crime entregou-se às autoridades.
12. Tudo para dizer que o Tribunal a quo esteve perante um indívíduo inserido, trabalhador, com relações estáveis e sem antecedentes criminais, que claramente cometeu este crime num ato isolado.
13. Estes elementos deviam ter sido relevados para, a final, se decidir por uma condenação próxima do limite mínimo.
14. Nunca é demais referir que o trágico resultado é o culminar de uma luta iniciada pela vítima,
pessoa de difícil trato para que [os que] com ele coabitavam.
15. Atento o princípio da apreciação da prova e os factos dados como provados, a fundamentação e percurso da convicção do Tribunal, faziam que se impusesse uma pena diversa.
16. Pelo que não foram salvo o devido respeito tidos em consideração os critérios enunciados no artigo 71.°, do Código Penal.
17. Assim e em suma entende o arguido que a pena concretamente fixada pelo Tribunal a quo e que aqui se coloca em crise, deva ante[s] ser próxima do limite mínimo, o que requer.
Normas violadas:
Artigos 14, n." 3 e 71.°, ambos do Código Penal.
Respondeu o Ministério Público, que se pronunciou pela confirmação da decisão recorrida. Partindo da afirmação constante da decisão recorrida de que “a energia que [o arguido] empregou nesse acto [o estrangulamento] foi de tal molde que a vítima morreu e o cinto partiu-se. Essa força só é compatível com a vontade directa de pôr fim à vida doBB”, defende ser “tal acto demonstrativo do dolo directo com que o arguido actuou”; no que respeita à medida da pena, considerou que a pena de 11 anos de prisão se mostra “justa, adequada e proporcional ao ilícito cometido.”
No visto a que se refere o art. 416º nº 2 do Código de Processo Penal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta afirmou nada ter a acrescentar à resposta do Ministério Público apresentada na instância recorrida.
Os autos foram a vistos e vêm à conferência para decisão, dada a circunstância de o recorrente não ter pedido a realização de audiência.
2. É a seguinte a matéria de facto provada:
1. O arguido AA mantinha com CC uma relação de namoro, tendo o mesmo mudado para o apartamento onde esta residia, sito na ..., área deste município, no fim-de-semana de 26 e 27 de Junho de 2014;
2. No referido apartamento residiam ainda, a vítima BB e a sua namorada DD, os quais ocupavam um outro quarto e EE, que ocupava outro, sendo o pagamento da renda dividido entre todos;
3. Uma vez que ali se encontrava a residir há pouco tempo e não se deslocava muitas vezes a casa da sua namorada CC, o arguido não tinha qualquer proximidade com os restantes moradores, não os conhecendo bem, uma vez que não tinha convivido com os mesmos por muito tempo;
4. No dia 1 de Agosto de 2014, entre as 8h00m e as 9h00m, quando já haviam saído para o trabalho DD, EE e CC, (pelas 7h30m), o arguido foi até à cozinha.
5. Enquanto o arguido se encontrava na cozinha, apareceu BB, à procura de uma camisa para vestir, uma vez que se encontrava de tronco nu, para após ir trabalhar;
6. Aí, o arguido trocou algumas palavras com a vítima BB, que se mostrou desagradado com a permanência do arguido na casa, tendo BB agredido o arguido na zona da cabeça;
7. O arguido reagiu desferindo um murro noBB, atingindo-o na zona do abdómen;
8. Ao que BB lhe voltou a agredir o arguido, atingindo-o na zona do ombro;
9. O arguido colocou então os seus braços à volta do pescoço da vítima, e começou a fazer pressão;
10. Após, o arguido rodou o seu corpo, de forma a ficar de frente para as costas de BB;
11. No esforço de se libertar, a vítima foi fazendo pressão com os pés no chão, empurrando-os até ao quarto;
12. Quando já se encontrava no interior do quarto da vítima, o arguido agarrou no cinto do roupão daquele, de cor cinzenta, com riscas de cor preta, verde, branca e cinzenta, que se encontrava pendurado na porta do roupeiro;
13. Após, colocou o referido cinto em volta do pescoço deBB e, com recurso à força física, estrangulou-o.
14. Em face da violência do puxão, o arguido partiu uma parte do cinto do roupão que tinha utilizado, a qual manteve consigo, enquanto prendeu a restante num dos puxadores do roupeiro;
15. Após, e deixando a vítima morta no chão, de barriga para cima, o arguido saiu da residência, desfazendo-se do resto do cinto do roupão;
16. Pelas 10h00 o arguido regressou a casa, tendo confirmado que BB se encontrava sem vida, tendo voltado a sair, com vista a encontrar-se com a sua namorada CC, como haviam combinado;
17. Voltou a entrar em casa pelas 12h00, altura em que decidiu contactar a Polícia, informando que BB se encontrava morto no quarto dele;
18. Aí, e enquanto a Polícia verificava a situação, o arguido tirou os calções que envergava e lavou-os, uma vez que tinham uma mancha de sangue que a vítima havia expelido;
19. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, a vítima sofreu: - "Sulco de estrangulamento no pescoço - horizontal sobre o aparelho laríngeo - linha argêntea sob o sulco na face anterior do pescoço - infiltrações hemorrágicas múltiplas nas regiões maxilar direita e submandibular direita - nos músculos do pescoço - fractura da lâmina quadrada direita da cartilagem tiroideia - infiltração hemorrágica dos músculos pré-vertebrais nível de 2.ª e 3.ª vértebras cervicais - hemorragias na mucosa laríngea - hemorragias petequiais subpleurais - hemorragias petequiais nas conjuntivas oculares - congestão generalizada; - Lesões traumáticas de natureza contundente no dorso da mão direita - no braço e no cotovelo esquerdos e na perna direita".
20. A morte de BB foi devida a asfixia por estrangulamento;
21. Actuou o arguido AA na conduta descrita, com o propósito concretizado de atentar contra a vida de BB e de lhe causar a morte, apertando-lhe o pescoço por forma a impedi-lo de respirar, meio que sabia ser idóneo para tal fim, o que quis e conseguiu alcançar;
22. O arguido actuou, na conduta descrita, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a mesma era proibida e punida por lei e, mesmo assim, não se inibiu de a praticar;
23. O arguido tem nacionalidade ucraniana e encontra-se em território nacional há catorze anos, sendo titular da Autorização de Residência n.º ..., com data de validade até 11 de Abril de 2017;
24. Previamente à sua detenção não exercia qualquer actividade profissional regular remunerada desde há cerca de um ano e meio;
25. O arguido ia iniciar celebrar um contrato de trabalho com a Câmara Municipal de Lisboa, em 8 de Agosto de 2014;
26. Iniciando nesse mesmo dia o exercício de funções;
[condições pessoais do arguido]
27. O arguido é natural da Ucrânia, tendo o seu processo de socialização decorrido junto dos progenitores, bem como de uma irmã, que ainda ali residem, beneficiando de bom ambiente familiar;
28. Concluiu o 12.º ano, a que se seguiu uma formação profissional em tecnologia electrónica;
29. Contraiu matrimónio aos 25 anos, o qual foi dissolvido 2 anos depois;
30. Decidiu emigrar para Portugal quando contava 29 anos, procurando melhorar a sua situação financeira;
31. Em Portugal, trabalhou numa fábrica de azeite, numa empresa de trabalho temporário, numa empresa de segurança e nas cargas e descargas de contentores de navios na zona de Santa Apolónia;
32. Antes da data referida no facto provado 1.º) o arguido residia com carácter de permanência, num quarto alugado na Venda Nova - Amadora;
33. No Estabelecimento Prisional, o arguido é visitado regularmente por CC, com que pretende manter a relação afectiva, e pontualmente por amigos;
34. Tem revelado, em ambiente prisional, uma postura adequada e colaborante, quer com os outros reclusos, quer com os serviços de vigilância e técnicos;
35. Exerce funções laborais no estabelecimento prisional desde Janeiro de 2015, na área das limpezas e, mais recentemente, no sector da cozinha, o que faz com empenho e responsabilidade;
36. O arguido verbalizou lamentar o resultado do acto por si praticado, mostrando-se arrependido;
37. Não tem antecedentes criminais.
Tendo o recorrente, tal como declarou, limitado o recurso à matéria de direito e não sendo evidentes nenhum dos vícios a que o art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal faz referência e de que oficiosamente cumpra conhecer, tem-se a matéria de facto como estabilizada.
3. As questões suscitadas no recurso são as seguintes:
- A intenção do arguido configura dolo directo ou dolo eventual;
- A medida da pena.
4. Acerca da primeira questão, alega o recorrente no texto da motivação:
“… todos os pormenores do que sucedeu na cena do crime, foram trazidos a julgamento pelo arguido, que se responsabilizou por ter tirado a vida à vítima BB, tendo, nos esclarecimentos prestados, referido que usou o cinto para imobilizar a vítima. Tratou-se de uma luta entre dois indivíduos de compleição física semelhante e que, atenta a gravidade do confronto, um teria que ser imobilizado. O arguido, ainda que tenha assumido que o seu ato podia levar à morte da vítima, agiu com intenção de a imobilizar. Assumiu o risco da sua conduta e, como sucede nestes episódios de grande violência, não abrandou, praticando assim, o crime de homicídio simples. Entende o arguido ter agido com dolo indireto ou eventual e não com dolo direto, como decidido no acórdão em crise … Num crime de homicídio, age com dolo eventual quem represente a morte da vítima como consequência da sua conduta e se conforma com o resultado, cfr Ac do STJ de 6/6/84, BMJ, n." 337, pág 307. O arguido ao colocar o cinto do roupão em redor do pescoço da vítima não teve intenção de lhe causar a morte pese embora se tenha conformado com o resultado. Tal como se referiu supra, o arguido não pretendia causar a morte à vítima mas sim imobilizá-la por forma a preservar a sua integridade física.”
O recorrente afirmou no seu recurso pretender suscitar apenas questões de direito. Contudo, não deixou de pôr em causa a conclusão do tribunal colectivo a respeito da intenção com que actuou. Ora, conforme resulta de abundante jurisprudência enunciada no ac. deste Supremo Tribunal de 12-03-2009 – Proc. 3781/08, constitui matéria de facto, a determinação da intenção do agente, mais concretamente da intenção de matar, ou a fixação dos elementos subjectivos do dolo nos crimes em que este é elemento essencial. Sendo o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça um recurso de revista, visando exclusivamente a matéria de direito, conforme estabelece o art. 434º do Código de Processo Penal, devem as questões «de facto» considerar-se definitivamente resolvidas pelas instâncias, nomeadamente no recurso para a Relação. Com efeito, ao arguido foi reconhecida, nos termos constitucionais, a faculdade de suscitar perante um tribunal superior – a Relação – os vícios de que entende sofrer a matéria de facto, sendo-lhe assim assegurado um efectivo segundo grau de jurisdição nessa matéria com o qual se encerra a questão de facto.
No acórdão recorrido ficou bem explícito o processo lógico-racional que permitiu ao tribunal, baseado nas regras da experiência e na livre apreciação da prova, dar como provados os factos nºs 13º, 14º, 20º, 21º e 22º. Assim, deu credibilidade à afirmação do arguido de que “a dada altura se sentiu cansado e com necessidade de terminar a luta. Foi então que decidiu usar o cinto e com ele estrangular a vítima”, mas não deixou de ter em consideração que “a energia que empregou nesse acto foi de tal molde que a vítima morreu e o cinto partiu-se. Essa força só é compatível com a vontade directa de pôr fim à vida doBB.”
Segundo o art. 14º nº 1 do Código Penal, “age com dolo quem, representando um facto quer preenche um tipo de crime, actuar com intenção de o realizar”, afirmando-se, no nº 3, que “quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência possível da conduta, há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização”.
Como observa Figueiredo Dias (Direito Penal - Parte Geral, tomo I, pág. 349), o Código Penal apenas enuncia cada uma das formas em que o dolo se analisa, não definindo o dolo do tipo, configurado pela doutrina como conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito. No seu elemento intelectual, o dolo “traduz-se na exigência de que o agente conheça o tipo legal de crime que a sua vontade visa realizar” (Eduardo Correia, Direito Criminal, I, pág. 368), ou, no dizer de Figueiredo Dias (op. cit., pág. 361) “tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da consciência ética do agente para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada”. Este conhecimento tem de ser complementado pelo elemento volitivo, que se traduz na vontade dirigida à realização do facto ilícito, a qual assume os diversos matizes que a norma penal enuncia.
Deste modo, diz-se terem sido praticados com dolo directo todos aqueles casos em que a realização do tipo objectivo de ilícito constitui o verdadeiro fim da conduta do agente. Quanto aos casos de dolo eventual, caracterizam-se estes pela representação pelo agente da realização do tipo objectivo de ilícito como consequência possível da conduta, a qual o agente aceita como resultado da sua actuação.
Como vimos, “entende o arguido ter agido com dolo indirecto ou eventual e não com dolo directo” (concl. 5). Contudo, consta dos factos provados que o recorrente AA agiu “com o propósito concretizado de atentar contra a vida de BB e de lhe causar a morte … o que quis e conseguiu alcançar” e, que “actuou … de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a mesma era proibida e punida por lei e, mesmo assim, não se inibiu de a praticar”. Resulta pois desta factualidade, não que o arguido tenha representada como possível que da sua actuação, destinada a imobilizar a vítima por forma a preservar a sua integridade física, pudesse resultar a morte doBB, o que poderia vir a configurar uma situação de dolo eventual, mas que o arguido quis causar a morte do seu opositor, o que conseguiu alcançar. O elemento volitivo do dolo configura, portanto, uma situação de dolo directo, tal como considerou o tribunal colectivo, e não de dolo eventual, como pretende o recorrente.
Não merece, pois, o tribunal colectivo, a mais leve censura quanto a esta questão, sendo o recurso improcedente nesta parte.
5. O tribunal colectivo considerou que os factos tidos por provados são integradores de um crime de homicídio p. e p. pelo art. 131º do Código Penal, e, perante uma moldura legal de 8 a 16 anos de prisão, fixou a pena em 11anos de prisão.
Sustenta o recorrente que não foram tidos em consideração os critérios enunciados no art. 71º do Código Penal, defendendo que a pena a aplicar seja próxima do limite mínimo.
Na decisão decorrida, enunciados os critérios constantes do art. 71º do Código Penal e invocadas as lições de Figueiredo Dias e de Anabela Miranda Rodrigues sobre o papel da prevenção na determinação da medida da pena, o tribunal colectivo, para considerar adequada a pena de 11 anos de prisão, ponderou o grau de ilicitude do facto, que considerou ser muito elevado, a intensidade criminosa revelada pelo dolo directo com o arguido agiu, as exigências de prevenção geral relativas ao crime de homicídio muito elevadas que teve por muito elevadas e as de prevenção especial, que considerou baixas, e ainda o arrependimento verbalizado de forma sincera, a circunstância de dias depois iniciar um contrato de trabalho e a falta de antecedentes criminais.
De todos estes elementos, apenas as considerações tecidas pelo tribunal colectivo acerca da ilicitude merecem alguma reflexão. A tal respeito consta da decisão recorrida: “Assim sendo, haverá que ponderar, desde logo, o grau da ilicitude dos factos atentos os bens jurídicos em causa, tendo presente a forma particular como essa ilicitude se mede, por referência à concreta postura do arguido. Ponderando. Com a previsão do artigo 131.º do Código Penal, protege-se o bem jurídico vida, como fundamento primeiro da culpa criminal, o seu principal valor axíológico, aquele que a nível individual se tem por mais relevante e, por natureza, irreversível. O acto de matar não deixa qualquer possibilidade de regresso, constituindo uma conduta verdadeiramente irreparável. É esta irreversibilidade que confere um enorme desvalor ao resultado.” Tudo para concluir, após citar Gomes Canotilho e Vital Moreira acerca do direito à vida: “Quanto ao grau de ilicitude, revela-se muto elevado.”
Assenta esta conclusão na importância do interesse ofendido, no caso, a vida humana. Mas, como refere Eduardo Correia (op. cit., II, pág. 320), “… esse elemento … já intervém do ponto de vista da individualização legal, ao fixar-se a moldura penal abstracta, e não pode portanto voltar a ser tomado em conta para graduar concretamente a pena.”
Também Anabela Miranda Rodrigues (A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, pág. 481) alude a que “… o juiz, no momento de determinar a pena no caso concreto … encontra já definidos os bens jurídicos. O que tem de decidir é sobre a concreta colocação em perigo ou lesão do objecto a que se refere a acção. É isto e não a inviolabilidade geral da vida, honra, integridade física, etc., que se apresenta ao juiz no momento da determinação da pena. O que significa que o ilícito deve ser valorado pelo juiz em função da gravidade do ataque ao objecto em particular. Os danos ocasionados, a extensão dos efeitos produzidos, em suma, o «efeito externo», determinam então para o juiz, no momento da fixação da pena, o significado do facto para a ordem jurídica.”
No caso em apreço, os factos revelam a existência de uma discussão entre o arguido e a vítima, ocorrida na casa onde ambos residiam, quando ali não se encontrava nenhum dos demais moradores; à discussão seguiram-se agressões, iniciadas pela vítima; o arguido colocou então os braços à volta do pescoço da vítima, começando a fazer pressão, mas a vítima, fazendo pressão com os pés, empurrou ambos para o seu próprio quarto. O arguido agarrou no cinto do roupão da vítima que estava pendurado na porta do roupeiro, colocou-o em volta do pescoço do BB e, com recurso à sua força física, estrangulou este, causando-lhe a morte por asfixia, tendo com a violência do puxão partido o cinto. Deixando a vítima caída no chão, o arguido saiu para o exterior, regressando a casa cerca de uma hora depois, confirmando que a vítima se encontrava sem vida.
Da sumária descrição resulta com relevo para a ilicitude que não foi dada como provada a existência por parte do arguido de qualquer plano criminoso, antes resultando que a vontade do arguido em provocar a morte da vítima se formou no decurso da discussão e agressões mútuas, que a vítima iniciou, atingindo o arguido na zona da cabeça. Verificou-se por parte do arguido desinteresse quanto ao resultado da sua conduta, tendo abandonado a vítima morta no chão, sem lhe tentar prestar, ou fazer com que lhe fosse prestado, qualquer auxílio.
Valorando a inexistência de um plano criminoso previamente assumido, a forma como se desenvolveu a agressão, com grande violência, e bem assim a ausência de qualquer atitude do arguido no sentido de minorar o resultado da sua conduta deve concluir-se que a ilicitude, no estrito âmbito do tipo legal de homicídio, é de considerar de mediana intensidade.
Esta circunstância, bem como todas as demais que o tribunal colectivo considerou na determinação da medida da pena, conforme acima se fez referência expressa, e de que se deve destacar a reconhecida menor necessidade de prevenção especial, determinam que se fixe a pena em 10 anos de prisão, pena que responde suficientemente às necessidades de prevenção geral, entendida como reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma que protege os bens jurídicos, e que se contém dentro da culpa do arguido.
DECISÃO
Termos em que acordam no Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso do arguido AA, fixando a pena a expiar pela prática do crime de homicídio voluntário p. e p. no art. 131º do Código Penal em 10 (dez) anos de prisão.
Sem custas.
Lisboa, 8 de Outubro de 2015
Arménio Sottomayor
Souto de Moura