CONTRATO DE COMPRA E VENDA
ACÇÃO DE PREFERÊNCIA
AÇÃO DE PREFERÊNCIA
BENFEITORIAS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
DIREITO DE RETENÇÃO
Sumário


I. O adquirente preferido goza do direito ao reembolso das benfeitorias que tenha realizado, nos termos do art. 1273º do Código Civil.
II. O valor das benfeitorias necessárias que o adquirente preferido realizou é calculado, tal como o das úteis, segundo as regras do enriquecimento sem causa, e não segundo as regras da responsabilidade civil.
III. O reconhecimento judicial do direito de preferência tem efeito retroativo ao momento da alienação, sendo o adquirente substituído pelo preferente com eficácia ex tunc.
IV. Embora o contrato de compra e venda celebrado entre o alienante e o adquirente produza a sua normal eficácia translativa, durante o período que medeia entre a celebração do contrato e a decisão proferida na ação de preferência o adquirente preferido detém também a qualidade de possuidor da coisa.
V. Nesta medida, o adquirente preferido goza do direito de retenção sobre a coisa para garantia do pagamento do valor das benfeitorias necessárias que nela realizou.

Texto Integral


Tribunal recorrido: Tribunal da Relação do Porto

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Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção):

I - RELATÓRIO

AA e mulher BB demandaram, pelo Tribunal Judicial de ... e em autos de ação declarativa na forma ordinária, CC, Lda. (doravante 1ª Ré) e DD, S.A., peticionando, no exercício do direito de preferência que alegaram assistir-lhes nos termos do 28.º do Regime do Arrendamento Rural, aprovado pelo DL n.º 385/88, de 25/10, que se proferisse sentença que os substituísse à 1ª Ré na compra e venda que indicam, e que se ordenasse o cancelamento da inscrição lavrada no seguimento da compra e venda a que se reportam.

Alegaram para o efeito, muito em síntese, que eram arrendatários rurais de parte do prédio misto sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha número ... da referida da freguesia, e inscrito nas matrizes prediais urbanas sob os artigos números 65, 66, 68, 69 e 70, e nas matrizes prediais rústicas sob os artigos números 256 e 791. Sucede que tal prédio veio a ser vendido pela 2ª Ré à 1ª Ré, porém sem que aos Autores tenha sido oferecida a possibilidade de exercerem o seu direito de preferência, e daqui que pretendem agora por via judicial substituir-se à compradora na dita compra e venda, mediante o oportuno pagamento do correspetivo preço (€2.500.000,00).

Contestaram as Rés, concluindo, com argumentos vários, pela improcedência do pedido.

A título subsidiário, para o caso da ação proceder, a 1ª Ré mais deduziu reconvenção, peticionando a condenação dos Autores no pagamento da quantia de € 1.376.977,16, acrescido de juros de mora desde a data da notificação da contestação, bem como no pagamento da quantia que se viesse a liquidar a título de indemnização a pagar aos trabalhadores contratados para trabalhar no prédio objeto da preferência.

Alegou para o efeito, muito em síntese, que fez obras e suportou outras despesas no prédio em causa, que totalizam aquele valor, e outras mais despesas terá que suportar com indemnizações aos trabalhadores contratados. Concluiu que tinha direito ao correspetivo reembolso por via da acessão industrial imobiliária ou, se assim se não julgasse, por via do enriquecimento sem causa obtido pelos Autores.

Mais peticionou que fosse declarado ter a seu favor direito de retenção sobre o mesmo prédio até que se mostrem pagos ou garantidos os valores por si despendidos.

No decurso do processo as Rés confessaram o pedido dos Autores, confissão que foi homologada por sentença (fls. 1599). Na sequência, os Autores depositaram o preço da venda, que foi entretanto entregue à 1ª Ré.

Seguindo o processo seus devidos termos, agora unicamente para o efeito de apreciação do pedido reconvencional, veio, a final, a ser proferida sentença que julgou a reconvenção improcedente.

Inconformada com o assim decidido, apelou a 1ª Ré para o Tribunal da Relação do Porto, que, em procedência parcial da apelação, julgou parcialmente procedente a reconvenção, condenando os Autores a pagar à 1ª Ré a quantia de €1.106.625,02 a título de benfeitorias necessárias realizadas no imóvel, acrescida de juros de mora desde a notificação da reconvenção, bem como a pagar a quantia a liquidar ulteriormente em incidente de liquidação, esta relativa a despesas (benfeitorias úteis) com o restauro de lustres existentes na casa que integra o imóvel, acrescendo juros de mora desde essa liquidação. Mais foi declarado assistir à 1ª Ré o direito de retenção sobre o imóvel até que lhe fosse satisfeito ou garantido o pagamento dos referidos valores.

Inconformados com o assim decidido, pedem os Autores revista.

Da respetiva alegação extraem as seguintes conclusões:

A. Na reapreciação da prova, o TRP violou os princípios da igualdade das partes, da aquisição processual, da imediação da prova e da oralidade, previstos nos art.s 4.º, 413.º, 604.º e 605.º do CPC, o que por si só explica a diferença abissal entre a matéria considerada provada nas alíneas E) e F) pelo Tribunal a quo e o Tribunal ad quem:

- ao atender apenas aos meios de prova assinalados pela então Recorrente e ora Recorrida nas respetivas alegações de recurso, não tendo em momento algum confrontado tais meios de prova com os demais, designadamente com os meios de prova assinalados pelos ora Recorrentes nas suas contra-alegações de recurso;

- ao concluir que “o piso superior do imóvel – que é mais sujeito aos problemas descritos – não era disponibilizado aos visitantes, que todos eram instalados nos pisos inferiores” para justificar a incompatibilidade do alegado estado de degradação do imóvel referido pelas testemunhas da Recorrida com o uso do mesmo nos últimos anos anteriores à venda para a realização de festas/casamentos, o que por vezes comportava a instalação de hóspedes na própria casa;

- ao não ter ponderado a totalidade do depoimento de EE que, contrariamente ao referido no acórdão recorrido, visitou a casa duas vezes – a primeira vez visitou a totalidade do interior e do exterior do Solar de ... e a segunda vez apenas o exterior;

- ao não ter tido em consideração os depoimentos das testemunhas FF e GG, ambos engenheiros civis e que, pese embora apenas tenham visitado o exterior da casa, procederam à sua avaliação a partir da observação estrutural do prédio e concluíram que a cobertura não apresentava problemas estruturais que pusessem a causa a sua integridade, verificando-se pontuais situações de telhas partidas e/ou deslocadas.

- ao não atender à totalidade da prova documental junta aos autos;

- ao colocar em crise a credibilidade dos depoimentos das testemunhas HH e EE;

- ao não ter ouvido diretamente o depoimento das testemunhas de ambas;

B. Caso o TRP tivesse atendido à totalidade da prova produzida nos presentes autos, ou sequer se tivesse atendido aos meios de prova assinalados nos pontos 79 a 151 das contra-alegações de recurso dos ora Recorrentes (o que claramente não fez) teria verificado que:

- o Solar de ... era visitado e utilizado na sua totalidade e não apenas o piso inferior, até porque em ambos os pisos há quartos para os hóspedes dormirem e uma vez que no piso superior ficam situadas as divisões sociais da casa – sala de estar, sala de jantar, biblioteca e a própria entrada principal da casa – os visitantes teriam sempre de percorrer quase toda a casa, conforme resulta do depoimento da testemunha HH(ficheiro 20140707113736_70043_64756 de 07/07/2014, de 00:05:23 a 00:18:05, conforme Ata da Sessão da Audiência de Julgamento do dia 07/07/2014) e da transcrição do mesmo assinalada no ponto 137 das contra-alegações de recurso dos ora Recorrentes;

- a testemunha EE visitou não só o exterior, mas também o interior do Solar de ..., e por certo, de aferido de forma diferente a sua credibilidade, conforme resulta do depoimento da referida testemunha (ficheiro 20140707105805_70043_64756 de 07/07/2014, de 00:01:08 a 00:01:38, de 00:11:00 a 00:11:54, de 00:03:20 a 00:11:55, conforme Ata da Sessão da Audiência de Julgamento do dia 07/07/2014) e da transcrição do mesmo assinalada nos pontos 106 e 137 das contra-alegações de recurso dos ora Recorrentes; 

- que o Solar que integra a ... apresentava à data da aquisição alguns estragos ao nível dos telhados, mormente telhas partidas e deslocadas e da caixilharia/janelas, nomeadamente alguma caixilharia do denominado claustro achava-se semi-apodrecida, como havia e bem sido considerado como provado pelo Tribunal de 1.ª Instância na alínea E), conforme resulta dos depoimentos das testemunhas HH, EE, FF e GG, conjugados não só com a Memória Descritiva e Justificativa [documento n.º 9 junto com o requerimento de 27/02/2012 com a ref.ª 9483454 (e também com o requerimento de 15/03/2013 com a referência 9658580)], mas também com as fotografias juntas aos autos pelos Recorrentes durante a audiência de julgamento do dia 04/06/2014, bem como com as cerca de 400 fotografias juntas nessa mesma audiência pela Recorrida;

- à data da venda o Solar que integra ..., verificavam-se infiltrações de água no interior de algumas divisões, conforme havia sido inicialmente e bem considerado como provado na alínea F) pelo Tribunal da 1ª instância, infiltrações essas pontuais e localizadas, que de modo algum punham em risco a integridade estrutural e a salubridade do imóvel, pois a casa estava habitável, conforme foi referido com total com conhecimento do imóvel e isenção pelas testemunhas EE, HH, II, e pelas testemunhas FF e GG (com igual isenção e rigor que demonstraram nos respetivos depoimentos, mas apenas no que respeita ao exterior do imóvel), mas também porque assim resulta da Memória Descritiva e Justificativa [documento n.º 9 junto com o requerimento de 27/02/2012 com a ref.ª 9483454 (e também com o requerimento de 15/03/2013 com a referência 9658580)];

- as testemunhas da Recorrida de algum modo estão ligadas à Recorrida: i) umas por serem familiares da gerente Dra. JJ; ii) outras por serem funcionários da Recorrida; iii) outras ainda por terem sido contratadas pela Recorrida por serem amigas da referida gerente e pendentes dos trabalhos que, mal ou bem, lhe cobraram;

- do lado dos Recorrentes testemunharam uma diversidade de pessoas: algumas que conhecem os Recorrentes e outras que não, mas todas tiveram em momentos e em circunstâncias diferentes contacto com Casa de ....

C. O TRP violou o disposto nos art.º 342.º do CC e o princípio do contraditório previsto no art.º 3.º do CPC, bem o disposto no art.º 5.º do CPC, ao considerar, por um lado, que os factos cujo aditamento foi requerido à matéria de facto provada, não foram alegados na causa, e por outro, não assumiram em sede de qualquer alegação, a natureza de exceção e nem podem ser qualificados como instrumentais ou complementares de outros que os recorridos tenham alegado para esse efeito, quando na realidade i) tais factos foram alegados e assumem a natureza de exceção das obras de restauro realizadas na Casa de ..., embora estas nunca tivesse sido qualificadas como benfeitorias pela Recorrida, nem alegada qualquer factualidade tendente a qualifica-las como tal, e ii) não obstante a alegação atabalhoada de tais factos apenas imputável à deficiente alegação por parte da Recorrida dos factos que lhe cabia alegar e provar, tais factos, resultam da instrução da causa e são complemento ou concretização dos que as partes alegaram, bem como são factos instrumentais da al. H) da matéria de facto considerada provada.

D. A matéria de facto deveria ter sido ampliada conforme requerido pelos Recorrentes nas suas contra-alegações de recurso, e uma vez que tais factos são pertinentes para a qualificação das obras realizadas pela Recorrida como benfeitorias e, caso assim sejam consideradas, para a respetiva classificação, deverá o processo ser remetido ao TRP para ampliação da matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 674.º do CPC, do seguinte modo:

(i) A cantaria do imóvel foi alterada por força da lavagem e restauro da pedra, o que fragilizou as ligações das partículas, tornado a pedra mais vulnerável às humidades futuras.

(ii) A Recorrida procedeu à substituição das vigas de madeira de castanho da estrutura do prédio por uma estrutura em pinho riga, madeira de duração e qualidade muito inferior à madeira de castanho.

E. Na sua Reconvenção a Recorrida alegou ter despendido um montante superior a um milhão de euros (€ 1.376.977,16, para se ser exato) com obras e despesas no imóvel objeto da Acão de preferência, que é um prédio misto de cerca de 4.000m2 de área bruta de construção (entre casa principal e construções dependentes) e de 86 hectares de terreno agrícola (cfr. Doc. n.º 2 junto com a P.I.).

F. Sucede que a Recorrida não qualificou as obras e despesas realizadas no imóvel como benfeitorias, contrariamente ao mencionado pelo TRP (a fls. 2332 do acórdão recorrido), como não alegou qualquer factualidade que as permitisse qualificar como tal, tendo-se limitado a referir os valores por si despendidos.

G. Estavam em causa factos essenciais que constituem a causa de pedir nos presentes autos (o alegado direito da Recorrida a ser indemnizada pelos Recorrentes por despesas realizadas no imóvel) e que, por isso, careciam de ser alegados, nos termos do art.º 5.º n.º 1 do CPC e art.º 342.º do CC. E não incumbia, ao Tribunal suprir essa falta de alegação, contrariamente ao que parece ter entendido o TRP.

H. O acórdão recorrido padece de uma contradição e de uma injustiça flagrantes, pois por um lado o TRP desculpou a circunstância de a Recorrida não ter alegado os factos que permitissem considerar preenchidos os requisitos das benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias, em clara violação dos artigos 342.º do CC e 5.º, n.º 1 do CPC, por outro, considerou que os Recorrentes não alegaram, nem provaram que os materiais ou trabalhos a que se reporta a alínea I), subalínea a) da matéria de facto provada (despesas com a empreitada de restauro) fossem “desadequados, caprichosos ou desnecessários à recuperação do imóvel” (na palavras do TRP, cf. a fls. 2362 do acórdão recorrido), em clara violação das regras sobre a repartição do ónus da prova, previstas no art.º 342.º do CC, bem como dos princípios da igualdade e do contraditório, previstos nos artigos 3.º e 4.º do CPC.

I. Mal andou o TRP ao considerar benfeitorias necessárias as despesas indicadas na subalínea a) da alínea I) da matéria de facto provada (empreitada de restauro), e ao condenar os Recorrentes no pagamento de uma indemnização à Recorrida, no montante de € 982.847,81, pela sua realização, com o que fez errada interpretação e aplicação dos artigos 216.º, 342.º, 473.º, n.º 1, 479.º, e 1273.º do CC, bem como dos artigos 5.º, 412.º e 609.º, n.º 2 do CPC, porquanto:

i) Não foi alegado que as obras foram levadas a cabo com o fim de evitar a perda e deterioração do imóvel. A Recorrida nunca especificou quais as concretas obras realizadas no telhado, fachadas e caixilharias/janelas do claustro, nem justificou a necessidade dos materiais empregados.

ii) O próprio TRP admite que o conceito de “restauro” não pressupõe a conservação da coisa, mas antes a sua restituição ao estado primitivo.

iii) Da Sentença proferida em 24/09/2014 pelo Tribunal de 1.ª Instância e do Acórdão proferido em 12/05/2015 pelo TRP, não resulta especificado como facto provado, do montante global de € 982.847,81: a) qual o montante respeitante à alegada reparação dos telhados, b) qual o montante da alegada reparação das fachadas, e c) qual o montante respeitante às caixilharias/janelas.

iv) Sem se saber que valores correspondem a que trabalhos, mal andou o TRP ao condenar os Recorrentes no pagamento do montante global de € 982.847,81, quando na verdade apenas uma parte desse montante é referente às alegadas obras realizadas no telhado, nas fachadas e nas caixilharias/janelas do claustro.

v) Algumas das alegadas benfeitorias da Reconvinte poderão não ter sido úteis nem necessárias pela singela razão que não consistiram só em simples melhoramento ou aperfeiçoamento no imóvel preexistente: consistiram de certo modo numa transformação deste, ainda que parcial. É o caso da limpeza/restauro da pedra das fachadas e a substituição da viga da madeira de castanho da estrutura do prédio, por uma estrutura de pinho riga.

vi) Para além das despesas em causa não poderem ser qualificadas como benfeitorias necessárias como fez o TRP, as mesmas também não poderiam ser qualificadas como benfeitorias úteis, por não serem susceptíveis de aumentar o valor da coisa, razão pela qual não conferem qualquer direito de indemnização.

vii) Acresce ainda que, atenta à “alta qualidade” dos materiais utilizados nas referidas obras de restauro ou beneficiação, é um abuso de direito terem os Recorrentes de as custear pelo valor pago pela Recorrida, quando caso tivessem de ser os próprios a realizar tais obras, teriam certamente optado por materiais mais baratos e de acordo com as suas reais condições económicas.

viii) Os montantes despendidos pela Recorrida estão, pois, severamente empolados face aos valores médios de mercado, conforme se pode constatar do confronto da memória descritiva e justificativa que a Recorrente juntou como documento n.º 9 ao seu requerimento de 27/02/2012, com a referência n.º 9483454), e do orçamento junto pelos Recorrentes como documento n.º 1 na audiência de 4/06/2014 e dos depoimentos das testemunhas FF e GG.

ix) Não foi feita qualquer seleção/escolha das empresas ou pessoas contratadas com base no critério qualidade/preço, mas tão só pelas ligações que todas estas pessoas tinham à gerente da Recorrida.

x) Assim, ainda que as obras em toda a área do telhado, nas fachadas e nas caixilharias/janelas do claustro pudessem ser consideradas benfeitorias necessárias, o que não se concede, nunca poderia o TRP ter condenado os Recorrentes no pagamento das quantias despendidas pela Recorrida, sem saber a medida do enriquecimento daqueles.

xi) Nunca poderia proceder a forma de determinação do montante da indemnização apurada pelo TRP. Esta indemnização teria, ao invés, de ser apurada segundo o menor de dois valores: medida do empobrecimento da Recorrida em termos abstratos, ou seja tendo em conta valor de mercado do bem (e não o valor do custo por si despendido), ou o da diferença entre o valor do restauro do telhado, das fachadas e das caixilharias/janelas do claustro antes do restauro e depois da entrega do imóvel aos Recorrentes (em 6/03/2015).

xii) O TRP no acórdão recorrido não classifica como benfeitorias necessárias as demais obras alegadamente realizadas pela Recorrida na Casa de ..., designadamente a limpeza da cantaria, à substituição de vãos, portas e portadas, à pintura de vãos, portas, portadas e ferragens, à eventual substituição de caixilharias/janelas que não as do claustro, à substituição/reparação de torneiras na cozinha e nas casas-de-banho do edifício principal, à limpeza das lajes do pátio, reparação dos muros exteriores, etc., e cujo custo encontra-se englobado no montante de € 982.847,81 referido na alínea I)a) da matéria de facto provado.

xiii) Não ficou provada por falta de alegação cabal e proficiente, a valorização (e medida desta) do prédio objeto da preferência, designadamente, para eventuais utilizações futuras, não se havendo demonstrado que, no momento da sua entrega aos Recorrentes (e que hoje se sabe ter ocorrido no passado dia 06/03/2015), em consequência da procedência da Acão, o mesmo apresentasse um valor superior aquele que tinha, à data da celebração da escritura pública de compra e venda.

xiv) Não cabia ao Tribunal a quo suprir a falta de alegação e prova por parte da Recorrida dos factos que permitissem considerar preenchidos os requisitos das benfeitorias, pelo que era à Recorrida que incumbia discriminar concretamente quais as alegadas benfeitorias úteis realizadas no imóvel. O mesmo se diga quanto à falta de alegação e prova a insusceptibilidade de levantamento das pretensas benfeitorias realizadas sem ocorrer o detrimento da coisa benfeitorizada. Esses factos nunca poderiam ser considerados factos notórios, nos termos do art.º 412.º do CPC por este pressupor um conhecimento geral por parte da grande maioria dos cidadãos.

xv) A Recorrida também não formulou um pedido de levantamento das pretensas benfeitorias úteis realizadas, pelo que sempre carecia de base legal um pedido de indemnização pela sua realização.

xvi) Não era possível relegar para liquidação em execução da sentença o valor pelo qual o benfeitorizante deverá ser ressarcido dessas benfeitorias, pois não estão em causa factos insuceptíveis de ser determinados no decurso da presente Acão, simplesmente a Recorrida não cumpriu o ónus de alegação e prova, que lhe incumbia, nos termos do art.º 342.º do CC.

xvii) Parte das obras de restauro realizadas pela Recorrida sempre poderiam ser levantadas, sem detrimento do imóvel, como sucede nomeadamente com as janelas, portas e portadas, que foram substituídas.

J. Mal andou o TRP ao considerar benfeitorias necessárias as despesas indicadas nas alíneas L) (referentes à limpeza e conservação de matas) e M) da matéria de facto provada (referentes ao controlo de abelhas e à desinfestação e controlo de pragas animais), e ao condenar os Recorrentes no pagamento de uma indemnização à Recorrida, no montante de € 123.777,21 (€ 116.366,46 + 215,25 + 7.195,50), pela sua realização, com o que fez errada interpretação e aplicação dos artigos 216.º, 342.º, 473.º, n.º 1 e 1273.º do CC, bem como dos artigos 5.º e 412.º, do CPC, porquanto:

i) Em primeiro lugar, essas despesas não poderiam ser qualificadas como benfeitorias. Por um lado, não ficaram ligadas ao imóvel com carácter de permanência. Pelo contrário, as despesas em causa têm carácter transitório, e beneficiaram a própria Recorrida enquanto esteve na posse do imóvel, que dele retirou frutos. Por outro lado, também não ficou provado nos autos que as despesas em causa tivessem sido feitas para conservar ou melhorar a coisa. Desconhece-se, por exemplo, se a limpeza das matas não teria como fim a preparação do terreno para o respetivo cultivo pela Recorrida.

ii) Em segundo lugar, ainda que as referidas despesas pudessem ser qualificadas como benfeitorias, o que não se concede, sempre se diga que as mesmas nunca poderiam ter sido classificadas pelo TRP como necessárias, com base numa suposta notoriedade que, claramente, não se verifica, por não estar preenchido o requisito exigido pelo art.º 412.º, do CPC, que é o dos factos em causa serem do conhecimento geral.

iii) Em terceiro lugar, ainda que as despesas em causa pudessem ser qualificadas como benfeitorias necessárias, o que não se concede, sempre se diga que a Recorrida nunca poderia ser indemnizada pelas mesmas, por não ter ficado demonstrado a medida do enriquecimento dos Recorrentes, mas apenas o valor despendido com as mesmas, e por da sua realização não resultar, à data da entrega do imóvel (6/03/2015), nenhum enriquecimento para os Recorrentes, face ao tempo entretanto decorrido desde a data da realização dessas despesas (quase 4 anos).

iv) Com efeito, pela sua própria natureza, estas são despesas que devem ser feitas regularmente, face ao constante crescimento de vegetação e ao frequente desenvolvimento de pragas, facto que nem sequer carecia de ser alegado nos termos dos artigos 412.º, 607.º, n.º 4 do CPC e 349.º e ss. do CC.

K. Mal andou o TRP ao considerar benfeitorias úteis as despesas indicadas sob a subalínea d) da al. I) da matéria de facto provada (referentes ao restauro dos lustres), e ao condenar os Recorrentes a satisfazer à Recorrida o que fosse o menor de dois valores: o do custo suportado pela Recorrida, de € 11.254,50, ou o da diferença que se viesse a apurar em liquidação de sentença, entre o valor dos lustres existentes na Casa de ... antes e depois do restauro a que foram sujeitos pela Recorrida, com o que fez errada interpretação e aplicação dos artigos 204.º, 216.º, n.º 3, 342.º, 349.º e ss., 473.º, n.º 1, 479.º, 1273.º, do CC, bem como dos artigos 5.º, 412.º e 607.º, n.º 4 e 609.º, n.º 2 do CPC, porquanto:

i) Em primeiro lugar, essas despesas não poderiam ser qualificadas como benfeitorias, já que os lustres são bens móveis, que pela sua natureza não ficam ligados ao imóvel com carácter de permanência, pois mantêm relativamente a este um grau de autonomia ou individualidade que permite a sua perceção como algo de diferente do próprio prédio.

ii) Em segundo lugar, ainda que as despesas com o restauro dos lustres pudessem ser qualificadas como benfeitorias, o que não se concede, sempre se diga que as mesmas nunca poderiam ter sido classificadas pelo TRP como úteis, porquanto a Recorrida não alegou, nem provou, os factos essenciais que as permitissem qualificar como tal (o aumento do valor da coisa; qual o respetivo valor catual; e a deterioração da coisa com o levantamento das benfeitorias), cujo ónus da prova lhe cabia, nos termos dos artigos 216.º, n.º 3, 342.º, 1273.º, n.º 2, parte final, do CC e 5.º do CPC, tendo-se limitado a alegar o custo por si despendido.

iii) Não incumbia ao Tribunal suprir a falta de alegação da Recorrida: os factos constitutivos do direito à indemnização por benfeitorias não poderiam ser considerados como factos públicos e notórios, nem os mesmos poderiam ser provados com recurso a presunções judiciais.

iv) Em terceiro lugar, para além de a Recorrida não ter demonstrado a deterioração da coisa com o levantamento dos lustres, o que desde logo impedia que a Recorrida pudesse ser indemnizada pelas alegadas benfeitorias úteis que tivesse feito, o facto é que estes foram efetivamente levantados (cf. Doc. 2 a 7 ora juntos, que constituem documentos supervenientes e cuja junção é admissível, nos termos do art.º 425.º e 680.º do CPC), não podendo, por isso, ser indemnizados à Recorrida. Uma vez que o levantamento dos lustres é um facto superveniente à interposição de recurso no TRP, o mesmo deverá ser tido em consideração nos termos e para efeitos do art.º 611.º do CPC.

v) Em quarto lugar, ainda que os lustres não tivessem sido levantados, o que não se concede, mesmo assim nunca assistiria à Recorrente qualquer direito de ser indemnizada por alegadas benfeitorias úteis que tivesse feito no imóvel, pois a mesma não formulou expressamente um pedido de levantamento das benfeitorias.

vi) Acresce que, contrariamente ao referido ao TRP, não é possível relegar para liquidação de sentença, nos termos do art.º 609.º, n.º 2 do CPC, a determinação do valor em que os lustres terão sido incrementados, para aferir o direito da Recorrida à indemnização. Isto porque a falta de elementos a que se reporta o art.º 609º, nº2 do CPC, tem a ver a apenas com inexistência de factos provados, não por falta de alegação (como sucede no caso dos autos), mas porque estes ainda não eram conhecidos ou estavam em evolução aquando da propositura da Acão, ou que, como tais se apresentavam no momento da decisão de facto.

vii) Em quinto lugar, ainda que se admitisse existir um direito à indemnização da Recorrida por alegadas benfeitorias úteis que houvesse realizado no imóvel, o que não se concede, sempre se diga que não poderia proceder a forma de determinação do montante da indemnização apurada pelo TRP. Esta indemnização teria, ao invés, de ser apurada segundo o menor de dois valores: medida do empobrecimento da Recorrida em termos abstratos, ou seja tendo em conta valor de mercado do bem (e não o valor do custo por si despendido), ou o da diferença entre o valor dos lustres existentes na Casa de ... antes do restauro e depois da entrega do imóvel aos Recorrentes (em 6/03/2015).

L. Uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça não está vinculado à qualificação jurídica feita pelo TRP, por mera cautela de patrocínio, sempre se diga que as alegadas obras/despesas realizadas pela Recorrida também não poderiam ser qualificadas como benfeitorias voluptuárias, uma vez que:

i) Não ficou demonstrado ou sequer alegado estava que essas obras/despesas se tivessem traduzido num benefício para a coisa, devendo nalguns casos ser qualificadas como meras transformações da coisa, e como tal não conferem qualquer direito à indemnização ou levantamento.

ii) Mais ainda que se entendesse que as obras/despesas realizadas pela Recorrente deveriam ser qualificadas como benfeitorias voluptuárias, o que não se concede, sempre se diga que Recorrida não alegou, nem demonstrou a possibilidade do seu levantamento sem prejuízo da coisa e também não formulou pedido de levantamento das mesmas, nos termos do art.º 1275.º do Código Civil, para que pudesse havê-las como suas

iii) Ao que ficou dito acresce que grande parte das alegadas despesas realizadas pela Recorrida têm data posterior a 5/4/2011, data em que a mesma foi citada para a Acão de preferência, como resulta dos documentos nºs 6, 7, 11 a 14, 17 a 20, 33 a 35 e 45 a 47 juntos à Contestação e das alíneas I) (subalíneas c) e d)), J) e M) da matéria de facto provada, pelo que a mesma não poderia estar de boa-fé quanto às mesmas, contrariamente ao que entendeu o TRP.

iv) Ao contrário do que é defendido pelo TRP a fls. 2372 do acórdão recorrido, não é de chamar aqui à colação a data da contratualização da obrigação, pois nos termos do art.º 437.º do CC sempre seria possível ao benfeitorizante requerer a resolução do contrato por alteração das circunstâncias, em virtude da sua citação para a Acão de preferência.

v) Mas ainda que por mera hipótese de raciocínio não fosse possível a resolução do contrato por alteração das circunstâncias, o que não se concede, o benfeitorizante que tivesse conhecimento que estaria a lesar o direito de outrem sempre teria de suspender de imediato os trabalhos, e eventuais prestações pagas ao outro contraente que não pudessem ser ressarcidas, teriam de ser indemnizadas pelo vendedor do imóvel, que não deu cumprimento ao dever de comunicar aos preferentes a possibilidade de exercerem, querendo, o seu direito legal de preferência.

M. Estava, ainda, excluída a indemnizabilidade da Recorrida por via do enriquecimento sem causa, quer por via da operacionalidade do carácter subsidiário desse instituto, quer, por falta de alegação e prova bastante da totalidade dos respetivos pressupostos (designadamente, o enriquecimento, obtido imediatamente à custa daquele que se arroga o direito à restituição; e a ausência de causa justificativa para o enriquecimento). Reitera-se: a Recorrida apenas alegou os montantes por si despendidos com despesas/obras realizadas no imóvel, ou seja a medida do seu empobrecimento.

N. Mal andou o TRP ao reconhecer à Recorrida um direito de retenção sobre o imóvel em causa nos autos, com o que fez errada interpretação e aplicação dos artigos 334.º, 754.º, 756.º, alínea b) do CC, porquanto:

i) A Recorrida nunca poderia invocar um direito de retenção a seu favor, uma vez que a mesma já não tem o prédio na sua mão, por o ter entregado voluntariamente aos Recorrentes em 6/03/2015 (cf. doc. n.º 1 ora junto, que constitui um documento superveniente e cuja junção é admissível, nos termos do art.º 425.º e 680.º do CPC). Este facto, por ser superveniente à interposição de recurso no TRP, deverá ser tido em consideração nos termos e para efeitos do art.º 611.º do CPC.

ii) A Recorrida não tem qualquer direito de crédito sobre os Recorrentes, como acima ficou exposto, e por esse motivo não poderá invocar legitimamente qualquer direito de retenção sobre o imóvel.

iii) Mas ainda que tivesse um direito de crédito sobre os Recorrentes, o que não se concede, sempre se diga o preterido em Acão de preferência, como é o caso da Recorrida, não pode reter a coisa objeto da Acão de preferência, nos termos do direito de retenção, com fundamento em alegado direito a indemnização por benfeitorias. Com efeito, à data em que a Recorrida fez as despesas que fundamentam o alegado direito de retenção, o prédio pertencia-lhe a ela própria Recorrida, não tendo esta recebido o prédio para nele fazer despesas em benefício de outrem.

iv) Caso assim não se entendesse e se considerasse haver direito de retenção, o que não se concede, sempre este teria de ser excluído por força do art.º 756.º, alínea b) do CC quanto às alegadas despesas realizadas pela Recorrida após a data de 5/4/2011 (nomeadamente as despesas indicadas alíneas I), J) e M da matéria de facto provada), e seria abusiva a não entrega do prédio aos Recorrentes, nos termos do art.º 334.º do CC.

v) Não tem razão o TRP ao referir que o momento da realização da despesa, para efeitos do art.º 756.º, alínea b) do CC, é o momento da contratualização da obrigação, pois como se disse supra, nos termos do art.º 437.º do CC, sempre seria possível ao benfeitorizante requerer a resolução do contrato por alteração das circunstâncias, e mesmo que assim não fosse, o benfeitorizante que tivesse conhecimento que estaria a lesar o direito de outrem sempre teria de suspender de imediato os trabalhos, e eventuais prestações pagas ao outro contraente que não pudessem ser ressarcidas, teriam de ser indemnizadas pelo vendedor do imóvel.

vi) Ainda que a Recorrida pudesse ser reembolsada pelas despesas realizadas no imóvel, o que não se concede, ainda assim não estaria justificada uma garantia correspondente ao direito de retenção sobre esse imóvel, contrariamente ao que entendeu o TRP, pois: a) a indemnização a atribuir à Recorrida sempre teria como limite máximo o valor do eventual enriquecimento dos Recorrentes (o que não foi provado, nem sequer alegado estava), sendo irrelevante para este efeito o valor despendido pela Recorrida no montante de um milhão de euros, contrariamente ao que refere o acórdão recorrido; b) a medida do empobrecimento da Recorrida sempre teria de ser atendida em termos abstratos, ou seja pelo valor de mercado do bem, e não pelo valor patrimonial por si despendido; e c) a Recorrida não corria risco de cobrança do seu alegado crédito sobre os Recorrentes, pois nos termos da lei, estes estão, durante 5 (cinco) anos impedidos de vender o prédio o que permitiria à Recorrida penhorá-lo ou arrestá-lo, sendo caso disso.

Terminam dizendo que:

i) Deverá ser revogado o acórdão recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que julgue o pedido reconvencional totalmente improcedente.

ii) Caso se entenda que a matéria de facto deveria ter sido ampliada pelo acórdão recorrido, deverá o processo ser remetido ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto, nos termos do disposto no n.º 3 do art.º 674.º do CPC.

iii) Deverão ser atendidos os factos supervenientes (entrega aos Autores da coisa objeto do direito de retenção), verificados após a apresentação de alegações na 1ª instância, nos termos do art.º 611.º do CPC.

                                                           +

A 1ª Ré contra alegou, concluindo pela improcedência da revista.

                                                           +

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                                                           +

II - ÂMBITO DO RECURSO

Importa ter presentes as seguintes coordenadas:

- O teor das conclusões define o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, sem prejuízo para as questões de oficioso conhecimento, posto que ainda não decididas;

- Há que conhecer de questões, e não das razões, argumentos ou fundamentos que às questões subjazam;

- Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido.

Tendo isto em vista, são questões a conhecer na presente revista:

- A de saber se o acórdão recorrido violou ou procedeu a uma errada aplicação da lei de processo em sede da reapreciação da prova que lhe foi cometida;

- A de saber se devia ser atendida a matéria de facto que foi objeto da ampliação do âmbito da apelação por parte dos Autores;

- A de saber como devem ser qualificadas as despesas feitas no imóvel pela 1ª Ré, e qual a repercussão jurídica dessa qualificação em termos do reembolso do seu valor por parte dos Autores;

- A de saber se a 1ª Ré goza de direito de retenção sobre o imóvel.

                                                           +

III - FUNDAMENTAÇÃO

Quanto à matéria das conclusões A. e B.:

Sustentam os Recorrentes nestas conclusões que o tribunal recorrido omitiu os deveres processuais subjacentes à reapreciação da matéria de facto, por isso que não analisou (ou não analisou mediante a devida forma) os meios de prova que haviam invocado, nem os confrontou com os demais. Deste modo, teria acabado por ser produzido um julgamento inadequado relativamente à matéria que, transitada das alíneas a) e b) dos factos não provados elencados na sentença da 1ª instância, passou a constar das alíneas E) e F) da factualidade provada.

A questão colocada é, pois, a de saber se o tribunal recorrido inobservou os deveres legais que sobre ele recaiam no contexto do processamento da reapreciação da prova, o que é dizer, se violou ou fez errada aplicação da lei de processo.

E o que há a dizer sobre isto é que os Recorrentes carecem de razão. Em absoluto.

Efetivamente, do acórdão recorrido nada resulta que sugira que o tribunal deixou de sopesar (ou de sopesar na devida forma e na sua completude), ou que deixou de cruzar com outras demais provas pertinentes, as provas que os ora Recorrentes haviam invocado a benefício da sua tese na contra alegação que apresentaram na apelação. O que resulta do acórdão é precisamente o contrário. Pois que ali expressamente se afirma (p. 28, fls. 2358 dos autos) que não mereciam credibilidade ou utilidade os depoimentos das testemunhas HH, EE e II, pessoas estas cujos depoimentos os Apelantes (ora Recorrentes) precisamente invocaram em ordem a sustentar o bem fundado da sua tese quanto ao estado em que se encontrava anteriormente o edifício em causa. De outro lado, da economia da motivação expendida no acórdão não pode senão retirar-se que todos os meios de prova indicados pelas partes na apelação, incluindo pois os indicados pelos Apelados (ora Recorrentes), foram devidamente sopesados, simplesmente não foram considerados convincentes aqueles que os Apelados haviam invocado. Isto, de resto, começa por ser expressamente afirmado no acórdão recorrido, aí onde precisamente se refere (p. 24, fls. 2354 dos autos) que “Atentando nos meios de prova indicados pela apelante, bem como nos demais produzidos sobre a matéria (…)”.

Donde, mostra-se à saciedade que o tribunal recorrido não se demitiu de analisar todo o acervo probatório, pessoal (testemunhal) e documental pertinente à matéria de facto que se apresentava sob dissenso, de sorte que, e no que aqui importa, cumpriu os deveres processuais subjacentes à alínea b) do nº 2 do art. 640º e os subjacentes ao nº 1 do art. 662º, ambos do CPCivil.

O que significa que em nada foram violados os princípios da igualdade das partes, da aquisição processual, da imediação da prova e da oralidade. De resto, e como resulta precípuo das conclusões apreciandas, do que se estão verdadeiramente a queixar os Recorrentes (fazendo-o embora de forma indireta ou enviesada) é de uma suposta má apreciação da prova, mas tal queixa é insuscetível de escrutínio por parte deste Supremo Tribunal de Justiça (v. a propósito os art.s 674º nº 3 e 682º nº 2 do CPC).

Improcedem pois as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões C. e D.:

Nestas conclusões os Recorrentes sustentam que devia ter sido atendida a factualidade que descriminam, a qual, a título de ampliação do âmbito do recurso, haviam suscitado na contra alegação que produziram na apelação, de sorte que o processo deveria ser reenviado para a instância recorrida a fim de ser ampliada a matéria de facto.

A questão que se coloca e a decidir é, pois, a de saber se os factos em causa deixaram, indevidamente, de ser atendidos.

E desde já se diz que carecem de razão os Recorrentes.

Justificando.

Como decorre claramente do nº 1 do art. 636º do CPCivil - norma ao abrigo da qual os Apelados (ora Recorrentes) suscitaram a ampliação do âmbito da apelação interposta pela ora Recorrida, a 1ª Ré - a ampliação teria que ser decorrência dos fundamentos da defesa (neste caso, defesa à reconvenção) que os Autores deduziram na sua réplica.

A concreta matéria de facto em causa é unicamente a que vem discriminada na conclusão D. sob (i) e (ii).

Ora, percorrendo a réplica, em sítio algum se mostra alegado pelos Autores (ora Recorrentes) essa concreta matéria factual. Aliás, os próprios Apelados (ora Recorrentes) são os primeiros a supor implicitamente que nada alegaram atinentemente, pois que no seu pedido de ampliação do âmbito da apelação (pp. 156 e 157 da sua contra alegação, fls. 2552 e 2553 dos autos) pretenderam que os factos em causa deviam ser considerados por resultarem provados por documentos e pelos depoimentos de certas testemunhas que indicam. O que é dizer, partiram do princípio ou pressuposto de que tais factos não estavam alegados em si mesmos, antes teriam resultado simplesmente da instrução da causa ou, pelo menos, seriam concretização ou complemento de outros factos alegados. Sucede que, não tendo os factos em causa sido alegados a seu devido tempo e no lugar processualmente adequado (a réplica, sendo certo que também da petição inicial nada consta que pudesse de alguma forma representar uma tal alegação por antecipação), não podiam ser objeto de atenção por parte do tribunal recorrido. E, de outro lado, também não se revelam como instrumentais, complementares ou concretizadores dos outros demais factos que foram efetivamente alegados na réplica (e, contrariamente ao que diz a Recorrente, muito menos são concretização ou complemento do que consta da alínea H) dos factos provados, matéria esta aliás alegada pela outra parte e de sentido totalmente contrário à fatualidade que se quer ver aditada), e daqui que, dentro do princípio do dispositivo, não podiam ser atendidos pelo tribunal recorrido.

Por isso, concordantemente com o que acaba de ser dito, tem toda a razão o acórdão recorrido quando observa que “(…) os factos mencionados (…) não só não foram oportunamente alegados na causa, como nem quanto a eles se verifica o pressuposto do art. 5º, nº 2 als. a) ou b) do CPC. (…) Não assumiram, em sede de qualquer alegação, a natureza de exceção, nem se podem qualificar como instrumentais ou complementares de outros que os ora recorridos tenham alegado com esse efeito. Assim, não podem ser importados para a matéria de facto provada (…)”.

Donde, não se pode dizer que o acórdão recorrido violou o art. 342º do CCivil ou os princípios constantes dos art.s 3º e 5º do CPCivil, de sorte que nada há a ampliar em termos factuais.

Improcedem pois as conclusões em destaque.

Quanto à matéria das conclusões E. a M.:

Nestas conclusões os Recorrentes sustentam, com argumentos vários, que a pretensão reconvencional da 1ª Ré deve improceder. Designadamente, entendem que não podiam ter sido condenados no pagamento das quantias em que, a título de benfeitorias e de enriquecimento sem causa, o foram, nem que à Recorrida podia ser reconhecido o direito de retenção que invocou.

Para vermos se têm ou não razão, importa começar por recuperar aqui os factos que estão provados, e que são os seguintes:

A) Por escritura pública datada de 09 de Agosto de 2010, do livro de notas 33, a fls. 141 a 143, lavrada no Cartório Notarial de KK, sito na Rua …, n.º …, Rc/esquerdo, …, a Ré DD, SA declarou: “que pela presente escritura vende, livre de ónus e encargos, à Ré CC, Lda., pelo preço de dois milhões e quinhentos mil euros que já recebeu o prédio misto: A Casa Grande de Habitação, denominada “Casa de ...”, sito em ..., ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º ... da referida freguesia, com o registo de aquisição a favor da vendedora, pela inscrição AP 13 de …, a parte urbana inscrita nas matrizes prediais urbanas da referida freguesia sob os artigos 65,66,67,68,69 e 70 e a parte rústica inscrita nas matrizes prediais rústicas da referida freguesia sob os artigos 256 e 791.

B) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ... da Freguesia de ... o prédio misto melhor identificado em A), cujo direito de propriedade a favor da vendedora referida em A) ali foi registado pela Ap. N.º 13, de 19 de Agosto de 1989.

C) As vendedora e compradora identificadas em A) confessaram nestes autos o pedido pelos aqui AA de exercício do direito de preferência na venda assente em A).

D) A citação da Reconvinte para os termos desta ação sucedeu em 05.04.2011 (cfr. fls. 52 dos autos)

E) O Solar que integra a Casa de ... apresentava na data da sua aquisição assente em A) deteriorações em toda a área do telhado, mormente telhas partidas e deslocadas, bem como deteriorações ao nível das respetivas fachadas e das caixilharias/janelas, nomeadamente alguma da caixilharia do denominado claustro achava-se semi-apodrecida;

F) Face a tais deteriorações, verificavam-se infiltrações de água no interior, que punham em risco a integridade e salubridade do imóvel.

G) Uma das salas em que se verificavam aquelas infiltrações era a biblioteca, onde se encontravam obras de literatura que, por vezes, chegaram a ficar húmidas.

H) A Reconvinte realizou obras de restauro e beneficiação ao nível do telhado e fachadas da casa de ..., tendo renovado e atualizado o edifício, com diversos materiais de alta qualidade, sendo os trabalhos realizados os melhor identificados a fls. 704 e ss., nos termos do contrato de fls. 157 e ss., cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais.

I) Com a execução das obras referidas na alínea que antecede, a 1 ª Ré despendeu as seguintes quantias:

a) 413.185,18 EUR, cuja interpelação para pagamento sucedeu antes da data referida em D) e 569.662,63, cuja interpelação para pagamento ocorreu após aquela data, no valor global de 982.847,81 EUR, pagos à sociedade LL pela realização da empreitada melhor identificada na alínea que antecede;

b) 13.430 EUR, sendo que quanto à quantia 9.125 EUR a interpelação para pagamento o foi antes da data assente sob D), sendo-o após quanto ao remanescente de 4.305 EUR, relativos ao pagamento à sociedade Neolítico dos trabalhos de fiscalização da empreitada e tratamento das questões relativas à segurança no trabalho;

c) 5.535 EUR, cuja interpelação para pagamento o foi após a data assente em D), pagos a MM, a título de prestação de serviços de coordenação e gestão do projeto da obra;

d) 11.254,50 EUR, sendo que a interpelação para o pagamento da quantia de 4.612,50 EUR o foi antes da data referida em D), sendo posterior a atinente ao remanescente de 6.642 EUR, relativos ao restauro dos lustres da casa.

J) A Reconvinte suportou também a despesa de 48.212,50 EUR, sendo a interpelação para o pagamento de 19.285 EUR anterior à ocasião referida em D) e aquela relativa ao restante montante de 28.927,50 EUR subsequente, atinente ao pagamento da realização de levantamento topográfico integral dos terrenos.

K) Mais suportou a Reconvinte a quantia de pelo menos 50.385,85 EUR, pagos à J.2.L Arquitectura pela realização de um "estudo" relativo à arquitetura de interiores e decoração.

L) A Reconvinte despendeu 116.366,46.EUR em limpeza e conservação das matas que rodeiam o Solar, satisfeitos, mediante interpelações para pagamento antes da ocasião assente em D), à empresa NN.

M) A Reconvinte suportou a quantia de 215,25 EUR, relativa ao controlo de abelhas, cuja interpelação para pagamento sucedeu antes da data assente em D) e ainda a quantia de 7.195,50 EUR, relativa à desinfestação e controle de pragas animais, cujo vencimento ocorreu posteriormente, sendo tais quantias satisfeitas à empresa OO.

N) A Reconvinte adquiriu à empresa PP, para uso nos terrenos adquiridos, uma capinadeira, um trator e um reboque, pelo custo total de 5.968,999EUR e bem assim outro material e máquinas agrícolas, no valor global de 2.212,647 EUR.

O) A Ré/reconvinte contratou o Sr. QQ para vigiar e manter o Solar e a Quinta e organizar os trabalhos rurais.

P). Ao qual paga a quantia mensal líquida de pelo menos 1.405, 60 EUR pelos seus serviços.

Q) Contratou ainda o trabalhador RR, que se dedica a trabalhos agrícolas, a quem paga o salário mensal líquido de 665,01 EUR.

R) E contratou a trabalhadora SS, que se ocupa das tarefas de limpeza e de outros trabalhos domésticos, que aufere o salário base mensal de 493 EUR.

S) Até à data da dedução da pretensão reconvencional a Reconvinte já tinha suportado a quantia de pelo menos 48.356,61 EUR com os referidos salários e contribuições obrigatórias correspondentes.

T) Exercida a preferência, precedentemente, a Reconvinte deixará de ter interesse na manutenção do posto de trabalho do contratado Sr. QQ.

Quid juris?

Está em discussão o pedido de reembolso por despesas formulado pela 1ª Ré contra os Autores, a quem foi oportunamente reconhecido o direito de preferência, substituindo-se assim à 1ª Ré como parte compradora do imóvel.

Na sua reconvenção (fls. 134 a 138), a 1ª Ré alegou ter feito no imóvel as diversas obras e despesas que descreveu, assim como alegou o preço que por elas pagou.

E é esse custo que reclama dos Autores.

Como sustentáculo jurídico desta sua pretensão invocou em primeira linha o regime da acessão industrial imobiliária estabelecido no art. 1340º do CCivil (mais propriamente, o regime do nº 3) e, subsidiariamente, o regime do enriquecimento sem causa, citando a propósito o art. 473º do CCivil.

O acórdão recorrido qualificou como benfeitorias as despesas efetuadas pela 1ª Ré, aplicando ao caso o regime que emerge do art. 1273º do CCivil. E, deste modo, relativamente às despesas que teve como benfeitorias necessárias condenou no pagamento do preciso montante que a benfeitorizante provou ter despendido com elas. Para este efeito, o acórdão entendeu que tal pagamento, na ausência de regra especial, deveria ocorrer segundo os princípios consignados nos art.s 562º e 566º do CCivil. E, quanto às despesas que qualificou como benfeitorias úteis (restauro dos lustres), o acórdão condenou, aqui já segundo as regras do enriquecimento sem causa, no reembolso do que se liquidasse subsequentemente.

Os Recorrentes insurgem-se contra este entendimento, sustentando que as despesas que a 1ª Ré fez não constituem benfeitorias por que devam ser condenados a restituir qualquer enriquecimento seu. Mais sustentam que não foram alegados factos significantes do seu enriquecimento sem causa, e daqui que qualquer condenação no quadro desse enriquecimento careceria de fundamento jurídico.

Será assim?

Mas antes, e em breve nota, uma observação: a ora Recorrida, a 1ª Ré, afirma na sua contra alegação (fls. 2588), embora reportando-se apenas às despesas aludidas em L) e M), que, tendo as instâncias qualificado tais despesas como benfeitorias, se verifica um caso de dupla conformidade decisória impeditivo de outra qualificação. Trata-se, porém, de uma afirmação carecida de qualquer fundamento, na medida em que, como resulta claro do nº 3 do art. 671º do CPCivil, a chamada “dupla conforme” só existe quando a Relação confirma a decisão da 1ª instância. Ou seja, o que conta para o efeito é a identidade das decisões (embora sob o requisito da coincidência no essencial das fundamentações), e não a simples identidade a nível da qualificação jurídica dos factos. Ora, se a 1ª instância julgou improcedente a reconvenção e o tribunal recorrido, revogando a decisão da 1ª instância, a julgou procedente, como pode então falar-se em dupla conformidade decisória?

Isto posto:

É exato o que se afirma na 1ª parte e na 2ª parte da conclusão F.. Mas, contrariamente ao que se diz na última parte da mesma conclusão e se prossegue nas conclusões G. e H., a ora Recorrida alegou na sua reconvenção os factos (parcialmente retratados em documentos para os quais se remeteu) de que se serviu o tribunal recorrido, ou seja, a realização das concretas obras de suposta beneficiação do imóvel, factos esses a que se referem as alíneas H), Ia), Id), L) e M) da factualidade provada acima elencada. Foi sobre tais factos alegados que trabalhou o acórdão recorrido, de sorte que não é de subscrever a afirmação de que o tribunal se incumbiu indevidamente de suprir uma falta de alegação de factos. E, por isso, não pode dizer-se que foram violados os art.s 342º do CCivil e 5º, nº 1 do CPCivil.

Ora, como é sabido e consabido (v. art. 5º, nº 3 do CPCivil), o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (jura novit curia), e daqui que, como observava Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, V, p. 93), pertence ao juiz a operação da qualificação jurídica dos factos. O que significa que a circunstância de a ora Recorrida não ter qualificado como benfeitorias as despesas que alegou ter feito sobre o imóvel objeto da preferência não impedia o tribunal recorrido de como tal as qualificar.

Vejamos então:

Durante o período de tempo em que se manteve como proprietária e em que realizou as despesas ora em causa, a 1ª Ré estava na posse do imóvel. Posse que, à semelhança do direito de propriedade que deteve na sua titularidade, não pode ser apagada. E daqui que, como se decidiu no acórdão recorrido, se aplica ao caso o art. 1273º do CCivil. Efetivamente, e como nos dizem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. III, 2 ª edição revista e atualizada, anotação ao art. 1410º), “As regras sobre a posse deverão aplicar-se também às benfeitorias que o adquirente tenha entretanto introduzido na coisa sujeita à preferência”.

Dispõe o nº 1 do art. 1273º do CCivil que o possuidor (independentemente de estar ou não de boa fé) tem direito a ser indemnizado (pelo titular do direito) do valor das benfeitorias necessárias que haja feito, bem como a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possa fazer sem detrimento dela.

De acordo com o art. 216º, nº 1 do mesmo CCivil, são benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; são benfeitorias úteis as que, não sendo indispensáveis para a conservação da coisa, lhe aumentam, todavia, o valor (nº 2 do citado artigo).

No que tange às despesas com o restauro dos lustres (ponto Id) dos factos provados), sem dúvida que só se poderia tratar (como a própria decisão recorrida assumiu) de benfeitorias úteis, na medida em que apenas se concebe que poderiam ter provocado uma valorização da coisa relativamente ao seu estado anterior. Simplesmente, temos como óbvia a razão dos Recorrentes aí onde sustentam (conclusão K., alínea i)) que estamos perante bens móveis que não se confundem com o imóvel que foi objeto da preferência, antes mantêm relativamente a este autonomia ou individualidade. E, realmente (e como se poderá recolher em qualquer dicionário da língua portuguesa), um lustre mais não é que um candelabro ou lampadário, ou seja, um candeeiro suspenso no teto de uma casa, com a particularidade de possuir adicionalmente (pelo menos por regra) a sua magnificência e a sua função embelezadora. Trata-se assim, iniludivelmente, de uma coisa móvel, e que não está materialmente ligada ao prédio (logo, não é parte integrante do prédio). Sucede que o objeto da preferência que os ora Recorrentes vieram exercer foi a coisa imóvel em que se traduz o prédio misto comprado e vendido entre as Rés através da escritura pública junta aos autos, e não também quaisquer bens móveis existentes no prédio. De outro lado, mas ainda dentro deste contexto, os Recorrentes também têm razão quando significam (conclusão K, alínea iv)) que sempre se trataria de benfeitorias suscetíveis de serem levantadas sem detrimento da coisa supostamente benfeitorizada (o Solar), o que retiraria à benfeitorizante o direito a receber o valor delas (ao invés, gozaria do direito a levantar a benfeitoria, que é como quem diz, os lustres restaurados). A conclusão a retirar do que fica dito é que, diferentemente do que foi decidido no acórdão recorrido, a 1ª Ré não goza do direito a receber dos ora Recorrentes a quantia (a liquidar) correspondente a qualquer enriquecimento dos ora Recorrentes decorrente do restauro dos lustres. Aliás, a bondade desta asserção está agora plenamente confirmada nos autos, pois que resulta da alegação e da contra alegação que foram produzidas na presente revista que os ditos lustres já foram levantados do imóvel e sem detrimento deste. E por isso, e muito bem, conclui a própria Recorrida (fls. 2593) que “não será, pois, devido à Reconvinte o valor por ela suportado com o restauro dos lustres”. Como assim, consideramos desde já solucionada a questão das despesas com o restauro dos lustres, não tendo os Autores que reembolsar à Ré o valor reclamado a este título. Nesta parte procede a revista.

No que respeita às despesas identificadas em H) e Ia) (obras de restauro e beneficiação ao nível do telhado e fachadas da casa), L) (limpeza e conservação das matas que rodeiam o Solar) e M) (controlo de abelhas e desinfestação e controle de pragas animais), há que dizer o seguinte:

As despesas indicadas em H) e Ia) resolvem-se em benfeitorias necessárias. Isto é assim porque está provado (E) e F)) que o Solar apresentava deteriorações em toda a área do telhado, mormente telhas partidas e deslocadas, bem como deteriorações ao nível das respetivas fachadas e das caixilharias/janelas, nomeadamente alguma da caixilharia do denominado claustro achava-se semi-apodrecida; e que face a tais deteriorações, verificavam-se infiltrações de água no interior, que punham em risco a integridade e salubridade do edifício. Donde, é óbvio que estamos aqui perante despesas que, porque incidindo precisamente sobre o telhado e as fachadas, foram feitas com o fim de evitar a deterioração (senão mesmo a destruição parcial) do Solar, ou seja, despesas que tiveram como fim conservar o imóvel (edifício). Logo, trata-se de benfeitorias necessárias. Neste particular não acompanhamos os Recorrentes, aí onde sustentam o contrário. Desinteressante para esta qualificação das benfeitorias como necessárias, é a opção que se tomou quanto ao timbre ou requinte da obra, com destaque para o uso de diversos materiais de alta qualidade, circunstância esta que interessará exclusivamente à definição da expressão do enriquecimento, assunto de que trataremos adiante.

Significa isto que improcede o que se diz na conclusão I. , designadamente no que toca à matéria da qualificação como benfeitorias necessárias das despesas aí reportadas. Também, improcede a sub-questão que de certa forma se destaca na mesma conclusão (ponto vii): a do abuso do direito. Efetivamente, é infundamentada a afirmação de que o emprego de diversos materiais de alta qualidade nas obras de restauro do imóvel possa ser vista in casu como um abuso de direito. Pois que, lendo-se o art. 334º do CCivil e percorrendo a matéria de facto provada, não se pode afirmar que tal emprego se traduziu em um comportamento excessivo (e muito menos manifestamente excessivo) por parte da benfeitorizante (que nada nos autos revela que estivesse a agir de má fé quando se autodeterminou a levar a cabo as despesas) dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito. A opção de usar diversos materiais de alta qualidade era uma opção tão legítima como qualquer outra, na certeza até de que não temos pela frente uma casa comum mas um Solar, edifício este que, segundo se infere dos autos, possuirá até uma certa e respeitável vetustez histórica e uma (relativa) magnificência (retratada nas fotografias disponíveis no processo).

Mas já de benfeitorias necessárias não podemos falar no que respeita às despesas indicadas em L) e M). Pois que nada vem provado quanto a elas (que alegado nem sequer foi) que estabeleça alguma correlação entre a sua feitura e a perda, destruição ou deterioração do prédio. Portanto, não se trata aqui, pelo menos comprovadamente, de benfeitorias necessárias. Também estas despesas não podem ser qualificadas como benfeitorias úteis, porque também não sabemos, pois que nada foi alegado ou vem provado atinentemente, se aumentaram o valor do prédio.

Têm pois razão os Recorrentes quando sustentam que nada têm que reembolsar à 1ª Ré relativamente a tais despesas (conclusão J.). Nesta parte terá também que proceder o recurso.

Na conclusão L. os Recorrentes introduzem no recurso (é certo que sob a alegação de o fazerem por mera cautela de patrocínio) a temática das benfeitorias voluptuárias. Trata-se porém de uma temática carecida de utilidade para a discussão jurídica da causa, na medida em que (e à parte as elucubrações jurídicas genéricas que sobre o assunto desenvolveu a sentença da 1ª instância) não se defendeu no processo nem no acórdão recorrido a hipótese de estarmos perante benfeitorias que tais.

Centremo-nos então nas benfeitorias acima definidas como necessárias.

São elas que passam a constituir agora e em exclusivo o thema decidendum.

Terá a 1ª Ré direito a ser indemnizada por aquilo que despendeu para as realizar (€982.847,81)?

Como acima se disse, o acórdão recorrido condenou no pagamento do preciso montante que a 1ª Ré provou ter despendido com essas benfeitorias. Para este efeito, o acórdão entendeu que tal pagamento, na ausência de regra especial, deveria ocorrer segundo os princípios consignados nos art.s 562º e 566º do CCivil. Ou seja, o acórdão acabou por decidir o reembolso das benfeitorias necessárias à luz das regras da obrigação de indemnização (reintegração do lesado na medida do preciso dispêndio [“prejuízo”] que suportou).

Porém, esta abordagem jurídica não nos parece correta, visto que não estamos aqui perante uma situação de reparação de um dano em decorrência de um ato gerador de responsabilidade civil (seja delitual, contratual, pelo risco ou por facto lícito), mas sim perante uma situação em que se visa obviar a um locupletamento injusto. Embora o nº 1 do art. 1273º (designadamente pela circunstância de aludir a “indemnização” e de, contrariamente ao que sucede com o nº 2, não se reportar expressamente ao enriquecimento sem causa) possa dar algum suporte literal a entendimento como o que foi adotado pelo tribunal recorrido, esse seria, no entanto, um entendimento erróneo. Na realidade, também as benfeitorias necessárias têm que ser reembolsadas segundo a aplicação das regras do enriquecimento sem causa, por isso que não têm como causante qualquer ato inserível ao conceito de responsabilidade civil. Concordantemente com o que acaba de dizer-se, expendem Pires de Lima e Antunes Varela (ob. cit., vol. I, anotação ao art. 480º) que “a lei confere ao possuidor o direito de ser indemnizado, segundo as regras do enriquecimento sem causa, das benfeitorias necessárias que haja realizado e ainda das benfeitorias úteis que não possam ser levantadas sem detrimento da coisa (art. 1273º)”. E Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª ed., pp. 515 e 516) aduz exatamente o mesmo, aí onde afirma que, tratando-se de benfeitorias necessárias ou úteis realizadas pelo possuidor, não está em causa a reparação do dano (essa reparação seria, acrescenta o ilustre professor, a finalidade própria da responsabilidade civil), mas sim “suprimir ou eliminar o enriquecimento de alguém à custa de outrem”. Também Menezes Leitão (Direitos Reais, 4ª ed., p. 147) significa que o reembolso das benfeitorias necessárias está igualmente submetido às regras do enriquecimento sem causa. Concordantemente, o mesmo autor expende em outro lugar (Direito das Obrigações, Vol. I, 4ª ed., pp. 413, 414 e 418) que no caso das benfeitorias úteis e necessárias a que alude o art. 1273º do CCivil se está perante um caso de enriquecimento sem causa resultante de despesas efeituadas por outrem (incremento de valor de coisas alheias), que dá origem a uma obrigação de restituir. Portanto, diferentemente do que foi julgado pelo acórdão recorrido, a pretensão da 1ª Ré relativamente às aludidas despesas não pode ser equacionada à luz das normas que regem para a determinação do objeto (quantum) da obrigação de indemnização, mas sim à luz das regras que regem para a determinação do objeto (rectius medida) da obrigação de restituir por efeito do enriquecimento sem causa.

Esclarecido este ponto:

Sem dúvida que tendo a 1ª Ré efetuado (licitamente) as referidas despesas com o imóvel enquanto foi possuidora dele, empobrecendo correspetivamente, mas tendo o imóvel passado depois (por efeito do exercício triunfante da preferência) para a esfera jurídica dos Autores, deverá ver-se restituída do enriquecimento obtido pelos Autores à sua custa, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa. Estamos perante um caso em que, face ao ordenamento jurídico subjacente, os benefícios emergentes das despesas em causa deveriam repercutir-se na esfera jurídica da 1ª Ré e não na esfera jurídica dos Autores e, como assim, têm estes que restituir na medida do seu enriquecimento.

De acordo com o princípio geral fixado no art. 473º, nº 1 do CCivil, e de que o art. 1273º não passa de uma manifestação particular, aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

Como resulta precípuo desta norma e das que se lhe seguem, são os seguintes os requisitos da atuação do regime do enriquecimento sem causa: a) que exista um enriquecimento; b) que tal enriquecimento se obtenha à custa de outrem e; c) que falte uma causa justificativa. Portanto, o núcleo essencial do enriquecimento sem causa centra-se no enriquecimento, e não tanto no empobrecimento (este apenas funciona como condição e como limite, no sentido de que, seja qual for o enriquecimento, só há lugar à restituição se tiver havido um empobrecimento e até ao limite desse empobrecimento).

O enriquecimento poderá resultar de várias situações. A doutrina (v. a propósito Menezes Leitão, Direito das Obrigações, cit., pp. 395 e seguintes) alude a este propósito em enriquecimento por prestação, por intervenção, por despesas efetuadas e por desconsideração de património. O enriquecimento resultante de despesas efetuadas por outrem pode advir da benfeitorização de coisas alheias. Trata-se, nomeadamente, e como diz o mesmo autor, da situação em que alguém efetua despesas em determinada coisa que se encontra na sua posse, exemplificando precisamente com o caso prevenido no art. 1273º do CCivil.

Embora todo o enriquecimento represente uma vantagem patrimonial, nem toda a vantagem patrimonial significa, juridicamente falando, enriquecimento. Na realidade, e como diz Galvão Telles (Direito das Obrigações, 1979, p. 144), o conceito de vantagem patrimonial é mais amplo que o de enriquecimento, de modo que nem sempre que se obtém um benefício patrimonial se pode afirmar com propriedade que o beneficiário enriqueceu. O enriquecimento supõe que o beneficio se projetou no património, influiu no seu conteúdo, o tornou mais valioso ou impediu que desvalorizasse.

De acordo com a profusa literatura jurídica produzida sobre o assunto (v., por todos, Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 9ª ed., pp. 450 e seguintes e Antunes Varela, ob. cit., pp. 481 e seguintes), a vantagem em que o enriquecimento consiste pode ser encarada sob dois ângulos, suscetíveis, porém, de produzir efeitos distintos: o do enriquecimento real, que corresponde ao valor objetivo e autónomo da vantagem adquirida (projeção concreta do ato na situação patrimonial do beneficiário); e o do enriquecimento patrimonial, que reflete a diferença, para mais, produzida na esfera económica do enriquecido, e que é determinada pela comparação entre a sua situação efetiva (situação real) e aquela em que se encontraria se a deslocação se não houvesse verificado (situação hipotética). Ou seja, o valor de restituição de “tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido” de que fala o nº 1 do art. 479º do CCivil, pode ser definido com referência ao valor objetivo da aquisição, ou com referência ao aumento patrimonial por ela causado. Entretanto, se é verdade que sobre o enriquecido recai a obrigação de restituir ao empobrecido tudo quanto haja obtido à sua custa, essa obrigação não pode exceder a medida do locupletamento (art. 479º, nº 2 do CCivil) nem a do empobrecimento. Em decorrência, costuma dizer-se que o objeto da obrigação de restituição encontra-se submetido a um duplo limite: o do enriquecimento e o do empobrecimento.

Segundo o entendimento prevalecente, o beneficiado deve reembolsar o empobrecido na medida do respetivo locupletamento efetivo, o que, por sua vez, nos leva à relevância do seu enriquecimento patrimonial e não do enriquecimento real. Esta asserção (que, note-se, a letra do art. 479º nº 1 do CCivil não impõe nem exclui), não é, todavia, aceite de forma absoluta por alguma doutrina. Limitando-nos ao enriquecimento por despesas efetuadas, que é o que nos interessa aqui, expende Menezes Leitão (Direito das Obrigações, cit., p. 448) que a aplicação do limite do enriquecimento [patrimonial] só se justifica em caso de boa fé do enriquecido, uma vez que se este conhece o caráter injustificado da aquisição deve proceder à restituição do valor do obtido à custa de outrem; havendo boa-fé, a aplicação do limite do enriquecimento deverá tomar em conta a planificação subjetiva do enriquecido, não se considerando haver um enriquecimento efetivo se a vantagem objetiva não tem para ele qualquer utilidade. Mais aduz o autor que na determinação desta planificação subjetiva é especialmente relevante a poupança de despesas, uma vez que o enriquecimento subsiste se o enriquecido planeava efetuar despesas que desse modo poupou. Esta visão jurídica do objeto da restituição, que nos parece adequada (seria, na verdade, inaceitável dar absoluta relevância a um enriquecimento imposto ou forçado), é partilhada no essencial por outros autores, entre estes, Júlio Gomes (v. O conceito de enriquecimento, o enriquecimento forçado e os vários paradigmas do enriquecimento sem causa, pp. 109 e seguintes).

De outro lado, importa dizer que, como observam os Recorrentes, é a quem pede a restituição (o empobrecido) que compete alegar e provar a falta de causa (da deslocação patrimonial) e a existência do enriquecimento patrimonial. É o que resulta do art. 342º nº 1 do CCivil, conjugado com as normas legais que aproveitam à pretensão do empobrecido, e que, no caso vertente, são basicamente as dos art.s 1273º e 479º nº 1. Exatamente como nos ensinam Antunes Varela et al. (Manual de Processo Civil, 2ª ed., p. 455): “(…) é à luz (…) das normas de direito substantivo que deve ser interpretada e aplicada a solução adoptada na lei civil para a repartição do ónus da prova. Cada uma das partes terá assim (o ónus) de alegar e provar os factos correspondentes à sua pretensão ou à sua exceção. Cada uma das partes tem de provar os factos que constituem os pressupostos da norma que lhe é favorável”. Concordante, é a jurisprudência deste Supremo Tribunal no que tange ao enriquecimento sem causa em geral (v., entre inúmeros outros, os acórdãos de 14.5.1996 e de 12.1.1993, Col. Jur. - Acórdãos do STJ, 1996, II, p. 70, e 1993, I, p. 23, respetivamente).

Isto posto:

Na sua reconvenção, a 1ª Ré alegou as obras que mandou fazer no Solar, alegou a causa motivante (estado do imóvel) das obras e alegou o que pagou por elas.

E o que pediu foi a condenação dos Autores no reembolso das despesas que fez.

Dentro do que vem provado, sabemos que pagou o montante de €982.847,81.

Tais despesas constituirão o valor do seu empobrecimento.

Mas que dizer do enriquecimento dos Autores?

Os Recorrentes põem grande enfoque nesta temática, ora afirmando que não foram alegados factos demonstrativos do seu enriquecimento, ora afirmando que de nada enriqueceram.

Mas, quanto a nós, carecem de razão.

É verdade que a 1ª Ré nada alegou expressa e destacadamente na sua reconvenção em matéria do enriquecimento dos Autores.

Contudo, julgamos ser apenas aparente a falta de alegação de factos atinentes ao efetivo enriquecimento dos Autores. Pois que tal alegação está à partida contida na própria alegação de que o edifício apresentava deteriorações a nível do telhado e fachadas, o que, por sua vez, implicava malefícios que punham em risco a sua integridade e salubridade. Esta matéria de facto alegada e provada pela 1ª Ré indica, assim, que o edifício necessitava obrigatória e prementemente de obras de conservação. O que significa que não se pode pôr em questão que as obras que a 1ª Ré executou deixassem de ser executadas pelos Autores, não representando para eles uma simples opção mas sim uma imposição. E assim vistas as coisas, como devem ser vistas, as obras realizadas pela 1ª Ré mais não representam do que uma espécie de antecipação das obras que os Autores de todo o modo teriam que levar a efeito, poupando entretanto os correspetivos custos. Ora, isto significa apoditicamente um enriquecimento dos Autores à custa da 1ª Ré, por isso que, precisamente, viram, com utilidade para si, benfeitorizado o seu imóvel com um conjunto de reparações que não custearam, mas que teriam necessariamente de custear. Não encarar as coisas deste modo é pura e simplesmente desconsiderar a matéria de facto provada e o seu sentido, e fechar os olhos à realidade.

Consideramos, deste modo, que foi alegado e está provado um efetivo enriquecimento dos Autores.

Questão diferente é a da determinação do quantum desse enriquecimento.

Já enfrentaremos este problema.

Mas antes, e porque se trata de assunto com implicação nessa matéria, importa observar o seguinte: na alínea iii) da conclusão L. os Recorrentes argumentam com a circunstância de parte das despesas feitas (entre estas, as que estão aqui em causa) terem ocorrido em data posterior à da citação da 1ª Ré para a ação de preferência, de sorte que não se poderia falar de boa-fé da benfeitorizante quanto a essas despesas e, deste modo, não teria ela direito ao respetivo reembolso.

Mas não é assim.

A citação da 1ª Ré para os termos da ação de preferência, implicando embora a cessação da sua boa fé como possuidora (art. 481º, alínea a) do CPCivil então em vigor; art. 564º, alínea a) do CPCivil atual), não tem qualquer relevância no que estamos a discutir, por isso que o direito à indemnização por benfeitorias necessárias, como é o caso, tanto existe na situação do possuidor estar de boa fé como no caso de estar de má fé (art. 1273º nº 1 do CCivil). De resto, e ex abundanti, sempre será de considerar como juridicamente boa a argumentação expendida a propósito no acórdão recorrido, aí onde refere, e passa-se a citar, “é inócua a separação feita nas alíneas I, L e M da matéria provada entre pagamentos efetuados antes e depois da respetiva citação para a causa. Com efeito, o que aí se assinala é simplesmente a data de cumprimento das despesas que a reconvinte incorreu, de vencimento de obrigações constituídas em momento necessariamente anterior, ou de interpelação para tais pagamentos. A redação da factualidade apurada, conforme consta dessas alíneas, não permite concluir que, por terem sido cumpridas após a data da citação da reconvinte para a ação, essas despesas tenham sido constituídas de má-fé, isto é, num momento ulterior ao da sua citação para a entrega do prédio, por efeito do exercício da preferência a que a ação era votada. Para o efeito em questão, o momento da realização da despesa há-de ser o da contratualização da correspondente obrigação e não o do seu ulterior cumprimento. Acontece que, nas alíneas em causa só é referido o momento desse cumprimento. Inevitável é pois concluir não poderem ser consideradas como tendo sido feitas de má-fé quaisquer das despesas acima classificadas como benfeitorias”. Subscreve-se inteiramente este ponto de vista, de sorte que sempre terá que ser rejeitada a argumentação que os Recorrentes aduzem nas alíneas iv) e v) da conclusão L.. O que significa que, para os efeitos em causa e para os demais, a 1ª Ré deve ser considerada como possuidora de boa fé no momento em que realizou as despesas de que provém o seu crédito. Acresce dizer que, contrariamente ao que sustentam os Recorrentes, não tinha a 1ª Ré por que resolver o contrato por alteração superveniente das circunstâncias nem que suspender as obras, pois que o direito de preferência invocado, e que era controvertido entre as partes, ainda não se encontrava judicialmente definido.

Passemos então à dilucidação da questão acima colocada.

A resposta a esta questão deve levar-nos a retomar o que já ficou dito, ou seja, que importa considerar o enriquecimento patrimonial. Este enriquecimento deverá refletir a diferença produzida na esfera económica dos Autores, e que é determinada pela comparação entre a sua situação efetiva (situação real) e aquela em que se encontrariam se a deslocação se não houvesse verificado (situação hipotética). Ou, o que vai dar ao mesmo (sendo que é de considerar que os Autores estavam de boa fé), a expressão económica do enriquecimento deverá corresponder àquilo que os Autores estariam dispostos (rectius planeavam) a despender com a reparação das deteriorações, e é isto que representa efetivamente a sua poupança, o seu enriquecimento patrimonial.

Daqui desde já resulta que as despesas que a 1ª Ré fez não têm que corresponder necessariamente às despesas que os Autores efetivamente pouparam. Estes poderiam perfeitamente ter optado por uma obra mais frugal, designadamente mediante o emprego de outro tipo de materiais que embaratecessem o seu preço. Não pode assim afirmar-se sem mais que o dispêndio incorporado no imóvel é a medida do enriquecimento dos Autores. E mesmo que o dispêndio da 1ª Ré corresponda ao valor objetivo e autónomo da vantagem adquirida pelos Autores (aumento do valor do imóvel), isso continuaria a ser irrelevante (irrelevância do enriquecimento real).

Ora, uma vez que sabemos que os Autores enriqueceram mas desconhecemos em que medida, só nos resta um de dois caminhos. Ou relegar para liquidação ulterior a determinação do quantum, ou determinar esse quantum segundo juízos de equidade. A primeira possibilidade teria respaldo no nº 2 do art. 609º do CPC, sendo que, segundo se nos afigura (trata-se de assunto controverso na jurisprudência), a circunstância de ter sido feito um pedido específico (e não genérico) não prejudicaria essa possibilidade. A segunda possibilidade teria fundamento no nº 3 do art. 566º do CCivil, aplicável por analogia de situações. Dentro do que tem sido defendido por alguma jurisprudência (v.g. o Ac. do STJ de 27.6.2000, BMJ 498, p. 222) a opção por um ou outro destes caminhos dependerá do juízo que se faça, em face das circunstâncias concretas do caso, sobre a maior ou menor probabilidade de futura determinação do valor: se o juízo for afirmativo, será de aplicar o nº 2 do art. 609º, de contrário deve aplicar-se o nº 3 do art. 566º.

No caso vertente, vista a intrincada idiossincrasia dos factos, não se antolha possível alcançar uma adequada determinação do enriquecimento dos Autores mediante o procedimento de liquidação subsequente. Quase de certeza, tal determinação iria descambar numa decisão segundo a equidade. Resta-nos, assim, a fixação do montante a restituir mediante juízos de equidade, solucionando-se sem mais delongas o assunto.

Julgar segundo a equidade significa dar ao caso a solução que parecer a mais justa, levando apenas em linha de conta as características ou especificidades da situação e sem recurso à lei normalmente aplicável. Trata-se pois da justiça do caso concreto. Entretanto, convém não confundir equidade com arbítrio.

Ora, sabemos que a 1ª Ré desembolsou a quantia de €982.847,81 com as benfeitorias que fez. Nada consta dos autos que sugira que este valor não corresponderá, mais coisa menos coisa, ao custo de mercado dos trabalhos encomendados, executados e incorporados no solar, e isto começa por ser um indicador objetivo para aferir do enriquecimento. Porém, é verdade que foram empregues diversos materiais de alta qualidade, e isto naturalmente que terá tido o seu impacto no custo da obra. Como não há garantias de que os Autores iriam usar da mesma opção, cremos que para um juízo acerca da expressão do seu enriquecimento se deve levar este fator em consideração. De outro lado, sabe-se que o edifício ficou renovado e atualizado, e isto leva-nos a concluir que as obras não terão sido particularmente contidas ou modestas. De igual forma, esta circunstância deve ser levada em linha de conta, pois que também aqui não temos qualquer sinal de que os Autores iriam enveredar por uma tal solução.

Tudo isto ponderado, afigura-se-nos ser de fixar equitativamente o enriquecimento efetivo dos Autores em €800.000,00, montante este correspondente, pois, à poupança de despesas que fizeram à custa do dispêndio da 1ª Ré. Quantia que deve ser reembolsada à empobrecida.

Pelo que fica dito, e sem prejuízo das particularizações que foram ficando acima expostas e decididas, conclui-se que improcede a argumentação constante das conclusões I., H., G., F. (última parte), L. e M.. Procedem as conclusões J. e K.. O que se aduz na conclusão E. é meramente descritivo de um facto processual.

Passemos agora à questão do direito de retenção.

Na conclusão N. os Recorrentes sustentam que o acórdão recorrido não decidiu adequadamente ao ter reconhecido à 1ª Ré o direito de retenção sobre o imóvel para garantia das benfeitorias nele feitas.

Argumentam que não se mostram cumpridos os requisitos legais do direito de retenção e que, ademais, o edifício benfeitorizado foi entretanto entregue aos Autores, com o que se extinguiu o direito.

Comecemos por abordar este último argumento:

Será duvidoso que se possa atender na presente revista ao que se diz na alínea i) daquela conclusão. Alega-se aí que o prédio em causa já foi voluntariamente entregue, em 6 de março de 2015, pela 1ª Ré aos preferentes, os ora Recorrentes. E, como fundamento processual da alegação, invoca-se o art. 611º do CPCivil (atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes). E, como comprovante da alegação, apresenta-se, invocando-se os art.s 425º e 680º do CPCivil, um documento autêntico do qual se retira que as chaves do edifício foram entregues aos ora Recorrentes, sendo que a entrega “é feita no âmbito da execução da sentença para entrega de coisa certa (…)”. Ora, a alegação dos Recorrentes traduz-se sem dúvida num facto superveniente de natureza extintiva do direito (o direito de retenção extingue-se pela entrega da coisa, art. 761º do CCivil). Porém, parece ser de entender que a norma do art. 611º do CPCivil é de aplicação restrita à 1ª instância, e não também aos tribunais de recurso. Para a bondade deste entendimento podem convocar-se duas razões gerais e uma terceira específica do recurso de revista, e que são: a) a atendibilidade dos factos supervenientes tem que ser feita valer (não sendo notórios nem do conhecimento funcional do tribunal) através da dedução do competente articulado superveniente (art. 588º do CPCivil; v. a propósito Antunes Varela et al., ob. cit., p. 681 e, entre muita outra jurisprudência, o ac. do STJ de 19.2.2004, disponível em www.dgsi.pt), mas a dedução de novos articulados não se concebe nos tribunais de recurso; b) os tribunais de recurso visam a reapreciação das decisões já proferidas e não a criação de novas decisões sobre matéria factual nova; c) no recurso de revista está vedado decidir sobre matéria de facto (sem prejuízo para os casos muito excecionais em que o pode fazer). Concordantemente, expende Lebre de Freitas (Código de Processo Civil Anotado, 2º volume, p. 655) que os factos supervenientes modificativos e extintivos têm que ser apresentados até ao encerramento dos debates sobre a matéria de facto, e os que ocorram ou sejam conhecidos posteriormente a tal momento só podem ser feitos valer como exceção no processo executivo (v. art. 729º, alínea g) do CPC). No sentido da inadmissibilidade de conhecimento dos factos jurídicos supervenientes pelos tribunais de recurso, citem-se os acórdãos deste Supremo Tribunal de 12 de julho de 2011 e de 6 de julho de 2004, disponíveis em www.dgsi.pt. De observar que o disposto nos art.s 425º e 680º do CPCivil não ajuda ao caso, pois que do que aí se está a tratar é dos documentos relativos aos factos oportunamente alegados e discutidos nos tribunais recorridos, assunto que nada tem a ver com a temática dos factos supervenientes. Reconhece-se, sem embargo, que o que vem de dizer-se está longe de ser consensual (em sentido contrário, podem citar-se Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed., p. 150 a 152; Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., pp. 454 a 457; acórdãos do STJ de 25.3.2007 e de 15.12.1983, disponíveis em www.dgsi.pt). Vamos, por isso, dar de barato que pode ser considerada a alegação em causa.

Ora, a verdade é que a entrega do imóvel não se traduziu num ato voluntário da retentora, mas sim num ato emergente da compulsão subjacente à execução judicial que corria precisamente para entrega do imóvel (tudo como emerge do documento que foi apresentado pelos Recorrentes, aliás complementado com os documentos feitos juntar pela Recorrida). Ora, a entrega relevante para a extinção do direito de retenção é a entrega voluntária da coisa, porque apenas esta funciona como renúncia tácita ao direito, e é a renúncia que está justamente na base da extinção do direito. Não a entrega que é imposta pelas circunstâncias executivas em curso. Acrescente-se que, contra o que sugerem os Recorrentes, estando já a correr processo (o presente processo) contra os preferentes (os ora Recorrentes) para reconhecimento do direito de retenção, nenhuma outra iniciativa processual tinha a 1ª Ré que desenvolver em ordem a neutralizar o pedido executivo de entrega do imóvel, nem fazia qualquer sentido o uso de ações (e estas teriam que ser dirigidas contra os ora Recorrentes) destinadas à defesa da posse.

Deste modo, não há que conferir relevância, em termos de uma suposta renúncia ao direito, ao que se contém na alínea i) da conclusão N., não sendo pois por aqui que o direito de retenção poderá ser denegado.

Os argumentos expendidos nas alíneas ii), iv), v) e vi) da mesma conclusão também não colhem. Vale, quanto a eles, o que acima já se disse: que está efetivamente constituído a favor da 1ª Ré um crédito por benfeitorias necessárias, que estas devem ser indemnizadas pelo valor correspondente ao enriquecimento dos Autores e que aquando da realização das despesas a 1ª Ré era possuidora de boa fé.

De igual forma, improcede o que se diz na alínea iii).

Sustenta-se ali que o direito de retenção não pode ter lugar, pois que à data em que a 1ª Ré fez as despesas o prédio pertencia-lhe para todos os efeitos, não o tendo recebido para nele fazer despesas em benefício de outrem.

Mas, segundo pensamos, não é assim.

Justificando:

De acordo com o disposto no art. 754º do CCivil, no segmento que aqui nos interessa, o devedor que disponha de um crédito contra aquele de quem, por seu turno, seja devedor, goza do direito de retenção se, estando obrigado a entregar a coisa, o seu crédito resultar de despesas feitas por causa dela.

O direito de retenção depende assim, na síntese de Almeida e Costa (ob. cit., p. 911), da verificação de três requisitos: a) a detenção lícita de uma coisa que deve ser entregue a outrem; b) apresentar-se o detentor, simultaneamente, credor da pessoa com direito à entrega; c) a existência de uma conexão direta e material entre o crédito do detentor e a coisa detida, quer dizer, resultante de despesas realizadas com ela.

Ora, é exato que aquando da realização das despesas a 1ª Ré detinha a qualidade de proprietária do prédio. Efetivamente, e como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (ob. cit., anotação ao art. 1410º), o contrato celebrado entre o alienante e o adquirente produz a sua eficácia translativa normal, apenas acontece que, em virtude da existência de um direito de opção, a posição jurídica do adquirente fica sujeita, por força da lei, a uma “condição” (conditio juris) resolutiva, de sorte que o adquirente perderá o direito que adquiriu se a preferência vier a ser triunfalmente exercida. Deste modo, é imperioso concluir que durante o período de tempo que mediou entre o contrato de compra e venda firmado pelas Rés e o momento em que a 1ª Ré ficou substituída pelos Autores, tinha a 1ª Ré uma ligação jurídica ao imóvel. E essa ligação jurídica era o direito de propriedade, conquanto sujeito a uma condição resolutiva. Nesta medida, não deixou a 1ª Ré de exercer os poderes inerentes ao seu direito de propriedade sobre o prédio (designadamente fazendo nele obras), como, aliás, lhe era lícito fazer (v. art. 1305º e, por similitude de situações, os art.s 1307º e 277º, nº 2, todos do CCivil).

Porém, durante o período de tempo em que se manteve como proprietária, a 1ª Ré foi também possuidora do imóvel.

Posse essa que, e à semelhança do direito de propriedade de que foi titular e de que depois veio a ser abduzida por efeito do exercício triunfante da preferência (v. a propósito o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de Supremo Tribunal de 27 de maio de 2008, processo nº 08B1286, disponível em www.dgsi.pt) não pode ser apagada como se não tivesse existido.

Para se tornar mais clara esta conclusão, é necessário chamar à colação o significado da procedência da preferência, e que não é aquele que os Recorrentes estão implicitamente a adotar. De facto, e como se retira da lição de Henrique Mesquita (Obrigações Reais e Ónus Reais, 1990, p. 220), o efeito ex tunc associado à preferência significa que o preferente se subroga ou substitui ao terceiro adquirente na posição que este ocupa no contrato celebrado com o obrigado à preferência, tudo se passando juridicamente e pelo que respeita à titularidade do direito transmitido, como se o contrato de alienação houvesse sido celebrado com o preferente. Dentro da mesma linha, afirma Antunes Varela (ob. cit., p. 387) que a procedência da ação de preferência tem como resultado a substituição do adquirente pelo preferente no contrato celebrado, com efeito retroativo, tudo se passando (e mesmo assim só em princípio), como se o contrato tivesse sido celebrado ab initio entre o alienante e o preferente. Portanto, o que esta eficácia retroativa está a significar é apenas que o titular do direito de preferência, substituindo-se ao sujeito preferido, é encabeçado na propriedade da coisa com efeitos desde o momento do ato negocial sobre que veio preferir, tudo se passando como se a venda lhe tivesse sido diretamente feita, de sorte que lhe são inoponíveis os atos jurídicos praticados pelo adquirente na sua pressuposta condição de proprietário (trata-se assim de atos a non domino). Já quanto à posse do adquirente, a dita eficácia retroativa da preferência não a torna inexistente, não a neutraliza ou apaga. E por isso as despesas por benfeitorias necessárias realizadas pelo possuidor em tais circunstâncias, situação subsumível ao nº 1 do art. 1273º do CCivil, constituem um dos casos fundantes do exercício do direito de retenção, conforme decorre dos art.s 754º, 759º, nº 3 e 670º, alínea b), todos do CCivil (v. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., anotação ao art. 1273º e Menezes Leitão, Garantia das Obrigações, 4ª ed., p. 211).

Ora, no caso vertente vemos que a 1ª Ré detinha a qualidade de possuidora quando realizou as despesas por causa da coisa possuída; e vemos que, por efeito da procedência da preferência, ficou obrigada a entregar aos Autores a coisa sobre que realizaram as despesas, ou seja, a coisa benfeitorizada. Segue-se, pois, que estão cumpridos os requisitos legais do direito de retenção invocado pela 1ª Ré.

Donde, e exatamente como se decidiu no acórdão recorrido, goza a 1ª Ré, e a despeito da entrega das chaves do edifício entretanto ocorrida no âmbito do processo executivo, do direito de retenção sobre a coisa benfeitorizada para garantia do seu crédito até que lhe seja satisfeito ou (como também peticionado pela 1ª Ré) lhe seja garantido.

Nesta parte improcede o recurso.

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Ficam assim solucionadas todas as questões (de novo: não confundir questões com razões ou argumentos) colocadas pelos Recorrentes.

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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcialmente a revista e, em consequência, revogando correspetivamente o acórdão recorrido, condenam os Autores a pagar à 1ª Ré a quantia de €800.000,00 a título das benfeitorias necessárias realizadas, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da notificação da reconvenção, e reconhecem-lhe o direito de retenção sobre o prédio benfeitorizado até que se mostre paga ou garantida tal quantia.

Os Autores são absolvidos do mais pedido.

Regime de custas:

Custas da revista pelos Autores e 1ª Ré, na proporção de 2/3 para os primeiros e de 1/3 para a segunda.

Custas da instância ora recorrida e da 1ª instância (reconvenção) igualmente pelos Autores e 1ª Ré, e na mesma proporção para cada.

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Sumário (art.s 663º, nº 7 e 679º do CPC):

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Lisboa, 17 de novembro de 2015

José Rainho (Relator)

Nuno Cameira

Salreta Pereira