COMPRA E VENDA
DEFEITOS DA COISA TRANSMITIDA
DENÚNCIA
RECONHECIMENTO DO DEFEITO
CADUCIDADE
Sumário

I – Na compra e venda em que o alienante tenha sido também o construtor de imóvel destinado a longa duração, apesar de inexistir empreitada entre ele e o comprador, aos defeitos da coisa transmitida deve aplicar-se, a partir da entrada em vigor do DL nº 267/94 de 25/10, o regime do art. 1225º do CC;
II – O prazo de cinco anos estabelecido no art. 1225º nº 1 do CC fixa o período em que o defeito da obra se deve manifestar;
III – Impede a caducidade o reconhecimento dos defeitos feito de forma a não subsistirem dúvidas sobre a aceitação dos direitos invocados.

Texto Integral

Apelação Nº 152/2002.P2
Processo em 1ª instância – 5ª Vara Cível do Porto – 1ª Secção
_____________________________________________________

ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO

B… e C…, residentes na …, .., Gondomar, intentaram, em 08.11.2002, contra D…, CRL, com sede na Rua …, .., …, Matosinhos, a acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário, através da qual pedem a condenação da ré:
a) a construir, na cobertura na moradia dos autores, os muretes divisórios, conforme o respectivo projecto aprovado, objecto de licenciamento camarário;
b) a substituir a cobertura existente, com aplicação de telas de impermeabilização, incluindo nos muretes, e com os materiais previstos no projecto e que sejam aptos a garantir a qualidade prevista para a construção e a evitar infiltrações e danos;
c) a colocar os rufos em zinco em toda a periferia da cobertura, conforme o previsto no projecto;
d) a efectuar a reparação dos restantes defeitos elencados designadamente nos arts. 30º e 39º da p.i., usando os materiais de qualidade aí referidos e aptos a garantir a qualidade prevista para a construção;
e) a eliminar todos os danos referidos designadamente nos arts. 30º e 39º da p.i., reconstituindo a situação anterior, respeitando sempre a qualidade dos materiais usados e substituindo todos os que estejam danificados;
f) a realizar todas as referidas obras no prazo de 30 dias após a sentença, se não houver acordo para prazo dilatado.

Fundamentaram os autores, no essencial, esta sua pretensão na circunstância de terem comprado à ré, por escritura de 11.12.1997, uma moradia sita em Gondomar, integrada numa banda de 15 moradias geminadas e, segundo o projecto de construção previa-se que cada uma das moradias ficava a constituir um prédio fisicamente distinto, com incorporação própria no solo, sem interdependências de estruturas, designadamente quanto às suas placas de piso e à cobertura.

Porém, em finais de Outubro de 2001, ocorreu um forte temporal que causou vários danos na cobertura da moradia dos autores e nas dos vizinhos, tendo-se então apercebido que as coberturas não eram autónomas nem estavam delimitadas pelos referidos muretes, nem existiam os rufos em zinco em toda a periferia da cobertura, tendo então, por carta registada de 11.04.2002, denunciando à ré uma série de defeitos de construção e exigindo a eliminação e reparação dos mesmos, que teve resposta da ré no sentido de reconhecer alguns desses defeitos, designadamente quanto à humidade, recusando quanto à exigida construção dos muretes e dos rufos de zinco, invocando os autores o regime da compra e venda de coisa defeituosa, pretendendo a reparação dos defeitos e indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela ré.

Citada, a ré apresentou contestação, reconhecendo algumas deficiências na moradia dos autores e, no demais, impugnando os factos alegados na petição inicial, bem como suscitando o incidente da Intervenção provocada da empreiteira E…, Lda, que foi quem construiu o fogo habitado pelos autores, como sua associada, para eventual direito de regresso.

Admitida a Intervenção principal provocada da chamada E…, SA, esta também apresentou contestação, invocando a excepção da caducidade, por constar do contrato de empreitada um prazo de garantia de 2 anos contados a partir da data de elaboração do auto de recepção provisória, tendo este ocorrido em 15 de Fevereiro de 1998, e impugnando os factos alegados na petição inicial.

Notificada a ré da contestação da chamada, opôs-se à verificação da excepção da caducidade, por considerar que não pode ser afastada a aplicabilidade do disposto no artigo 1225º do Código Civil.

Foi apresentada réplica à matéria dessa excepção, tendo os autores concluído como na petição inicial.

No despacho saneador foi relegado o conhecimento da excepção de caducidade para sentença final e foi proferida a condensação com a fixação dos Factos Assentes e a organização da Base Instrutória,

Por requerimento de fls. 1032, os autores apresentaram articulado superveniente, alegando que no ano de 2010 foram iniciadas obras de alteração na laje de cobertura existente nas 15 moradias em que se integra a dos autores, que correspondem ao projecto, tendo sido designadamente construídos muretes de separação e colocada uma tela de impermeabilização, adoptando a solução da cobertura individualizada.

Notificada a parte contrária para responder a tal articulado, pugnou pela sua inadmissibilidade.

Foi proferido despacho, a fls. 1049, a admitir o referido articulado superveniente, aditando quesitos à base instrutória já elaborada, os quais não mereceram reclamação.

Foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte:

Julgo parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente, condeno a ré a reparar os defeitos elencados nos arts.30º al. b) e c) e art. 39º alíneas a) a e), i) e m) da petição inicial, e a eliminar todos esses danos, respeitando a qualidade dos materiais usados e substituindo todos os que estejam danificados, bem como a realizar todas essas obras no prazo de 30 dias após trânsito em julgado da sentença, no mais se absolvendo a Ré do pedido.
Declaro que a Ré tem direito a exigir da Interveniente a reparação dos defeitos e eliminação dos danos em que foi condenada.

Inconformadas com o assim decidido, quer a ré, quer a interveniente, interpuseram recursos de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da ré/recorrente, D…, CRL:

i. Com a alteração legislativa decorrente do D.L. nº 267/94, de 25.10, o nº 4 do art. 1225º do CC não tem aplicação senão no caso do vendedor ter sido o construtor do imóvel ou a entidade que o tenha modificado ou reparado e não no caso da construção ter sido efectuada por empreitada, o que sucedeu “ in casu”;

ii. Assim sendo, não pode ser imputada à R D…, enquanto e tão só dono da obra, qualquer responsabilidade decorrente de danos em imóveis integrantes das urbanizações.

Pede, por isso, a apelante, que a sentença recorrida seja revogada, julgando-se improcedente a presente acção.

São, por seu turno, as seguintes as CONCLUSÕES da interveniente/recorrente, E…, SA.:

i. A recorrente construiu a habitação dos autos, nos termos de um contrato de empreitada reduzido a escrito e datado de 28 de Março de 1996.

ii. A recorrente e o dono de obra partes convencionaram entre si, ao abrigo do direito de liberdade contratual, que o prazo de garantia seria de dois anos.

iii. Contrariamente ao defendido pelo Tribunal a quo, na sentença em crise, tal disposição contratual é válida, pois não se reconhece ao dispositivo do artigo 1225º do Código Civil o carácter de norma imperativa.

iv. Assim o entendia o próprio Estado, para si, até fins de 1993, sendo que existia já a norma que estabelecia o prazo de garantia de cinco anos para a construção de imóveis.

v. A obra em que se insere a habitação dos autos foi provisoriamente entregue pela recorrente em 15 de Fevereiro de 1998, tendo sido elaborado documento próprio.

vi. Tal facto foi confirmado pela testemunha Eng F….

vii. O prazo de garantia da obra terminou em 15 de Fevereiro de 2000.

viii. A acção entrou em juízo em 08 de Novembro de 2001.

ix. O quesito 20º deveria ter merecido resposta positiva, por provado, com a consequente absolvição da recorrente quanto a todos os pedidos dos autores.

Mas, sem prescindir,
x. Não se verificam os pressupostos do 1225º do Código Civil.

xi. Porquanto os defeitos em causa resumem-se a ligeiras humidades junto à caixilharia voltada a Sul, com repercussão ao nível dos pavimentos.

xii. O empreiteiro apenas é responsável perante o dono de obra e não perante os autores.

Noutra ordem de considerações,
xiii. Inexistem nos autos factos dados como provados que demonstrem o reconhecimento por parte da recorrente dos defeitos em que viria a ser condenada.

xiv. Razão pela qual, quanto aos defeitos em que a recorrente está condenada - als b) e c) do artigo 30º da P.I e als a), b), c) d) e) m), do artigo 39º da mesma p.i. - não houve qualquer assunção ou reconhecimento.

xv. Concluindo-se que o direito à eliminação destes, tal como de outros dos autos, está caduco.

xvi. A sentença em crise viola as disposições contidas nos artigos 405º e 1225º, ambas do Código Civil.

Propugnou, em consequência, a recorrente, pela revogação da sentença recorrida, com absolvição da recorrente quanto a todos os pedidos dos autores.

Não foram apresentadas contra- alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto nos artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões das alegações das recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas nos recursos interpostos pela ré e interveniente, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões, o que se fará tendo em consideração a sua precedência lógica:

i. DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA (APELAÇÃO DA INTERVENIENTE);

ii. DO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO REGIME DO ARTIGO 1225º DO CÓDIGO CIVIL (APELAÇÃO DA RÉ E DA INTERVENIENTE);

iii. DA CADUCIDADE DO DIREITO DOS AUTORES (APELAÇÃO DA INTERVENIENTE);
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram dados como provados na sentença recorrida os seguintes factos:

1. A ré dedica-se à construção e venda de habitações, tendo já sido responsável por múltiplos empreendimentos de muitas centenas de habitações, com apregoada qualidade, designadamente no concelho de Matosinhos e noutros da Área Metropolitana do Porto - al. A) dos factos assentes;

2. Em 11 de Dezembro de 1997, por escritura pública, a ré declarou vender e os autores declararam comprar “o prédio urbano, destinada a habitação, composto por casa de cave, rés-do-chão e andar, sito na R. …, nº .., …, Gondomar”, que corresponde ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Gondomar sob a ficha nº 737/041290, …, e ao inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o art. 4123 (documento de folhas 10 a 14 cujo teor se dá por integralmente reproduzido) - al. B) dos factos assentes;

3. Os autores continuam a ser os donos daquela moradia e instalaram ali a sua habitação permanente - al. C) dos factos assentes;

4. Aquele contrato de compra e venda, foi precedido dum contrato promessa celebrado por escrito particular em 30 de Setembro de 1996, em que a ré prometeu vender aos autores aquela moradia que, nesse contrato, ficou identificada como “uma moradia em banda contínua do Tipo T4, actualmente designada como lote 39”, (documento de folhas 180 a 182 cujo teor se dá por integralmente reproduzido) - al. D) dos factos assentes;

5. Nas cláusulas primeira e segunda desse contrato promessa ficou consignado a) que a ré era “dona e legitima proprietária do terreno com loteamento aprovado para construção urbana denominado …, com alvará camarário nº ../90, registado sob o nº …./82” e b) que nesse terreno se encontravam em construção (além doutros edifícios) “moradias unifamiliares em lotes individualizados” - al. E) dos factos assentes;

6. Nos termos expressos no próprio contrato promessa, a construção da moradia prometida vender aos autores obedecia a um projecto que era "do conhecimento das partes" - al. F) dos factos assentes;

7. No respectivo contrato de empreitada, que então estava em execução, a ré e a empresa construtora/chamada E…, tinham também estipulado uma cláusula em que a construtora se obrigava a cumprir, na execução dos trabalhos, além do mais, o teor das “peças desenhadas do projecto de arquitectura” e “das peças escritas e peças desenhadas dos projectos de especialidades” - al. G) dos factos assentes;

8. A banda em que está integrada a moradia dos autores é constituída por um total de 15 moradias, correspondentes aos lotes 33 a 47 do referido loteamento - al. H) dos factos assentes;

9. Do projecto apresentado para licenciamento nos serviços da Câmara Municipal …, processo nº …./95, constava a construção de muretes elevados 40 centímetros acima da placa de cobertura - al. I) dos factos assentes;

10. Em finais de Outubro de 2001, ocorreu um forte temporal que causou vários danos na cobertura da moradia dos autores (e nas dos vizinhos), tendo aparecido partes da tela de isolamento da cobertura das habitações caídos nos jardins dos logradouros das moradias - al. J) dos factos assentes;

11. Os autores apressaram-se a participar o sinistro à sua seguradora - al. L) dos factos assentes;

12. Notificaram também a ré e a empresa construtora, dando-lhe conhecimento dos danos - al. M) dos factos assentes;

13. Nos dias seguintes, apareceu a empresa construtora, que estabelecera o contrato de empreitada com a R., prontificando-se a efectuar as reparações, o que fez de seguida - al. N) dos factos assentes;

14. Por informação por certidão dos serviços competentes da Câmara Municipal (cfr. doc. 3), não houve qualquer pedido nem aprovação de alteração ao projecto inicial quanto às coberturas das moradias - al. O) dos factos assentes;

15. O autor notificou a ré, por carta registada, de 11.04.02, dizendo e exigindo que:
a) “em resultado da chamada de atenção duma Companhia Seguradora e posterior visita à cobertura do conjunto das moradias”, foi verificada “a inexistência de muretes divisórios entre estas e de rufos em toda a periferia da cobertura”,
b) “a humidade existente nas paredes da casa, junto de janelas e portas, com especial destaque para a sala comum e quarto-suíte, apresentam um aspecto cada vez mais degradado”,
c) por isso “verifica-se o levantamento progressivo de parte de pavimentos da moradia”,
d) continuando “por resolver a humidade resultante por mau funcionamento de todas as clarabóias”,
e) “em virtude de não ter sido aplicado primário no portão, guardas, caixa de correio, gás, electricidade e água, as respectivas pinturas descascaram, antes do seu período normal de duração”,
f) “relativamente às pinturas exteriores verifica-se a sua deterioração por inexistência de rufos acima referidos”,
g) por isso denuncia tais “defeitos de construção” e exige “a eliminação e reparação dos mesmos” - al. P) dos factos assentes;

16. Em resposta, por carta de 26.04.02, a ré reconhece “não ter conseguido até ao momento criar condições para impedir de uma vez por todas as infiltrações de humidade” e declara que vai “tentar actuar de uma forma mais eficaz neste caso”, anunciando que irá ser agendada uma reunião com a sua equipa técnica para “ser avaliada a situação”, prometendo que depois de “verificar no local qual é exactamente o dano”, informará do “método de resolução” (sic) - al. Q) dos factos assentes;

17. Na mesma carta a ré, referindo-se à exigida construção dos muretes e dos rufos em zinco, declarou que não podia “de modo algum alterar as condições de projecto que não cabem dentro da garantia da obra.”- al. R) dos factos assentes;

18. Por comunicação de 13.06.02, foi solicitada pelos moradores nova reunião com a ré nos termos e para os fins documento junto a folhas 112, que aqui se dá como reproduzido - al. S) dos factos assentes;

19. Entretanto, a pedido dos autores, o Departamento de Gestão Urbanística e Obras Particulares da Câmara Municipal … confirmou, por carta de 02/07/02, que “não existe no processo (...), referente ao lote nº 39, qualquer aditamento que preveja uma cobertura comum a vários lotes, o que aliás não teria sentido, dada a independência ao nível do projecto e consequentemente da construção” (documento junto a folhas 113 cujo teor se dá por integralmente reproduzido) - al. T) dos factos assentes;

20. A moradia dos autores e as contíguas, apresentam os seguintes danos originados pelas seguintes deficiências de construção, que a ré aceita serem deficiências a reparar no âmbito da garantia da obra:
1) generalizadamente todas as habitações apresentam sinais de infiltrações de humidade ao nível dos pavimentos, das salas e quartos do lado Sul, junto da caixilharia.
2) este problema só pode resultar de uma ou mais das seguintes anomalias:
a) deficiente remate das telas de impermeabilização das varandas;
b) deficiente vedação das soleiras;
c) deficiente vedação do contacto de caixilharia com a soleira;
d) deficiente drenagem de água nos perfis de soleira;
3) deficiente vedação das caixilharias no contacto dos perfis verticais com as paredes.
4) verificam-se problemas provocados por deficiências do tipo referido em b-4 em algumas janelas do lado Norte da banda 33 a 47 e do lado N.E. da banda 13 a 22;
5) com maior ou menos incidência a generalidade das habitações apresenta manchas de humidade ou infiltrações no recanto S.E. das salas com extensão aos pavimentos;
6) este problema poderá resultar de uma ou mais das seguintes situações:
a. ausência de revestimento termicamente isolante do tipo “cappotto” no elemento vertical de parede que antecede as guardas altas das varandas;
b. deficiente remate das telas de impermeabilização da varanda do piso superior, em particular na ligação ao tubo de queda de águas pluviais;
7) não foram executados os muretes, na cobertura;
8) não foram executados os rufos em zinco;
9) não foram executados remates de fechamento das juntas de dilatação;
10) nos casos em que houve intervenção reparadora do construtor, não foram repostos os pavimentos danificados das salas e quartos - al U) dos factos assentes;

21. A ré solicitou relatório técnico de vistoria efectuada à banda dos lotes onde se insere a moradia dos autores, em 1 de Outubro de 2002, relatório técnico esse na qual em relação à moradia dos autores (lote 39) se assinalam as seguintes deficiências: apresente o pilar do canto da sala zona C com tinta empolada a toda a altura; é necessário verificar se existe infiltração pelo emboque no topo do tubo de queda ou se vem da varanda ou da caixa de estore; apresenta humidade no taco da sala debaixo do rodapé da parede de meação com o W.C de serviço - al. V) dos factos assentes;

22. Nas cartas trocadas entre autores e ré, juntas a folhas 158 e 159, assumindo a ré caberem na garantia de empreitada as situações descritas sob as alíneas b) e c) da carta do autor marido, tendo já a empresa construtora instruções para proceder aos trabalhos de recuperação - al. X) dos factos assentes;

23. O contrato estabelecido entre a ré D… e a interveniente para execução do empreendimento onde se insere o imóvel dos autores era de empreitada e datava de 28 de Março de 1996, e nesse contrato, estipularam as partes que o caderno de encargos, designadamente, o documento que o constitui, designado “Cláusulas Jurídicas Especiais”, faria parte integrante do mesmo, nessas “Clausulas Jurídicas Especiais” estabelece-se o prazo de garantia de dois anos, o qual começa a contar-se a partir da data da elaboração do auto de recepção provisória - al Z) dos factos assentes;

24. A construção dos muretes delimitavam e individualizavam cada cobertura em relação às das moradias contíguas - resp. quesito 4º;

25. As coberturas das moradias, em que se integra a do A., não são observáveis a partir do chão que as rodeia, nem têm acesso para qualquer utilização usual que implique serem visitadas normalmente - resp. quesito 5º;

26. Após o temporal referido na linea J) dos factos assentes constatou-se que as coberturas das moradias não eram autónomas nem estavam delimitadas pelos referidos muretes, antes constituindo uma cobertura comum, como se se tratasse dum prédio constituído em propriedade horizontal - resp. quesito 6º;

27. Com a visita ao telhado por causa do temporal do fim de Outubro de 2001, descobriu-se que não existiam os muretes divisórios da cobertura de cada uma das moradias, nem rufos em zinco - resp. quesito 7º;

28. Houve alteração ao projecto inicial quanto às coberturas das moradias - resp. quesito 8º;

29. De uma maneira geral as pinturas de esmalte sobre ferro estão descascadas - resp. quesito 10º;

30. A não aplicação de chapins de pedra natural em muretes e guardas de varandas, bem como de taveiras de remate no bordo das varandas do piso superior, tem aumentado as escorrências de aspecto desagradável e a degradação das pinturas, sendo que a sua aplicação contribuirá para a melhoria da conservação das pinturas das fachadas - resp. quesito 11º;

31. No projecto de execução foi decidido optar pela solução de edificar a cobertura sem os muretes referidos na alínea I) dos factos assentes, por indicação da direcção técnica do empreendimento aprovada pelo projectista e pela dona da obra - resp. quesito 12º;

32. Foi entendimento dos intervenientes referidos no quesito 12º que essa solução se lhes apresentava de melhor fiabilidade e garantia de vedação das coberturas - resp. quesito 13º;

33. O acesso às coberturas das moradias pode ser feito por uma escada amovível a colocar pelo exterior da edificação - resp. quesito 14º;

34. Em relação às situações assinaladas no quesito 11º não se encontravam previstas no projecto - resp. quesito 16º;

35. No ano de 2010 foram iniciadas obras de alteração na laje de cobertura existente nalgumas das moradias referidas na alínea H) dos factos assentes, laje que foi construída inicialmente pela interveniente E… - resp. quesito 21º;

36. Essas obras de alteração correspondem ao previsto no ponto 9 da Memória Descritiva do Projecto de Arquitectura junto aos autos a fls. 40 - resp. quesito 22º;

37. Consistiram na aplicação duma camada de regularização, duma tela de impermeabilização, duma manta de goetêxtil, de isolamento térmico (roofmate) e lajetas de betão com 0,6mx0,6m e espessura de 0,05m - resp. quesito 23º;

38. Foram ainda edificados muretes de separação implantados nas respectivas meações entre moradias, os quais foram capeados superiormente por zinco - resp. quesito 24º;

39. Os referidos muretes correspondem aos aludidos na alínea I) dos factos assentes - resp. quesito 25º;

40. Tais obras de alteração da cobertura já se encontram realizadas em relação a cinco das referidas moradias, concretamente em relação às moradias a que correspodem os nºs 50, 56, 62, 80 e 104 da Rua Quinta do Sol, rua esta onde residem os AA no nº 68 - resp. quesito 26º.
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B. REAPRECIAÇÃO DA PROVA, em resultado da impugnação da prova gravada (APELAÇÃO DA INTERVENIENTE);

À regra básica da imodificabilidade da decisão de facto proferida na 1ª instância, contrapõe-se a excepção decorrente do artigo 712º do CPC que permite a alteração da matéria de facto nos seguintes casos:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravações dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

Sempre que haja sido gravada a prova produzida em audiência, o Tribunal da Relação dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.

Considerando que, no caso vertente, a prova produzida em audiência foi gravada, pode este Tribunal da Relação proceder à sua reapreciação.

Infere-se da alegação da interveniente/apelante, que esta pretende invocar erro na apreciação da prova produzida, por entender que o artigo 20º da Base Instrutória, deveria ter merecido diferente resposta.

Analisemos, então, da pertinência da alegação da apelante, ponderando se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas, conduzindo necessariamente à modificabilidade da decisão de facto.

Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção da Exma. Juíza do Tribunal a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto directo com a prova testemunhal que melhor possibilita ao julgador a percepção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.

Há, pois, que atentar na prova gravada e na supra referida ponderação, por forma a concluir se essa do julgador de 1ª instância é, ou não, merecedora de reparos.

=>Vejamos detalhadamente:

Perguntava-se no artigo 20º da Base Instrutória:
O auto de recepção provisória foi celebrado em 15.02.1998?

O Tribunal a quo deu a seguinte resposta a este artigo da Base Instrutória: NÃO PROVADO.

Fundamentou a Tribunal a quo as respostas a estes quesitos da seguinte forma:

(…)
Relativamente aos quesitos 17º, 19º e 20º considera-se que nenhuma prova cabal foi produzida nesse sentido, já que nenhuma testemunha depôs sobre tais factos e o auto de recepção provisória de fls. 207, que foi impugnado, não se mostra subscrito por qualquer uma delas.

Importa, então, analisar o depoimento prestado em audiência, indicado pela recorrente como relevante, a propósito do artigo da Base Instrutória aqui em causa, para verificar se o mesmo deveria merecer resposta em consonância com o preconizado pela apelante ou se, ao invés, a resposta dada ao aludido quesito não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pela Exma. Juíza do Tribunal a quo.

- A testemunha arrolada pela ré, F…, foi indicada para responder apenas aos artigos 9º, 12º e 13º da Base Instrutória, cuja matéria nenhuma conexão tem com o perguntado no artigo 20º.

É certo que, por força do Princípio das Aquisição Processual consagrado no artigo 515º do CPC, o Tribunal pode tomar em consideração todos os dados de facto relevantes, podendo fundar a sua convicção não exclusivamente nos meios concretos de prova indicados para cada quesito.

Com efeito, e como tem sido entendimento pacífico na jurisprudência, o tribunal não está adstrito, na fundamentação das respostas aos quesitos, apenas aos depoimentos das testemunhas indicadas com esse objectivo, podendo socorrer-se de todos os elementos que possam interessar à formação da sua convicção, seja qual for a sua proveniência.

Os depoimentos das testemunhas podem, pois, aproveitar-se para fundamentar respostas a quesitos para cuja prova não foram indicadas, designadamente se os depoimentos prestados se relacionem com a matéria desses outros quesitos – v. Ac. STJ 10.03.79, BMJ 195, 233 e Ac. R.P. 09.04.87, CJ II, 235.

No caso vertente, muito embora o Tribunal sempre pudesse aproveitar o depoimento daquela testemunha para fundamentar a resposta a dar ao quesito 20º, se relevante, a verdade tal não ocorreu com o relato da testemunha.

A testemunha F…, que trabalhou para a ré durante 20 anos, tendo cessado de forma amigável o contrato de trabalho, em 31.01.2010, esclareceu que foi o responsável técnico pelo empreendimento e explicitou as razões pelas quais respondeu, de forma negativa, ao quesito 9º, e afirmativa aos quesitos 12º e 13º da Base Instrutória.

Sucede que, a instâncias do mandatário da interveniente, respondeu que “todas as moradias tiveram recepção provisória, licença de utilização e aprovação de todas as outras entidades”.

Esta afirmação genérica não é, como é bom de ver, suficiente para alicerçar uma resposta positiva ao artigo 20º da Base Instrutória, atenta a precisa pergunta dele constante, e tendo em consideração que o documento de fls. 207 foi impugnado pelos autores na resposta à contestação da interveniente, os quais não subscreveram tal documento.

Pela análise ponderada da prova produzida na audiência de discussão e julgamento e, perante tudo o que acima ficou dito, forçoso é concluir que a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância não é merecedora de qualquer reparo, nada permitindo afastar essa convicção que levou à correcta e adequada resposta negativa quanto ao artigo 20º da Base Instrutória.

Mantém-se, portanto, inalterável a decisão sobre a matéria de facto, o que acarreta a improcedência do que, a propósito da pretendida alteração da decisão da matéria de facto, consta das Conclusões 5ª e 9ª da alegação de recurso da interveniente/apelante.

E, improcedendo esta pretensão da interveniente/apelante, importa apreciar as subsequentes questões invocadas pelas apelantes.
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C. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

i. DO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO REGIME DO ARTIGO 1225º DO CÓDIGO CIVIL (APELAÇÕES DA RÉ E DA INTERVENIENTE)

A pretensão dos autores situa-se no âmbito da responsabilidade civil contratual, e mais concretamente contende com o cumprimento defeituoso da prestação, regime previsto no artigo 913º e segs. do Código Civil.

Há venda de coisa defeituosa sempre que a coisa vendida sofrer vícios ou carecer de qualidades abrangidas no artigo 913 do Código Civil, quer a coisa entregue corresponda ou não à prestação a que o vendedor se encontra vinculado.

Como refere PEDRO ROMANO MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, 302-303, As normas que regulam o cumprimento defeituoso na compra e venda (arts.905 e ss. e 913 ss.) e na empreitada (art. 1221 e ss.), são especiais em relação às regras gerais da responsabilidade contratual (art.798 e ss.). (…) Não se pode dizer que, no seu todo, o regime do cumprimento defeituoso, instituído para os dois contratos em apreço, seja excepcional pois não se opõe frontalmente aos princípios gerais estabelecidos nos artºs 798º e ss. (…). As normas gerais de especiais funcionam em complementaridade; estas últimas integram-se na disciplina geral sem a substituírem, e só na hipótese de se verificar um conflito concreto é que prevalece a regulamentação especial. (…) A maior parte das regras especiais estabelecidas nestes contratos são meras concretizações dos princípios gerais. Por exemplo, o direito de exigir a eliminação dos defeitos é um misto de restauração in natura (artº 562º e de execução específica (artº 827º e ss.).

Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25.10 questionava-se a aplicação dos artigos 916º e 917º do C.C. ao caso da venda defeituosa de imóveis, havendo três orientações jurisprudenciais:
a. Uma, no sentido da aplicabilidade dos referidos normativos mesmo relativamente às acções destinadas a exigir a reparação dos defeitos, estando sujeitas ao prazo de caducidade do artigo 917º do C.C., por aplicação extensiva;
b. Outra, em que aplicava analogicamente o artigo 1225º do CC;
c. A terceira, no sentido de aplicação do prazo normal da prescrição do artigo 309º do C.C.

O Assento STJ de 04.12.96, D.R. I-A, de 30.01.97 veio fixar a seguinte jurisprudência obrigatória: “A acção destinada a exigir a reparação dos defeitos de coisa imóvel, no regime anterior ao DL 267/94 de 25/10, estava sujeita à caducidade, nos termos previstos no artigo 917º do CC “.

O Decreto-Lei nº 267/94, de 25 Outubro, deu nova redacção aos artigos 916º e 1225º, estendendo o campo de aplicação do regime de empreitada ao vendedor que tenha sido simultaneamente construtor do prédio vendido e uniformizou os prazos de denúncia dos defeitos e subsequente direito de acção nas situações de empreitada e venda de coisa defeituosa.

Estatui o artigo 916º do Código Civil que:
1. O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo.
2. A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.
3.Os prazos referidos no número anterior são, respectivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel.
E, resulta do artigo 1225º do Código Civil que:
1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.° e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
2 - A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.
3 - Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221º.
4 - O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado.

Na compra e venda em que o alienante tenha sido também o construtor do imóvel, apesar de inexistir empreitada entre ele e o comprador, aos defeitos da coisa transmitida deve aplicar-se o regime do artigo 1225º do C.C. e não o dos artigos 916º e 917º do C.C. - cfr., neste sentido, CALVÃO DA SILVA, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 98.

O citado Decreto-Lei nº 267/94 veio, portanto, solucionar os diferentes entendimentos que a nível jurisprudencial conflituavam quanto a saber se o artigo 1225º do Código Civil só regulava as relações entre empreiteiro e dono da obra ou se também abarcava as situações em que o vendedor tivesse sido o construtor, consagrando este último entendimento.

Com esta alteração, tornou-se seguro que o empreiteiro é responsável pelos defeitos que a obra apresente não só perante o dono da obra, como também perante o terceiro que a adquiriu, podendo estes socorrerem-se do regime da empreitada para o responsabilizar por esses defeitos.

Segundo este regime, tal como o estabelecido pelo nº 3 do artigo 916º, quando a coisa vendida seja um imóvel, a denúncia será feita dentro do prazo de um ano após conhecidos os defeitos e dentro de cinco anos a contar da entrega do imóvel.

Como salienta JOÃO CALVÃO DA SILVA, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 99, a responsabilidade do empreiteiro prevista no artigo 1225º do C.C. para o prazo de cinco anos a contar da entrega do imóvel deve ter-se por inderrogável, podendo as partes convencionar apenas prazo de garantia mais longo. Esta a interpretação que se impõe do trecho “no decurso do prazo de garantia convencionado”, dada a demonstrada complementaridade que caracteriza a chamada “garantia comercial” relativamente à “garantia legal” e as exigências de ordem pública que enformam o preceito em apreço.

E, o regime do artigo 1225º do Código Civil não é afastado mesmo nas situações em que o vendedor constrói, mediante contrato de empreitada e, posterior ou concomitantemente, procede à venda – cfr. a propósito, nomeadamente, Acs. R.G. de 03.11.2011 (Pº 9870/05.5TBBRG.G1), R. P. de 22.10.2009 (Pº 1639/04.0TBGDM.P1), acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.

Assim, quando a coisa vendida seja um imóvel, edificado pelo empreiteiro ou por outrem que o tenha vendido, a denúncia dos defeitos será feita pelo dono da obra ou por aquele que o comprou, dentro do prazo de um ano, após o conhecimento dos mesmos, e a acção instaurada, igualmente dentro de um ano, a contar dessa denúncia, sob pena de caducidade.
Há, pois, que estabelecer a distinção entre os planos da garantia legal de 5 anos conferida, a contar da entrega do imóvel, consequente à celebração do contrato de compra e venda e o exercício do direito potestativo à denúncia dos defeitos, com vista à obtenção de indemnização ou da respectiva eliminação pelo vendedor/construtor, a exercitar no prazo de 1 ano a contar do conhecimento do vício construtivo da coisa. E, por fim, do exercício em juízo do direito de indemnização ou eliminação dos defeitos denunciados, no prazo de 1 ano subsequente à denúncia – v. neste sentido Ac. STJ de 24.09.2009 (Pº 2210/06.8TVPRT.S1), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt.

Refira-se, no entanto, que o aludido prazo de cinco anos estabelecido no artigo 1225º, nº 1 do C.C. fixa o período em que o defeito da obra se deve manifestar e não, obviamente, a data limite para o exercício dos direitos por parte do proprietário da coisa.

O não cumprimento de denúncia tempestiva dos defeitos, ónus que recai sobre o vendedor/construtor, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 343º do Código Civil, acarreta a caducidade dos direitos conferidos ao comprador, nos termos do artigo 1224º do Código Civil, fazendo a lei corresponder à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito, conforme decorre do nº 2 do artigo 1220º do citado diploma legal.

Há, por conseguinte, que concluir pela aplicabilidade ao caso concreto do regime estabelecido no artigo 1225º do C.C., na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 267/94, de 25 de Outubro, razão pela qual improcede o que a este propósito consta da alegação da ré/apelante.

Por outro lado, os defeitos constatados na moradia dos autores, cuja construção foi promovida pela ré e construída pela interveniente, e enumerados no artigo 39º, alíneas a), c) d), e) e i), com as consequências mencionadas no artigo 30º, alíneas b) e c), independentemente das causas aludidas na alínea b) do artigo 39º, todos da petição inicial – v. Nºs 15º, alíneas b) e c) e 20º, nºs 1 a 6, 9 e 10 da Fundamentação de Facto - configuram, indubitavelmente, vícios da construção, defeitos esses que pressupõem a aplicação do artigo 1225º do Código Civil, respondendo o empreiteiro perante o proprietário do imóvel (dono de obra, adquirente o terceiro adquirente), cabendo-lhe eliminar os respectivos defeitos, contrariamente ao defendido pela interveniente na sua alegação, improcedendo o que in adverso, consta das conclusões 10º a 12º da alegação de recurso da interveniente.

Mas, sustenta a interveniente/apelante que se operou a caducidade do direito de acção, questão que importa apreciar subsequentemente.
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ii. DA CADUCIDADE DO DIREITO DOS AUTORES (APELAÇÃO DA INTERVENIENTE);

Sustenta a interveniente a caducidade do direito dos autores à pretendida eliminação dos defeitos dados como provados.
O artigo 917º do Código Civil estabelece um prazo para instauração da acção contra o vendedor com base em responsabilidade por cumprimento defeituoso, sendo aplicável, como é entendimento jurisprudencial e doutrinário, às acções de reparação ou substituição da coisa, ou mesmo à acção destinada a obter indemnização.

Como anteriormente se concluiu, a partir da entrada em vigor do DL nº 267/94, com a alteração por via dele operada aos artigos 916º e 1225º do Cód. Civil, estando em causa defeito construtivo de um imóvel destinado a longa duração, construído pelo próprio vendedor, ainda que mediante empreitada a terceiro, é aplicável o regime específico constante do artigo 1225º do CC, e não o regime genérico da venda de coisas defeituosas, plasmado nos artigos 914º e 916º do CC, nomeadamente no que se refere aos prazos para o exercício dos direitos ali previstos, sendo a garantia legal de cinco anos.

Segundo os nºs 1, 2 e 3 do artigo 1225º do Cód. Civil, o prazo de garantia legal é de cinco anos, a contar da entrega do imóvel, consequente à celebração do contrato de compra e venda. E, descobertos os defeitos, a sua denúncia deve ser feita dentro do ano subsequente e a acção instaurada igualmente dentro de um ano a contar dessa denúncia, sob pena de caducidade.

O não cumprimento de denúncia tempestiva dos defeitos, ónus que recai sobre o vendedor/construtor, em conformidade com o disposto no nº 2 do artigo 343º do Código Civil, acarreta a caducidade dos direitos conferidos ao comprador, nos termos do artigo 1224º do mesmo diploma, fazendo a lei corresponder à denúncia o reconhecimento, por parte daquele, da existência do defeito, de harmonia com o preceituado no nº 2 do artigo 1220º do C. Civil.

O regime específico que consta do artigo 1225º tem de ser articulado e conjugado com as normas gerais que definem o regime da caducidade, em particular com o disposto nos artigos 331º, nº 2, e 329º, todos do Código Civil.

Dispõe o artigo 328º do Código Civil que o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine.

Preceitua o nº 1 do artigo 331º do citado diploma legal, que consagra a validade das denominadas causas impeditivas da caducidade, que só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.

E, resulta do artigo 331 nº 2 do CC que: “Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido”.

Duas posições se têm defrontado na doutrina sobre a interpretação deste normativo:

Por um lado, uma interpretação restritiva no sentido de que o reconhecimento só releva se assumir o mesmo valor do acto que deveria ser praticado em seu lugar, pelo que no caso de prazo da acção judicial a caducidade só é impedida se o reconhecimento tiver o mesmo efeito da sentença (v. VAZ SERRA, BMJ 107, 332, P.LIMA/A.VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 296).

Por outro lado, uma posição, menos exigente, para quem basta o mero reconhecimento, sem necessidade de que a confirmação revista o mesmo acto que deveria ser praticado em seu lugar (v. PEDRO SOARES MARTINEZ, Cumprimento Defeituoso (em especial na compra e venda e na empreitada), 427, CURA MARIANO, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, 160.

Como afirma PEDRO SOARES MARTINEZ, ob. cit., loc. cit, «esta interpretação restritiva não está de acordo com a letra da lei e leva a salvaguardar situações abusivas. O artº 331º, nº 2 fala só em reconhecimento do direito, não exigindo que tal confirmação revista o mesmo valor do acto que deveria ser praticado em seu lugar. Se assim fosse, a situações de impedimento da caducidade seriam diminutas (…). Mas mais importante que a questão literal é o facto de aquela interpretação restritiva levar a aceitar como válidas situações de manifesto abuso de direito.

E, mais adiante refere o mesmo autor: Dever-se-á admitir que o reconhecimento do defeito, com promessas de solucionar o diferendo, constitui um impedimento da caducidade, pois não está em contradição com a letra do nº 2 do artº 331º, e permite evitar que se considerem como válidas situações violadoras do princípio da boa fé, designadamente da regra do não “venire contra factum proprium”. Contudo, não é qualquer atitude do vendedor ou do empreiteiro que pode ser reputada como sendo um reconhecimento (…). O procedimento do responsável tem de ser claro, no sentido de aceitar que o cumprimento se apresenta como defeituoso» (ibidem, 429).

O reconhecimento deve, pois, ser expresso, concreto ou preciso, de modo a não subsistirem dúvidas sobre a aceitação, pelo devedor, dos direitos do credor, não sendo suficiente a simples admissão vaga ou genérica desse direito, mas não será exigível que tenha de revestir o mesmo valor do acto que deveria ser praticado.

No caso dos autos, e perante a matéria de facto provada, estão em causa, como se evidenciou supra, defeitos que pressupõem a aplicação do artigo 1225º do Código Civil. E, respondendo o empreiteiro perante o proprietário do imóvel (dono de obra, adquirente o terceiro adquirente), cabe-lhe eliminar os respectivos defeitos, por aplicação dos prazos previstos no citado artigo 1225º do Código Civil, não podendo, assim, a interveniente/empreiteira opor aos autores o prazo contratual estabelecido com a ré, ao qual os autores são alheios.

É evidente que a denúncia dos vícios detectados no imóvel e dados como provados, se verificou tempestivamente. Os apurados defeitos ocorreram e foram denunciados no decurso do referido prazo de garantia, i. e., dentro dos 5 anos posteriores à outorga da escritura e consequente entrega da coisa.

Com efeito, provado ficou que a escritura pública de compra e venda referente à moradia que os autores adquiriram à ré, que se dedica à construção de habitações e que promoveu a construção da dita moradia, foi outorgado em 11.12.1997, tendo sido precedida de um contrato-promessa – v. Nºs 1º a 6º da Fundamentação de Facto.

Os aludidos defeitos verificados na moradia, cuja construção foi efectuada pela interveniente, mediante contrato de empreitada celebrado com a vendedora e promotora dessa construção, ficaram provados nos Nºs 15º, alíneas b) e c) e 20º, nºs 1 a 6, 9 e 10 da Fundamentação de Facto.

Tais vícios foram despoletados e conhecidos dos autores após a ocorrência de um temporal, em finais de Outubro de 2001, tendo os autores dado conhecimento de imediato, quer a ré, quer à interveniente, das anomalias daí decorrentes, as quais se prontificaram a efectuar as reparações – v. Nºs 1º a 16º da Fundamentação de Facto.

Os apurados defeitos ocorreram e foram, efectivamente, denunciados pelos autores, em tempo. E, tendo sido respeitados os prazos de denúncia dos defeitos e de instauração da respectiva acção, que teve lugar em 08.11.2002, forçoso é concluir pela tempestividade do exercício dos direitos conferidos aos autores.

Mas, ainda que tal se não entendesse, sempre a ré e a interveniente se propuseram repará-los, pelo que, através do reconhecimento dos defeitos, a eventual caducidade seria afastada.

Improcede, pois, o que consta dos nºs 13 a 15 das Conclusões da alegação de recurso da interveniente/apelante.
*
Nestes termos, soçobram os recursos de apelação, quer da ré, quer da interveniente, pelo que não poderiam estas deixar de ser condenadas a eliminar os defeitos enumerados na sentença recorrida.
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Vencidas, são as recorrentes responsáveis pelas custas respectivas - artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
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IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedentes os recursos de apelação da ré e interveniente, confirmando-se a decisão recorrida e em condenar as recorrentes no pagamento das custas respectivas.

Porto, 22 de Maio de 2012
Ondina de Oliveira Carmo Alves
João Manuel Araújo Ramos Lopes
Maria de Jesus Pereira