I - O art. 496.º, n.º 1, do CC, aceitando em termos gerais a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, limitou-os àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
II - Dessa restrição pode concluir-se que o montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade dos dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.
III - O facto de se tratar de um julgamento de equidade não impede que o Tribunal deva referir, com motivação adequada, o processo lógico através do qual chegou à liquidação equitativa do dano.
IV - Tendo ficado provado que devido à construção de um edifício pelos réus junto à casa dos autores, estes: (i) sofreram de ansiedade, enervamento, angústia e depressão por verem a sua casa de habitação danificada; (ii) viram-se obrigados a suportar ruídos e sujidades que as obras causaram; (iii) suportaram a ocupação do espaço do seu imóvel e pessoas em cima do respectivo telhado durante as obras; (iv) suportaram o desconforto e mal-estar causados pelo cheiro a humidade e mofo e pela apresentação estética do imóvel; (v) suportaram a falta de luz e arejamento naturais na cozinha, devido ao emparedamento da respectiva janela; (vi) sofreram o desgosto e a vergonha de não poderem receber familiares e amigos em sua casa, considerando ter essa conduta ilícita perdurado por 135 meses e qualificando-se como média a condição económica dos lesados e dos lesantes, mostra-se adequado o valor de € 20 000, fixado pelo tribunal da Relação, a cada um dos autores, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
V - Ao contrário dos danos patrimoniais, cujo valor poderá já estar determinado na petição inicial, e em relação aos quais os juros de mora são contados desde a citação, a existência de danos não patrimoniais apresenta-se por definir e de objecto indeterminado, só se fixando com a decisão que os reconheceu; daí que o devedor só fique constituído em mora após o trânsito em julgado da referida decisão.
VI - Tendo o tribunal “a quo” se pronunciado sobre a verificação de danos não patrimoniais e determinado o montante indemnizatório a atribuir, sem que os recorrentes, no recurso de revista, tenham impugnado a sua existência, apenas se insurgindo quanto ao montante indemnizatório, os juros de mora são devidos desde o trânsito em julgado do acórdão que fixou a existência de tais danos e não desde a citação.
A) Relatório:
Os AA instauraram contra os RR a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário pedindo a condenação destes a pagar-lhes a quantia de € 481.725,00, acrescida dos respectivos juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Alegam, em resumo, que na pendência de processo judicial em que os AA reivindicavam uma área de terreno — pretensão que lhes veio entretanto a ser reconhecida por decisão transitada em julgado - os RR procederam aí à construção de um edifício, mesmo ao lado da casa dos AA, tendo dessa forma provocado vários danos materiais e morais, que descrevem.
Quantificam aqueles danos materiais em € 281 725,00, aqui se incluindo € 200.000,00 de desvalorização do seu imóvel em consequência da edificação levada a cabo pelos RR na propriedade dos AA e consideram adequada a quantia de € 200 000,00 para os ressarcir dos danos morais.
Contestaram os RR começando por deduzir as excepções de prescrição, erro na forma de processo e litispendência e pedindo, na procedência das mesmas, a absolvição do pedido ou da instância ou a improcedência da acção e consequente absolvição do pedido.
Baseiam depois a sua defesa, por impugnação, alegando que a construção do edifício não causou qualquer dano ou prejuízo aos AA e as humidades ou infiltrações que possam ter existido — mas que desconhecem e não têm obrigação de conhecer — não têm qualquer nexo de causalidade com a construção levada a cabo pelos RR. Mais alegam que a ter existido qualquer dano com a referida construção foi apenas de natureza patrimonial não se justificando os danos não patrimoniais peticionados.
Concluem que com o cumprimento da decisão judicial e consequente demolição da parte ocupada do prédio pertencente aos AA ficará reposta a situação anterior, carecendo de fundamento a presente acção.
Na réplica os AA pugnam pela improcedência das excepções, concluindo como na p.i.
Foi elaborado o despacho saneador, aí se concluindo pela competência do tribunal e verificação dos restantes pressupostos processuais, assim como se concluiu pela inexistência de nulidades ou outras excepções dilatórias, bem como questões prévias de conhecimento oficioso, tendo-se julgado improcedentes as excepções de erro na forma de processo e litispendência e relegado, para final, o conhecimento da excepção de prescrição.
Procedeu-se à selecção dos factos assentes e à elaboração da base instrutória, sem reclamação.
Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, conforme da acta consta, tendo sido proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou os RR, solidariamente, a pagarem aos AA.:
a) a quantia já liquidada de € 10.000,00 (dez mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;
b) a quantia ilíquida a apurar ulteriormente, em valor global não superior a € 87.725,00, correspondente ao valor: dos estragos nos bens móveis que constam dos pontos 33, 36 e 37 dos factos provados; dos trabalhos elencados nos pontos 43 a 47 e 49 a 52 dos factos provados; das reparações referidas nos pontos 39 e 40 dos factos provados;
c) juros de mora sobre aquelas quantias, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação e até integral pagamento, absolvendo os RR do demais peticionado.
Desta decisão apelaram quer os AA quer os RR tendo o Tribunal da Relação julgado parcialmente procedentes as apelações dos AA e dos RR e, em consequência, decidido
Condenar os RR, solidariamente, a pagarem aos AA:
a) a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais;
b) a quantia ilíquida a apurar ulteriormente, em valor global não superior a € 78.425,00 (setenta e oito mil, quatrocentos e vinte e cinco euros), correspondente ao valor dos trabalhos elencados nos pontos 43 a 47 e 49 a 52 dos factos provados e das reparações referidas nos pontos 39 e 40 dos factos provados;
c) juros de mora sobre aquelas quantias, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação e até integral pagamento;
E julgado parcialmente procedente a excepção de prescrição e, consequentemente, absolvido os RR do pedido quanto à indemnização correspondente ao valor dos estragos nos bens móveis que constam dos pontos 33, 36 e 37 dos factos provados.
Absolvido os RR do demais peticionado.
Inconformados recorreram para o STJ os RR BB e mulher alegando, em conclusão, o seguinte:
a) - Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.496°, nº 1, C.Civil).
b) - No caso em apreço, admite-se que a matéria de facto assente relatada supra sob os pontos 54 a 62, possa justificar a atribuição de indemnização a título de danos não patrimoniais, a fixar equitativamente segundo os critérios estabelecidos no art.496°, nº 4, com referência ao art.494°, do C.Civil.
c) - A gravidade do dano não patrimonial "há-de medir-se por um padrão objectivo (...) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada (Pires de Lima e Antunes Varela, anotação ao artº.496 do Código Civil, in Código Civil Anotado, volume I, 4a edição, 1987) - citação da sentença proferida na lª instância.
d) - O cômputo da indemnização por danos não patrimoniais, apontado na decisão recorrida, não se mostra correcto segundo os princípios de equidade e resulta, quanto a nós, de uma apreciação errada de todo o condicionalismo do presente caso, designadamente quanto ao período de tempo a considerar como relevante em que perdurou a situação de ofensa/sofrimento, ou seja da sua descontinuidade temporal.
e) - Com efeito, as obras estiveram interrompidas, e sem qualquer actividade por mais de dois anos, por efeito de embargo promovido pelos Autores, e a execução dessas obras ficou efectivamente limitada no tempo por alguns meses.
f) - À luz da jurisprudência das Secções Cíveis deste Supremo Tribunal de Justiça, e ponderada a matéria de facto assente, a fixação da indemnização a título de danos não patrimoniais não deverá ultrapassar o montante de €5.000,00 (cinco mil euros), correspondente a € 2.500,00 por cada autor.
g) - Em todo o caso, o montante de € 40.000,00 que vem arbitrado na decisão recorrida mostra-se manifestamente exagerado e injustificado.
h) - Tendo os recorrentes sido condenados em quantia ilíquida a apurar ulteriormente, por causa que não lhes é imputável, sendo assim ainda ilíquido o respectivo crédito, não há mora enquanto tal crédito não se tornar líquido, não devendo assim ser condenados a pagar juros de mora, à taxa legal, desde a citação, mas apenas desde a respectiva liquidação (art.805º, n° 3, do Cod. Civil).
i) - Salvo melhor opinião, resulta dos considerandos da decisão recorrida que na fixação do montante de indemnização se tomou em conta a situação actual, e não qualquer outra, pelo que os juros de mora apenas deverão ser contabilizados a partir da decisão que os fixa, e não desde a citação, de acordo com a interpretação dada no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº4/2002, de 9 de Maio.
j) - Tendo sido julgado procedente a excepção de prescrição, com a consequente absolvição dos RR do pedido quanto à indemnização correspondente ao valor dos estragos em determinados bens móveis (relacionados nos pontos 33, 36 e 37 dos factos provados, deverá igualmente absolver-se os RR., ora recorrentes, quanto à indemnização correspondente ao valor das reparações regulares, consistentes na lavagem de tectos e paredes da habitação (referidas no ponto 39), ocorridos há mais de três anos contados desde a citação para a presente acção.
k) - Deverá, pois, a decisão recorrida ser revogada, ou alterada na parte da condenação dos RR. na quantia arbitrada de danos não patrimoniais e de juros de mora sobre todas as quantias, bem como da indemnização correspondente ao valor dos prejuízos referidos no ponto 39 dos factos provados, ocorridos há mais de três anos contados desde a citação para a presente acção.
l) - A decisão recorrida violou, assim, o disposto nos arts.494°, 496°, n° 4, 498°, e 805º, nºs 1 e 3, todos do C.Civil, devendo ser revogada, ou alterada, com a consequente absolvição dos ora recorrentes.
Contra-alegaram os AA pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Recorreram subordinadamente os AA alegando, em conclusão, o seguinte:
a) O Acórdão do TRL foi desfavorável para ambas as partes, ficando portanto as duas parcialmente vencidas, sendo assim aplicável o disposto no artigo 633° do CPC; porquanto, é pacifico o entendimento de que se por um lado, se uma das partes parcialmente vencida não toma a iniciativa de recorrer, conformando-se com o concreto vencimento que lhe foi desfavorável (o que não quer dizer que tenha concordo com o mesma), é justo que, caso a parte contrária recorra, ela possa então vir também pretender uma solução mais favorável, já que corre o risco de ver a sua situação agravada.
b) Não merece reparo, ao contrário do que pretendem os RR ora recorridos fazer crer (cfr. al. j) das suas conclusões do recurso de revista que interpuseram) a decisão de não considerar prescrito o pedido quanto à indemnização correspondente ao valor dos estragos em determinados bens móveis referidas no ponto 39 dos factos dados como provados. Aliás esta excepção de prescrição nunca foi concretamente alegada perante o douto Tribunal da Relação. Pois, a indemnização correspondente aos valores dos estragos em determinados bens móveis relacionados nos pontos 33, 36 e 37 dos factos provados, temporal e factualmente nada tem que ver com o pedido quanto à indemnização correspondente ao valor das reparações regulares referenciadas no ponto 39 dos factos dados por provados, não devendo colher a pretensão formulada pelos RR. a tal respeito.
c) No ponto 2 da decisão do douto Acórdão do TRL em que se refere: "Julgar parcialmente procedente a excepção de prescrição e, consequentemente, absolver os RR do pedido quanto à indemnização correspondente ao valor dos estragos nos bens móveis que constam dos pontos 33, 36 e 37 dos factos provados.", O mesmo reconhece a prescrição do direito à indemnização peticionada pelos RR nas suas alegações, sem que, com o devido respeito, lhes assista qualquer razão para o efeito, porquanto, nos termos do disposto no art.498°n°1 do CC, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete. E no n° 3 do citado preceito legal, prescreve-se ainda que, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável, independentemente de existir ou não procedimento criminal.
d) Como resulta dos factos julgados provados na douta sentença do tribunal "a quo", só após o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 26/05/2009, transitou em julgado a sentença que reconheceu o direito dos AA à parcela de terreno ocupada pelos RR, com a área de pelo menos 35 m2, condenando estes a procederem à sua restituição aos AA, livre de pessoas e coisas, pelo que, só a partir da referida data se poderá iniciar a contagem do aludido prazo de prescrição de três anos, pois só nessa altura tiveram conhecimento do seu direito àquela parcela de terreno e de que a ocupação e construção efectuada pelos RR na dita área era um acto ilícito e lesivo dos seus direitos, gerador de responsabilidade civil por factos ilícitos. Ou seja, pelo menos até 26/5/2009 os M. não podiam afirmar a sua qualidade de proprietários da parcela de terreno ocupada pelos RR., não podendo assim falar-se na possibilidade de exercício do direito à reparação de danos causados pela prática de acto ilícito e culposo decorrente dessa violação do direito de propriedade. Dito de outra forma, só com o reconhecimento judicial definitivo da sua qualidade de proprietários os M. podiam demandar os RR., exercendo o seu direito à reparação dos danos provocados pela conduta ilícita e culposa destes, e tendo presente que essa conduta perdura no tempo, iniciando-se pelo menos em 2003, mas só podendo afirmar-se como violadora do direito dos AA. quando esse direito é definitivamente reconhecido por via judicial e só tendo cessado, enquanto causadora de danos na esfera jurídica dos M., com a demolição.
e) O que equivale a afirmar que, quando em 5/1/2012 os RR. foram citados para a presente acção, ainda não estava esgotado o prazo de prescrição a que alude o n° 1 do referido art.498º do Código Civil, e não podendo os RR., com esse fundamento, obstar ao cumprimento da sua obrigação de indemnizar, acima definida. Em suma, no reconhecimento do direito dos AA.
f) Acresce que, mesmo que assim se não entendesse, a ocupação ilícita e a construção efectuada pelos RR recorridos na parcela de terreno dos AA apelados, são factos ilícitos que constituem crimes para os quais a lei penal estabelece prazo de prescrição mais longo, sendo este o prazo aplicável, como se refere, no art.23º da petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido, onde se identificam os ilícitos criminais levados a cabo pelos RR. com as suas atitudes descritas, também, na p.i, integrando-as nas respectivas normas incriminadoras, o que resulta da vasta factualidade julgada provada, nomeadamente, nos pontos 7, 10 a 26,29 a 38, 43 a 53, 55, 56,57, 58, 59, 60 e 61 da douta sentença do tribunal a quo.
g) Como resulta das normas incriminadoras, invocadas na p.i. o prazo de prescrição do procedimento criminal dos factos praticados pelos RR. não é inferior a 10 anos (Cfr. art.118° do Código Penal, CP), sendo certo que, em relação a alguns dos factos julgados provados, nomeadamente, os que constituem os crimes previstos e punidos nos arts.191°, 2130 n° 1 al, a) e 2150 do CP, o prazo de prescrição do procedimento criminal só se iniciou com a demolição da construção efectuada pelos RR na propriedade dos AA, o que só se verificou no início da audiência de julgamento destes autos, tendo os RR procedido à entrega da parcela de terreno que ilicitamente ocupam livre de pessoas e coisas, apenas no dia 13/05/2014.
h) Do supra exposto, resulta que o direito dos AA apelados à indemnização decorrente dos factos ilícitos praticados pelos RR recorridos não se encontra prescrito, devendo ser revogada, nesta parte, a douta decisão que julgou parcialmente procedente a excepção peremptória de prescrição correspondente ao valor dos estragos nos bens móveis que constam dos pontos 33,36 e 37 dos factos provados.
i) Os RR recorridos delimitam ainda o seu recurso nas alíneas a) a d) e de f) a g) e k), da suas conclusões, discordando da condenação no pagamento da quantia de 40.000,00€ (quarenta mil euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais o que corresponde a 20.000,00€ para cada autor, pugnado os RR. por um valor inferior.
j) Assim sendo, cremos que dentro dos limites em que este mui douto Supremo Tribunal controla a aplicação de critérios de equidade, não merece censura, o aumento do montante fixado pelo douto acórdão recorrido, que apenas pode pecar por deleito e não por excesso.
Como se sabe os AA. peticionaram 200 000,00 € porque entendem ser esse o montante capaz e apto a reparar os danos não patrimoniais que lhes foram causados pelos RR.
k) Conforme resulta do douto acórdão do TRL entendemos igualmente não assistir nenhuma razão aos RR quando pretextam que não se justifica a fixação desta indemnização a título de danos não patrimoniais ou que a mesma deve ser reduzida.
1) Em face do que se apurou (cfr. factos dados por provados), dúvidas não restam que os AA. viram prejudicados os seus direitos a um ambiente calmo, repousante e tranquilo no seu lar, razão pela qual esses danos são merecedores de tutela jurídica. nomeadamente, nos termos dos arts.70.º e 496.º, nº. 1 do CC.
m) Estamos, sem dúvida, perante danos não patrimoniais cuja gravidade, objectivamente considerada, teve reflexos no bem-estar físico e psíquico dos AA., durante mais de 11 anos, o que justifica e impõe a tutela do direito (art.496.°, nº 1 do CC).
n) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza, acentuadamente, mista, porquanto, não obstante visar reparar, de algum modo, mais do que indemnizar, também não se alheia da ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.
o) A compensação por danos não patrimoniais, deve ter um alcance significativo e não, meramente simbólico, "abandonando-se, nesta matéria e 110 presente caso a pretensão manifestada pelos RR recorrentes na alínea. f) das suas conclusões, por entendermos que no caso concreto os montantes indemnizatórios sugeridos são manifestamente "miserabilistas".
p) Assim sendo, cremos que dentro dos limites em que este douto Supremo Tribunal de Justiça controla a aplicação de critérios de equidade, não deve merecer censura o aumento do montante que foi pelo douto acórdão recorrido fixado, em 40.000,000 o que corresponde a 20.000,00€ para cada autor.
q) Esta nossa concordância deve-se ao facto de o douto Tribunal da Relação de Lisboa ter aumentado e aproximando-se mais dos montantes peticionados pelos AA recorrentes, o que, salvo o devido respeito, ainda assim, não é suficiente para compensar mais de 11 anos, mais de 135 meses de violações constantes dos direitos e interesses dos AA. Tudo agravado porque por todos os meios processuais e executórios (e não só) os RR recorridos se opuseram ao reconhecimento, reconstituição, reparação e indemnização dos danos por si causados, revelando a sua atitude um grau de culpa bastante elevado (cfr. factos dados por provados), devendo o valor da indemnização fixado a título de danos não patrimoniais sofridos pelos AA recorrentes em consequência dos factos praticados pelos RR recorridos ser alterado em conformidade com os valores peticionados pelos AA. na sua petição inicial, os quais são justos e adequados a ressarci-los dos prejuízos sofridos a tal título.
r) Pelo que, continua-se a pugnar pela condenação dos RR recorridos na quantia de 200 000€, e pela não prescrição dos danos invocados.
s) Ao contrário do que os RR recorridos invocam nas suas conclusões de recurso de revista, verificam-se os pressupostos de facto e de direito para condenar os mesmos nos montantes indemnizatórios peticionados pelos AA, não tendo a douta decisão recorrida violado as normas jurídicas que aí indicam, mas sim as que os AA recorrentes ora invocam.
Contra-alegaram os RR pronunciando-se pela rejeição do recurso subordinado.
Tudo visto,
Cumpre decidir:
B) Os Factos:
1. Por sentença proferida em 19/2/2008 no âmbito do processo que correu os seus termos pela 2ª secção do Juízo de Grande Instância Cível de Sintra desta Comarca da Grande Lisboa-Noroeste sob o n° 13553/09.9T2SNT, e na qual foram autores e réus os aqui AA e RR., foi decidido:
a) Declarar os AA donos e legítimos proprietários do prédio misto composto de parte rústica e urbana, com a área de 760 m2, inscrito na matriz cadastral rústica da freguesia … sob o artigo 153° e a parte urbana na matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo 550°, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n° 13859, a fls. 3 do Livro B-34, sito na Rua …, n° …, lugar do …, concelho de Sintra;
b) Condenar os RR a reconhecer ao AA o direito de propriedade sobre o imóvel em causa, incluindo a parte sombreada a cor de laranja, na carta cartográfica de fls. 15 que dele faz parte integrante, correspondente à área de pelo menos 35 m2, ocupada pelos RR;
c) Condenar os RR a restituir aos AA a parte do imóvel que ocupam, entregando-lhes a mesma livre de pessoas e coisas, (al. A) da matéria assente)
2. A referida sentença foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 2/12/2008, bem como pelo Supremo Tribunal de Justiça em 26/05/2009. (al. B) da matéria assente)
3. Posteriormente os RR interpuseram recurso de revisão da referida sentença, o qual correu os seus termos sob o apenso A do mesmo processo, tendo o mesmo sido julgado improcedente por decisão proferida em primeira instância e tendo a mesma sido confirmada por douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, já transitado em julgado, (al. C) da matéria assente)
4. Não tendo os RR cumprido voluntariamente a sentença acima referida os AA intentaram a correspondente execução de sentença, que corre termos pelo Juízo de Execução desta Comarca da Grande Lisboa-Noroeste sob o processo nº10851/10.2T2SNT. (al. D) da matéria assente)
5. Na sentença referida em 1 e 2 foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos:
. Os RR construíram um barracão de cerca de 35 m2 que ocupa parcialmente uma parte do prédio misto dos AA identificado;
. Os RR nunca mostraram interesse em demolir o barracão;
. O barracão construído pelos RR não encostava à casa dos AA., estando fisicamente separado desta por um espaço com cerca de um metro de largura;
Os AA colocaram uma cancela com cadeado a fechar o espaço existente entre a sua casa e o barracão dos RR. (al. E) da matéria assente)
6. Os RR demoliram o barracão acima identificado e procederam à construção de um edifício novo. (al. F) da matéria assente)
7. Para edificar os pilares da construção do referido edifício novo os RR abriram caboucos encostados à parede da habitação dos AA. (al. G) da matéria assente)
8. As obras de construção do edifício novo foram iniciadas em Fevereiro de 2003. (al. H) da matéria assente)
9. Os RR demoliram o barracão antes de esperarem pela decisão judicial da acção declarativa identificada em 1. (resposta ao art.1º da base instrutória)
10. O edifício novo que começaram a construir ocupou toda a área dos 35 m2 referidos em 1. (resposta ao art.2º da base instrutória)
11. A fim de procederem à construção do edifício novo os RR introduziram-se no espaço existente, referido em 5., entre a casa dos AA e o barracão, (resposta ao art.4º da base instrutória)
12. E procederam ao arrombamento e destruição da cancela com cadeado, contra a vontade dos AA. (resposta ao art.5º da base instrutória)
13. Introduzidos nesse espaço os RR procederam à destruição da construção em tijolo e cimento aí existente para albergar as botijas de gás dos AA (resposta ao art.6º da base instrutória)
14. Tendo serrado os tubos que se encontravam ligados às referidas botijas de gás. (resposta ao art.7º da base instrutória)
15. E inutilizando a conduta da saída do gás (resposta ao art.9º da base instrutória)
16. Os RR serraram ainda o gradeamento da janela da cozinha dos AA. (resposta ao art.10° da base instrutória)
17. Os RR procederam também ao levantamento e remoção do chão em pedra mármore do referido espaço existente entre a casa dos AA e o barracão dos RR. (resposta ao art.12° da base instrutória)
18. A abertura dos caboucos referidos em 7 provocou uma infiltração de águas pluviais, bem como de águas provenientes da execução da obra, no interior da casa dos AA (resposta ao art.13° da base instrutória)
19. O que provocou a inundação da mesma ao nível do rés-do-chão. (resposta ao art.14° da base instrutória)
20. Os RR ergueram uma parede encostada à casa dos AA e emparedaram a referida janela da cozinha dos AA. (resposta ao art.16° da base instrutória)
21. E assentaram parcialmente a referida parede sobre o telhado da casa dos AA. (resposta ao art.17° da base instrutória) - [ponto de facto alterado, conforme justificado em 2.2. infra]
22. Com isso partindo parcialmente o telhado da casa dos AA bem como as telhas aí existentes (resposta ao art.18° da base instrutória)
23. E deixando ainda as telhas da casa dos AA todas sujas de massa de reboco (cimento) e impedindo o escoamento das águas pluviais da casa dos AA. (resposta ao art.19° da base instrutória)
24. E provocando infiltrações no interior da mesma (resposta ao art.20° da base instrutória)
25. E passando a verificar-se escorrência de água sempre que chove, ao nível do quarto do primeiro andar da casa dos AA. (resposta ao art.21° da base instrutória)
26. Bem como escorrência de água sempre que chove, ao nível da sala, cozinha e casa de banho do rés-do-chão da casa dos AA. (resposta ao art.22° da base instrutória)
27. Para a construção do edifício novo, na parte confinante com a casa dos AA, foi levantada a parede em tijolo referida em 20, com pilares e vigas que suportam a nova construção, (resposta ao art.23° da base instrutória)
28. Os AA sempre se opuseram ao acesso ao telhado da sua casa (resposta ao art.24° da base instrutória)
29. Em consequência da construção do edifício novo passou a verificar-se a existência de fissuras, humidades, negros e infiltrações de águas pluviais no tecto e paredes num dos quartos situado no primeiro andar, com desagregação e descasque de pintura e revestimento do estuque (resposta ao art.26° da base instrutória)
30. E o roupeiro aí existente ficou igualmente danificado com a humidade, tendo as madeiras do mesmo ficado apodrecidas e com fungos (resposta ao art.27° da base instrutória)
31. Verificou-se também a existência de fissuras, humidades, negros e infiltrações de águas pluviais no tecto e paredes da sala situada no rés-do-chão, com desagregação e descasque da pintura e revestimento do estuque (resposta ao art.28° da base instrutória)
32. E o pavimento e rodapé da sala ficaram desagregados, descolados e apodrecidos, encharcados e deteriorados (resposta ao art.29° da base instrutória)
33. E os tapetes, a carpete, os sofás e o mobiliário da sala ficaram igualmente ensopados e danificados, (resposta ao art.30° da base instrutória)
34. Verificou-se ainda a existência de fissuras, humidades, negros e infiltrações de águas pluviais no tecto, paredes e caixa de estore da cozinha, situada no rés-do-chão, com formação de condensações em excesso e proliferação de fungos e penetração em profundidade nos materiais de revestimento (tinta e estuque) (resposta ao art.32° da base instrutória)
35. Devido ao emparedamento da respectiva janela a cozinha ficou sem qualquer luz e arejamento naturais, o que obrigou a maior consumo de energia eléctrica devido à necessidade constante de luz artificial nessa divisão (resposta ao art.33° da base instrutória)
36. Na sequência da inundação verificada no início da construção do edifício novo, devido à abertura dos caboucos, os móveis da cozinha ficaram ensopados e danificados com a abundância de água. (resposta ao art.34° da base instrutória)
37. Bem como o frigorífico e a arca congeladora que aí se encontravam (resposta ao art.34º da base instrutória) - [ponto de facto alterado, conforme justificado em 2.2. infra]
38. Ainda em consequência das infiltrações, na casa de banho situada no rés-do-chão constatou-se a existência de fissuras, humidades, negros e infiltrações de águas pluviais no tecto e paredes, com formação de condensações em excesso e proliferação de fungos e penetração em profundidade nos materiais de revestimento (tinta e estuque) (resposta ao art.37° da base instrutória)
39. A fim de manter a casa com um mínimo de condições de habitabilidade os AA têm vindo a efectuar reparações regulares, consistentes na lavagem de tectos e paredes da habitação com uma solução de água e lixivia para retirar os fungos existentes (resposta ao art.38° da base instrutória)
40. Bem como na reparação de diversos pontos de estuque podre nos tectos e paredes e respectiva pintura (resposta ao art.39° da base instrutória)
41. E sendo que tais reparações resultam infrutíferas, voltando a surgir os mesmos problemas sempre que chove (resposta ao art.41° da base instrutória)
42. Em virtude da demolição da parte do edifício novo que ocupava a área de 35 m2 referida em 1, torna-se necessário proceder ao aluguer e colocação de andaimes na casa dos AA para os trabalhos a realizar no telhado (resposta ao art.41° da base instrutória)
43. E no âmbito desses trabalhos a realizar no telhado torna-se necessário substituir as telhas partidas e as madeiras danificadas pela água das chuvas, (resposta aos arts.44° e 45° da base instrutória)
44. E torna-se necessário reparar a caixa de estore e o estore da janela da cozinha que esteve emparedada, (resposta ao art.41° da base instrutória)
45. E proceder à reposição do chão em pedra mármore que os RR levantaram e removeram do espaço com cerca de um metro de largura referido em 5. (resposta ao art.52° da base instrutória)
46. E proceder à reposição da construção em tijolo e cimento que os RR destruíram, para albergar as botijas de gás. (resposta ao art.53° da base instrutória)
47. E proceder à reposição da cancela com cadeado que os RR arrombaram e destruíram (resposta ao art.54° da base instrutória)
48. Após a execução dos trabalhos acima descritos no telhado carecem os AA de proceder à reparação do interior da sua casa. (resposta ao art.55° da base instrutória)
49. Tendo para isso de picar, rebocar e pintar as paredes da cozinha, casa de banho e sala no rés-do-chão e do quarto no 1º andar (resposta ao art.56° da base instrutória)
50. E de proceder à remoção e substituição das madeiras apodrecidas do roupeiro do quarto do 1º andar, (resposta ao art.57° da base instrutória)
51. E de proceder à remoção e substituição do rodapé e pavimento da sala (resposta ao art.58° da base instrutória)
52. E de proceder à remoção e substituição dos armários inferiores da cozinha, (resposta ao art.59° da base instrutória)
53. Com a construção do edifício novo pelos RR a casa dos AA ficou desvalorizada em pelo menos 20%, passando a valer € 160 000,00 quando antes valia € 200 000,00. (resposta ao art.62° da base instrutória)
54. Em consequência da actuação dos RR os AA sofreram ansiedade, enervamento e a angústia de verem a sua propriedade destruída (resposta ao art.64° da base instrutória)
55. E a sua vida privada devassada em virtude da ocupação e das obras efectuadas pelos RR. (resposta ao art.65° da base instrutória)
56. Os AA viram-se ainda forçados a suportar os ruídos e a sujidade provenientes das obras efectuadas pelos RR., em todo o seu imóvel e nos seus veículos automóveis, (resposta ao art.67° da base instrutória)
57. Os AA viram-se ainda forçados a suportar não apenas a ocupação do espaço que pertence ao seu imóvel, mas também a existência de pessoas em cima do respectivo telhado, a mando e por conta dos RR, durante a execução das obras, (resposta ao art.68° da base instrutória)
58. Os AA sofreram ainda enervamento e depressão por diariamente terem permanecido em constante estado de alerta, sem dormir, para defesa da sua propriedade, chamando as autoridades públicas por diversas vezes, a fim de evitar que se introduzissem na sua propriedade habitacional (resposta ao art.69° da base instrutória)
59. Os AA viram-se forçados a viver numa casa sem condições mínimas de habitabilidade, (resposta ao art.70° da base instrutória) - [ponto de facto eliminado, conforme justificado em 2.2. infra]
60. Bem como a terem de suportar o desconforto e o mal-estar causados pelo cheiro incomodativo da humidade e mofo em toda a casa e em todas as suas coisas, (resposta ao art.71° da base instrutória)
61. Bem como o facto do imóvel nunca se encontrar esteticamente apresentável por serem visíveis as manchas e a tinta estalada derivada da humidade, das infiltrações e das condensações (resposta ao art.73° da base instrutória)
62. Sofrendo com isso o desgosto de não poderem receber familiares e amigos, por terem vergonha do estado da sua casa. (resposta ao art.74° da base instrutória).
63. Com vista ao cumprimento da sentença proferida no âmbito do proc. n° 13553/09.9 T2SNT, da 2ª Secção do Juízo de Grande Instância Cível de Sintra, a que se alude na alínea A) do "Factos Assentes", os RR solicitaram na Câmara Municipal de Sintra licenciamentos de demolição e de projecto de arquitectura, que vieram a ser deferidos;
64. Após, os RR iniciaram e levaram a cabo as obras de demolição, que ficaram concluídas em 02/05/2014, tendo ficado livre de pessoas e coisas a área de 35 m2, anteriormente ocupada e foi rebocado e pintado o muro do prédio dos AA., tendo sido reposta a situação anterior à construção da moradia.
C) O Direito:
Recurso Principal dos RR:
Delimitando o “thema decidendum” três são as questões trazidas à apreciação deste Tribunal “ad quem”: o montante dos danos não patrimoniais atribuído pelo Tribunal recorrido; a incidência dos juros sobre a quantia ilíquida a apurar e a indemnização correspondente ao valor das reparações regulares, consistentes na lavagem de tectos e paredes da habitação.
No que aos danos não materiais diz respeito reza o art.496º nº1 do Código Civil (CC) que: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. Os RR na sua apelação puseram em causa a própria existência de danos não patrimoniais. No recurso de revista limitam-se a contestar o “quantum indemnizatório” arbitrado pelo Tribunal da Relação.
O Código Civil aceitando em termos grais a tese da ressarcibilidade dos danos não patrimoniais, limitou-os àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
O recorrente, parafraseando o Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral, vol. I, pag.500 e segs, veio dizer que “A gravidade do dano não patrimonial "há-de medir-se por um padrão objectivo (...) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada”.
Da restrição do art.496º pode concluir-se que o montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. O facto de se tratar de um julgamento de equidade não impede que o Tribunal deva referir com motivação adequada, o processo lógico através do qual chegou à liquidação equitativa do dano.
O Tribunal da Relação analisou com clareza a factualidade atinente aos danos não patrimoniais e motivou correctamente a sua decisão.
Da matéria de facto provada retira-se que os AA sofreram, nomeadamente, ansiedade, enervamento, angústia e depressão por verem a sua cas de habitação danificada; que se viram obrigados a suportar os ruídos e sujidade que as obras levadas a efeito pelos RR causaram, assim como a suportarem a ocupação do espaço do seu imóvel e pessoas em cima do respectivo telhado durante a execução das obras; suportaram ainda o desconforto e mal-estar causados pelo cheiro a humidade e mofo, pela apresentação estética do imóvel; suportaram também a falta de luz e arejamento naturais na cozinha, devido ao emparedamento da respectiva janela; sofreram o desgosto e a vergonha de não poderem receber familiares e amigos, em face do estado da casa. Tudo devido ao elevado o grau de culpa dos RR.
Não havendo dados significativos para aferir da situação económica dos lesantes e das vítimas, a não ser os que se possam retirar do facto de serem proprietários de imóveis com valor médio, ainda que sejam de sua habitação, podendo assim qualificar-se como de média condição económica entendeu o Tribunal “a quo” fixar, equitativamente, em € 40 000,00, o que corresponde a € 20 000,00 para cada autor.
Ora, atendendo à conduta ilícita dos RR e às consequências dessa conduta que se protelou por 135 meses (entre Fevereiro de 2003 e Maio de 2014), não nos parece desajustado o “quantum” indemnizatório encontrado. Na verdade, a conduta dos RR perturbou a paz, o sossego e o conforto que os AA, como qualquer outra pessoa, deveriam ter no seu lar.
A segunda questão invocada pelos recorrentes é a respeitante aos juros de mora devidos.
Aqui há que distinguir os juros de mora decorrentes dos danos não patrimoniais e os demais juros em que os recorrentes foram condenados. O momento inicial da contagem dos juros depende da actualização ou não do montante a indemnizar. Se o Tribunal actualizar o montante do dano indemnizado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios não poderão ser concedidos desde a citação por tal representar uma duplicação de parte do prejuízo, de facto, ocorrido.
É esta a tese do Acórdão Uniformizador nº4/2002 que diz: “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº2 do art.566º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto no art.805ºnº3 (interpretado restritivamente) e 806ºnº1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação”.
A obrigação de indemnizar, em regra, nasce no próprio momento da prática do acto ilícito, (veja-se Prof. Pessoa Jorge in Lições de Direito das Obrigações, pag.607) no entanto, no que aos danos não patrimoniais tange, é necessário, primeiro definir se estes, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito e, em segundo lugar, determinar (equitativamente) o montante dos danos a compensar.
Ao contrário dos danos patrimoniais cujo valor poderá já estar determinado na petição inicial, a obrigação de indemnizar relativa aos danos morais apresenta-se por definir e de objecto indeterminado, pois ignora-se se os danos efectivamente se verificaram e qual o valor da indemnização.
A existência de danos não patrimoniais (tutelados pelo direito) só se fixa com a decisão que os reconheceu e daí que o devedor só fique constituído em mora após o trânsito em julgado da referida decisão, devendo os juros ser contados a partir do dia da constituição da mora (art.806ºnº1 do CC).
É certo que de acordo com o art.805ºnº2 b) do CC há mora do devedor, independentemente de interpelação, se a obrigação provier de facto ilícito, só que o alcance desta disposição se reconduz, pelas razões atrás expostas, à obrigação de indemnizar por danos patrimoniais.
Os RR no recurso de apelação puseram em causa a existência de quaisquer danos patrimoniais sofridos pelos AA tendo o Tribunal “a quo” se pronunciado pela sua verificação e determinado o montante indemnizatório a atribuir. No recurso de revista os RR, aqui recorrentes, admitiram a existência de tais danos apenas se insurgindo quanto ao montante indemnizatório, pelo que os juros são devidos desde o trânsito em julgado do acórdão que fixou a existência de tais danos e não desde a citação como se decidiu no acórdão recorrido.
Entendem os recorrentes que tendo sido condenados em quantia ilíquida a apurar ulteriormente, sendo assim ainda ilíquido o respectivo crédito, não há mora enquanto tal crédito não se tornar líquido, não devendo ser condenados a pagar juros de mora, à taxa legal, desde a citação, mas apenas desde a respectiva liquidação (art.805ºn°3, do CC).
A condenação em juros de mora, desde a data da citação, sobre tal quantia advém da sentença da 1ª instância.
Os RR enquanto apelantes pugnaram pela absolvição do pedido não se pronunciando “ad cautelam” quanto ao cômputo dos juros de mora em causa o que deveriam ter feito em sede de recurso na 2ª instância.
A matéria que agora pretendem ver resolvida não foi objecto de apreciação no Tribunal da Relação pelo que se trata de uma questão nova. O âmbito do recurso é definido pelo conteúdo do acto impugnado e assim não tendo o cômputo dos juros sobre a quantia ilíquida a apurar sido objecto de impugnação no Tribunal recorrido, não pode o STJ sobre ela se pronunciar.
Quanto aos danos patrimoniais decorrentes das reparações regulares e consistentes na lavagem de tectos e paredes da habitação que se encontram provados, ao contrário do que pretendem os recorrentes, não se enquadram na panóplia dos danos declarados prescritos já que dizem respeito a reparações a efectuar no imóvel e, como tal, constituem parte integrante do acervo de danos produzidos no prédio pelos RR. Não há, pois, neste particular que censurar o acórdão da Relação.
Assim, só parcialmente pode proceder este recurso.
Recurso subordinado dos AA:
Em sede de delimitação do “thema decidendum” apenas uma questão é levantada pelos AA: a não prescrição do pedido quanto aos danos ocorridos nos bens móveis da casa dos autos. No que à indemnização por danos não patrimoniais diz respeito os AA aceitaram a decisão do Tribunal da Relação entendendo, apenas, que a ser alterada aquela a indemnização se deveria fixar no montante peticionado de 200.000,00 €.
As instâncias decidiram que a “conduta ilícita dos RR de ocupação da propriedade dos AA e de danos provocados pelas infiltrações em virtude do partir do telhado e da telha da casa daqueles, bem como outros danos (fissuras, humidades, negros e infiltrações) resultantes da manutenção do edifício construído pelos RR indevidamente encostado à parede do prédio dos AA, perdurou no tempo e só cessou com a demolição”. Em relação a tais danos não se verificou a excepção de prescrição.
“Uma vez que a demolição da construção levada a cabo pelos RR, ilicitamente no domínio da propriedade dos AA, só veio a ocorrer na pendência deste processo, não pode considerar-se prescrito o direito à indemnização relativamente aos danos morais e materiais causados durante todo o tempo de manutenção daquela construção em terreno, propriedade dos AA e encostada a edifício destes”.
“Relativamente aos danos provocados pela infiltração de águas pluviais e de execução da obra do edifício novo, em Fevereiro de 2003, no rés-do-chão da habitação dos AA, que danificou os bens móveis descritos nos ns.33, 36 e 37 dos factos provados, os RR podiam desde logo ter exercido o seu direito à indemnização”.
“Na verdade, esse direito não estava dependente do reconhecimento do direito de propriedade dos AA sobre parcela de terreno em causa, no qual os RR levaram a efeito a construção do referido "edifício novo". Mesmo que os RR fossem proprietários da parcela de terreno em causa, não podiam levar a cabo tal construção causando infiltrações e danos na habitação dos AA., sob pena de se tornarem responsáveis pelos prejuízos causados, nos termos do art.483° e segs, do CC”.
Não tendo, porém, os AA exercido o seu direito à indemnização no prazo de três anos entendeu o Tribunal da Relação encontrar-se prescrito o pedido indemnizatório relativamente aos danos ocorridos nos bens móveis.
Vêm os AA defender a existência de prazo mais alongado dado que actuação dos RR constitui crime susceptível estender o prazo de prescrição por dez anos.
É certo que o crime de dano qualificado previsto e punível no art.213º nº1 a) do Código Penal é punido com pena de prisão até 5 anos (ou com pena de multa). De acordo com o art.118ºnº1 b) do mesmo código o prazo de prescrição para crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a cinco anos, é de dez anos. Só que não está demonstrada, pela factualidade apurada, a existência de crime para o qual se exige ao nível do elemento volitivo o dolo criminógeno na actuação dos RR. A esta mesma conclusão havia já chegado, ainda que de forma sumária, o acórdão da Relação. Assim, não nos merece censura a decisão aí consignada.
Quanto aos danos não patrimoniais remetemo-nos para os considerandos que a este propósito fizemos no recurso principal nada havendo aqui que alterar.
Improcede o recurso subordinado.
Nesta conformidade, por todo o exposto, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcial revista ao recurso principal, alterando o acórdão recorrido quanto à contagem dos juros relativos à indemnização por danos não patrimoniais os quais devem ser contados desde o trânsito em julgado do segmento do acórdão que os fixou e nega-se revista ao recurso subordinado.
Custas por AA e RR na proporção dos respectivos decaimentos.
Lisboa, 26 de Novembro de 2015
Orlando Afonso (Relator)
Távora Victor
Silva Gonçalves