I . A executada foi condenada como autora material de um crime de abuso de confiança por acórdão transitado em julgado e ao pagamento ao ofendido , seu marido, de quem se acha divorciada, de uma quantia pecuniária, de que aquele era exclusivo dono ,depositada numa conta bancária de que se apropriou e dissipou em proveito próprio, movendo-lhe aquele a presente execução para cobrança coerciva .
II. A lei civil limita a eficácia do contracrédito, pelo recurso à compensação, sempre facultativa, como forma de extinção das obrigações , à exigibilidade do contracrédito, não se bastando com uma mera expectativa, obstando, ainda, que o crédito seja de terceiro, de diversa natureza do exequendo e a origem deste em facto ilícito doloso, criminal, mas já não impede a iliquidez da obrigação.
III . A função punitiva associada à indemnização arbitrada em processo crime é completada, em termos de eficácia condenatória, pelo pagamento ali imposto .
IV . A arguida , executada, opôs, na oposição à execução, em termos de compensação, os créditos detidos por alimentos pela filha menor dela e do exequente, por alimentos a que se julga com direito, segundo diz, mas não reconhecidos judicialmente, e por uma dívida de custas da responsabilidade do exequente .
V. Esses créditos são de terceiro , inexigíveis, de distinta natureza, inoponíveis ao crédito criminal detido pelo exequente, não funcionando como oposição à execução .
VI .O abuso de direito é motivo de oposição à execução, se reunidos os seus pressupostos .
VII . O novo CPC alarga, no art.º 729.º , os fundamentos da oposição à execução, acrescentando expressamente a compensação na sua al-h) , do n.º 1 .
VIII . O abuso de direito ( art.º 334 .º , do CC) manifesta-se enquanto venire contra “ factum proprium “ e, ainda na modalidade de exercício danoso ou inútil, logo desproporcionado, atendendo às circunstâncias de tempo e lugar –cfr. Ac. do STJ, de 11.1.2011, proferido no P.º n.º 226/07.JVNF.01.S1 .
IX . Aquele instituto importa uma actuação objectiva apta a criar a expectativa séria, coerente do titular do direito , de que exercitará em sentido favorável ao seu destinatário, o investimento da confiança por parte do destinatário nesse exercício, a sua boa fé, ou seja o convencimento de que estava vinculado a tomar a conduta prevista, tomando todas as precauções que em circunstâncias idênticas o homem comum adoptaria.
X . Não se demonstrou , pela prova produzida nas várias decisões movidas pela arguida ao exequente, e sua valoração global , que ele a autorizou a consumir em proveito próprio , para ocorrer aos seus gastos e da filha e a outros, a quantia retirada do banco e da conta .
XI . O homem médio , sem conhecimentos jurídicos, muito menos a arguida –executada, advogada – não concluiria , em juízo razoável, tendo em apreço o clima de conflitualidade reinante entre ambos, o elevado valor da quantia desviada , de 75.000 € e a análise linear das decisões, que o exequente se demitiu do direito à quantia exequenda, “em datio pro solvendum" a favor da sua ex-cônjuge.
AA participou, em 5.11.2004 , criminalmente , contra BB , sendo esta , em sequência , condenada no processo crime n.º 11.991/042TDLSB, que correu seus termos pela 2.ª Sec., do 2.º Juízo Criminal de Lisboa , por decisão já transitada , pela prática , em autoria material , de um crime de abuso de confiança , na pena de multa de 360 dias à taxa diária de 9 € , bem como ao pagamento da indemnização ao queixoso, da importância de 79.001,50 € , acrescida de juros à taxa de lei , desde 28.7.2004 , até efectivo reembolso.
I .Em 19 de Novembro de 2004, AA , intentou acção de divórcio litigioso contra a aqui opoente BB, o qual foi decretado com fundamento na violação dos deveres conjugais de respeito por parte da cônjuge mulher e dos deveres de fidelidade, coabitação, respeito e cooperação por parte daquele , declarado como principal culpado pela dissolução do casamento, tendo a decisão transitada em julgado em 05 de Janeiro de 2009 .
Mais foi decidido arbitrar em tal sentença , à aqui executada, ex-cônjuge mulher, BB, a quantia de € 5.000,00 a título de indemnização por danos morais, fundados na dissolução do casamento .
A ex-cônjuge e condenada no supracitado processo crime , não pagou a indemnização ali fixada , de 79.001,50 € , acrescida de juros à taxa de lei , desde 28.7.2004 , até efectivo reembolso, movendo-lhe o ex-marido a presente execução para cobrança coerciva , à qual aquela deduziu oposição , alegando , no essencial , que :
II . A matéria provada referente à quantia com que a aqui executada se locupletou é a que consta de factos PP), QQ) e RR) da referida Sentença de divórcio, os quais são precisa e exactamente os mesmos factos provados que constam com os números 8, 9 e 10 dos autos criminais que sustentam a execução movida .
Em articulado autónomo apresentado em 28 de Julho de 2005 nos supra referidos autos de divórcio, a aqui executada requereu a fixação de um regime provisório quanto a alimentos no valor de € 850,00 mensais .
A tal pretensão opôs-se o aqui exequente invocando, entre outros motivos , que aquela lhe “ sacou “ abusivamente a quantia total de € 79.001,50, durante o mês de Julho de 2004, tendo na sua posse uma quantia não inferior a € 79.000,00, de que se apropriou indevidamente , sendo razões mais que suficientes para lhe ser recusada a prestação deduzida a tal título .
Seria pois , alegou , imoral, ilegítimo e um autêntico abuso de direito, se o exequente se visse forçado pelos presentes autos a prestar quaisquer alimentos provisórios a quem deles não necessita, consignando o Tribunal de l.ª instância, na sentença ao recusar os alimentos que a requerente tem ao seu dispor, pelo menos, € 75.000,00, que levantou de conta bancária em que a mesma figurava como segunda titular, não tendo a requerente demonstrado ter dado uma utilização a essa quantia condizente com as finalidades que lhe estavam adstritas, dispondo dela, o que faz aumentar significativamente o seu património reditício disponível .
Esta decisão sobre o pedido de alimentos provisórios transitou em julgado em 07 de Maio de 2007 .
Em 26 de Outubro de 2004, a aqui executada requereu a Regulação do Poder Paternal da filha comum dos aqui exequente e executada e em 29 de Janeiro de 2007 foi fixada por acordo a quantia de € 600,00 mensais .
Nos cinco meses de Setembro de 2004 a Janeiro de 2005, o aqui exequente não contribuiu com qualquer quantia a título de alimentos para a filha menor CC tendo a aqui executada utilizado, da quantia ora reclamada pelo aqui exequente, o montante de € 500,00 mensais, cada um dos supra referidos meses para suprir as necessidades da menor.
A sentença de divórcio não determinou que o aqui exequente entregasse à aqui executada a quantia de 5.000 € , a título de indemnização por danos morais pelo divórcio , por esta já se haver locupletado de quantia superior e assim aumentado o seu património disponível.
Os mesmíssimos factos e quantia que o aqui exequente invocou em sua defesa e que determinaram decisão judicial que concluiu pela ausência de necessidade de alimentos a entregar pelo aqui exequente à aqui executada uma vez que esta tinha à sua disposição a quantia em causa nestes autos o que fazia aumentar significativamente o seu património redítício disponível; os mesmíssimos factos e quantia que possibilitaram à aqui Executada suprir a total ausência de contribuição do aqui exequente para o sustento da filha de ambos nos meses de Setembro de 2004 a Janeiro de 2005.
IV. A referida queixa-crime foi objecto de despacho de arquivamento proferido a 20.09.2006 por se ter entendido que não estava em causa matéria penal.
Requerida a abertura de instrução pelo aqui exequente, veio a ser proferido despacho de pronúncia da executada .
Aconteceu, porém, que dois dias antes da data entretanto designada para leitura da sentença, dia 17.11.08, foi proferido despacho que declarou a incompetência do Tribunal para apreciação dos ilícitos em questão e determinou a remessa dos autos para as Varas Criminais de Lisboa para julgamento em processo colectivo.
Ora, a acção de divórcio litigioso que arbitrou à aqui executada a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) a título de indemnização por danos morais transitou em julgado em 05 de Janeiro de 2009, ou seja, depois da realização das duas sessões da audiência de julgamento do processo criminal, pelo que a aqui executada não pôde opôr este seu crédito nos autos criminais .
Por outro lado, nos meses de Setembro de 2004 a Janeiro de 2005, o aqui exequente deixou de comparticipar com qualquer valor para o sustento da menor CC, pelo que a aqui executada utilizou da quantia em causa nos presentes autos de execução, o montante mensal de € 500,00 precisamente para fazer face ao sustento da filha menor de ambos, tendo assim gasto o montante de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
A aqui executada foi utilizando tal quantia para fazer face às suas necessidades. E fê-lo, como havia peticionado, dispondo de € 850,00 por mês desde Setembro de 2004 em diante, o que significa que há muito esgotou a referida quantia.
Acontece que o aqui exequente não teve em consideração o teor das decisões judiciais supra referidas, ao invés do que devia e tinha obrigação de fazer, pois não podia desconhecê-las, nem ignorá-las (tanto mais quanto são todas subscritas pelo mesmo mandatário).
No processo executivo foi proferida sentença que concluiu pela incompetência material daquele Tribunal e condenou o exequente no pagamento das custas, sentença essa que transitou em julgado em 12 de Março de 2013 .
Bem assim, nos autos de oposição àquele apensos, foi proferida sentença que julgou extinta esta instância por impossibilidade superveniente da lide e condenou o exequente no pagamento das custas por a impossibilidade a si ser imputável, sentença essa que transitou em julgado em 07 de Maio de 2013 .
A aqui executada apresentou Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte no montante de € 933,30, valor esse que o exequente não pagou, pelo que a Executada apresentou já acção executiva destinada a cobrar tal quantia acrescida do valor das certidões requeridas para prova do título respectivo no valor de € 40,80 (Docs. 12 e 13), tudo acrescido de juros de mora contados quanto às custas de parte a partir de 24 de Março de 2013 e quanto às certidões a partir de 02 de Julho e 28 de Junho de 2013, respectivamente, acrescidos de taxa de justiça, pagamentos a agente de execução e demais despesas em que incorra.
V. Antes de intentar a presente execução, o aqui exequente tinha a obrigação de deduzir à quantia líquida proveniente dos autos criminais:
a) o montante de € 5.000,00 em que foi condenado a título de indemnização por danos morais na acção de divórcio litigioso;
b) o montante de € 850,00 mensais contados desde Setembro de 2004 que a defesa do aqui exequente e a decisão proferida nos autos de alimentos peticionados pela aqui Executada reconheceram estarem à disposição desta para sua utilização, sendo certo que ainda que a Executada pudesse afectar a totalidade de tal quantia exclusivamente a tais alimentos tê-la-ia esgotado definitivamente em 2011;
c) o montante de € 2.500,00 respeitantes às quantias efectivamente despendidas pela aqui executada com a subsistência da menor CCnos meses de Setembro de 2004 a Janeiro de 2005,
d) o montante de pelo menos € 933,30 e acrescidos referentes às custas de parte da acção executiva supra referida em cujo pagamento foi condenado;
e) e concluiria, sem mais e por excesso, que a totalidade da quantia por si reclamada se esgotou há muito, nada existindo que tenha a reclamar da aqui Executada.
Não agindo desta forma e optando por apresentar a execução a que se opõe o exequente vem reclamar quantias que lhe não são devidas porquanto:
Existe um contra-crédito da aqui Executada:
- quanto à indemnização por danos morais em que o aqui exequente foi condenado;
- quanto aos alimentos por esta peticionados uma vez que o próprio aqui exequente se defendeu deste pedido alegando que a executada tinha à sua disposição a quantia em causa ;
-quanto à falta de prestação a título de alimentos à filha menor de ambos, Inês, no período de tempo supra referido.
-quanto às custas de parte e acrescidos da acção executiva interposta pelo aqui exequente e que soçobrou e em cujo pagamento o aqui exequente foi condenado.
Todos estes créditos da aqui executada deviam ter sido ab initio compensados pelo aqui exequente e, se algum valor restasse a favor deste que possibilitasse a presente execução, também os juros respectivos teriam de ser calculados tendo em conta as datas de vencimento daqueles créditos.
Porém, o aqui exequente não teve em conta tais créditos, não os deduziu ao que era o seu crédito resultante dos autos criminais, não considerou sequer que os juros, a haver, sempre teriam de ser contados tendo em conta as datas de vencimento dos contra-créditos.
VI O exequente excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, em termos clamorosamente ofensivos da justiça.
A presente Execução demonstra que o ora exequente não agiu com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contra-parte; não teve uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contra-parte e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar, ou seja, o aqui exequente agiu com abuso de direito.
Inexistindo causa justificativa que sustente os presentes autos de execução, deve ser declarada a extinção da execução, o que desde já se requer.
VII. Nos presentes autos foram penhorados dois bens imóveis indivisos, tais penhoras foram notificadas à aqui executada com a citação para os presentes autos.
Acontece porém que as referidas penhoras ocorreram em data anterior à que consta do auto de penhora elaborado pela Agente de Execução nomeada e junto à citação referida, no auto de penhora em causa elaborado pela AE consta como data daquela penhora o dia 28 de Maio de 2013.
Porém, compulsadas as certidões prediais respectivas constata-se que as penhoras foram efectivamente registadas em 07 de Maio de 2013.
O que demonstra que a data aposta no auto de penhora elaborado pela Agente de Execução não corresponde à verdade, não tendo sido a 28 de Maio mas a 07 desse mês que as penhoras foram efectuadas.
A Agente de Execução não deu cumprimento ao disposto no nº 2 do art° 864° do C.P.C. que determina a citação do executado no prazo de cinco dias contados da realização da penhora.
Citação esta que, aliás, sucedeu já no mês de Junho de 2013, volvido que era um mês sobre a data da realização das penhoras.
Acresce que inexistindo causa justificativa que sustente os presentes autos de execução e sendo declarada a sua extinção, devem tais penhoras ser levantadas e todas as custas imputadas ao exequente. E,
Por não ter agido com a prudência normal, deve o Exequente ser condenado no pagamento de multa correspondente a 10% do valor da execução, com os limites impostos pelo art° 819° do CP
DEVE A PRESENTE OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO SER JULGADA PROCEDENTE, POR PROV ADA, E, EM CONSEQUÊNCIA, DEVE A PRESENTE EXECUÇÃO SER JULGADA EXTINTA COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
VII . O M.º juiz , em despacho liminar , rejeitou a oposição movida ao pedido executivo e, com fundamentos não substancialmente divergentes, a própria Relação, no acórdão recorrido, em recurso interposto pela executada , destacando ambas as instâncias não se mostrarem configurados os pressupostos legais , adjectivos e substantivos da compensação como forma de extinção de obrigações ,prejudicando essa conclusão a abordagem do abuso de direito invocado pela executada reportada à execução da sentença condenatória em processo crime, onde a aquela foi condenada pelo crime de abuso de confiança , com o obrigação de restituir ao exequente a soma de que se apropriou ilegitimamente .
VIII . A executada , irresignada com o decidido , interpõs recurso de revista excepcional , que motivou , apresentando as seguintes conclusões :
1. O Recorrido age em abuso de direito quando instaura a acção executiva contra a Recorrente;
2. Refere o douto Acórdão de que se recorre “Na verdade, a haver o exercício abusivo do direito pelo exequente, ele teria ocorrido quando formulou o pedido cível nos autos principais e, porquanto, seria na respectiva contestação que a recorrente devia ter invocado o abuso de direito, o que não fez.”. Ora tal não sucede. Na verdade ao apresentar o pedido de indemnização cível o Recorrido tem apenas a expectativa que lhe seja reconhecido um direito.
3. Ao invés do que afirma o acórdão de que se recorre, é o facto de o recorrido executar a sentença resultante do pedido de indemnização civil e tendo em conta o teor das duas decisões judiciais (divórcio e alimentos provisórios), transitadas em julgado em datas muito anteriores ao trânsito da sentença do processo crime, que constitui e preenche os requisitos do abuso de direito. É pois na oposição à execução que a recorrente deve invocar o abuso de direito, o que fez.
4. A quantia em causa em todos os processos aqui referenciados, assim como a quantia em causa na presente acção executiva é a mesma – o levantamento efectuado pela Recorrente em finais de Julho de 2004.
5. O elemento fulcral do abuso de direito é a confiança, a qual deve ser valorada no sentido objectivo e subjectivo, tal como resulta do artigo 334º do Código Civil.
6. O abuso de direito revela-se em cinco aspectos :
a. A existência de um comportamento anterior do agente (factum proprium), que permita a formação da situação objectiva de confiança;
b. Contradição entre a conduta anterior do agente (factum proprium) e a sua conduta actual, sendo estas condutas imputáveis ao agente;
c. A pessoa atingida com o comportamento contraditório esteja de boa fé, no sentido em que confiou na situação criada pelo agente;
d. A pessoa atingida pela conduta tenha desenvolvido uma actividade com base no factum proprium do agente, traduzindo-se a destruição dessa actividade pela conduta contraditória e posterior do agente (o venire) traduzam uma clara e evidente injustiça;
e. Que o “investimento de confiança” seja causado por uma confiança subjectiva, objectivamente fundada.
7. Conforme atrás exposto, as condutas do Recorrido preenchem a totalidade dos cinco aspectos do abuso de direito, na medida em que:
a. Não foi condenado na entrega do montante de € 5.000,00 em que foi condenado a título de danos não patrimoniais à Recorrente, no processo de divórcio, precisamente porque a recorrente já tinha na sua posse a quantia reclamada nos presentes autos de execução.
b. Em articulado autónomo para fixação de regime provisório de alimentos apresentado pela Recorrente no valor de € 850,00 mensais, o recorrido opôs-se invocando, entre outros, que a aqui recorrente “(…) sacou abusivamente ao Requerido a quantia total de € 79.001,50 (…)”; “(…) a requerente tem na sua posse uma quantia não inferior a € 79.000,00.”; “(…) face às somas elevadíssimas detidas pela requerente (…) os presentes autos roçam o absurdo. (…)”; “(…) a verdade é que a requerente se apropriou indevidamente da quantia de € 79.001,50 pertencente ao requerido”; “Seria pois imoral, ilegítimo, um autêntico abuso de direito, se o requerido se visse forçado pelos presentes autos a prestar quaisquer alimentos provisórios a quem deles não necessita. (…)”.
c. Este argumento do recorrido foi determinante para que o Tribunal se tivesse pronunciado nos seguintes termos, que passamos a citar: “(…) Por último refira-se que a requerente tem ao seu dispor, pelo menos, € 75.000,00, que levantou de conta bancária em que a mesma figurava como segunda titular. (…) não tendo a requerente demonstrado ter dado uma utilização a essa quantia condizente com as finalidades que lhe estavam adstritas, dispõe dela, o que faz aumentar significativamente o seu património reditício disponível (…). Eis porque se conclui pela ausência de necessidade de alimentos provisórios, da parte da requerente, em relação ao requerido. (…)”. (o negrito e o sublinhado são nossos)
d. Com base nesta decisão judicial, transitada em julgado em 07 de Maio de 2007, a recorrente foi despendendo ao longo do tempo a referida quantia – a mesma reclamada pelos presentes autos de execução - no seu sustento.
e. A Recorrente fundou a sua confiança em situação objectiva – decisão judicial transitada em julgado – e no teor da defesa apresentada pelo Recorrido, que afirmou perante o Tribunal que esta dispunha da referida quantia para o seu sustento.
f. A instauração da presente execução está directa e exclusivamente dependente na vontade do recorrido, uma vez que o exercício do direito lhe advém da sentença resultante do processo crime, a qual transitou em julgado em 11 de Abril de 2011.
g. Ao instaurar a presente acção executiva o recorrido está a agir em claro venire contra factum proprium, pois peticiona a mesma quantia que afirmou, anos antes, que a Recorrente podia gastar em seu proveito, tendo sido proferida decisão judicial nesse sentido, já transitada em julgado.
8. No mesmo sentido, quanto aos requisitos do abuso de direito, o douto Acórdão do STJ - Acórdão Processo N.º 1464/11.2TBGRD-A.C1, datado de 12.11.2013, in www.dgsi.pt.
9. “O abuso de direito é de conhecimento oficioso, pelo que deve ser objecto de apreciação e decisão, ainda que não invocado.” – Acórdão Processo N.º 116/07.2TBMCN.P1.S1, de 11.12.2012 .
10. O direito do recorrido ficou constituído com o trânsito em julgado da sentença do processo crime, ocorrido em 11 de Abril de 2011, pelo que e salvo o devido respeito, não se afigura correcta a decisão do douto Acórdão recorrido ao afirmar: “Na verdade, a haver o exercício abusivo do direito pelo exequente, ele teria ocorrido quando formulou o pedido cível nos autos principais e, porquanto, seria na respectiva contestação que a recorrente devia ter invocado o abuso de direito, o que não fez.” (Itálico nosso)
11. Entende-se assim e assim se pugna, ter logrado demonstrar que, no caso, o abuso de direito ocorre à data da entrada da acção executiva intentada pelo Recorrido.
12. A decisão decorrente do douto Acórdão de que se recorre, coloca em causa igualmente a autoridade de dois casos julgados anteriores à data da constituição do seu direito, o que coloca em causa a própria credibilidade das decisões proferidas por Tribunais – que são órgão de soberania (artigo 202º da CRP), abalando de forma inaceitável a confiança que a Recorrida depositou nas decisões em fundou a sua conduta.
13. Refere o douto Acórdão desse Venerando Tribunal, proferido no âmbito do Processo N.º 3210/07.6TCLRS.L1.S1, 2ª Secção, datado de 21.03.2013, o seguinte:
“III- Ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão anterior transitada em julgado, abalando assim a autoridade desta.”
14. Isto para afirmar que o Recorrido, com a sua conduta condicionou decisões judiciais, sobretudo e de forma mais expressiva a acção de alimentos provisórios, proferidas anteriormente, fazendo tábua rasa e agindo contrariamente às mesmas nos presentes autos de execução.
15. Estamos assim perante decisões antagónicas entre si e, caso prevalecesse o entendimento do douto Acórdão recorrido, teríamos uma decisão que coloca em causa o prestígio dos Tribunais e a certeza e segurança de decisões judiciais transitadas em julgado, proferidas anos antes da entrada da presente acção.
16. A decisão de que se recorre, configura uma decisão de extrema gravidade, com especial abalo na confiança que a Recorrente (assim como o comum dos cidadãos) devem depositar em decisões proferidas pelos Tribunais, já transitadas em julgado – com a autoridade de que a mesmas gozam - e com que conformam as suas condutas posteriores.
17. Verificamos que a conduta do Recorrido não só preenche os requisitos do abuso de direito, tal como previsto no artigo 334º do Código Civil, como coloca em causa de forma acintosa e clamorosa decisões judiciais anteriores, transitadas em julgado, com base nas quais a Recorrente formou as suas convicções e respectiva conduta.
18. O douto Acórdão recorrido ao não conhecer do abuso de direito, quedando-se por questões meramente formais e de letra da lei, permite que a aplicação do direito ao caso concreto resulte numa decisão claramente desproporcionada, claramente injusta e por isso ilícita.
19. A conduta do Recorrido é pois a todos os títulos reprovável e apresenta-se em rota de colisão directa com os mais basilares princípios de direito – a boa fé.
20. É toda esta postura e comportamento do Recorrido, resultante da instauração do processo executivo, que merece a tutela da figura do abuso de direito, previsto no artigo 334º do Código Civil, na medida em que a decisão recorrida promove a aplicação de uma solução injusta (a qual resulta da aplicação estrita da letra da lei) e que contende com decisões judiciais proferidas anteriormente e há muito transitadas em julgado.
21. Resulta do douto Acórdão recorrido, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do direito, designadamente no que concerne ao reconhecimento da tutela de direitos legalmente instituídos e reconhecidos judicialmente à Recorrente.
22. A confirmação da decisão proferida em 1ª instância é assim claramente injusta, desproporcionada e violadora dos efeitos de decisões anteriores transitadas em julgado, protegendo a conduta do Recorrido que agiu em abuso de direito, em claro venire contra factum proprium, violando consequentemente os mais elementares princípios de boa fé.
23. Deve o douto Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que admita a oposição deduzida e reconheça e declare o abuso de direito invocado pela Recorrente, declarando extinta a referida Execução.
IX. Colhidos os legais vistos , cumpre decidir :
A executada interpôs recurso de revista excepcional para este STJ ,mecanismo processual, como o nome indica, de natureza extraordinária , dependente de especiais pressupostos para uma situação assim reputada pelo legislador .
De ponderar que a execução a que a executada moveu a oposição e m apreço , tem por título , que é a respectiva causa de pedir , o seu fundamento ,a sentença proferida em processo criminal condenando aquela pela prática de um crime de abuso de confiança, por indevidamente se ter locupletado com o produto de um depósito bancário , de cujo dinheiro era titular o exequente , seu cônjuge , oposição que por despacho foi judicial e liminarmente rejeitada, confirmando-o a Relação em recurso .
Ao pedido cível indemnizatório enxertado na acção penal , a que por uma questão de parificação com o cível autonomamente deduzido, querida pelo legislador , se aplica o regime da lei processual civil , por força do art.º 4.º , do CPP , por via subsidiária , integrando a lacuna do CPP, como se decidiu , além do mais , nos Acs .deste STJ , de 22.6.2011, P.º n.º 444/06 .4TAS EL, de 29.19.2010 , P.º n.º 343 /05. 7 TAVFN , 30.10.2013 , P.º n.º 150/06.OTACDR .P1 .S1 , 30.4.2014 , P.º n.º 168/11.OGBSVV.C1.S1 , 10.4.2014 , P.º n.º 378/08JFAR .E 3 . S1 , de 6 .3.2014 , P.º n.º 89/01.5 IDL SB .L1. S1 e de 21.10.2014 , P.º n.º 1857/ 06 7 JVNF .P1 .A. S1 , quanto ao regime de recursos, em caso de dupla conforme , por ocorrência de um grau elevado de acerto duplamente decisório e razões de economia processual , que vedam a revista do acórdão da Relação desde que esta confirme sem voto de vencido, a decisão de 1.ª instância , para este STJ , salvaguardadas as hipóteses em que é sempre admissível o recurso .
Somente é de distinguir que , na redacção do Dec.º -lei n.º 303/2007 , de 24/8 , o art.º 721.º n.º 3 , do CPC , em caso de confirmação pela 2.ª instância, irreleva a identidade de fundamentos ( ainda que por diferente fundamento ) , já o art.º 671.º n.º 3 , do novo CPC , aprovado pela Lei n.º 41/2013 , de 26/6 , para entrar em vigor no dia 1.9.2013 , a fundamentação não pode ser essencialmente diferente , intercedendo portanto uma diferenciação , que não é indiferente de um ponto adjectivo e substantivo .
A sucessão de leis civis dispondo diferentemente rege-se pela norma transitória do art.º 6.º n.º 4, dispondo que aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa nas execuções, o novo CPC , aprovado pela Lei n.º 41/2013 , de 26/6, apenas se aplica aos deduzidos após a sua entrada em vigor -1.9.2013 - , e assim , visto que a presente oposição à execução foi instaurada em 4.7.2013 , rege-se esta , em tal domínio , pelo Dec.º Lei n.º 303/2007 , de 24/8 ( que introduziu a dupla conforme em processo civil) e sucessivas alterações , atenta aquela norma transitória do art.º 6.º , n.º 4 , da Lei n.º 41 /2013 .
Cobra , pois , razão para aplicação o disposto nos art.ºs 721.º e 721.º-A , conforme alterações ao CPC a coberto dos Dec.ºs -Lei n.º s 38/2003 e 303/2007 , de 8/3 e 24/8, respectivamente , a que correspondem os art.ºs 671.º e 672.º , do CPC actual .
O recurso instaurado foi admitido como de revista excepcional pela intervenção posterior ao recurso do acórdão da Relação pela formação de Juízes Conselheiros prevista no n.º 3 , do art.º 721.º _A , do CPC , a que , actualmente , cabe o art.º 672 .º n.º 3, do CPC , verificados que foram em forma sumária e definitiva , os pressupostos da excepcionalidade da admissão , que , de resto , não consente controvérsia , invocando-se a complexidade da matéria a decidir em termos de direito , com conexão com a figura do caso julgado e seus efeitos e a sua importância , a justificar um terceiro grau de jurisdição e um segundo , excepcional, grau de recurso .
Na verdade o recurso de revista excepcional -art.º 721.º_A , nº 1 ) , do CPC , na sua versão antecedente , e na correspondente actualmente , há-de comportar uma “ vexata quaestio “ , recaindo sobre preceito ou instituto , cuja interpretação suscite especial dificuldade , em torno da qual se registam entendimentos divergentes entre os intérpretes e aplicadores do direito , com repercussão no tecido social , pondo em causa interesses públicos , como os difusos , ligados à saúde , ao meio ambiente , ao urbanismo , à ecologia ao património histórico , etc .
Respeitarão essa s questões , como incontornável pano de fundo , a assuntos de enorme impacto social, repercutindo na paz social , onde reina ou pode vir a causar alarme e intranquilidade social , afectando a sua latência em controvérsia , desprestígio para os tribunais e prejuízos aos directamente interessados ; pode , não obstante , o aspecto particular do litígio , atenta a forte ligação com interesses comunitários e sociais relevantes , justificar-se a intervenção do STJ , pois que se a questão não extrapola em toda a sua dimensão o estrito âmbito do litígio particular , puramente pessoal , privado , não se justificará a intervenção excepcional do STJ .
A controvérsia há-de envolver delicadeza na resolução , estudo apurado , reflexão profunda e cansativa , como o STJ decidiu com geral uniformidade, ficando a comunidade num assunto que lhe interessa a contar com a melhor orientação jurídica .CFr. Acs. de 18.11.2010 , P.º n.º 643 /08 .4TB.PTL .G1 81 , de 20/1/2011 , 22.10.2009 , P.º n.º 58/04 .TBM SF .P1.S1 , de 9.1.2014 , P.º n.º 605/08 .1TB.FAF .G 1. S1. Ao recorrente incumbirá o ónus de alegar os pressupostos factuais que levam à admissibilidade, a título excepcional do recurso , conforme se decidiu nos Acs. do STJ de 5.11.2008 , P.º n.º 298/09 .9 TVPRT .P1 .S1 , 12.11.2009 , R ev . n.º 688/08.04TPRT .P1.SL , 12.11.2009 , P.º n.º 1837 /08 .TVLSB.L1.S1 , de 3.12.2009 , P.º 239/08.0TMAV.9 .S1 .
X. A compensação de créditos é uma das causas de extinção das obrigações quando os obrigados são simultaneamente credor e devedor –art.º 847.º , do CC-, não é automática, mas potestativa pois depende da manifestação de vontade do titular do contracrédito, podendo ser invocada tanto pela via reconvencional como pela de excepção, peremptória .
È o meio de o credor se livrar da obrigação de que o devedor invoca ser seu credor , como escreve o Prof . Antunes Varela , in Das Obrigações em Geral , 2, 161 ; é justo e equitativo que não cumpra o credor do seu credor , podendo opor crédito de valor superior ao credor principal ou inferior e nessa medida reduzir ou impedir o objecto da obrigação .
Os requisitos legais de admissibilidade estão previstos no art.º 847.º n.º 1 , do CC , devendo, além da apontada reciprocidade de créditos , o contracrédito ser válido e judicialmente exigível, sem que contra ele se oponha excepção peremptória ou dilatória , de direito material ; as duas obrigações devem ter por objecto coisas fungíveis da mesma espécie ou qualidade .
O contracrédito tem , pois , que ser certo, estar vencido e não vincendo, à luz das regras de direito substantivo ; a exigibilidade há-de ser “ em sentido forte “ , na teorização do Prof. Menezes Cordeiro , in Direito das Obrigações , 2001, vol. 2.º , 222 , e não mera expectativa, não podendo ser apurado , embora possa ser liquidado -a iliquidez não é impeditiva da compensação, art.º 847.º n.º 3 , do CC -, no âmbito do juízo de compensação, relevando, o que é discutível , o facto de os créditos não terem a mesma génese, de distinta natureza , criminal e extracontratual .
A lei civil limita a compensação ao contracrédito do devedor , não abrangendo o de terceiros -art.º 851.º , do CC ; por outro lado ao devedor não é permitido legalmente opor a crédito por facto ilícito doloso um seu contracrédito , por força do art.º 853 .º n.º 1 c) , do CC .
A natureza de um crédito , com origem em facto ilícito doloso , visando , na sua reconhecida função, não só compensar o dano mas também punir , castigar, o seu autor , justifica o efectivo direito ao seu cumprimento pelo devedor , a satisfação “ in totum “ ao credor , denegando-lhe a lei o efeito extintivo ou modificativo derivado de eventual compensação –Ac.RC , de 10.12.85 , BMJ 352 , 436 . Assim também Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anot.”, Coimbra Editora, vol. II, 3.ª ed., 1986, p. 145, segundo os quais aquele que furta uma quantia em dinheiro ao seu devedor não pode compensar a obrigação de entregar a quantia furtada com o crédito de que dispõe contra ele.
A compensação teria então que fundar-se na prática do crime que integra o objecto da acção penal - Ac. Rel.Lisboa, de 21.12.2000 , P.º n.º 5851/2000.
E esta inadmissibilidade normativa , do art.º 851.º n.º 1 c) , do CC , já foi apreciada pelo TC , que concluiu pela sua plena conformidade ao diploma constitucional, mantendo-se a proibição de compensação em tais casos proporcionada , por justa e equitativa, inofensiva do sentido de justiça –Cfr . Acs . do TC n.º 535 /2001 , de 5.12.2001 e n.º 98/2002 , de 27.2.2002 .
Baseando-se a execução em sentença é admissível operar a compensação seja por mera invocação ou por via exceptiva , qualquer que seja o montante do contracrédito , não havendo aí lugar a reconvenção , própria do processo declarativo, não a consentindo , igualmente , o enxerto cível em processo penal , claramente reduzido a dois articulados ; ao executado , sob pena de indefesa , são permitidos, em oposição , os meios de defesa que em processo declarativo são permitidos , com as limitações previstas por lei .
No domínio do CPC antigo , aplicável ao caso vertente , e em vigor antes da sua versão actualizada pela Lei n.º 41/2013 , de 26/6, retomam-se os embargos de executado como meio de oposição, que se processava por requerimento apenso ao processo principal , constando na alínea g) , do n.º 1, do art.º 814 , desse Código , como fundamento de oposição qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação posterior ao encerramento da discussão em processo declarativo e se prove por documento ; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio .
O art.º 729.º do novo CPC , correspondente àquele art.º 814 .º, é mais amplo na especificação das razões de oposição à acção executiva, ao aditar no seu n.º 1 , a al. ) h), que ao executado é facultado opor contracrédito sobre o exequente com vista a obter a compensação de créditos, esta já do antecedente se admitindo ao nível da jurisprudência , como se decidiu nos Acs . da Rel. Coimbra de 8.5.2007 , P.º n.º 375 B/2002 .C1 e do Porto , de 14.2.2008 , CJ, 2007 , T I V , 2002 .
Não é pois qualquer facto de que o opoente pode lançar mão , mas só os posteriores ao encerramento da discussão e se provem por documento, como forma de evitar que a oposição destrua o caso julgado ; o direito está dito ; factos irrestritos como razão de oposição proporcionariam a renovação do litígio, a que o julgador quis por termo , deixando o mecanismo da compensação nas mãos do devedor –Ac. Rel . Lisboa de 24.3.2009 , P.º n.º 67/03 .OTBOTR .B-C.
O caso julgado tem de ser respeitado e acatado: mas pode suceder que a situação jurídica apreciada e declarada pela sentença até à fase do encerramento da discussão da causa já não corresponda à realidade jurídica no momento em que se promove a acção executiva" –Cfr. Prof. José Alberto dos Reis, in Processo de Execução, vol. 2°, pág. 28/29.
E o momento para aferir da compensação é reportado à data da verificação da situação que a gera e não já à data da sua declaração, levando à sua inadmissibilidade se não respeitar a regra basilar da posterioridade -Ac. da Rel. Coimbra de 21.4.2015 , P.º n.º 556/08 .TBRMS –A.C1 .
XI. O exame dos autos põe a descoberto, sem esforço , desde logo , que um dos contracréditos opostos à execução movida pelo ex-cônjuge à também ex-cônjuge , respeitando à prestação alimentar devida à filha de ambos pelo progenitor exequente , está excluído da regra da reciprocidade, é da titularidade de terceiro; igualmente resulta que a compensação de qualquer contracrédito que invoca em seu favor com o crédito exequendo lhe está vedada porque este tem origem em facto ilícito judicialmente reputado criminoso, abuso de confiança doloso , de sua autoria ; por outro lado os créditos por si peticionados por alimentos provisórios , não foram reconhecidos judicialmente , pois a acção de alimentos provisórios movida ao exequente foi julgada improcedente, muito embora a executada intente ver na posição do ex-marido assumida em tal acção o reconhecimento do direito a eles, falhando os pressupostos substantivos, certeza e exigibilidade a comprovar pela opoente , que , como no despacho liminar de rejeição da oposição se contempla , a executada se limita a “ alegar realidades, misturando ( …) claramente (…) uma multiplicidade de créditos de natureza distinta, não concluindo pelo valor do seu contra crédito alimentar , apenas concluindo que o direito de crédito do aqui exequente deve ser declarado extinto (…) ou seja formula como que um pedido de natureza genérica abarcando urna multiplicidade de créditos “ .
A aqui executada alega que apresentou Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte no processo executivo no montante de € 933,30, valor esse que o exequente não pagou, pelo que apresentou já acção executiva destinada a cobrar tal quantia acrescida do valor das certidões requeridas para prova do título respectivo no valor de € 40,80, tratando-se de crédito em parte vencido e em parte vincenda, quanto à taxa de justiça, pagamentos a agente de execução e demais despesas em que incorra, que se desconhecem , pecando por natural incerteza e exigibilidade , nessa parte , óbice a aditar à pretensão de compensar .
O crédito por alimentos está sujeito à cláusula “ rebus sic stantibus “ , em permanente mutação , em função das condições pessoais e económicas de quem os presta e é seu obrigado , lançando mão a executada de um processo de enunciação genérica , com origem distinta dos créditos e sem os concretizar , complementa-se no despacho .
Mas se no plano do direito substantivo se anteolham dificuldades em compensar , alinham-se no plano temporal e processual , quanto ao aspecto que se conexiona com a posterioridade do direito creditório a compensar , as seguintes razões coligidas no despacho liminar de rejeição da oposição, que se transcrevem :
“ O enxerto cível transitou com a acção penal em 11.04.2011, tendo tal acção dado entrada em 26.04.2007 (vide fis.379 dos autos principais – embora em bom rigor só tenha sido aceite como tal após a decisão instrutória e o despacho a que alude o art.° 311° do CPP, ou seja só nesta data é que o feito foi submetido a juízo porque até lá o enxerto cível não tinha sido alvo de distribuição para julgamento, o que só sucedeu em 29 de Junho de 2007, - fls. 392 dos autos principais).
A sentença de divórcio litigioso, onde foram fixados à opoente, além do mais, 5.000€ a título de danos não patrimoniais, transitou em 05.01.2009 e mostra-se datada de 3.12.2007, pelo que a acção deu entrada em juízo em momento muito anterior ao enxerto cível (vide fls. l 3).
O regime de alimentos provisórios requeridos foi-lhe indeferido por sentença transitada em 07.05.2007 e foi requerido em 28 de Julho de 2005 (vide fls. 92).
A regulação do poder paternal, mediante acordo homologado por sentença, onde foi fixada uma prestação de alimentos ao menor, foi feito em 26.04.2004, e a sentença transitou em 19.02.2007.
Trata-se de realidades cronológicas que nos levam igualmente a concluir que tal compensação não poderia servir de fundamento à dedução de oposição por serem manifestamente anteriores à própria propositura da acção declarativa (excerto cível nestes autos).
Motivos bastantes, á luz do direito substantivo e processual aplicável , para se declarar a inadmissibilidade da compensação pela executada .
XII . Seja-nos , no entanto , permitido deixar consignado , face às conclusões do recurso , delimitando o poder cognitivo deste STJ , que o enfoque que a executada confere à oposição extrapola da mera invocação da compensação que - como advogada que é , bem sabe não se configurar, - é mais abrangente , reportada à indagação sobre se o exequente , devendo descontar as importâncias antes aludidas , incorre em abuso de direito, colocando “ em causa (…) decisões judiciais anteriores, transitadas em julgado, com base nas quais a recorrente formou as suas convicções e respectiva conduta “ , sendo “ … toda esta postura e comportamento do recorrido, resultante da instauração do processo executivo, que merece a tutela da figura do abuso de direito (…) na medida em que a decisão recorrida promove a aplicação de uma solução injusta (a qual resulta da aplicação estrita da letra da lei) e que contende com decisões judiciais proferidas anteriormente e há muito transitadas em julgado “ , alegação já figurando no requerimento de oposição e que a 1.ª e 2.ª instâncias ,por inverificação de razões legais de compensação , reputaram prejudicada em termos de apreciação .
XIII . Vejamos :
O abuso de direito , expressão da autoria do belga Laurent , datada de 1878 , regulado entre nós a partir do CC de 1967 , no seu art.º 334 .º , já que o CC de Seabra não lhe dedicava previsão e só de uma maneira remota o seu art.º 12 .º aludindo àquele que exerce o seu direito ( “ suo jure utitur “ ) , não faz ofensa a ninguém , a ninguém lesa, dispondo o CC actual que é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda os limites impostos pela boa fé , bons costumes ou pelo fim económico-social do direito , não radicando em qualquer acto , pois que , como escreve o Prof. Almeida Costa , in RLJ , Ano 129 , 61 , “ …a relevância da conduta contraditória supõe uma conjugação de vários pressupostos reclamados pela tutela da confiança …” ; “ …proibir a prática de actos lícitos embora opostos , redundaria numa teia de vinculações sistemáticas incompatíveis com o tráfico jurídico “, citado no Ac. deste STJ de 11.12.2012 , P.º n.º 116/07 .2TBM . CN.P1 .S1 .
O preceito do CC de Seabra não divergia da “ aemulatio “ , entre os romanos , exercício de um direito com intenção de prejudicar , com “ animus nocendi “ , não pressuposto no art.º 334.º , do CC.
O Prof. Castanheira Neves , seguido por Cunha de Sá , posiciona a proibição do abuso de direito em sede de afloramento de um princípio geral de direito justo , pelo reconhecimento de regras e princípios axiológico-jurídicos, vigentes acima e independentemente da lei , do seu conteúdo formal ( Questão de facto –Questão de direito , 514 e segs. ) .
A manifestação mais usual do abuso de direito substancia-se no “ venire contra factum proprium ; a outra manifestação, no exercício danoso inútil , na desproporção grave entre o exercício e o tempo por ele imposto a outrém , na actuação dolosa –Ac. deste STJ , de 11.1.2011 , P.º n.º 2226 -07 .JVNF.P1.S1
Os eventos ou circunstâncias susceptíveis de integrar a tutela da confiança sintetizam-se : numa situação objectiva de confiança ,facto que , em abstracto é apto a determinar em outrém a expectativa de um comportamento coerente do titular do direito e que , em concreto , gera uma convicção em certo sentido no seu destinatário ; um investimento de confiança ( irreversibilidade do investimento, na dogmática alemã ) , correspondente à mudança de vida do destinatário do “ factum proprium “ e que traduz uma expectativa nele criada em conformidade ; urge que o destinatário do “ factum proprium “ se ache de boa fé , em sentido objectivo , ou seja convencido que o autor do “ factum proprium “ estava vinculado a tomar a conduta prevista , tendo ao agir tomado todas as precauções e cuidados usuais no comércio jurídico .
Não é diverso o entendimento do Prof. Menezes Leitão , enunciando que a tutela da confiança , se apoia , numa situação de confiança , numa justificação razoável para tal confiança , num investimento de confiança , no sentido de que a destruição da confiança pode causar graves prejuízos , na imputação da situação de confiança a outrém –Direito das Obrigações –Boa Fé no Direito Civil, 1997 , págs. 19 a 23.
O princípio da confiança surge como mediação entre a boa fé e o facto concreto ; a confiança exige a protecção das pessoas quando , em termos práticos, as pessoas tenham sido levadas a aceitar a manutenção de um certo estado de coisas ; o que confia não pode ser tratado como o que não confia, numa linha de coerência e igualdade .
O princípio “ venire contra factum proprium “ postula dois comportamentos da mesma pessoa, lícitos em si e diferidos no tempo : o primeiro é o “ factum proprium ; o segundo é o que ele contraria , radicando a adesão do confiante ao facto , o assentar nele de factos importantes em face da confiança evidenciada , um investimento nessa confiança, na medida a que a sua destruição conduz a uma insanável iniquidade , sem remédio , é o pensamento, próximo do antecedente , do Prof. Menezes Cordeiro , in Do Abuso de Direito : estado das questões e perspectivas e Tratado de Direito Civil Português , I , TI , 1999
A confiança , escreve o Prof. Baptista Machado há –de radicar em algo objectivo : tomada séria de uma posição vinculante em relação a uma situação futura ( Obra Dispersa , Braga , 1991 , I , 416 , pelo titular do direito , assumindo-se como um princípio ético fundamental , pretendendo , pois , acautelar a confiança legítima que o comportamento contraditório pode ter gerado à contraparte .
O abuso de direito é a reprovação do exercício inadmissível de direitos e posições subjectivas , envolvendo situações de clamorosa e intolerável injustiça, sensível e evidente divergência entre o resultado da actuação de direito subjectivo e algum ou alguns dos valores tutelados pela ordem jurídica , operando como instrumento de correcção da ofensa à boa fé , aos bons costumes ou aos limites para que o direito foi instituído , sancionando –se esse exercício como ilegítimo, no art.º 334.º, do CC.
È o exercício escandaloso do direito à luz da consciência jurídica , no ensinamento do Prof. Manuel de Andrade , condensado na sua obra , Teoria geral das Obrigações , 1966 , 63 , surgindo como válvula de segurança do sistema , perante a “ disfuncionalidade “ do exercício do titular do direito .
Numa síntese abrangente , em definição incontornável , citamos uma decisão de um tribunal brasileiro –o Brasil é fértil no tratamento do abuso de direito sobretudo na área das relações familiares – onde se enquadra como o exercício egoístico , anormal , do direito , sem motivo legítimo , com excessos , voluntários , dolosos ou culposos , prejudicando outrém –Cfr. RT ., Ano 6 , n.º 24 , ano 98 , 27-28 .
XIV. Comummente se lhe atribui um leque de efeitos reparadores : a supressão do direito , com a “ surrectio “ de outro ; a cessação do concreto exercício abusivo , mantendo-se o direito , o dever de restituir ou um dever de indemnizar . Nessa medida o abuso de direito configura uma excepção peremptória , de conhecimento oficioso , assim o entendendo este STJ , entre outros , nos seus Acs . de 5.2.98 , BMJ 474,431 , de 25.5 99, CJ, STJ , 2, 116 , 28.11.2000, BMJ 501, 292 , 1.3.2007 , P.º 64571, dgsi.net e 1.7.2004 , P.º n.º 0 4B 4671 .
XV. Outra Questão :
O caso julgado forma-se logo que a decisão passada ou transitada em julgado não seja susceptível de recurso ordinário ou reclamação, nos termos dos art.ºs 668.º, 669.º e 677.º, do CPC e 4.º, do CPP, e, se recair unicamente sobre a relação processual assume natureza formal, tendo força obrigatória intraprocessualmente ( art.º 672.º, do CPP ); o caso julgado material incide sobre a relação material controvertida, equiparando-se –lhe os despachos que recaiam sobre o mérito da causa –art.º 671.º, do CPC.
A extensão da “ res judicata “ aos fundamentos decisórios é uma questão problemática, tratada disparmente, autores havendo que distinguem entre fundamentos que merecem integrar a “ res judicata “ e outros não, deixando a sua definição à casuística; outros autores atendem à relação a estabelecer entre o primeiro processo e o segundo; outros ainda distinguindo entre caso julgado absoluto e relativo.
Outra via de resolução, intermédia, distingue entre fundamentos postos em crise pelas partes e outros não; a extensão do caso julgado não pode abranger, contudo, questões não formuladas e nem postas, sendo que a sentença forma caso julgado na parte decisiva e não nos motivos, considerandos ou enunciados em que se funda a decisão, mas acrescenta Dias Ferreira que ” os considerandos que estejam relacionados com a decisão por forma a que com ela formem um todo indivisível “, são atingidos pela eficácia do caso julgado, in Caso Julgado, R L J, 1926, 35, fazendo caso julgado os fundamentos sobre os quais se tomou implícita posição, dela inseparável.
Pode dizer-se que se dá acolhimento amplo, na nossa jurisprudência, à regra de que o caso julgado se não alarga aos fundamentos da decisão, em aplicação da chamada teoria restritiva ou pseudorestritiva, embora com alguns desvios, defendendo-se a extensão da decisão implícita, enquanto decorrência do julgamento, constituindo problema de interpretação da sentença saber se nela há um julgamento implícito, aconselhando o Prof. José Alberto Reis, CPC, Anotado , V, pág. 67 , a que se procedesse a um “ uso prudente e moderado “ do julgamento implícito, nesta área de melindre e de terreno dificultoso –cfr.Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, pág. 135, do Prof. Castro Mendes e a muito extensa recensão jurisprudencial que faculta em nota.
Indiscutível é que o fundamento não é razão de recurso e a jurisprudência mais recente deste STJ mantém-se fiel ao ideário de que o caso julgado se forma, apenas , como regra , sobre o decidido e tem afirmado essa limitativa extensão –cfr. Acs. de 23.2.78, BMJ 274, 191, de 29.6.76, BMJ 255-280, de 20.4.94, BMJ 436, 300 -; noutro enfoque seguido a força e autoridade de caso julgado alarga-se à resposta final dada à pretensão do autor, embora se acrescente que não obstante o respeito por esse princípio –regra, tal não invalida que as questões preliminares que sejam um antecedente lógico e necessário sem a qual a decisão se mostraria incompreensível visto o indispensável nexo causal que intercede entre ambas –cfr. Acs. deste STJ, de 9.6.89, BMJ 387, -377 e de 5.12.91, AJ, 15.º /16.º, 2. 7, 9.5.96, in CJ, ACs. do STJ, 1996, 2, 25 –esteja a coberto do caso julgado.
Em princípio o caso julgado forma-se , pois , sobre a parte preceptiva ou dispositiva da decisão, com a excepção dos casos em que a “ … tomada de posição em que a decisão se traduz implica necessariamente tomada de posição sobre tais fundamentos “ , na teorização do Prof. Castro Mendes , op.cit. pág.130 , ou seja sobre a parte expositiva ou justificativa da decisão, mas da qual se não pode recorrer .
XVI. De ter por assente , desde logo , que em caso algum, do dispositivo das várias decisões que compõem o arco litigioso que envolveu exequente e executada consta que aquele abdicou em favor da executada da elevada quantia - € 79.001.50 - cuja cobrança coerciva intenta pela via da presente execução da executada.
Essa quantia , está demonstrado , não integrava património comum do casal –que contraira casamento segundo o convencionado regime de separação de pessoas e bens - , não alimentando a executada a conta bancária de onde fora retirada , com qualquer dinheiro seu , escreveu-se no Ac. da Rel. de Lisboa , de 11.11.2010 , provisionada como fora somente com proventos e compensações financeiras ao assistente , exequente , pertencentes.
Essa conta somente poderia ser movimentada pela executada , sua segunda titular , em condições restritas, somente estando impossibilitado o exequente de o fazer .
Por isso se teve tal conduta como “ ilícita e censurável “ .
E na providência de alimentos provisórios , a fundamentar a improcedência da providência , escreveu-se que ”… não tendo a requerente demonstrado ter dado uma utilização a essa quantia condizente com as finalidades que lhe estavam adstritas, dispõe dele, o que faz aumentar significativamente o seu património reditício disponível.
O exequente opôs-se , previamente , invocando, que a aqui executada "(...) sacou abusivamente “ a quantia total de € 79.001,50 (...)"; "(...) a requerente tem na sua posse uma quantia não inferior a € 79.000,00."; "(...) face às somas elevadíssimas detidas pela requerente (...) os presentes autos roçam o absurdo. (...)"; "(...) a verdade é que a requerente se apropriou indevidamente da quantia de € 79.001,50 pertencente ao requerido"; "Seria pois imoral, ilegítimo, um autêntico abuso de direito, se o requerido se visse forçado pelos presentes autos a prestar quaisquer alimentos provisórios a quem deles não necessita. (...)".
Aliás funciona , também , como fundamento de rejeição , a constatação da existência de outros bens e valores , que não apenas a detenção por apropriação abusiva da soma depositada .
Na acção de divórcio litigioso foi arbitrada a importância de 5.000 € a título de indemnização pelos danos morais causados à R. pela dissolução do casamento , não se determinou a sua prestação à R., pelo A , reconvindo , por já se “ haver locupletado de quantia superior “ e assim aumentado o seu património disponível.
XVII . De todas estas considerações relevantes para as decisões é certo , é contudo , ilegítimo , por não consentirem um juízo de inferência , não implícito nelas , de que abdicava do poder de direito , como dono, que sobre tal quantia dispunha, visto que o poder de facto se radicara pela via do indevido locupletamento na executada . Unicamente se pode extrair a conclusão de que a Ré , executada , opoente , detinha em seu poder esse dinheiro e que , atenta a forma ilícita como se apoderou dele , da mesma forma o podia dissipar , fazer uso dele e nada a mais , em razão do que ao considerar , alegando , que a soma peticionada a título de alimentos provisórios , considerando o tempo decorrido já a reputa esgotada , consumida , em 2011 , em vista de satisfação de alimentos pessoais ( à razão de 850€ mensais ) , esquecendo que tal prestação não lhe foi concedida , reconduzindo tal alegação a uma forma , vedada , de fazer justiça por sua própria mão .
E o mesmo se diga quanto ao facto de o Exequente não ter contribuido com qualquer quantia a título de alimentos provisórios a favor da filha de ambos, nos cinco meses de Setembro de 2004 a Janeiro de 2005, à razão de 500€ mensais , em cuja utilização a partir do montante do elevadíssimo levantamento monetário , o exequente não se vê ter acordado .
XVIII . Em caso algum , neste circunstancialismo vincado de abusivo , de conflitualidade dispersa por vários processos , de incompatibilização conjugal , culminando com o divórcio , e que foi ao ponto de o exequente retirar à ex-cônjuge uma viatura de que se servia para deslocar a filha de ambos , vista a elevada soma de que se apoderou ilegitimamente , tendo , ainda , em vista os encargos familiares a que o exequente tem de fazer face , seja a descendentes de um seu primeiro casamento , seja à filha do segundo , do relacionamento com a executada, a que vem satisfazendo , em valorização da contexto global dos factos , é ilegítimo concluir que , alguém de boa fé , o “ homo medius “ , dotado de normal inteligência , mesmo sem formação jurídica , ao contrário da executada, confie e alimente consistente expectativa de que o exequente , pelo seu ( inexistente ) comportamento , renunciou ao direito a recuperar a quantia exequenda, perdoando-lhe o abuso, como que numa “ datio pro solvendo “ , enveredando por caminhos à total revelia da boa fé , da ética , dos bons costumes , entendidos como o conjunto de regras éticas e morais , munidas de peso social relevante , próprias de pessoas honestas , correctas e de boa fé, equivalentes à moral social dominante , no enquadramento que deles dá o Prof. Mota Pinto , na sua Teoria Geral do Direito Civil , C.ª Ed., 1996 . Ou seja nem sequer se pode extrair dos fundamentos decisórios , com a mínima segurança, que o aqui exequente se haja desfeito de tal soma a favor, provisória ou definitivamente , da executada , e muito menos que nas decisões proferidas os tribunais chamados a decidir hajam sentenciado com tal preciso e claro alcance. .
XIX . A executada tinha em seu poder o dinheiro e como tal dele podia dispor até que fosse convencida da não liceidade da sua posse e o restituísse ou fosse coercivamente forçada a largar mão de equivalente . È esse o sentido declarado do exequente e de que um declaratário normal não iria além .
A exequente se subjectivamente , o que é , em alto grau duvidoso , podia ter formado a convicção de “ datio “ por banda do exequente , num contexto de boa fé , já essa convicção objectivada em factos concludentes , inabdicáveis , seguros e certos , falta por completo .
XX. Concluiremos que o exequente não ofendeu o caso julgado e a sua conduta , ao executar a ex-cônjuge , não ofende a boa fé , os bons costumes , ou os fins para que é atribuído o direito, mantendo-se numa linha de conformidade ao mesmo , não exercitado de forma escandalosa , não repugnando ao sentimento jurídico reinante , à consciência jurídica , e , por isso , não levando à “ supressio “ de que acima demos nota , catalogando-se de manifestação abusiva de direito , num “ venire contra factum proprium “ .
XXI. Uma consideração final : O Ac. deste STJ , de 12.11.2013 , in P.º n.º 1464 , 11.2. TBGRD –A C1 , confirmando o da Rel. Coimbra proferido no mesmo P.º , de 21.5.2013 , como , ainda , o desta Rel. de 13.5.2014 , in P.º n.º 180/8 . TBIDN –B. C1 , admitiram a invocação do abuso de direito em sede de oposição à execução .
XXII . Nestes termos se nega provimento ao recurso , improcedendo a oposição, prosseguindo a execução .
Custas pela opoente . Taxa de justiça : 4 Uc