I - O art. 43.º, n.º 2, do CP ao acrescentar a aplicabilidade do nº 3 do art. 49º do CP, limitou a este preceito a extensão do regime das consequências do não pagamento da multa como pena principal.
II - Se o arguido pode provar a sua insuficiência económica com vista a requerer a suspensão do cumprimento da pena de prisão subsidiária, o mesmo poderá fazer, com vista à suspensão da prisão que cumpre, enquanto pena substituída, mas tal teria que ser requerido até ao trânsito em julgado do despacho que revogou a pena de multa e ordenou a detenção do arguido para cumprimento de pena de prisão.
III - De acordo com o acórdão de fixação de jurisprudência deste STJ de 18-9-2013 (DR 200, Série I, de 16-10-2013), ao invés do que ocorre com a prisão subsidiária, a prisão enquanto pena principal, substituída, que tenha que ser cumprida, não beneficia do regime segundo o qual, a qualquer tempo o arguido pode por termo à prisão mediante o pagamento da multa.
IV - Não existe nenhuma situação de ilegalidade da prisão se o requerente se encontra em cumprimento de pena, decorrente do trânsito de despacho que ordenou o cumprimento da pena de 4 meses de prisão, anteriormente substituída por 120 dias de multa, à razão de € 5 por dia, que não havia sido paga, sendo de indeferir, ao abrigo do art. 223.º, n.º 4, al. a) do CPP, o pedido de habeas corpus apresentado.
A - PEDIDO
AA, ...., onde residia antes de preso no Estabelecimento Prisional Regional do Montijo, veio apresentar um pedido de habeas corpus, representado por advogada, com base na al. b) do nº 2 do Art. 222 º do CPP, e com os seguintes fundamentos:
"O arguido encontra-se ilegalmente preso, tendo sido violado pelo douto tribunal o disposto nos artºs 27.º, n.º1 e 3 da alínea b) e 28.º, 2 da CRP e, ainda, o Artº 495º nº 2 do CPP, ao não ouvir o arguido presencialmente.
Violando assim o douto tribunal o exercício do contraditório, na sua expressão máxima que é a audição do arguido perante o juiz.
Termos em que, atento o disposto no art. 31.º, n.3 da CRP e 222, n.º2, al. b) do CPP, deve a prisão ser declarada ilegal e ordenada a sua imediata restituição à liberdade.
Nos termos do art. 222.° do CPP, a ilegalidade da prisão que pode fundamentar a providência de habeas corpus deve resultar da circunstância de a mesma ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; ter sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou se prolongar para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial – als. a), b) e c) do n.º 2 do mencionado preceito.
A pena de substituição da prisão prevista no art. 44.º do CP é uma pena de multa, com a natureza e regime de execução próprios deste tipo de pena, como resulta da remissão dos n.ºs 1 e 2 do mencionado preceito para os arts. 47.º e 49.º, n.º 3, do CP.
Deste modo, não só a execução da pena de multa tem regras e regime próprio, cujos diversos momentos devem ser exauridos, como a pena de prisão substituída só no limite pode ser executada, sendo que, de qualquer forma, a execução cessa a todo o tempo desde que o condenado pague a multa. É a disciplina que resulta do regime de pena de multa e que está conforme com a respectiva natureza, quer seja multa primária, quer resulte de substituição (arts. 47.º e 49.º, n.º 3, do CP e 6.º, n.ºs 1 e 2, do DL 48/95, de 15-03).
O regime material da pena de multa e processual da respectiva execução exige, assim, como necessário pressuposto do retorno final à pena de prisão substituída e à execução desta, a exaustação de todos os meios de execução da multa, desde a notificação específica até à possibilidade de, a todo o tempo, o condenado pagar a multa, cessando, então, a execução da pena de prisão que eventualmente tenha sido iniciada.
Resulta dos autos que:
O requerente foi condenado, por sentença transitada em julgado em 11-11-2011, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, numa pena de 4 meses de prisão, substituída, ao abrigo do art. 44.º do CP, por de multa de 120 dias à taxa diária de € 5.
Com a presente providência perfila-se pôr em crise a decisão já transitada em julgado, perseguindo-se a anulação do trânsito em julgado da decisão de 11-11-2011 e, em consequência dar resposta à privação abusiva da liberdade e fazer cessar a patente ofensa do direito à liberdade.
Apesar de a decisão ter já transitado em julgado, o arguido entende que deverá esse Venerando Tribunal proceder à correcção da decisão judicial do tribunal “a quo” para ultrapassar a incorrecta aplicação da lei, com a decisão de substituir em pena de prisão a pena de multa aplicada, já que a mesma contraria o espírito da norma estabelecida no artigo 6º do DL 48/95.
Com a decisão tomada em 17.06.2015 assistimos a um erro grosseiro na aplicação do direito.
Pois a nosso ver, na prática o arguido está a ser duplamente condenado pelos mesmos factos.
Contudo, apesar de ter sido condenado na pena única de 120 dias de multa e de lhe terem sido emitidas guias para proceder ao pagamento, o requerente não recebeu a notificação para esse pagamento, o que recebeu foi guias para pagamento de conta.
Assim, ao contrário do constante dos autos, não é verdade que o pagamento coercivo da multa em questão não se tenha mostrado viável, bastando que tivesse sido determinada a penhora do veículo automóvel entretanto encontrado em seu nome.
Deveria ter sido instaurada execução por multa já que eram conhecidos bens ao arguido.
Mas não, o douto despacho refere que não foram encontrados bens susceptíveis de penhora, mas de seguida em 06/10/2015, o arguido recepciona novamente guias mencionando custas e envia novamente guias com a mesma denominação/ Pagamento de conta.
Ora, obviamente que se o arguido tivesse sido notificado de que se tratava de pagamento de multa e se o douto tribunal em vez de enviar pagamento de conta advertisse o arguido de que deveria pagar a multa, o mesmo com certeza iria proceder ao seu pagamento.
Mas não, no referido despacho faz-se referencia que o arguido foi notificado para pagar a pena de multa, sob pena de ter que cumprir pena de prisão originariamente aplicada nada veio dizer.
Porém, a referida notificação ao arguido não se chegou a verificar conforme se colhe da certidão negativa de fls. 128 datada de 4/04/2015.
Ou seja, o arguido não teve conhecimento da mesma nem oportunidade de se pronunciar acerca do mesmo.
E mesmo após se pronunciar, foi mandado desentranhar o seu requerimento, assim como o requerimento assinado por advogado.
Resultado está detido a cumprir pena de prisão por não ter pago a multa, quando o que consta do processo é o pagamento de uma conta e de seguida aproveitando-se o Mº Pº do veículo automóvel vai avançar com a execução para pagamento novamente da conta/multa.
Efectivamente e na pratica o arguido está a ser condenado em pena de prisão e em pena de multa.
Abusando o douto tribunal em condenar o arguido em duas penas quando na sentença é apenas condenado em uma pena (pena de prisão substituída por pena de multa).
Não pagou a multa, vai agora cumprir a pena de prisão e acresce a execução da pena de multa através da penhora do bem automóvel encontrado.
O douto tribunal guardou a penhora do veículo para a execução de multa, isto porque a guia que apresenta posteriormente continua a ser igual à que já foi emitida antes como de multa (pagamento de conta) em vez de a ter utilizado na execução da pena de multa.
E abusivamente está ilegalmente a condenar o arguido duas vezes.
Uma com o cumprimento da pena de prisão e outra com o pagamento de multa.
Importa repetir que a pena de multa só não foi paga voluntariamente por manifesta omissão do douto tribunal, pois conhecia bens penhoráveis.
O tribunal omitiu a prática de actos que deveria ter assegurado ao arguido quanto à possibilidade do seu recebimento pela via coerciva, ou seja, pela penhora e execução, tendo decidido submeter imediatamente o arguido à prisão efectiva de 4 meses.
Com tal omissão de procedimento, o tribunal a quo decidiu de forma ilegal quando determinou o cumprimento de 4 meses de prisão, violando o artigo 49, 1ª parte, do CP.
Obrigar o arguido a cumprir uma pena de prisão, não lhe dar oportunidade de pagar a multa e depois de preso vir executar a multa, pois conhece bens ao arguido é ser condenado a dobrar (uma condenação em pena de prisão e outra condenação em pena de multa)
O que configura a nosso ver uma situação de manifesto abuso de poder.
Assim, o arguido encontra-se em prisão ilegal desde dia 5 de Novembro de 2015, sendo ainda tal situação atentatória dos Direitos Humanos e dos direitos constitucionalmente consagrados nos artigos 27º e 28º da CRP.
Entendemos que se trata de uma prisão ilegal pelo que deve ser imediata a sua restituição à liberdade
Não restou ao arguido a não ser desencadear o exame da situação da sua prisão em sede de habeas corpus, pois parece-nos configurar uma situação de abuso de poder, consubstanciador de atentado ilegítimo à liberdade individual integrando uma das hipóteses previstas no artigo 222º nº 2, alínea b) do Código de Processo Penal (acórdão do Tribunal Constitucional de 24 de Setembro de 2003 in proc. Nº 571/03).
Não se entenda esta providência no sentido de constituir expediente processual de ordem meramente residual, mas a nosso ver é a única que poderá responder a esta situação de gravidade extrema. Vide Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, 1986, págs. 273: “o habeas corpus é a providência destinada a garantir a liberdade individual contra o abuso de autoridade”.
“E é precisamente por pretender reagir contra situação de excepcional gravidade que o habeas corpus tem de possuir uma celeridade que o torna de todo incompatível com um prévio esgotamento dos recursos ordinários”. Cfr., Cláudia Cruz Santos, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 10, fascículo 2.º, págs. 309
Ora, a nosso ver, o caso em apreço, cai na previsão da alínea b) do referido preceito legal, como se tenta demonstrar.
A petição de habeas corpus contra detenção ou prisão ilegal, inscrita como garantia fundamental no artigo 31° da Constituição, tem tratamento processual nos artigos 220° e 222° do CPP, que estabelecem os fundamentos da providência, concretizando a injunção e a garantia constitucional.
Nos termos do artigo 222° do CPP, que se refere aos casos de prisão ilegal, a ilegalidade da prisão que pode fundamentar a providência deve resultar da circunstância de a mesma ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; ter sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou quando se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial - alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 222° do CPP.
Portanto, o facto que determinou a prisão do requerente foi a prática, de um crime, pelo qual foi condenado na pena de quatro meses de prisão que ao abrigo do artigo 44º do CP foi substituída por de multa de 120 dias à taxa diária de € 5.
A pena de substituição da prisão é uma pena de multa, com a natureza e regime de execução próprios da pena de multa, como resulta da revisão do artigo 44º nºs 1 e 2 para os artigos 47º e 49º-3, do Código penal.
Deste modo, não só a execução da pena de multa tem regras e regime próprio, cujos diversos momentos devem ser exauridos, como a pena de prisão substituída só no limite extremo pode ser executada, sendo que, de qualquer forma, a execução cessa a todo o tempo desde que o condenado pague a multa.
É esta a disciplina que resulta do regime de pena de multa e que está conforme com a respectiva natureza, quer seja multa primária, quer resulte de substituição (artigos 47º e 49º-3, do Código Penal e 6º nºs 1 e 2 do DL 48/95, de 15 de Março.
O regime material da pena de multa e processual da respectiva execução exige, assim, como necessário pressuposto do retorno final à pena de prisão substituída e à execução desta, a exaustação de todos os meios de execução da multa, desde a notificação específica, até à possibilidade de, a todo o tempo o condenado pagar a multa cessando, então, a execução da pena de prisão que eventualmente tenha sido iniciada.
No caso, verifica-se que após uma série de incidentes, o requerente não procedeu ao pagamento da quantia correspondente à pena de multa em que tinha sido condenado.
Primeiro porque é notificado um dia antes do prazo das guias, tendo logo ficado impedido de em 24h conseguir o valor total do pagamento.
É notificado pela GNR, no dia 22 de Setembro pelas 23h40m, e o prazo de pagamento das guias era de 23/09/2015, guias essas que são de pagamento de conta e não pagamento de multa.
Ora, independentemente de outras considerações, o arguido poderia fazer o pagamento da multa a todo o tempo, e quis fazê-lo no momento em que se presenta na GNR de Marinhais.
Contudo, segundo informação da GNR, já não o poderia fazer, teria mesmo que cumprir a pena de prisão.
Ora, parece-nos que o douto tribunal pretende e sempre pretendeu executar a pena de multa, pois do despacho de 20/04/2015, “Custas da responsabilidade do arguido e não pagas voluntariamente (cfr. Fls. 106); consigno que vou instaurar a execução, nomeando-se à penhora o veículo melhor identificado a fls 278, devendo os autos serem remetidos aos serviços do Mº Pº para o efeito.
Depois, a 17/06/2015, Conclusão pela Mª Juiz: “… Ao condenado não são conhecidos actualmente bens susceptíveis de penhora, nem mesmo o seu paradeiro…. Efectuadas diligências para o seu cumprimento coercivo, conclui-se que o condenado não possui bens susceptíveis de penhora ….”
“…revogo a substituição da pena de 4 meses de prisão por 120 dias de multa à taxa diária de €5,00….”
Concluímos então que antes deste despacho o arguido tinha bens, e que deixou de ter aquando do despacho, e depois passou novamente a ter bens para executar custas que não sabemos se é a multa, mas tudo indica que sim.
Depois no processo não se consegue apurar que diligências foram feitas para o cumprimento coercivo.
O que se consegue apurar é que o arguido na prática está a ser condenado em duas penas uma de prisão e uma de multa quando na decisão apenas uma delas poderá ser executada.
Entende o arguido que foi preso ilegalmente, pois o douto tribunal nunca poderia determinar o cumprimento da pena de prisão sem ter esgotado os meios que tinha ao seu alcance.
Que era executar a pena de multa, pois tinha já indicação que o arguido possuía um veículo automóvel.
Em vez de executar o património do arguido o douto tribunal para pagamento da multa erradamente e abusivamente executa a pena de prisão e de seguida executa a pena de multa.
Condenado assim na prática o arguido a duas penas, uma de prisão e outra de multa.
Deverá pelo supra exposto o arguido ser restituído à liberdade uma vez que erradamente não foram esgotados todas as diligências para o cumprimento coercivo tendo o douto tribunal conhecimento de bens do arguido e consequentemente que notificado para proceder ao pagamento da multa sob pena de ser executado o seu património para pagamento da mesma.
Requerer, a concessão imediata da Providência de Habeas Corpus em razão de prisão ilegal"
Apresentou como prova os documentos cuja junção requereu e que foram:
1.Despacho de 20/04/2015 do Mº Pº
2.Despacho de 17/06/2015 da Mª Juiz
3. Despacho de 27/10/2015 da Mª Juiz
4. Notificação ao arguido de 06/10/2015 com guias
B – INFORMAÇÃO A QUE SE REFERE O ART. 223.º, Nº 1 DO CPP.
Disse a Merª Juiza na sua informação:
"AA, arguido nos autos, veio, ao abrigo do artigo 222°, n.° 2, alínea b), do Código de Processo Penal, requerer a providência de Habeas Corpus alegando, em suma, que o despacho que determinou o cumprimento de pena de prisão violou o disposto no artigo 495°, n.°2 do Código de Processo Penal, ao não ouvir o arguido presencialmente.
Do nosso posto de vista, segundo os elementos de que Tribunal presentemente dispõe nos autos, o despacho proferido não violou o direito de contraditório do arguido, como, de resto, este Tribunal teve oportunidade de deixar consignado no despacho proferido em 11.09.2015 a fls. 182 a 185 dos autos principais e para o qual se remete, sem prejuízo dos seguintes considerandos:
(i) o arguido foi condenado por sentença de 11.11.2011, transitada em julgado em 26.12.2011 (cfr. fls. 37 a 47, 52 dos autos principais);
(ii) a pena principal aplicada foi 4 meses de prisão substituída por 120 dias de multa razão diária de € 5,00;
(iii) foram emitidas as primeiras guias para pagamento daquele montante até 30.11.2011, as quais foram regularmente notificadas ao arguido e à si a defensora, sem que o arguido tivesse procedido à sua liquidação de forma voluntária (cfr. fls. 54, 57, 58 dos autos principais);
(iv) em 29.03.2012 foram realizadas buscas nas bases de dados com vista à cobrança coerciva daquele montante, tendo sido detectado como único bem susceptível de penhora um veículo de matrícula de 2004 de marca e modelo Opel Corsa (cfr. 65, 72, 76, 80 e 81 dos autos principais);
(v) foi ordenada a notificação do arguido para proceder ao pagamento da quantia em dívida sob pena de revogação da mesma em pena de prisão, tendo o mesmo silenciado (cfr. fls. 76, 78, 79, 84, 86, 87, 88, 92 e 93, 120 e ss, 125 e ss, 128 dos autos principais);
(vi) em 28.04.2015 foi ordenada nova pesquisa nas bases de d idos disponíveis com vista a averiguar da situação económica do arguido, tendo-se constatado que o veículo supra mencionado tem registada uma reserva de propriedade a fls. 145 desde 07.04.2005 a favor do Banco Banif Mais SA e que a última remuneração do arguido declarada para efeitos de Segurança Social data de Outubro de 2014 e é no montante de € 39,05 (cfr. fls. 130, 132 a 162 dos autos principais);
(v) em 17.06.2015 foi proferido despacho de revogação da pena de multa substitutiva aplicada ao arguido (fls. 164 a 165 dos autos principais), o qual foi pessoalmente notificado ao arguido (cfr. fls. 167, 168, 169, e 174), a tura em que alegou a sua falta de notificação para exercício do contraditório, tendo sido proferido o despacho de 10.09.2015 (fls. 182 a 185 dos autos principais) onde se considerou o mesmo regularmente notificado na pessoa do seu Ilustre Defensor, despacho que também transitou em julgado, tendo sido pessoalmente notificado ao arguido (cfr. fls. 202 dos autos principais);
(vi) donde, salvo melhor entendimento, não resulta qualquer fundamento para considerar que o despacho proferido em 17.06.2015 deve ser alterado por outro, mantendo-se integralmente o seu teor."
C - APRECIAÇÃO
Convocada a secção criminal e notificado o Ministério Público e o defensor, teve lugar a audiência (artº 223º, nº 3, e 435º do C. P. P.). Cumpre dar conta da apreciação que se fez da pretensão do requerente.
1 – A Constituição da República prevê ela mesma a providência de HABEAS CORPUS , estipulando:
“Haverá HABEAS CORPUS contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.” (nº 1 do artº 31º).
O nº 2 do preceito, a propósito da legitimidade para se lançar mão do instituto, apelida expressamente a medida em causa como “providência”, o que a distancia dos recursos em sentido próprio, como meio de impugnação.
Aliás é a própria Constituição que prevê, separadamente, no nº 1 do artº 32º, que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.”
Que a providência de HABEAS CORPUS se não confunde com os recursos parece consensual. Importa no entanto atentar na questão do tipo de relação a estabelecer com estes.
Desenham-se a tal propósito duas posições, procurando apurar-se o que está em jogo: “se uma tutela quantitativamente acrescida, na medida em que se refere a situações que não têm outra tutela, se uma tutela qualitativamente acrescida, na medida em que diz respeito a situações mais graves de privação da liberdade” (In Jorge Miranda – Rui Medeiros, “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, pag. 344). A orientação jurisprudencial que este Supremo Tribunal vem defendendo aponta no primeiro sentido, o que foi também confirmado pelo Tribunal Constitucional (Acórdão nº 423/03).
O CPP prevê os modos de impugnação da decisão que aplicar, substituir ou mantiver medidas de coação, contemplando no art. 219.º a possibilidade de interposição de recurso, e nos art.s seguintes o pedido de HABEAS CORPUS. Aliás, o nº 2 daquele art. 219.º, a partir da redação dada pela Lei 26/2010, de 30 de agosto, veio esclarecer que não existe relação de litispendência ou caso julgado entre o recurso e a providência, independentemente dos respetivos fundamentos, o que acentua a sua diferente razão de ser, e portanto, da sua função, sempre no âmbito dos meios impugnatórios, aqui, da privação de liberdade.
Assentando a providência de HABEAS CORPUS numa prisão ilegal, resultante de abuso de poder, e coexistindo enquanto meio impugnatório previsto pelo legislador, ao lado dos recursos, daí a sua caracterização como medida excecional, pesem embora as considerações tecidas pelo requerente no seu pedido.
Excecional no sentido de estar vocacionada para atender a situações excecionais pela sua gravidade. Trata-se portanto de providência destinada a atalhar, de modo urgente e simplificado, a casos de ilegalidade patente, flagrante, evidente.
Não de ilegalidade que se revele simplesmente discutível.
E, claro que a afirmação da excecionalidade da providência não depende, em abono do seu fundamento, de a própria lei usar no seu articulado o concreto termo em questão, a tal se podendo chegar por via interpretativa das disposições legais pertinentes, concluindo-se pela excecionalidade, do modo que a jurisprudência e doutrina consagraram.
O nº 2 do artº 222º do C.P.P. faz depender a procedência da petição de HABEAS CORPUS de um conjunto de circunstâncias taxativamente enumeradas. Concretamente, do facto de a prisão (“detenção preventiva ” na terminologia de algumas disposições legais do âmbito da cooperação internacional),
“a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;
b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.”
Vejamos então se tem lugar qualquer dessas circunstâncias, e designadamente a da al. b) do preceito, já que é esse o fundamento apresentado pelo extraditando para fazer valer a sua pretensão.
2 - A ilegalidade da prisão, já se viu, só pode resultar, como fundamento da medida excecional de HABEAS CORPUS, das três situações do nº 2 do art. 222º do CPP. No caso, é invocada como causa de ilegalidade da prisão o estar ela assente em facto pelo qual a lei a não permite.
2.1. - Se bem se retira do pedido formulado, que nada prima pela clareza, esse facto não seria o despacho de 17/6/2015, que ordenou o cumprimento da pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa à razão de € 5 por dia, que não havia sido paga. Seria, ao que se julga, a prática de um crime pelo qual foi condenado em prisão substituída por multa e porque substituída por multa. Entretanto, o arguido também pretende a anulação do trânsito em julgado (sic) da sentença condenatória, ocorrido a 11/11/2011, que condenara o arguido pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
Refere o mesmo que não recebeu notificação alguma para pagar a multa e o que recebeu "foi guias para pagamento de conta". Aliás, a 22/9/2015, véspera da data em que expirava o prazo de pagamento.
Acha então que devia ter sido penhorado o veículo entretanto encontrado em seu nome. Mas acrescenta, afinal, que já depois de estar preso, o Mº Pº "vai avançar" com a penhora do veículo e então fica a ter que cumprir duas penas: multa e prisão.
Segundo o requerente, representado por advogada, teria sido violado o art. 27º, nº1 da CR ("Todos têm direito à liberdade e à segurança"), e o disposto na al. b), do nº 3, do mesmo preceito, que se reporta às condições para que alguém possa ser privado de liberdade, no caso de detenção ou prisão preventiva. Concretamente, haver fortes indícios da prática de crime doloso e punível no seu limite máximo com pena de prisão superior a 3 anos. Ora, importa dizer, desde já, que o arguido não está simplesmente detido, nem em prisão preventiva, e sim em cumprimento de pena.
O requerente também acha que se teria violado o art. 495º, nº 2 do CPP, por não ter sido ouvido, já que esta norma manda ouvir o arguido antes de ser tomada uma decisão, nos termos do art. 55º e 56º do CP, perante o incumprimento das condições a que estava sujeita a suspensão da execução da pena de prisão. No caso, também não se percebe a alusão ao art. 495º, nº 2 do CPP, porque a pena de substituição aplicada foi de multa.
Mas o arguido entende que esta pena de substituição de multa tem que ter o mesmo regime da pena principal de multa, e portanto, a pena substituída de prisão só pode ser cumprida depois da exaustão dos meios de execução da multa.
Ora, o que se verifica é que o arguido foi notificado pessoalmente a 5/12/2011 para pagamento (fls. 67 destes autos), entre o mais de "Multa Penal" (fls. 69) com indicação da referência para pagamento e datas de início (30/12/2011) e fim (18/1/2012) do prazo de pagamento (fls. 72).
O arguido não pagou nada, não entregou voluntariamente a certa de condução para cumprimento da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, que veio a ser apreendida, e conforme se vê de fls. 81, encetaram-se diligências, a 29/3/2012, para saber se tinha bens suscetíveis de penhora, veículo automóvel ou ainda emprego permanente, sem efeito.
O requerente foi novamente notificado para pagar a multa sob pena de cumprir a pena de prisão, na pessoa da sua defensora oficiosa e pessoalmente a 7/12/2012 (fls. 92, 94, 96), e, mais uma vez, só na pessoa de sua defensora (fls. 139 e 146). Continuou a proceder-se a pesquisa sobre bens do arguido, constatando-se que o mesmo tinha em seu nome o veículo Opel Corsa 09-70-XG com reserva de propriedade do Banco "Banif Mais SA" (fls. 163) e que a última remuneração laboral de que beneficiara era de outubro de 2014 e no montante de € 39,05. A data da pesquisa era de 29/4/2015. (fls. 150 e 149).
Por tudo isto foi proferido o despacho de fls. 182 e segs. a 17/6/2015 em que se revogou a pena de multa de substituição e se determinou o cumprimento da pena substituída de 4 meses de prisão. Regularmente notificado deste despacho o arguido não recorreu e o mesmo transitou em julgado.
Ainda veio alegar, em requerimento de 20/7/2015, que não tinha sido notificado para pagar a multa e que o queria fazer. O advogado que subscreveu esse requerimento protestou juntar procuração, e a 10/9/2015 não o tinha ainda feito. Nos termos da circunstanciada fundamentação apresentada, no seu despacho de fls. 202 e segs., a Merª Juíza titular do processo ainda notificou mais uma vez o arguido (fls. 217) e defensor, para aquele pagar voluntariamente a multa. Foi junta procuração (fls. 214) seguida de renúncia ao mandato (fls. 245 e 253), e pedido o prolongamento do prazo para pagamento (fls. 215), o que foi indeferido com o fundamento de o requerimento não estar assinado e ter sido junto por pessoa estranha ao processo. Outro requerimento, desta vez subscrito pelo arguido, pediu o prolongamento do prazo, o que foi novamente indeferido (fls. 237 e 239). Um terceiro, veio solicitar o pagamento "em suaves prestações" (fls. 247) e também foi indeferido (fls. 256).
O requerente ficou a cumprir pena à ordem destes autos a 5/11/2015 e esta terminará em 4/3/2016 (cf. fls. 268).
2.2. - Não se constata nenhuma situação de ilegalidade e muito menos patente, evidente, na base da prisão do arguido.
Em primeiro lugar, este está em cumprimento de pena. Depois foram feitas todas as diligências exigíveis para se saber se tinha bens penhoráveis e constatou-se que não, porque, para além do mais, o veículo ...-XG tem registada reserva de propriedade a favor do banco "Banif". Finalmente, deram-se inúmeras oportunidades ao arguido para pagar voluntariamente a multa e ele nunca o fez, por exemplo vendendo o automóvel em questão, para angariar fundos para o efeito. Relembre-se que o requerente foi muito claramente notificado para o pagamento de multa a 5/12/2011. Ou seja há mais de 4 anos.
O art. 43º, nº 2 do CP refere que "Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença". Ao acrescentar a aplicabilidade do nº 3 do art. 49º do CP, o legislador limitou a este preceito a extensão do regime das consequências do não pagamento da multa como pena principal. O que significa que, se o arguido pode provar a sua insuficiência económica com vista a requerer a suspensão do cumprimento da pena de prisão subsidiária, o mesmo poderá fazer, com vista à suspensão da prisão que cumpre, enquanto pena substituída. Mas tal teria que ser requerido até ao trânsito em julgado do despacho que revogou a pena de multa e ordenou a detenção do arguido para cumprimento de pena de prisão.
De acordo com o acórdão de fixação de jurisprudência deste STJ de 18/9/2013 (DR nº 200, Série I, de 16/10/2013) "Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa em que aquela foi substituída, nos termos do art. 43º, nºs 1 e 2, do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no nº 2, do art. 49º, do Código Penal".
Ou seja, ao invés do que ocorre com a prisão subsidiária, a prisão pena principal, substituída, que tenha que ser cumprida, não beneficia do regime segundo o qual, a qualquer tempo o arguido pode por termo à prisão mediante o pagamento da multa.
Não existe nenhuma situação de ilegalidade da prisão pelo que o presente pedido de habeas corpus deve ser indeferido.
D – DELIBERAÇÃO
Pelo exposto, e tudo visto, delibera-se neste Supremo Tribunal de Justiça indeferir, ao abrigo do art. 223º nº 4 e al. a) do CPP, o pedido de HABEAS CORPUS apresentado por AA.
Custas pelo requerente com taxa de justiça de 3 UC.