ACIDENTE DE TRABALHO
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
FATOR DE BONIFICAÇÃO
Sumário


1 – “A expressão «se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho» contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente”, entendendo-se este não “como mera job description prevista no contrato, mas antes correspondendo às funções efectivamente exercidas pelo trabalhador numa concreta organização empresarial“.
2 – Não se verifica qualquer incompatibilidade entre a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI.
3 – Não tendo a sinistrada, por via das lesões sofridas, retomado o exercício das concretas funções que efetivamente exercia na mesma organização empresarial em que ocorreu o acidente, tendo passado e executar tarefas diversas e noutro posto de trabalho, deve ser atribuída a bonificação estabelecida na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI.

Texto Integral

Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça

AA, nascida a 17 de Maio de 1993, residente na Praceta ..., Lote …, ….º …., ..., sofreu um acidente em 03.02.2014, tendo a entidade patronal a sua responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a COMPANHIA DE SEGUROS BB, SA.

A seguradora considerou a sinistrada curada a partir de 30.04.2015, com a IPP de 60% (cfr. fls. 14).

O perito médico do tribunal, em exame de fls. 36-40, admitindo a existência de nexo causal entre o traumatismo e as sequelas apresentadas, considerou que a sinistrada ficou afetada de uma IPP de 60 %, com IPATH, a partir da data da alta.

Na tentativa de conciliação, a que se reporta o auto de fls. 53-56, a seguradora e a sinistrada aceitaram a existência de um acidente de trabalho, as lesões descritas no relatório do senhor perito médico do tribunal, a retribuição anual da sinistrada, a responsabilidade da seguradora em função dessa retribuição, não tendo a seguradora aceite, contudo, a aplicação do fator de bonificação de 1,5 previsto no n.º 5 do Anexo I da TNI, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, não aceitando, assim, o grau de desvalorização atribuído após a aplicação desse fator de bonificação.

Foi requerida a realização de junta médica, nos termos do disposto nos art.ºs 117.º nº 1 al. b) e 138.º nº 2, ambos do Código de Processo do Trabalho.

Realizada a junta médica, os peritos, por unanimidade, consideraram «que a sinistrada deixou de efectuar as funções inerentes ao seu posto de trabalho que executava com carácter permanente, sendo admissível a atribuição de IPATH. Por outro lado, a sinistrada foi reconvertida no seu local de trabalho efectuando outras funções que são adequadas à incapacidade restante (40%) atenta a IPP de 60% já atribuída, pelo que não se deve atribuir cumulativamente a instrução n.º 5 da TNI (factor 1,5)» (cfr. fls. 72-73).

Foi de seguida proferida sentença na qual se adotou a jurisprudência uniformizada constante no acórdão deste Supremo Tribunal de 28.05.2014, publicado no DR Iª série de 30.06.2014 e lançando mão da fundamentação expendida no acórdão deste mesmo Tribunal de 28.01.2015, proferido no processo 28/12.8TTCBR.C1.S1, decidiu-se pela aplicação cumulativa do fator de bonificação de 1.5 previsto no nº 5, al. a) das Instruções Gerais do Anexo I da TNI, e com o seguinte dispositivo:

«Face a todo o exposto, fixo a IPP de que padece a Sinistrada, AA, em consequência do acidente dos autos em 90% (noventa por cento), com IPATH e, em consequência, condeno a Seguradora a pagar-lhe:

I)         uma pensão anual e vitalícia no valor de € 4.932,79 (quatro mil, novecentos e trinta e dois euros e setenta e nove cêntimos), devida desde 01 de  Maio de 2015, acrescida de subsídios de férias e de Natal, no valor de 1/14 cada da pensão anual, a pagar nos meses de Maio e Novembro de cada ano, bem como dos juros de mora desde o fim de cada mês a que o duodécimo atrasado respeita, à taxa legal e até integral pagamento;

II)        a quantia de € 5.533,68 (cinco mil, quinhentos e trinta e três euros e sessenta e oito cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, desde 01 de Maio de 2015 e até integral pagamento;

III)       a quantia de € 15,00 (quinze euros), acrescida de juros, à taxa legal, desde 08 de Julho de 2015 e até integral pagamento.

Custas e despesas a cargo da Seguradora.»

Inconformada, a BB apelou da decisão, impetrando a alteração da sentença devendo «ser calculada a IPP sem cumulação com o factor de bonificação, sendo atribuída à Autora a IPP de 60%, com IPATH e de acordo com os restantes termos da sentença recorrida».

A sinistrada contra-alegou e requereu que o recurso fosse admitido per saltum para este Supremo Tribunal, pretensão que, não tendo merecido oposição, foi deferida por despacho judicial.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([1]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

”A.      Não obstante a Junta Médica ter decidido, por unanimidade, que "«consideram que a sinistrada deixou de efectuar as funções inerentes ao seu posto de trabalho que executava com caracter permanente, sendo admissível a atribuição de IPATH. Por outro lado, a sinistrado foi reconvertida no seu local de trabalho efectuando outras funções que são adequadas à incapacidade restante (40%) atenta a lPP de 60% já atribuída, pelo que não se deve atribuir cumulativamente a instrução n.º 5 da TNI (factor 1,5)»”, o Tribunal a quo optou por decidir em sentido contrário, atribuindo uma desvalorização em sede de IPP de 60% x 1,5 = 90%, com IPATH.

B.        Porém, é entendimento da Recorrente que a aplicação daquele factor de bonificação não é possível, na medida em que a cumulação não é passível quando o sinistrado sofra de IPATH.

C.        Isto porque é legalmente inadmissível tal bonificação, uma vez que da leitura conjugada da al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI e os artigos 48º n.º 3 al. b) e c) e 67 n.º 3 da NLAT conceito de IPP, IPATH e atribuição de Subsídio por Elevada Incapacidade - e no seguimento do defendido pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08 de Fevereiro de 2012, relator José Eduardo Sapateiro resulta que "...que existe uma diferença de grau (quantitativo e qualitativo) entre uma e outra situação, achando-se a situação prevista na alínea a) da 5.ª Instrução Geral consumida ou absorvida por aquela, mais gravosa e global da IPATH, ao privar, em termos imediatos e definitivos, o trabalhador da possibilidade de desenvolver a profissão que até aí desempenhava, ao passo que as hipóteses contempladas pela dita Instrução Geral estão aquém de tal impossibilidade, ainda que os sinistrados afectados e pela mesma abrangidos, tenham perdido ou visto diminuída uma função inerente ou imprescindível ao desempenho do seu posto de trabalho, que lhes dificulta seriamente o seu exercício mas não impede a continuação no e do mesmo, ainda que noutras condições (reconversão daquele).

Logo, tendo sido reconhecida ao sinistrado uma IPATH, não se justifica cumular com tal incapacidade absoluta a aplicação do factor de bonificação de 1,5 à IPP de 10%...".

D.        Ora, resulta da matéria considerada desde logo pelas Partes como assente que a Autora viu-se reconvertida no seu posto de trabalho, havendo sido atribuída uma IPATH, um subsídio de elevada incapacidade e uma IPP, pelo que não existe fundamento para cumular a bonificação do factor 1,5 previsto na al. a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI.

E.        Logo, andou mal o Tribunal a quo ao cumular o factor de bonificação e a IPATH, bem como o subsídio de elevada incapacidade devida por IPATH, o que é legalmente inadmissível face ao que se encontra previsto na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da TNI e do previsto nos artigos 48º n.º 3 al. b) e c) e artigo 67º n.º 3 da NLAT, bem como do princípio que subjaz à diferenciação entre a existência de IPATH e simples IPP.

F.         O Tribunal a quo interpretou desadequadamente as normas supra citadas, o que radicou numa aplicação do direito errada, que, conforme já se disse em cima, é contrária ao entendimento da Junta Médica.

G.        Acresce que a interpretação tal como é feita pelo Tribunal a quo ter-se-á que julgar inconstitucional, na medida em que viola o princípio da igualdade e o direito à assistência e justa reparação em caso de acidente de trabalho, nos termos previstos nos artigos 13º e 59 n,º 1 al. f) da CRP.

H.        Face ao exposto, atenta a existência de IPATH, deve a IPP atribuída à Autora deixar de ser 90% (60% x 1.5), uma vez que a aplicação do factor de bonificação é ilegal e inconstitucional, devendo, por isso, ser atribuída à Autora a IPP de 60%.”

A autora contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado, tendo formulado as seguintes conclusões:

«A. A A. Recorrida, à data do acidente de trabalho, exercia funções profissionais a favor de "CC, Unipessoal, Lda", não se tendo provado, sequer, que a Recorrida foi reconvertida em função profissional no âmbito da mesma empresa, uma vez que, de facto, a Recorrida foi exercer funções profissionais a favor de uma terceira entidade.

B. As conclusões da Junta Médica são juridicamente irrelevantes, uma vez que a sua actuação visa, apenas e só, o apuramento de matéria de facto, e não de matéria de Direito, sendo a prova pericial objecto de livre apreciação judicial, consoante reconhecido pela jurisprudência - cfr. o art. 389.º do Código Civil, e, nomeadamente, o ac. da Relação de Lisboa de 11.10.2000 e o ac. da Relação do Porto de 02.06.2003.

C. Em situação alguma afastam os arts. 48.º, n.º 3, alínea b), e 67.º, n.º 3, da LNAT, a aplicação do factor de bonificação de 1,5 (um vírgula cinco), previsto no n.º 5 do Anexo I da TNI, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.

D. Segundo a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 2014.06.30 (Acórdão n.º 10/2014 - Relator: Leones Dantas), "a expressão "se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho" contida na alínea a) do n.2 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n. º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente", sendo precisamente essa a situação dos autos. Esse foi, também, o enquadramento realizado pelo ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 28.01.2015.

E. Por fim, também a invocação de putativa inconstitucionalidade do regime vigente não encontra qualquer cabimento jurídico.

F. A Apelada requer, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 678.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi o disposto nos arts. 87.º, n.º 1, e 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo de Trabalho, que o presente Recurso suba directamente ao Supremo Tribunal de Justiça (recurso per saltum), por se verificarem todos os pressupostos legais para o efeito»

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da negação da revista com a consequente confirmação da sentença recorrida.

As partes, notificadas deste parecer, nada disseram.

REGIME NORMATIVO APLICÁVEL

Considerando que o acidente ocorreu em 3.02.2014 e foi participado ao tribunal em 3.02.2015 tendo a sentença recorrida sido proferida em 26.10.2015, é aplicável:

- O Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013 de 26.06;

- O Código de Processo do Trabalho aprovado pelo DL 480/99 de 9/11 com as alterações introduzidas pelos DLs 323/2001 de 17/02, 38/2003 de 8/03, 295/2009 de 13/10 e Lei 63/2013 de 27.08;

- A Lei 98/2009 de 4.09.

ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 - Se deve ser aplicado o fator de bonificação de 1.5 previsto na al. a) do nº 5 das instruções gerais da TNI cumulativamente com a IPP de 60% com IPATH;

2 – Se a interpretação feita pelo tribunal “a quo” ao atribuir cumulativamente com a ITATH de 60% o fator de bonificação de 1.5 é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e do direito à assistência e justa reparação em caso de acidente de trabalho consagrados nos arts. 13º e 59º, nº 1 da CRP.

FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

A primeira instância julgou provados os seguintes factos:

“a) A Sinistrada foi vítima de um acidente de trabalho em 03 de Fevereiro de 2014 quando trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização de “CC, Unipessoal, Lda”.

b) Desse acidente resultaram para a Sinistrada as lesões examinadas e descritas a fls. 36-41, aqui dadas por reproduzidas.

c) À data do acidente a Sinistrada auferia a retribuição anual de € 7.254,10.

d) À data do acidente “CC – …, Lda” tinha a sua responsabilidade emergente de acidente de trabalho transferida, na totalidade, para a “Companhia de Seguros BB, S.A”.

e) A Sinistrada está paga das indemnizações por incapacidade temporária até 30.04.2015, data da alta.

f) A Sinistrada despendeu a quantia de € 15,00 com a deslocação obrigatória ao Tribunal.

g) Atenta a discordância sobre a IPP a fixar à sinistrada, foi realizada Junta médica que atribuiu à mesma, por unanimidade, a IPP de 60%, atentas as sequelas decorrentes das lesões sofridas com o acidente identificado em a), tendo consignado que, no seu entendimento, «…a sinistrada deixou de efectuar as funções inerentes ao seu posto de trabalho que executava com caracter permanente, sendo admissível a atribuição de IPATH. Por outro lado, a sinistrada foi reconvertida no seu local de trabalho efectuando outras funções que são adequadas à incapacidade restante (40%) atenta a IPP de 60% já atribuída, pelo que não se deve atribuir cumulativamente a instrução n.º 5 da TNI (factor 1,5)», conforme auto de fls. 72-73”.

Vejamos de per si as referidas questões que constituem o objeto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([2]).

1 - Se deve ser aplicado o fator de bonificação de 1.5 previsto na al. a) do nº 5 das instruções gerais da TNI cumulativamente com a IPP de 60% com IPATH.

Estabelece a al. a) do nº 5 das instruções gerais da TNI: ”Os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados, até ao limite da unidade, com uma multiplicação pelo factor 1.5, segundo a fórmula: IG+(IGx0.5), se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais quando não tiver beneficiado da aplicação desse factor”.

Sobre a interpretação a dar ao segmento normativo “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho” uniformizou já este tribunal a jurisprudência nos seguintes termos: «A expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”, contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente» ([3]).

Como refere Armindo Ribeiro Mendes, “a jurisprudência uniformizada não tem força obrigatória geral – como decorre da revogação e inconstitucionalização parcial do art. 2º do Código Civil – e não é obrigatória para os outros tribunais. Tem, no entanto, um valor de precedente persuasivo que, naturalmente, será considerado pelos outros tribunais, dada a publicidade que lhe está legalmente conferida… Para os cidadãos em geral e para os operadores judiciários é importante contar com a observância da jurisprudência uniformizada, para evitar um risco de confronto com decisões não esperadas e, porventura, incorrectas, só porque um determinado tribunal ou até uma formação do STJ persiste, teimosamente, em aplicar o direito de forma individualizada e sem atender a tal jurisprudência uniformizada…. Tal não significa, claro, que não possa haver alteração da jurisprudência uniformizada, nomeadamente quando começa a haver decisões de tribunais inferiores a afastar-se daquela, em decisões fundamentadas que ponham, convincentemente em causa a doutrina fixada…” ([4]).

Assim, apesar da jurisprudência uniformizada não ser vinculativa, a mesma deve ser observada e seguida pelos tribunais, a não ser que aduzam fundamentos não considerados no acórdão uniformizador e de tal forma relevantes e convincentes que sejam capazes de provocar a alteração pelo Supremo da jurisprudência fixada. Enquanto tal não suceder, devem os tribunais adotar nas suas decisões aquela orientação jurisprudencial.

A não ser assim, esvaziar-se-ia de sentido e conteúdo o instituto da uniformização da jurisprudência colocando tais arestos ao nível dos demais acórdãos não uniformizadores e ficaria seriamente posta em causa a certeza e a segurança jurídicas.

Convém não olvidar que, nos termos do art. 678º, nº 2, al. c) do Código de Processo Civil, as “decisões proferidas, no âmbito da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça” admitem sempre recurso independentemente do valor da causa e da sucumbência.

Sobre a problemática da interpretação da aludida expressão “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho” bem como sobre a aplicabilidade cumulativa do fator de bonificação de 1.5 estabelecido na citada al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI, se pronunciou já esta secção em diversas ocasiões (para além do referido acórdão uniformizador de jurisprudência), concluindo pela possibilidade de aplicação cumulativa nos casos de ITATH, considerando até que é esta, precisamente, uma das situações em que a aplicação daquele fator deve ter lugar, desde que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas no acidente, não possa retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente, entendendo-se este não “como mera job description prevista no contrato, mas antes correspondendo às funções efectivamente exercidas pelo trabalhador numa concreta organização empresarial“ ([5]).

Assim:

Acórdão de 28.01.2015, recurso nº 28/12.8TTCBR.C1.S1 – 4ª secção (relator Leones Dantas):

I - A expressão «se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho» contida na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidente de Trabalho ou Doenças Profissionais, aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, refere-se às situações em que o sinistrado, por virtude das lesões sofridas, não pode retomar o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente.

II - Não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 3 do artigo 48.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, relativo a fixação de pensões nas situações de incapacidade absoluta para o trabalho habitual e a alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, editada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos.

III - Encontrando-se o sinistrado afectado de uma Incapacidade Permanente Absoluta para o trabalho habitual e não sendo reconvertível em relação ao seu anterior posto de trabalho de montador de tectos falsos, deve o respectivo coeficiente global de incapacidade ser objecto da bonificação de 1,5, prevista na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais.”

Acórdão de 28.01.2015, recurso nº 22956/10.5T2SNT.L1.S1 (relator Mário Belo Morgado):

“I - A força probatória da prova pericial é fixada livremente pelo julgador de facto, nos termos dos artigos 389.º, do Código Civil, e 489.º, do Código de Processo Civil, estando vedado ao Supremo Tribunal de Justiça alterar a matéria de facto dada como assente no Acórdão recorrido, com base no resultado das perícias médicas efetivadas no processo.

II - Não há incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (IPATH), e na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, editada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, que consagra o fator de bonificação 1,5, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos.”

Acórdão de 5.03.2013, recurso nº 270/03.2TTVFX.1.L1.S1 (relator Fernandes da Silva):

“I - Não se vê justificação plausível para que se trate diversamente o caso em que o sinistrado continua a desempenhar o seu trabalho habitual, com mais esforço, e aquele em que o mesmo esteja impedido, permanente e absolutamente, de o realizar: em qualquer dos casos, haverá que ter em conta o esforço que é exigido ao trabalhador para desempenhar a sua actividade, traduzido, quando o mesmo está afectado de IPATH, no acrescido sacrifício que terá de desenvolver para se adaptar a novas funções.

II - Destarte, não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, editada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos.”

Acórdão de 29.03.2012, recurso nº 307/09.1TTCTB.C1.S1 (relator Pinto Hespanhol):

“I - Não ocorre incompatibilidade entre o estatuído na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e na alínea a) do n.º 5 das Instruções Gerais da Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, editada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, podendo cumular-se os benefícios nelas estabelecidos.

II - Resultando da matéria de facto provada que o sinistrado foi vítima de acidente quando procedia, como supervisor de construção, à verificação/orientação dos trabalhos de colocação de laje de cimento em cima de um andaime e que este se partiu, tendo caído no chão, o que lhe causou sequelas neurológicas graves, que lhe determinaram incapacidade permanente parcial de 53%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, justifica-se a bonificação do valor final da incapacidade com base na multiplicação pelo factor 1,5, previsto na alínea a) do n.º 5 das «Instruções gerais» da Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro.”

Não existem razões para divergir da jurisprudência uniforme desta secção, que, aliás, inteiramente subscrevemos.

Concluímos assim que não se verifica qualquer incompatibilidade entre a atribuição de uma IPATH e a bonificação estabelecida na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI.

A recorrente aceita o parecer dos peritos médicos de que a sinistrada foi reconvertida no seu local de trabalho efetuando outras funções que são adequadas à capacidade restante (40%) atenta a lPP de 60% já atribuída.

Consta também de fls. 37 dos autos “Relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito do trabalho” que a sinistrada “retomou a função a 11-05-2015 com funções de logística”.

Temos assim que a sinistrada, por via das lesões sofridas, não retomou o exercício das concretas funções que efetivamente exercia na mesma organização empresarial em que ocorreu o acidente ([6]).

A sinistrada, ainda que tenha regressado ao seu local de trabalho, não retomou funções no seu posto de trabalho, tendo passado e executar tarefas diversas, reconvertidas.

O local de trabalho não se confunde com o posto de trabalho, sendo que é a este que, nos termos legais, se tem que atender para efeitos de atribuição ou não do fator de bonificação: “se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho”.

O local de trabalho é mais abrangente e pode comportar diversos postos de trabalho. Já o posto de trabalho corresponde “às funções efectivamente exercidas pelo trabalhador numa concreta organização empresarial”, ou seja num determinado local de trabalho.

Aliás, tanto o Código do Trabalho como a Lei nº 98/2009 de 4/09 (Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais), utilizam de forma bem distinta os conceitos de «local de trabalho» e de «posto de trabalho».

O local de trabalho em sentido amplo corresponderá a toda a zona de laboração da empresa, sendo, em sentido estrito, “o centro estável (ou permanente) de actividade de certo trabalhador e a sua determinação obedece essencialmente ao intuito de se dimensionarem no espaço as obrigações e os direitos e garantias qua a lei lhe reconhece” ([7]).

Para efeitos de acidente de trabalho, «local de trabalho» é «todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador» (art. 8º, nº 2, al. a) da Lei 98/2009.

Já relativamente ao «posto de trabalho» reportou-se o legislador às funções concretamente exercidas pelo trabalhador.

Vejam-se como exemplo os arts. 63º, nº 4, al. c) e 340º, al. e) (“despedimento por extinção do posto de trabalho”), 66º, nº 2, al. a) (“equipamento e organização do local e do posto de trabalho”), 68º, nº 1 (admissão de menor condicionada à disposição por este “de capacidades físicas e psíquicas adequadas ao posto de trabalho”), 351, nº 2, al. d) (constitui justa causa de despedimento o “desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto”), 368º, nº 1, al. c) (“o despedimento por extinção de posto de trabalho só pode ter lugar desde que… não existam, na empresa, contratos de trabalho a termo para tarefas correspondentes às do posto de trabalho extinto”), 373º e 374, nº 1, al. b) (“despedimento por inadaptação” verificando-se “avarias repetidas nos meios afectos ao posto de trabalho”), todos do Código do Trabalho. E poderíamos prosseguir analisando as mais de 65 referências constantes neste diploma a «posto de trabalho», todas elas com o significado implícito de funções concretas exercidas pelo trabalhador.

Também na Lei 98/2009, «posto de trabalho» tem idêntico significado.

Como exemplo:

Arts. 7.º (“responsabilidade” do empregador “pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, bem como pela manutenção no posto de trabalho…”), 44.º, nº 1 (“o empregador deve assegurar a reabilitação profissional do trabalhador e a adaptação do posto de trabalho que sejam necessárias ao exercício das funções”), 155.º, nº 2 (“ocupação e reabilitação”, “ao trabalhador referido no número anterior é assegurada, pelo empregador, a formação profissional, a adaptação do posto de trabalho…”), 159º, nºs 2 e 3 (“quando o empregador assegure a ocupação compatível com o estado do trabalhador, pode requerer ao serviço público competente na área do emprego e formação profissional a avaliação da situação do trabalhador, tendo em vista a adaptação do seu posto de trabalho e disponibilização de formação profissional adequada à ocupação e função a desempenhar”, ”o serviço público competente na área do emprego e formação profissional, através do centro de emprego da área geográfica do local de trabalho, procede à avaliação da situação do trabalhador e à promoção de eventuais adaptações necessárias à ocupação do respectivo posto de trabalho…”), 160.º, nº 1 (“além do apoio técnico necessário para a adaptação do posto de trabalho às necessidades do trabalhador sinistrado ou afectado por doença profissional, o empregador que assegure ocupação compatível…”), 161.º, nº 2 (“se o serviço público competente na área do emprego e formação profissional concluir pela viabilidade da ocupação de um posto de trabalho na empresa ao serviço da qual ocorreu o acidente de trabalho ou foi contraída a doença profissional, o empregador deve colocar o trabalhador em ocupação e função compatíveis…”), 165.º, al. c) (“o serviço público competente na área do emprego e formação profissional, assegura… o encaminhamento das situações decorrentes da reintegração do trabalhador no mesmo ou num novo posto de trabalho”), entre outros.

Assim, não tendo a sinistrada, por via das lesões sofridas, retomado o exercício das concretas funções que efetivamente exercia na organização empresarial em que ocorreu o acidente, conclui-se que deve ser atribuída a bonificação estabelecida na al. a) do nº 5 das Instruções Gerais da TNI.

2 – Se a interpretação feita pelo tribunal “a quo” ao atribuir cumulativamente com a ITATH de 60% o fator de bonificação de 1.5 é inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e do direito à assistência e justa reparação em caso de acidente de trabalho consagrados nos arts. 13º e 59º, nº 1 da CRP.

Importa referir que temos alguma dificuldade em entender o alcance da pretendida inconstitucionalidade nos termos em que vem colocada.

Efetivamente, não descortinamos em que é que a interpretação normativa levada a cabo na sentença recorrida viola o princípio da igualdade.

O princípio constitucional da igualdade ínsito no art. 13º da CRP ([8]), impõe o tratamento de forma igual às situações iguais e de forma diferenciada às situações desiguais e consiste, no essencial, na proibição de discriminação, na proibição do arbítrio, na proibição da privação de qualquer direito ou isenção de qualquer dever e na efetiva obrigação de diferenciação tendo como finalidade a igualdade real ([9]). “A proibição do arbítrio constitui, um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade” ([10]). Mas para além desta dimensão negativa, o princípio da igualdade comporta também uma dimensão positiva no sentido do estabelecimento de “diferenças favoráveis a certos grupos de pessoas” ([11]), como é o caso dos trabalhadores em situação idêntica à da sinistrada.

Ora, ao ser atribuído à sinistrada o fator de bonificação da forma como deve ser conferido a todos os sinistrados que se encontrem, como aquela, afetados com uma IPATH e sem possibilidades, em consequência das lesões, de retomarem o exercício das funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupavam antes do acidente, não se concede à sinistrada um tratamento diferenciado relativamente aos demais cidadãos na mesma situação, nem de favor relativamente aos sinistrados afetados de IPATH, mas que puderam reassumir funções no concreto posto de trabalho anteriormente ocupado.

Da mesma forma não descortinamos em que medida se mostra violado o princípio consagrado no art. 59º, nº 1, al. f) da CRP ([12]).

Não podendo a sinistrada, por virtude das lesões sofridas, reassumir as funções correspondentes ao concreto posto de trabalho que ocupava antes do acidente na organização empresarial, a atribuição do fator de bonificação previsto na lei para estas situações, configura exatamente a justa reparação do acidente sofrido e da diminuição da sua capacidade de ganho, ou seja, consubstancia a cabal conformação da decisão com o invocado preceito constitucional.

Pelo referido, a interpretação do art. 5º, nº 1, al. a) das Instruções Gerais da TNI, adotada na sentença recorrida e aqui avalizada, não está inquinada das invocadas inconstitucionalidades.

Termos em que, a revista é negada.

DECISÃO

Pelo exposto decide-se:

1 – Negar a revista.

2 – Confirmar a sentença recorrida;

3 – Condenar a recorrente nas custas.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 3.03.2016


Ribeiro Cardoso (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha


_______________________

[1] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[2] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2 e 608º, n. 2 do CPC.
[3] Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, de 28.05.2014, proc. nº 1051/11.5TTSTB.E1.S1, publicado no DR Iª série de 30.06.2014.
[4] In Recursos em Processo Civil Reforma de 2007, Coimbra Editora, pág. 170 e 171.
[5] JOANA NUNES VICENTE, “O Fenómeno da Sucessão dos Contratos a Termo”, Questões Laborais, Ano XVI, n.º 33, Janeiro – Junho de 2009, pp. 33 a 35, citada no referido acórdão uniformizador.

[7] António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 17ª edição, pág. 388.

[9] In www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/hpm_MA_13221.pptx
[10] Acórdão do TC de 8.06.1993, in DR II série de 6.10.1993

[11] Acórdão do TC de 26.11.2008, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20080569.html
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