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FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
FOTOCÓPIA
Sumário
A questão da inidoneidade da fotocópia não certificada ou atestada para preencher o conceito jurídico-penal de documento não releva num caso em que o que está em causa é o valor probatório da fotocópia para demonstrar a existência do documento original e a conduta consubstanciada na viciação do mesmo: ao arguido não é imputada a viciação da fotocópia do cheque mas a viciação do cheque que a fotocópia reproduz.
Texto Integral
Recurso Penal nº 1145/09.7PBMTS.P1
Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
No 4º juízo criminal do Tribunal Judicial de Matosinhos, em processo comum com intervenção do tribunal singular, foi submetido a julgamento o arguido B…, devidamente identificado nos autos, tendo no final sido proferida sentença, na qual se decidiu condená-lo, pela prática de um crime de furto e de um crime de falsificação de documentos, ps. e ps., respectivamente, pelos arts. 203º nº 1 e 256º nº 1 al. a) e 3 do C. Penal, nas penas parcelares de 6 meses de prisão pelo primeiro e de 1 ano de prisão pelo segundo e, em cúmulo jurídico, na pena única de 14 meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo mesmo período, subordinada à condição de o arguido entregar a uma determinada instituição de solidariedade social a quantia de 900 €, metade da qual no prazo de 6 meses e o restante no de 12 meses a contar do trânsito em julgado.
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o arguido, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que o absolva dos crimes cuja prática lhe havia sido imputada, para o que formulou as seguintes conclusões:
Primeira
O recorrente não cometeu os crimes por os quais foi condenado, porquanto o princípio da presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença condenatória encontra-se estabelecido na ordem jurídica portuguesa, tendo cobertura constitucional, nos termos do nº2 do artigo 32º da Constituição da República. Segunda
O princípio da presunção de inocência do arguido isenta-o do ónus de provar a sua inocência, a qual aparece imposta (ou ficcionada) pela lei; o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação. Terceira
Do referido princípio da presunção de inocência do arguido (embora não exclusivamente dele) decorre um princípio in dúbio pró reo; Quarta
Decorre do princípio da presunção de inocência do arguido que este não é um mero objecto ou meio de prova; Quinta
O tribunal “a quo” formulou “pré-juízos”, orientados no sentido da tese da acusação e que conduziram à violação do principio in dubio pro reo, ainda que indirectamente, uma vez que non liquet que, à partida, poderia existir no fim da audiência de julgamento, atendendo à prova aí produzida e aos argumentos aí expendidos não existiram, por força dos referidos “prejuízos” orientados no sentido da tese da acusação. Sexta
Não há na decisão recorrida elementos factuais que consubstanciem um crime que possa ser imputado ao recorrente. Sétima
O Digníssimo Tribunal, erradamente, fundamentou a sua convicção com base no depoimento do ofendido e no facto do arguido ter exercido o seu “Direito ao Silêncio”. Oitava
É uniforme o entendimento doutrinal no sentido de que o bem jurídico protegido no crime de falsificação de documentos é o da segurança e credibilidade no tráfico jurídico, embora, como refere Helena Moniz. (Código Penal Conimbricense, tomo II, pág, 607), não seja toda e qualquer segurança no tráfico jurídico que se pretende proteger, mas apenas a relacionada com os documentos. Nona
A noção de documento consubstanciada no art. 255.° do CP sofreu a influência de uma evolução e acaba por nos dar um conceito de documento com todas as características que permitem assegurar as funções de perpetuação; probatória e de garantia que são exigidas ao documento enquanto objecto material do crime de falsificação de documentos. Documento, para efeitos de direito penal, não é o material que corporiza a declaração, mas a própria declaração, independentemente do material em que está corporizada; é a declaração enquanto representação de um pensamento humano (função de perpetuação). Décima
Documento é, pois, a declaração de um pensamento humano que deverá ser corporizada num objecto que possa constituir meio de prova de facto juridicamente relevante. Décima Primeira
Uma vez que o documento para efeitos de direito penal é a declaração e não o objecto ou suporte material da declaração, a simples fotocópia, não constitui falsificação de documentos, pois não se verifica uma falsificação de um documento enquanto declaração, já que a fotocópia, em si, constitui um suporte que não permite reconhecer o emitente da declaração, e em relação à qual (fotocópia) se encontram diluídos os interesses de credibilidade e segurança no tráfico jurídico. Décima Segunda
Existiu, portanto, erro na apreciação da prova, que incidiu sobre os factos. Décima Terceira
Pelo que deveria ter sido o arguido absolvido dos crimes em que foi condenado. Décima Quarta
Violou o Tribunal a quo o artigo 127° CPP e o artigo 32° da Constituição da Republica Portuguesa
Na resposta, o MºPº pronunciou-se no sentido da manutenção da decisão recorrida e consequente improcedência do recurso, concluindo como segue:
1- Ao contrário do que pretende o recorrente, nenhuma censura é endereçável à matéria de facto dada como provada, a qual aliás se encontra fundamentada e motivada de forma exemplarmente exaustiva e consistente, sendo pois transparente o modo como se formou a convicção e valoração probatórias do Tribunal a quo.
2 - E bem andou o Mm.° Juiz a quo quando, analisada a prova, deu como assente que o arguido se apoderou do módulo de cheque n.° ………., sacado por C… sobre a conta n.° ……….. da D…, que se encontrava em branco, no escritório da oficina do ofendido, tendo, de imediato, formulado o propósito, concretizado, de o preencher e utilizar, fazendo-se passar por seu legítimo portador, para dessa forma enganar terceiros e obter o pagamento do valor a apor, como apôs, no dito cheque;
3 - Com efeito, tal conclusão fáctica, apoia-se - sem qualquer oposição ou contradita que suscite dúvida relevante - na conjugação dos seguintes elementos:
a) O próprio cheque, cuja fotocópia consta a fls. 5, e que mostra ter sido emitido à ordem do arguido - contendo o seu nome no rosto e verso do cheque e o respectivo n.° de BI no verso;
b) O depoimento credível e consistente do queixoso e titular do cheque, a testemunha C… (para quem o arguido havia trabalhado na dita oficina de onde foi subtraído o cheque em causa e onde o ora recorrente o havia visto com livros de cheques), o qual, para além do mais, informou que quando a tal propósito interpelou o arguido este lhe confessou os factos e o acompanhou voluntariamente à esquadra da PSP - relato esse que foi apoiado pela testemunha E… (agente da PSP que estava na esquadra na altura) ao confirmar tal confissão e ao informar ainda que nessa oportunidade o arguido não revelou qualquer indício de ter sido forçado a ali ir ou estar sob qualquer ameaça.
4 - Tal conjugação de elementos de prova, sólida e coerente, aponta de forma consistente no sentido de ter sido o arguido o autor dos factos em apreço e nesse mesmo sentido formou a sua convicção o Tribunal, evidentemente sem qualquer pré-juízo como pretende o recorrente;
5 - Não ocorreu a alegada violação do princípio de presunção de inocência do arguido, pois se é pacífico que o silêncio do arguido não o pode prejudicar, tal significa tão só que o seu silêncio não pode justificar a prova dos factos imputados;
6 - Do mutismo do arguido (mantido durante o desenrolar da produção de prova em audiência) não resulta a obrigação de o Tribunal, com vista à sua absolvição, se lhe “substituir” na cogitação e suscitação de hipóteses que (ainda que sem qualquer sustentação probatória ou mesmo absurdas) fossem teoricamente possíveis e contrariassem a convicção segura que formou através dos elementos de prova disponíveis;
7 - Não ocorreu a apontada violação do princípio em dubio pro reo, desde logo porque, face à total inexistência de qualquer elemento que a minasse ou a contraditasse, dúvida alguma se insinuou na convicção do julgador, que racional e criteriosamente a formou apoiada na consistência da prova produzida;
8 - Porque o recorrente anunciou ter o seu recurso por objecto a reapreciação da prova gravada, é de sublinhar que em nenhum momento tal reapreciação é por si apresentada de harmonia e em conformidade como os requisitos a que alude o artigo 412° do Código de Processo Penal, onde se impõe o ónus de impugnação especificada;
9 - É manifesto que o recorrente não deu cabal cumprimento a essas especificações já que não indicou os concretos pontos de facto que considerava incorrectamente julgados, nem as concretas provas que imporiam decisão diversa, quedando-se ainda sem dizer quais as provas a renovar;
10 - Na verdade, o arguido limita-se a questionar a atribuição de credibilidade do Tribunal ao depoimento do ofendido, mas nem sequer aponta qualquer contradições ou inconsistências que naquele se pudessem verificar;
11 - Atacou, pois, unicamente a convicção e valoração probatórias que o Tribunal a quo realizou, para concluir que este deveria ter desvalorizado tanto o cheque de fls. 5 como também os depoimentos do ofendido e do agente policial, face à força do... silêncio do arguido!
12 - Conclui-se, pois, que o recorrente, par tal lançando uma leviana suspeição em que imputa ao Tribunal a formulação de pré-juízos orientados no sentido da tese da acusação, mais não pretende no fundo do que sindicar a formação da convicção do julgador e substituí-la por outra, obviamente de sentido contrário àquela;
13 - Verificando-se o apontado incumprimento do ónus de impugnação especificada, somos a entender que, nesta parte, deverá o recurso ser rejeitado por inadmissibilidade, visto que, em bom rigor, lhe falta a motivação;
14 - Em um outro erro labora o recorrente quando aparenta pretender que a falsificação imputada ao arguido se materializaria numa mera fotocópia, logo esgrimindo com a natureza de um tal suporte, onde alega que se encontrariam «diluídos os interesses de credibilidade e segurança no tráfico jurídico»;
15 - Como cremos que ao próprio recorrente não escapa, o acto imputado ao arguido não incidiu numa fotocópia de um qualquer documento, mas antes foi materializada e incidiu no módulo de cheque n.° ………., onde aquele apôs o montante de € 900,00, em números e por extenso, a data, «…» como local de emissão, o seu nome como beneficiário e, ainda, o nome C… a simular a assinatura do titular da conta;
16 - É pois absolutamente pacífico que a actuação em causa nos autos tem por objecto um documento, no sentido expresso no art. 255.°, al. a), do CP e igualmente não se coloca no caso que os autos espelham qualquer dúvida relativamente ao bem jurídico protegido pelo artigo 256° do mesmo diploma;
17 - Em suma, não sendo à douta sentença recorrida endereçável qualquer censura ou reparo, designadamente os pretendidos pelo ora recorrente, deve a mesma ser mantida nos seus exactos termos.
O recurso foi admitido.
Nesta Relação, o Exmº Sr. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer, igualmente no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no nº 2 do art. 417º C.P..P, tendo o recorrente apresentado resposta, na qual, concluindo como na motivação, vem contestar o valor de uma simples fotocópia, não autenticada, como prova da prática do crime de falsificação que lhe foi imputado.
Colhidos os vistos, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre decidir.
2.Fundamentação
Na sentença recorrida foram considerados como provados os seguintes factos:
a) Em finais de Junho ou inícios de Julho de 2009, na oficina de reparações de automóveis denominada F…, Lda, situada na …, n.º .., em …, Matosinhos, o arguido apoderou-se do módulo de cheque n.º ………., sacado por C…, sobre a conta n.º ……….., da D…, que se encontrava em branco, no escritório da referida oficina, tendo, de imediato, formulado o propósito de o preencher e utilizar, fazendo-se passar por seu legítimo portador, para dessa forma enganar terceiros e obter o pagamento do valor a apor no cheque. b) Assim, na concretização desse desígnio, no dia 9 de Julho de 2009, o arguido preencheu o referido cheque, apondo-lhe o montante de € 900,00, em números e por extenso, a data de 2009/07/09, … como local de emissão, o seu nome como beneficiário e o nome C… a simular a assinatura do titular da conta. c) Apresentado a pagamento o referido cheque, este foi devolvido nos serviços de compensação do Banco de Portugal, não pago, com a indicação de cheque revogado por extravio que no seu verso lhe foi aposta em 14 de Julho de 2009, ficando o portador sem receber a importância por ele titulada. d) O arguido agiu de forma livre e consciente, querendo e conseguindo fazer seu aquele módulo de cheque, apesar de saber que não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu legitimo proprietário. e) O arguido sabia que, ao assinar, preencher e entregar aquele cheque, que não era titular da conta a que o mesmo respeitava, que não o podia emitir e que com essa conduta estava a prejudicar terceiros e a obter um benefício injustificado. f) O arguido sabia que, ao agir como se fosse legítimo portador do cheque e este fosse válido, iria provocar prejuízos a terceiros e iria obter um benefício injustificado. g) O arguido conhecia a proibição e a punição das suas condutas. h) O arguido, em Março de 2010, não estava inscrito na segurança social como titular de rendimento e não tinha veículos registados em seu nome. i) O arguido encontra-se actualmente preso no EP do Porto, em cumprimento de pena por crime de condução sem habilitação legal. j) O arguido sofreu as condenações crime constantes do CRC de fls. 102 a 108 assim resumidas: i. Condenação, por decisão de 2006, transitada em 2006, pela prática, em 2004, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena única de 45 dias de multa; ii. Condenação, por decisão de 2007, transitada em 2007, pela prática, em 2007, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de desobediência, na pena de 90 dias de multa; iii. Condenação, por decisão de 2008, transitada em 2008, pela prática, em 2007, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 3 meses de prisão, suspensa por um ano, que veio a ser revogada; iv. Condenação, por decisão de 2008, transitada em 2008, pela prática, em 2008, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 7 meses de prisão, a cumprir em dias livres, vindo a ser determinada a prisão efectiva.
Como não provado, foi considerado que:
a) O arguido entregou o cheque a G…, para pagamento de serviços que aquela lhe tinha prestado, que, acreditando na sua validade, lhe deu quitação da referida importância.
b) O arguido sabia que estava a enganar a G… e que, assim, iria provocar prejuízos a esta
A motivação da decisão de facto foi explicada como segue:
O Tribunal formou a sua convicção quanto aos factos provados com base no depoimento absolutamente credível, convincente e em nada contraditado da testemunha C… (o queixoso e titular do cheque), conjugado com o cheque de fls. 5.
O depoimento da testemunha foi adequado a convencer, não só que o cheque foi subtraído e utilizado por outrem nos termos provados, mas também que o agente destes factos foi o arguido – tinha chegado a fazer trabalhos na oficina da testemunha, tendo o arguido chegado a ver a testemunha com cheques, como esta confirmou -, sendo certo que, nesta parte, para além de o cheque ter sido emitido à ordem do arguido – contendo o seu nome no rosto e verso do cheque e o BI no verso (cfr. registo civil de fls. 23) -, a testemunha confirmou que interpelou o arguido sobre esta matéria e que este lhe confessou a autoria, altura em que foram à esquadra da PSP, afastando qualquer hipótese de a confissão efectuada perante a testemunha ter sido forçada, sendo que a testemunha E… (o agente da PSP que estava na esquadra na altura) confirmou que o arguido não revelou qualquer indício de ter sido forçado a ir à esquadra ou estar sob qualquer ameaça. Note-se que a comportamento confessório do arguido que aqui se valora – mas não como único elemento e nem sequer como elemento decisivo, pois o cheque é já, por si só, revelador da participação do arguido - é aquele que foi apresentado perante a testemunha C…, o que é admissível mesmo em processo penal, e não eventuais declarações do arguido às entidades policiais ou judiciais.
Além disso, importa reiterar que nenhuma prova foi produzida que suscitasse a mínima dúvida sobre a autoria dos factos provados, sendo que nem o arguido a suscitou, recusando-se, legitimamente, a prestar declarações.
E, na verdade, face à consistência da prova produzida no sentido dos factos provados, para que a convicção do tribunal no sentido provado fosse abalada exigia-se que, pelo menos, como ponto de partida, o arguido suscitasse alguma dúvida ou que tivesse sido apresentada alguma prova que tivesse o mesmo efeito, o que não sucedeu. Não se trata de inverter o ónus da prova, mas somente o de apreciar à prova à luz dos juízos de experiência comum. É verdade que o silêncio do arguido não o pode prejudicar, mas tal significa “apenas” que o seu silêncio não pode justificar a prova dos factos imputados. Agora, se não pode o arguido ser prejudicado pelo seu silêncio, a verdade é que também não existe razão para por ele ser beneficiado, ao ponto de ser exigível ao tribunal que, depois de formar uma convicção segura com base na prova produzida, necessariamente à luz da livre apreciação da prova e, por isso, não isenta da dúvida que está sempre presente em qualquer juízo de apreciação da prova – note-se que, mesmo em processo penal, não se exige, para uma condenação, uma certeza 100% segura, a qual, porventura, é mesmo inalcançável – seja obrigado a cogitar hipóteses teoricamente possíveis tendentes a uma absolvição do arguido, por mais absurdas ou sem sustentação probatória que sejam, isto para mais quando nem sequer o arguido suscita tais hipóteses.
Daí os factos provados sob as als. a) a g), sendo que os factos do foro subjectivo do arguido resultaram dos juízos de experiência comum, face à factualidade objectiva provada.
Os factos provados sob as als. h) a j) resultaram dos registos da segurança social e do registo automóvel de fls. 53 e 55, do CRC de fls. 102 a 108 e da informação prisional junta em audiência.
Os factos não provados deveram-se à insuficiência de prova, uma vez que nenhuma prova foi produzida quanto à intervenção da testemunha G… (que não foi encontrada), existindo várias hipóteses para o facto de o seu nome figurar no verso do cheque.
3. O Direito
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2].
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões essenciais que importa decidir são as seguintes:
- violação do princípio in dubio pro reo;
- impossibilidade de uma simples fotocópia preencher o conceito de documento que é elemento típico do crime de falsificação.
Por uma questão de precedência lógica, vamos começar por apreciar a questão enunciada em segundo lugar.
3.1. O recorrente defende que não poderia ter sido condenado pela prática do crime de falsificação por não se mostrarem preenchidos os respectivos elementos típicos já que uma simples fotocópia não integra o conceito de documento para efeitos penais pois constitui um suporte que não permite reconhecer o emitente da declaração, encontrando-se diluídos em relação àquela os interesses de credibilidade e segurança no tráfico jurídico.
As razões avançadas pelo recorrente na motivação do recurso para sustentar que a previsão típica do crime de falsificação não se encontra preenchido evidenciam uma confusão entre a questão da inidoneidade da fotocópia não certificada ou atestada para preencher o conceito jurídico-penal de documento[3] com a do valor probatório de um documento daquela natureza para demonstrar a existência do documento original e, decorrentemente, a conduta consubstanciada na viciação de que o mesmo foi alvo. A essencialidade da argumentação que por ele foi oferecida teria aplicação na eventualidade de estarmos perante a primeira hipótese. Aliás, tal argumentação espelha uma leitura menos correcta das fontes onde a foi colher pois não teve em conta que a situação dos autos é distinta da que nelas foi alvo de apreciação. De facto, no presente caso nunca foi imputada ao recorrente a viciação da fotocópia do cheque que foi junta aos autos, mas sim a que ele terá praticado sobre o documento original, ou seja, o cheque que aquela fotocópia reproduz e que dos autos não consta. Assim, o cerne da questão não se reconduz a um eventual erro de subsunção jurídica – ter-se considerado que a fotocópia é um documento para efeitos jurídico-penais, o que, de todo, não sucedeu – mas sim à segunda hipótese acima enunciada, a da determinação do concreto valor probatório que pode ser atribuído à simples fotocópia de um documento para demonstrar que este existe e foi objecto de viciação. Ora, o recorrente nunca pôs em causa que a fotocópia junta aos autos a fls. 5 seja uma reprodução fiel do original do cheque – mesmo em sede de recurso não vai ao ponto de o ousar fazer, limitando-se a questionar em abstracto, pelo menos de forma clara na resposta ao parecer do Exmº Sr. PGA, o seu valor probatório -, nem existe o mais leve indício que faça duvidar, sequer permita suspeitar, que o seja. De outra forma certamente teriam sido levadas a cabo diligências, nomeadamente junto da instituição bancária que a forneceu ao ofendido, conforme por este referido, tendentes a apurar a sua fidedignidade. Não vêm mencionadas nos autos as razões pelas quais o original do cheque não foi obtido, se por impossibilidade (eventual destruição, devolução à pessoa que se apresentou no Banco para receber o montante por ele titulado e cujo paradeiro se procurou, em vão, descobrir durante o inquérito) ou, apenas, porque simplesmente nem sequer foi solicitado àquela instituição que o facultasse. Certo é que nunca, em momento algum, essas diligências se apresentaram como necessárias, quer porque o recorrente não suscitou qualquer eventual desconformidade entre a fotocópia e o original, quer porque, ao invés, foi produzida prova confirmativa da conformidade entre a primeira e o segundo, designadamente o depoimento prestado pelo ofendido (que o tribunal recorrido, recebendo-o directamente, considerou “absolutamente credível, convincente e em nada contraditado”, não se vislumbrando nem tendo sido apontadas razões que pudessem abalar essa credibilidade). Ora, a simples fotocópia não deixa de ser um meio de prova permitido[4] (cfr. art. 125º do C.P.P.) que, não tendo valor pré-estabelecido, necessariamente fica sujeita a valoração de acordo com a regra da livre apreciação da prova estabelecida no art. 127º do C.P.P. Não se tendo suscitado quaisquer dúvidas de que a fotocópia em questão corresponde fielmente ao original, não vemos como pretende o recorrente, só agora, vir atacar o seu valor probatório, quando teve ampla oportunidade de, ao longo dos autos e nomeadamente durante o julgamento, no exercício do contraditório, vir levantar dúvidas a esse respeito, e não o fez. Pretendia acaso que a acusação demonstrasse à exaustão o que já se mostrava suficientemente comprovado e não foi posto em dúvida? Não tem qualquer justificação a mobilização de meios para a qual não exista uma concreta e pertinente necessidade!
Nada obstava, pois, a que a fotocópia do cheque fosse valorada como o foi, em conjugação com a demais prova produzida e considerada relevante. Por outro lado, e sendo meridianamente claro que não foi essa fotocópia, mas sim o cheque que ela reproduz, o objecto da falsificação cuja prática foi imputada ao recorrente, é inquestionável que tal conduta incidiu sobre um documento que se enquadra na definição legal contida na al. a) do art. 255º do C. Penal. E, assim sendo, não têm qualquer sentido as considerações expendidas pelo recorrente no sentido de contestar que a conduta que lhe foi imputada seja violadora dos bens jurídicos tutelados pela incriminação do art. 256º do C. Penal (a segurança e a credibilidade na força probatória de documento destinado ao tráfico jurídico, especificamente a confiança no cheque como meio de pagamento na hipótese dos autos). O preenchimento de um cheque pertencente a outrem, à revelia do titular da respectiva conta, com a aposição, no lugar reservado à assinatura do sacador, de uma assinatura que não pertence ao agente, como se se tratasse da assinatura do titular da conta, com a inscrição de um beneficiário a quem o título não se destina e de um montante que não lhe é devido é, inquestionavelmente, susceptível de lesar aqueles bens jurídicos - independentemente de o agente o utilizar ou colocar no tráfico jurídico, pois, na modalidade correspondente, prevista na al. a) do nº 1 do art. 256º do C. Penal, o crime de falsificação é um crime de perigo abstracto – e até em grau mais elevado, dada a acrescida perigosidade que a falsificação de documentos com determinadas características que lhes conferem especial credibilidade no tráfico jurídico encerra, sendo por esse motivo punível no quadro de uma moldura penal agravada.
3.2. O recorrente sustenta que o tribunal recorrido formulou pré-juízos que conduziram à violação do princípio in dubio pro reo na medida em que, em seu entender, a decisão recorrida não contém elementos factuais que consubstanciem qualquer crime que lhe possa ser imputado, tendo sido a convicção formada erradamente fundamentada, em violação da regra estabelecida no art. 127º do C.P.P., no depoimento do ofendido e na valoração do direito ao silêncio que por ele foi exercido.
Embora na motivação refira que a sua discordância em relação à decisão da matéria de facto tem por objecto a reapreciação da prova gravada, o recorrente não a impugnou nos termos do nº 3 do art. 412º do C.P.P., nem tão-pouco fez uso do prazo alargado que o nº 4 do art. 411º do mesmo diploma consente para a interposição de recurso que tenha tal reapreciação por objecto. Assim, e conquanto não o tenha expressamente invocado, as razões em que faz assentar este fundamento do recurso têm de se reconduzir ao erro notório na apreciação da prova, traduzido na violação do princípio in dubio pro reo, para além de uma reapreciação circunscrita à prova pré-constituída constante dos autos.
O princípio da livre apreciação da prova[5], consagrado no art. 127º do C.P.P. e de acordo com a qual “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência[6],[7] e a livre convicção[8] da entidade competente”, para além de estar vinculado às referidas regras, comporta, ainda, algumas excepções (cfr. arts. 84º, 169º, 163º e 344º do C.P.P.), integradas no princípio da prova legal ou tarifada, e está sujeito aos princípios estruturantes do processo penal, nomeadamente ao princípio da legalidade da prova (cfr. arts. 32º nº 8 da C.R.P., 125º e 126º do C.P.P.) e ao princípio “in dubio pro reo”.
O art. 32º da C.R.P. inclui entre as garantias do processo criminal, no seu nº 2, a de que “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação (…)”.
O princípio da presunção de inocência, ali consagrado, “integra uma norma directamente vinculante e constitui um dos direitos fundamentais dos cidadãos (art. 18º, nº 1, da CRP)”.[9]
“A presunção de inocência é também uma importantíssima regra sobre a apreciação da prova, identificando-se com o princípio in dubio pro reo, no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido. A dúvida sobre a culpabilidade do acusado é a razão de ser do processo. O processo nasce porque uma dúvida está na sua base e uma certeza deveria ser o seu fim. Dados, porém, os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida inicial permanece dúvida a final, malgrado o esforço processual para a superar. Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência imporá a absolvição do acusado já que a condenação significaria a consagração de ónus de prova a seu cargo baseado na prévia presunção da sua culpabilidade. Se a final da produção de prova permanecer alguma dúvida importante e séria sobre o acto externo e a culpabilidade do arguido impõe-se uma sentença absolutória”[10].
O princípio in dubio pro reo é, pois, uma emanação do princípio da presunção de inocência e surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. No entanto, este princípio “não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa.”[11]
Na ausência de impugnação ampla da decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos do nº 3 do art. 412º do C.P.P., a violação deste princípio, enquanto limite normativo ao princípio da livre apreciação da prova, só pode ser sindicada na perspectiva do erro notório na apreciação da prova, um dos vícios da decisão elencados no nº 2 do art. 410º do C.P.P. como passíveis de serem detectados através do mero exame do próprio texto da decisão recorrida (sem recurso a quaisquer outros elementos constantes do processo), por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum. A notoriedade do erro (sendo este a ignorância ou falsa representação da realidade) exigida pela lei traduz-se numa incongruência que “há-de ser de tal modo evidente que não passe despercebida ao comum dos observadores, ao homem médio (...), ao observador na qualidade de magistrado, dotado de formação e experiência adequadas a um tribunal de recurso. Esse erro há-de ser evidente aos olhos dos que apreciam a decisão e seus destinatários, sem necessidade de argúcia excepcional (...)”[12],[13],[14].
Assim sendo, para que se possa afirmar a existência de erro notório na apreciação da prova por violação do princípio in dubio pro reo, terá de resultar de forma evidente do texto da sentença recorrida - por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, ou então dos juízos lógicos que possam ser efectuados sobre a factualidade em apreço, ou a prova documental plena que não haja sido atendida – que o tribunal, na dúvida (reconhecida ou que o devia ter sido e só não o foi devido ao erro), optou por decidir contra o arguido, “ou seja, quando seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção se chegar à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, ou quando a conclusão retirada pelo tribunal em matéria de prova se materialize numa decisão contra o arguido que não seja suportada de forma suficiente, de modo a não deixar dúvidas irremovíveis quanto ao seu sentido, pela prova em que assenta a convicção”[15].
Tendo sempre em atenção que o que está em causa não é uma qualquer dúvida subjectiva, mas sim uma dúvida razoável e insanável[16], acerca da culpabilidade do arguido ou do modo como os factos ocorreram, que seja objectivamente perceptível no contexto da decisão proferida, de modo a que seja racionalmente sindicável.
Um dos corolários do princípio da presunção de inocência é a proibição, no processo penal, da estatuição de presunções legais de culpa, que se traduzem na inversão do ónus da prova. Como já referimos, em processo penal, a incerteza sobre os factos resolve-se sempre a favor do arguido. Mas as presunções de culpa não se confundem com as presunções simples ou naturais[17] (admissíveis em processo penal, face ao disposto no art. 125º do C.P.P. e porque não são proibidas por lei), que consistem em raciocínios lógico-dedutivos, ou demonstrativos, que o julgador elabora, a partir da prova indiciária, para alcançar a verificação dos “factos juridicamente relevantes”[18].
O julgamento, na parte relativa à matéria de facto, visa determinar se os factos objecto de prova realmente ocorreram em determinado momento do passado. Porque os factos concretos, ancorados num determinado momento temporal, são irrepetíveis, dependendo a sua reconstituição histórica dos relatos de quem os vivenciou ou presenciou, dos documentos que os hajam registado ou de vestígios que tenham deixado, a tarefa do julgador consiste em apreciar os meios de prova disponíveis, capazes de demonstrar, permitir inferir ou infirmar a sua verificação, relacionando-os e aferindo da respectiva verosimilhança, de modo a alcançar uma certeza moral que, no caso afirmativo, resista a dúvidas consistentes e confira adequado suporte à decisão condenatória. “Como a maioria das acções puníveis, no momento do processo, apenas são apreensíveis pelo tribunal através de diferentes manifestações (ou efeitos) posteriores, são principalmente as regras da experiência e conclusões logicamente muito complexas que tornam possível a verificação dos factos”[19].
A demonstração da verdade dos factos juridicamente relevantes não se faz exclusivamente através da prova directa dos mesmos - que frequentemente não existe ou não se encontra disponível -, podendo igualmente alcançar-se através da prova indirecta ou indiciária[20], ou seja, da de factos “considerados em si mesmos irrelevantes, mas dos quais se pode, por raciocínio lógico, inferir a existência dos primeiros”. Com efeito, “o juízo valorativo do tribunal tanto pode assentar em prova directa do facto, como em prova indiciária da qual se infere o facto probando, não estando excluída a possibilidade do julgador, face à credibilidade que a prova lhe mereça e as circunstâncias do caso, valorar preferencialmente a prova indiciária, podendo esta só por si conduzir à sua convicção[21]. Mas, porque é mais difícil e, em regra, menos segura[22] que a prova directa, a prova indiciária requer que a sua apreciação se rodeie de cuidados acrescidos, impondo uma análise cuidadosa do valor probatório dos indícios (que, “de uma maneira geral, (…) correspondem às presunções naturais em matéria civil”[23]) e uma correlacionação entre todos os meios de prova disponíveis que permita afirmar com segurança o facto probando, com a exclusão de outras causas a que o(s) indício(s) também possa(m) ser atribuído(s).[24]
Como é comummente aceite, os dados indiciários com aptidão para sustentar a convicção da verificação do facto probando devem ser graves, precisos e concordantes[25],[26].
Em suma, “as presunções simples ou naturais são meios lógicos de apreciação das provas; são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto”[27]. “O que vale por dizer que as presunções naturais não violam o princípio in dubio pro reo. Este princípio é que constitui o limite daquelas.”[28]
Definidos os parâmetros dentro dos quais se há-de fazer a nossa apreciação sobre a forma como o tribunal recorrido valorou a prova produzida, tal como explicada na motivação da decisão de facto, vejamos agora se as razões da discordância do recorrente têm algum fundamento.
E a resposta, adiantamo-lo já, é claramente negativa.
Quer relativamente ao furto do cheque, cuja fotocópia se encontra a fls. 5, quer à da sua falsificação, conquanto não tenha sido produzida prova directa de ter sido o recorrente quem dele se apoderou contra a vontade do seu legítimo dono e o preencheu, manuscrevendo os dizeres que dele ficaram a constar – nenhuma testemunha o viu fazê-lo e o recorrente não prestou declarações -, os indícios são avassaladores, todos eles apontando claramente no sentido de ter sido ele quem o furtou e de tais dizeres serem da sua autoria, sem que tenha sido produzida qualquer prova que o contrariasse ou pusesse em dúvida: conforme referido pelo ofendido, o recorrente chegou a fazer trabalhos na sua oficina, onde ele guardava cheques e de onde o cheque em causa foi furtado, tendo chegado a vê-lo com cheques[29], o que demonstra que o recorrente sabia onde aquele título se encontrava e permite estabelecer uma “ponte” directa entre ele e o ofendido; inscrito no cheque, no lugar do tomador, consta o nome do recorrente, mais precisamente os seus primeiro e último nomes, que são exactamente aqueles que ele utiliza como assinatura, como se verifica pelas que constam do auto de constituição de arguido a fls. 31vº, do TIR a fls. 32, das certidões de notificação a fls. 75 e 123 e da procuração 110, sendo gritantes as semelhanças entre a caligrafia daquela inscrição e a de todas estas assinaturas; no verso do cheque, no lugar do endosso, logo após a assinatura de “B…”, que ostenta características idênticas às demais a que já aludimos, consta um nº de BI que corresponde integralmente ao do recorrente (cfr. fls. 23); conforme foi referido pelo ofendido, quando por ele confrontado com a situação do cheque, o recorrente admitiu ter-se apoderado dele e ter procedido ao seu preenchimento, tendo acompanhado o ofendido à esquadra da PSP (em 20/7/09) para ser lavrado o aditamento à participação, o auto de constituição de arguido e o TIR que constam de fls. 30-32, tendo-o feito sem dar qualquer demonstração de ter sido forçado ou ameaçado, como foi confirmado pela testemunha E…, agente da PSP que ali se encontrava de serviço.
A concatenação de toda esta prova indiciária e a sua leitura à luz das regras da experiência comum permite perfeitamente concluir que foi o recorrente o autor dos factos que lhe foram imputados e que vieram a ser considerados como provados. Aliás, outra explicação minimamente plausível não se vislumbra para a coincidência entre a caligrafia utilizada no cheque e os dados de identificação dele constantes e a caligrafia e o nº de BI do recorrente. Assim como também não se enxerga por que carga de água alguém, que não o recorrente, se iria lembrar de preencher à ordem dele um cheque alheio, sequer como teria conhecimento do seu nº de BI. E, não se suscitando dúvidas razoáveis acerca da autoria da falsificação, também a forma como o cheque chegou às mãos do recorrente só encontra explicação normal na prática por este do respectivo furto, sendo certo que ele dispunha de conhecimentos que lhe facilitavam a respectiva execução, conhecendo a oficina de onde foi retirado e sabendo exactamente o local onde ele se encontrava guardado. Dito de outra forma: à face da normalidade do acontecer, alguém que preenche a seu favor um cheque alheio, que se encontra na sua posse sem lhe ter sido entregue pelo respectivo titular, sem o conhecimento e contra a vontade deste, só se pode dele ter apoderado por alguma forma ilegítima. E nenhuma outra, que não o furto desse título, se vislumbra no caso.
Resulta, pois, claro que a consistência de todo este acervo probatório não convoca nenhuma dúvida razoável acerca da autoria dos factos e da culpabilidade do recorrente que devesse ter determinado a aplicação do princípio in dubio pro reo, e também nenhuma subsistiu na mente do julgador, como expressamente vem afirmado na motivação da decisão de facto
E nem se diga que o silêncio do recorrente foi indevidamente valorado. Se é certo que o exercício deste direito não o pode desfavorecer, também não o pode favorecer[30], pois a adopção dessa estratégia lícita de defesa implica a aceitação das consequências daí advenientes, ou seja, a valoração da prova produzida sem o contributo da sua versão dos factos que, eventualmente, a poderia infirmar, esclarecer ou pôr em dúvida.[31] Ou seja, não fornecendo explicações alternativas, calando-se, o recorrente aceita que a prova produzida seja interpretada e valorada num quadro de normalidade, não sendo obviamente exigível que o tribunal pondere todas as hipóteses teorica mas muito remotamente possíveis, para as quais aquela não aponta minimamente. Vão neste sentido as considerações expendidas a propósito do silêncio do recorrente na motivação da decisão recorrida, sendo bem evidente que não foi desse silêncio, mas sim da leitura do conjunto da prova indiciária produzida, que se chegou à conclusão de que os factos foram por ele praticados.
Concluindo, dir-se-á que a prova produzida, toda ela permitida, suporta perfeitamente a decisão da matéria de facto, sem que se detecte qualquer incorrecção na respectiva valoração ou a violação de qualquer princípio, mormente os invocados pelo recorrente.
Assim, e porque, em face da factualidade definitivamente assente, a conduta praticada pelo recorrente preenche integralmente a previsão típica dos crimes de falsificação e de furto pelos quais foi condenado, nenhuma incorrecção tendo sido apontada no tocante às penas que foram fixadas que, aliás, se mostram adequadas e justas consideradas as circunstâncias que no caso se verificam e a que a lei manda dar relevo, inexiste fundamento para que se proceda a qualquer alteração aos termos da decisão condenatória, improcedendo o recurso na sua totalidade.
4. Decisão
Por todo o exposto, julgam improcedente o recurso e mantêm integralmente a decisão recorrida.
Vai o recorrente condenado a pagar 5 UC de taxa de justiça, levando-se em conta o decidido quanto ao apoio judiciário.
Porto, 30 de Maio de 2012
Maria Leonor de Campos Vasconcelos Esteves
Vasco Rui Gonçalves Pinhão Martins de Freitas
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[1] (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada).
[2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95.
[3] Assim, v.g. Ac. RE 6/2/07, proc. nº 2736/06-1, de cujo sumário destacamos o seguinte segmento:
“I. – Não pode considerar-se documento para efeitos jurídico-penais (art. 255º do C.Penal) a fotocópia simples (quer de documento autêntico, quer particular), cuja conformidade com o original não se encontre certificada ou atestada.
II. – O crime de falsificação de documento previsto e punido pelo art. 256º do C. Penal não se reporta a qualquer declaração, mas apenas à falsificação de declaração idónea a provar facto juridicamente relevante.”
[4] Nas palavras de Enrique Bacigalupo, retiradas da obra “Documentos electronicos y delitos de falsedad documental” e citadas no Ac. STJ 20/12/06, proc. nº 06P3663: “Do ponto de vista processual (…), de qualquer forma, a fotocópia de um documento constitui uma prova válida da existência do documento. Para tanto a fotocópia de um documento falsificado faz prova da falsificação do mesmo ou seja do documento falsificado (…)”
[5] Que implica que, em regra e ressalvados os casos excepcionais previstos na lei, a prova não tem um valor legal, pré-determinado; ao invés, “o julgador tem a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos submetidos a julgamento com base apenas no juízo que se fundamenta no mérito objectivamente concreto desse caso, na sua individualidade histórica, tal como ele foi exposto e adquirido representativamente no processo (pelas alegações, respostas e meios de prova utilizados, etc.)” cfr. Germano Marques da Silva, ob. cit. I, pág. 85.
[6] As regras da experiência são “definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.” - cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “Curso de Processo Penal”, vol. II , pág. 300.
[7] Do sumário doAc. STJ 12/3/09, proc. nº 09P0395, e para aqui com interesse:
“XVII - Como refere Jaime Torres (Presunción de Inocencia y Prueba en el Proceso Penal, pág. 65), importa distinguir dois tipos diferentes de regras de experiência: as de conhecimento geral ou, dito por outra forma, as regras gerais empíricas cujo conhecimento se pressupõe existente em qualquer pessoa que tenha um determinado nível de formação geral e, por outro lado, as máximas de experiência especializada cujo conhecimento só se pode supor em sujeitos que tenham uma formação especifica num determinado ramo de ciência, técnica ou arte.
XVIII - O juiz pode utilizar livremente, sem necessidade de prova sobre elas, as regras de experiência cujo conhecimento se pode supor numa pessoa com a sua formação (concretamente formação universitária no campo das ciências sociais). O próprio ordenamento jurídico parte da liberdade do juiz para utilizar estas máximas da experiência de conhecimento geral, sem que as mesmas se inscrevam no processo através da produção de prova.
XIX - As razões que fundamentam a liberdade do juiz para a utilização dos seus conhecimentos de máxima da experiência são as mesmas que impõem a desnecessidade de fixação de factos notórios. Em qualquer um destes casos o que se pede ao juiz é que utilize os seus conhecimentos sobre máximas da experiência comum sem que importe a forma como os adquiriu.
XX - O princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial, se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno.”
[8] Que “não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica” cfr. CPP de Maia Gonçalves, 12ª ed., pág. 339.
[9] cfr. Germano Marques da Silva, ob. cit., t. II, p. 108.
[10] cfr. “Constituição Portuguesa Anotada” de Jorge Miranda – Rui Medeiros, t. I, pág.356.
[11] cfr. Ac. STJ 12/7/05, proc. nº 05P2315.
[12] cfr. Tolda Pinto, A Tramitação Processual Penal, 2ª ed., págs. 1036 ss.
[13] “O conceito de erro notório na apreciação das provas tem que ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja, de que todos se apercebem directamente, ou que, observados pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório” ( Ac. STJ de 6/4/1994, CJ, ano II, t.2, p. 186 ).
[14] Menos exigente ainda é a corrente representada pelo Ac. STJ 30/1/02 Proc. n.º 3264/01 - 3.ª Secção, ("http://www.stj.pt/nsrepo/cont/Anuais/Criminais/Criminais2002.pdf" ) , segundo o qual “para que se verifique o requisito da notoriedade do vício não é indispensável que o erro não passe despercebido ao comum dos observadores, isto é, que seja por eles facilmente apreensível. Atentos os fins judiciários visados com a previsão do vício e a regulação dos seus efeitos, a sua evidência deve ser aferida por referência à possibilidade de não passar despercebido, de ser facilmente detectável, por julgador com a preparação e a experiência pressupostas pelo exercício da função. Aquela visão de maior exigência para a verificação do vício - resultante de se referenciar a sua evidência à possibilidade da sua fácil percepção pela pessoa comum - diminuiria injustificadamente o efeito pretendido com a previsão do seu conhecimento, mesmo oficiosamente; efeito esse radicado no objectivo de evitar tanto quanto possível decisões de facto não consentâneas com a prova produzida, de forma a limitar o risco de decisões injustas.”
[15] cfr. Ac. STJ 7/4/10, proc. nº 2792/05.1TDLSB.L1.S1.
[16] O princípio “in dubio pro reo” só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”(Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615) .
[17] A distinção entre umas e outras fá-la em termos claros Cavaleiro de Ferreira, ob. cit, a págs. 314: Enquanto que as presunções naturais “são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo”, as presunções legais “já não têm a função de encaminhar o raciocínio do julgador para uma convicção, uma certeza. Actuam sem a convicção, ou contra a convicção do julgador. (…) não são um instrumento lógico de apreciação da prova pelo julgador.(…) O julgador, em obediência a uma presunção legal, terá de dar como provado, mas então de harmonia com as regras da apreciação da prova, não o facto presumido, mas o equivalente desse facto, base da presunção. A equiparação dos dois factos, porém, não é uma operação racional do julgador, mas obediência a um imperativo legal.”
[18] “Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão.
Relevantes neste ponto, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.
A noção de presunção (noção geral, prestável como definição do meio ou processo lógico de aquisição de factos, e por isso válida também, no processo penal) consta do artigo 349º do Código Civil: «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido».
Importam, neste âmbito, as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido.
As presunções naturais são, afinal, o produto das regras de experiência; o juiz, valendo-se de um certo facto e das regras da experiência, conclui que esse facto denuncia a existência de outro facto. «Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência [ou de uma prova de primeira aparência». (cfr, v. g., Vaz Serra, "Direito Probatório Material", BMJ, n° 112 pág, 190).” cfr. Ac. STJ 07-01-2004, proc. 03P3213.
[19] Karl Engisch, Introdução ao Pensamento Jurídico, pág. 87.
[20] No primeiro caso, “a prova incide imediatamente sobre os factos probandos, sobre o tema da prova”; no segundo, “a prova incide sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com auxílio de regras da experiência, uma ilacção quanto a este” cfr. Cavaleiro de Ferreira, ob. cit., II, pág. 288.
[21] cfr. Ac. STJ 5/7/07, proc. nº 07P2279.
[22] A prova indiciária “consente graves erros. Efectivamente, a verdade final, a convicção, terá que se obter através de conclusões baseadas em raciocínios, e não directamente verificadas; a conclusão funda-se no juízo de relacionação normal entre o indício e o facto probando. O carácter falível destes raciocínios de relacionação entre dois factos revela o evidente perigo de erro, ou a relativa fragilidade da prova em si mesma” – cfr. Cavaleiro de Ferreira, ob. cit., II, pág. 291.
[23] Idem, ibidem, pág. 289.
[24] Como salienta, Cavaleiro de Ferreira, ob. cit., págs. 290-291, “O valor probatório dos indícios é (…) extremamente variável. Um início revela, com tanto mais segurança, o facto probando, quanto menos consinta a ilacção de factos diferentes. Quando um facto, como efeito, não possa ser atribuído senão a uma causa – facto indiciante -, o indício diz-se necessário, e o seu valor probatório aproxima-se do da prova directa. Quando o facto pode ser atribuído a várias causas, a prova dum facto que constitui uma destas causas prováveis é também somente um indício provável ou possível. Para dar consistência à prova, será necessário afastar toda a espécie de condicionamento possível do facto probando menos uma. A prova só se obterá, assim, excluindo, por meio de provas complementares, hipóteses eventuais e divergentes, conciliáveis com a existência do facto indiciante. Por meio destas investigações se poderá transformar a mera possibilidade que o indício então revela, em necessidade.
E não somente varia o valor probatório de cada indício. Nem sempre, ou melhor, poucas vezes, se alcança através dum só indício a necessidade duma inferência conclusiva, quer porque a existência do indício não exclui hipóteses contrárias também possíveis, quer porque a sua transformação em indício necessário mediante prova negativa destoutras hipóteses se não antolha viável.
Pode, no entanto, alcançar-se um maior valor probatório da prova indiciária pela reunião de vários indícios. A pluralidade de indícios, entre si relacionados, dá lugar a uma prova indiciária complexa, que no seu conjunto determina maior segurança quanto à ilacção do facto a provar, embora cada um dos indícios, isoladamente, não revista as características de indício necessário.”
[25] Veja-se este trecho do Ac. STJ 7/1/04, supra cit., bem elucidativoacerca das regras que presidem ao funcionamento das presunções:
“Em formulação doutrinariamente bem marcada e soldada pelo tempo, as presunções devem ser «graves, precisas e concordantes». «São graves, quando as relações do facto desconhecido com o facto conhecido são tais, que a existência de um estabelece, por indução necessária, a existência do outro. São precisas, quando as induções, resultando do facto conhecido, tendem a estabelecer, directa e particularmente, o facto desconhecido e contestado. São concordantes, quando, tendo todas uma origem comum ou diferente, tendem, pelo conjunto e harmonia, a firmar o facto que se quer provar» (cfr. Carlos Maluf, "As Presunções na Teoria da Prova", in "Revista da Faculdade de Direito", Universidade de São Paulo, volume LXXIX, pág. 207).
A presunção permite, deste modo, que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerum que accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.
A consequência tem de ser credível; se o facto base ou pressuposto não é seguro, ou a relação entre o indício e o facto adquirido é demasiado longínqua, existe um vício de raciocínio que inutiliza a presunção (cfr. Vaz Serra, ibidem).
Deste modo, na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.
A presunção intervém, assim, quando as máximas da experiência da vida e das coisas, baseadas também nos conhecimentos retirados da observação empírica dos factos, permitem afirmar que certo facto é a consequência típica de outro ou outros.
A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência experimental típica determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões.”
[26] Como se refere no Ac. RC 11/5/05, proc. nº 1056/05, “a prova indiciária deverá obedecer, em princípio, aos seguintes requisitos:
- Existência de uma pluralidade de dados indiciários plenamente provados ou absolutamente credíveis;
- Racionalidade da inferência obtida, de maneira que o facto “consequência” resulte de forma natural e lógica dos factos-base, segundo um processo dedutivo, baseado na lógica e nas regras da experiência (recto critério humano e correcto raciocínio).”
[27] cfr. Cavaleiro de Ferreira, ob. cit., II, pág. 315.
[28] cfr., entre outros os Acs. STJ 11/11/04, proc. nº 04P3182, e 5/7/07, acima cit.
[29] Refira-se, a latere, que o recorrente mencionou que, entre os cheques que guardava na oficina, se encontravam dois que havia assinado e posteriormente inutilizado, o que terá permitido a imitação da sua assinatura no cheque em causa nos autos, com semelhança tal que, não se tivesse dado o caso de se ter apercebido da sua falta e ter comunicado o respectivo extravio ao Banco, esta instituição teria procedido ao seu pagamento.
[30] “Sendo certo que a falta de assumpção dos factos cometidos e consequentemente a ausência de qualquer arrependimento não pode, atentos os princípios da legalidade e da presunção de inocência, ser valorada contra o arguido, pois este nem sequer é obrigado a falar sobre os factos que lhe são imputados, sem que o seu silêncio o possa desfavorecer - acórdão de 21-03-2007, processo 790/07-3ª - a verdade é que tal comportamento processual não pode reverter em seu favor, como se o silêncio tivesse a virtualidade de alcançar benefício idêntico ou semelhante à assunção do acto praticado, o que manifestamente não pode ocorrer.
Como se pode ler no acórdão de 21-02-2006, processo 260/06-5ª, o silêncio, sendo um direito do arguido, não pode prejudicá-lo, mas também dele não pode colher benefícios. Se o arguido prescinde, com o seu silêncio, de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem conhecimento pessoal, não pode, depois, pretender que foi prejudicado pelo seu silêncio.
No acórdão de 15-02-2007, processo 15/07-5ª, diz-se: “É certo que a circunstância de o arguido em julgamento se haver remetido ao silêncio não pode ser valorada em seu desfavor, na certeza de que o fez no exercício de um direito - art. 343º, nº 1 do CPP. Mas, como vem alertando o STJ, a opção pelo silêncio pode ter consequências, que não passam pela sua valorização indevida”, citando-se neste aresto vários outros, como os de 30-10-1996, processo 59/96, de 24-10-2001, processo 2762/01-3ª, de 10-03-2004, processo 258/04-3ª, de 20-10-2005, processo 2939/05-5ª, de 14-06-2006, processo 2175/06-5ª, de 14-07-2006, processo 3163/06-5ª (ao não falar o arguido prescinde de poder gozar de circunstâncias atenuantes de relevo, como sejam a confissão e ao arrependimento), dando –se conta no mesmo aresto do que lembra o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, tendo presente o artigo 6º da CEDH e a propósito do silêncio e das presunções judiciais: “3. As presunções legais (de culpa) e o juízo que se faça do silêncio do arguido não são, em regra e só por si, incompatíveis com a presunção de inocência, não sendo absolutamente interdito que os tribunais nacionais possam inferir uma conclusão do silêncio do arguido, mas tais deduções só serão admissíveis quando a prova reunida é de tal modo concludente que do silêncio do arguido, quando com ela confrontado, apenas se pode inferir que a não pode negar”. – cfr. Ac. STJ 20/2/08, proc. nº 08P295, sendo nossos os sublinhados.
[31] “Um arguido que mantém o silêncio em audiência, não pode ser prejudicado, pois não é obrigado a colaborar e goza da presunção de inocência, mas prescinde assim de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tem um conhecimento pessoal. Daí que quando tal suceda não possa pretender que foi prejudicado pelo seu silencia”. cfr. Ac. STJ 20-10-2005, proc. nº 05P2939.