1. O contrato de agência é regulado pelo DL nº 178/96 de 3 de Julho, alterado pelo DL nº 118/93 de 13 de Abril, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva Comunitária 86/653/CEE do Conselho de 18/12/86 ( cfr. respectivo preâmbulo)
2 - O actual art. 1º nº1 do citado diploma caracteriza o contrato de agência como “ o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável mediante retribuição, podendo ser-lhe ser atribuída certa zona ou determinado número de clientes”
3 - No capítulo da indemnização rege o art. 32 do citado Decreto Lei que, no seu nº1 estipula: Independentemente do direito de resolver o contrato, qualquer das partes tem o direito de ser indemnizadas, nos termos gerais, pelos danos resultantes do não cumprimento das obrigações da outra
4 - Ou seja, o contrato prevê a indemnização nos termos gerais para os danos resultantes do incumprimento das obrigações
5 - O art. 810 nº1 do C Civil permite às partes fixar por acordo o montante da indemnização exigível .
6 - Resultando, no entanto, provado sob os nºs 17 -A e 17-B, segundo os quais “ as cláusulas constantes do documento referido em B) e dos aditamento em D) E) e F) foram pré- estabelecidos pela autora, sem possibilitar às rés de interferirem no conteúdo das referidas cláusulas e fazendo também o confronto como próprio regime das cláusulas gerais do citado Decreto Lei , resulta que o contrato em apreço ao estipular as apontadas cláusulas sem acordar e sem possibilitar às RR, explicar o seu conteúdo, viola de forma ostensiva os arts. 5º (dever de comunicação) e 6º (dever de informação) do citado DL nº 446/85 de 25/10.
8 - E nessa medida e no que toca à estipulação da apontada cláusula penal inerida na cláusula nº11, a mesma além de não ter sido acordada com as RR, também não lhes foi explicada, o que implica a não consideração da mesma.
I - Relatório
AA - Consultores Financeiros, Ldª intentou a presente acção com processo ordinário contra BB - Consultores Financeiros Unipessoal, Lda e CC com base na violação de um contrato de agência celebrado entre as partes, pedindo a condenação solidárias das RR no pagamento da quantia de e 20.000,00, valor este que viria a ser ampliado para a quantia de 30.000,00, acrescido de juros á taxa legal desde a citação até integral pagamento.
As RR apresentaram contestação e deduziram reconvenção concluindo pela improcedência da acção e pela procedência do pedido reconvencional no montante de € 78.000,00, acrescida dos juros legais a contar da citação.
A autora apresentou réplica onde conclui como na petição inicial e entendem deverem ser julgadas não provadas e improcedentes as excepções deduzidas.
As RR responderam com tréplica pugnando pela procedência do pedido reconvencional.
Foi admitida a ampliação do pedido e organizados os factos assentes e base instrutória.
Procedeu-se a julgamento e decidida a matéria de facto, foi proferida sentença que decidiu julgar a acção improcedente e absolver as RR do pedido tendo igualmente sido julgado improcedente o pedido reconvencional.
A A não se conformou com esta decisão e interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.
Por seu turno as RR interpuseram recurso subordinado, que foi admitido nos termos constantes de fls. 476.
Seguiu-se o Acórdão da Relação que negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida (fls. 532 e sgs.).
Deste Acórdão a A interpôs recurso de revista para este Supremo que, pelo Acórdão inserido a fls.602 a 614, ordenou a remessa dos autos ao tribunal recorrido de forma a ser ampliada a matéria de facto e proceder a novo julgamento.
Na sequência os autos baixaram à 1ª instância onde foram aditados novos quesitos à base instrutória e procedeu-se a novo julgamento e decidida a matéria de facto, foi proferida nova sentença que igualmente julgou a acção improcedente e absolveu as RR do pedido tendo sido também julgada improcedente a reconvenção.
Inconformada com esta decisão novamente a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães.
Também as RR interpuseram recurso subordinado (fls.729), o qual foi admitido a fls. 731 e julgado deserto nos termos do despacho de fls. 805.
Seguiu-se novo Acórdão da Relação de Guimarães inserido a fls. 806 a 825 que, anulou parcialmente o julgamento e actos subsequentes, determinando a sua repetição, não abrangendo a repetição do julgamento a parte da decisão que não esteja viciada, podendo , no entanto, o tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos de matéria de facto com o fim exclusivo de evitar contradição na decisão.
Baixaram os autos novamente à 1ª instância que, depois de realizar julgamento, proferiu nova sentença julgando novamente a acção e reconvenção improcedentes.
Inconformada a autora interpôs recurso de apelação para a Relação que, pelo Acórdão de fls. 908 a 926, julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença recorrida.
Inconformada a autora interpôs novo recurso de revista para este Supremo
Formula as seguintes conclusões:
- DA NULIDADE DO DOUTO ACÓRDÃO PROFERIDO:
1. De uma simples leitura do douto acórdão recorrido, salta à evidência que a decisão proferida não teve em consideração toda a factualidade definitivamente considerada provada, designadamente aquela ínsita no quesito 12° da base instrutória, e cuja redacção se passa a recordar:
"Antes da celebração do contrato supra enunciado, e respectivos aditamentos, a Autora informou ambas as Rés do seu teor e respectivo alcance".
2. Com efeito, o douto acórdão aqui posto em crise, no elenco da factualidade provada, é completamente omisso quanto aos factos contidos no quesito 12°.
3. Sendo que, consequentemente, também não considera tais factos como suporte da decisão sobre o mérito.
4. Uma vez que a questão de mérito aqui em apreço contende tão somente com a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais ao contrato de agência celebrado entre as partes, a inclusão na factualidade provada dos factos vertidos no quesito 12°, face à sua relevância, determinaria, sem margem para dúvidas, a prolação de uma decisão sobre o mérito da causa substancialmente diferente.
5. Na verdade, a serem devidamente considerados tais factos, temos que a solução de direito conferida nos presentes autos, e nomeadamente no que diz respeito ao cumprimento do dever de informação previsto no art. 6º n.° 1 do DL 446/86 e, por conseguinte, à apreciação da validade das cláusulas aqui em apreço, poderia ser diametralmente oposta àquela vertida no douto acórdão recorrido.
6. Face ao exposto, urge concluir que o douto acórdão ora posto em crise padece de uma séria enfermidade pois não contempla a matéria e facto definitivamente assente quanto à resposta conferida ao quesito 12° da base instrutória.
7. Omissão essa de tal forma grave que determinou uma errada decisão sobre o mérito da causa.
8. O douto acórdão recorrido padece, assim, de nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 615° n.° 1 al d) e 195° n.° 1 ambos do Cód. Proc. Civil.
9. O que se deixa alegado, para todos os devidos efeitos legais.
SEM PRESCINDIR:
DA DESADEQUADA APLICAÇÃO DO ART 19° O DO DL 446/85:
10. Sem nunca prescindir ao antecedentemente alegado, urge ainda referir que a recorrente não se conforma com a decisão proferida, entendendo que a mesma advém de errada apreciação da factualidade e consequente desadequada aplicação do direito, concretamente do disposto no art. 19° do Dl 446/85, de 25 de Outubro.
11. É consensual que o contrato celebrado entre as partes, e cuja cessação constitui a causa de pedir nos presentes autos, subsume-se ao tipificado contrato de agência, cujo regime jurídico se encontra regulado nos termos do disposto no Decreto-Lei n.° 118/93, de 13 de Abril, e com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 178/98, de 03 de Junho
12. Ora, a vexata queastio que ainda se coloca nos presentes autos e que resta dirimir é precisamente a da validade da sobredita Clausula 11a do contrato de agência, à luz do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
13. Decorre inequivocamente dos presentes autos que a recorrente não inobservou o dever de comunicação e informação que sobre si impendia, em cabal cumprimento do disposto nos arts.5°e 6°doDL446/85.
14. Sendo certo que, tal como aliás se salienta no Douto Acórdão já proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça nos presentes autos, o cabal cumprimento deste ónus de informação e comunicação que impende sobre a recorrente não é de todo indiferente para a aplicação do regime das cláusulas contratuais gerais.
15. Salvo o devido respeito por diverso entendimento, estamos em crer que, na douta decisão ora posta em crise não se atendeu às específicas circunstâncias do contrato em causa nos presentes autos, nem à efectiva qualidade das partes contratantes.
16. Pois bem, quando numa relação contratual que caia no âmbito dos contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais, está contraposto um contratante em massa e um normal consumidor, fará todo o sentido que sobre o primeiro, o designado proponente, impenda um especial dever de comunicação e informação acerca das cláusulas do contrato.
17. No entanto, isso não acontece na relação contratual subjudice.
18. É que as partes aqui em causa detêm igual qualidade, ou seja, ambos os contratantes são empresas que se dedicam à actividade de consultoria financeira.
19. A Ré CC, sócia gerente da R. sociedade, é uma empresária.
20. Atendendo aos circunstancialismo inerente à celebração do contrato de agencia em apreço nos autos, a R. CC e, em consequência, a R. sociedade, não podem merecer o mesmo procedimento pré-contratual do que o cidadão comum, e para efeitos de aplicação do regime legal imposto pelo DL 446/85.
21. Ou seja, no caso concreto, para se considerar suficientemente cumprido o dever de comunicação e informação nada mais se exigia à recorrente que facultasse à recorrida CC a minuta do contrato momentos antes da sua assinatura.
22. A um contratante nas específicas condições da recorrida bastava leitura da proposta de contrato, momentos antes da sua outorga, para ficar devidamente esclarecida acerca do seu conteúdo e alcance e, portanto, para se considerar devidamente cumprido, por parte da recorrente, os deveres de comunicação e informação plasmados nos arts. 5º e 6º do diploma regulador das cláusulas contratuais gerais.
23. É à luz deste circunstancialismo que urge interpretar as cláusulas do contrato do contrato de agência aqui em causa.
24. Tal como já se referiu supra, considerou o Meritíssimo Tribunal "a quo" que a cláusula 11a n.° 2 e 3 do contrato era uma cláusula proibida, à luz do vertido no art. 19° ai c) do DL 446/85, na medida em que apresenta cláusulas penais com montantes desproporcionados, e considerou-a nula.
25. Sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, andou mal o Meritíssimo Tribunal "a quo" ao consignar tal entendimento.
26. Na verdade, urge salientar que as cláusulas penais acordadas contemplam montantes perfeitamente adequados à expectativa jurídica da Apelante, à expectativa que esta tinha na duração do contrato durante, pelo menos, os 5 anos acordados.
27. Entendeu-se no douto acórdão recorrido que para a aferição desta desproporção não bastaria atender ao volume de remuneração da 1a Ré, mas que seria necessário aquilatar os concretos danos que a apelante teve com a cessação do contrato.
28. Mais referindo, neste conspecto, que os danos a considerar para infirmar a aplicabilidade do art. 19° al c) do DL 446/85 poderiam ter sido facilmente alegados e provados pela apelante e não o foram.
29. Ora, foi precisamente para evitar a necessidade de prova destes danos que as partes fixaram no contrato estas cláusulas penais.
30. No entanto, andou mal o Meritíssimo Tribunal "a quo" ao entender que seria a ora recorrente, enquanto A. que teria de demonstrar o valor do dano em apreço.
31. Na verdade, pretendendo as RR. prevalecer-se da desproporção entre o valor destas clausulas penais e o do dano causado à A. com a cessação unilateral do contrato, sempre se lhes impunha, de acordo com as regras do ónus da prova e tratando-se de matéria de excepção, provar os factos dos quais se possa inferir essa desproporção.
32. Factos esses que, sempre com o devido respeito, inexistem nos presentes autos.
33. Na verdade, do elenco dos factos provados não pode simplesmente concluir-se pela existência de uma realidade fáctica da qual se possa concluir, sem margem para duvidas, pela desproporção das clausulas aqui subjudice.
34. Isto porque para se aferir da desproporcionalidade dos ditos valores contidos nas cláusulas penais, sempre seria impreterível fazer-se uma ponderação entre tal valor e o dano.
35. Ponderação essa que, atenta a factualidade provada, não é de todo possível realizar.
36. E ainda que assim não se entenda, se se considerar o montante de facturação da R. sociedade - recorde-se que ficou demonstrado que no ano de 2006, a R. sociedade teve um volume de remuneração de Euro 60.985,25, correspondente, grosso modo, a 1% de comissão sobre o montante de escrituração por si angariado - facilmente concluímos que os valores convencionados no contrato para incumprimento do período de aviso prévio em caso de cessação antecipada do contrato e bem assim, a indemnização pré-estabelecida para cada ano contratual que ficasse por cumprir, não se afiguram minimamente desproporcionados.
37. Na verdade, ponderados os interesses em jogo, e atendendo ao valores de remuneração e facturação supra referidos, temos que em face das circunstâncias típicas e o normal curso das coisas, o dano decorrente para a recorrente da cessação unilateral e injustificada do contrato por parte das recorridas (perda de facturação) seria substancialmente superior ao valor da indemnização que, por via das clausulas penais, as partes entenderam fixar.
38. Por outro lado, cumpre ainda destacar que sobre estas mesmas clausulas insertas no contrato de agência e numa situação fáctica muito semelhante à dos autos, pronunciou-se já o Meritíssimo Tribunal da Relação do Porto, mediante Acórdão de 13/07/2012, no âmbito do Processo n.° 3843/07.0TVPRT.P1, citado no corpo das presentes alegações e que, por facilidade se junta em anexo2
39. Corroborando o douto entendimento supra vertido, urge concluir que as cláusulas penais contidas no contrato de agência em apreço (Cláusula 11 a n.° 2 e 3) deverão ter-se por proporcionais e perfeitamente válidas, e ao contrário do doutamente consignado na douta decisão recorrida.
40. Não tem, pois, aplicação nos presente autos o art. 19° al c) do DL 446/85.
41. O douto acórdão proferido operou, pois, uma errada subsunção jurídica dos factos, incorrendo em desadequada aplicação da lei, violando, entre o demais, o disposto nos arts. 405°, 810°, 762° e 798° todos do Cód. Civil e 19 ai c) do DL 446/85.
42. Por esse motivo deverá ser revogado e substituído por outro que, julgando válidas tais cláusulas, julgue o pedido formulado pela A., ora recorrente, procedente por provado, condenando as recorridas a liquidar-lhe a indemnização de Euro 5.000,00 determinada pelo incumprimento do período de aviso prévio para o caso de cessação antecipada do contrato e bem assim, a indemnização de Euro 5.000,00 por cada ano do contrato que ficou por cumprir.
43.O que se deixa alegado, para todos os devidos efeitos legais.
Mais nos permitimos juntar aos autos cópia do Citado Acórdão, atenta a dificuldade manifestada no Douto Acórdão proferido em encontrar tal aresto (Doc n. ° 1)
Termos em que deverá ser concedido provimento ao recurso e revogada a douta decisão recorrida.
Não foram apresentadas contra- alegações.
Colhidos os vistos cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação:
Factos provados:
A) Na 1ª instância foi considerada como provada a seguinte matéria de facto:
A) A autora é uma sociedade comercial constituída em 15 de Outubro de 2003, e que se dedica à consultadoria financeira, recrutamento e gestão de recursos humanos, formação profissional, mediação comercial, serviços de publicidade e marketing.
B) Por escrito particular outorgado em 24 de agosto de 2005, a autora celebrou com a 1ª ré um contrato através do qual “a primeira nomeou e reconheceu a segunda como sua agente, encarregando-a de promover, de modo autónomo e independente, a celebração de contratos no âmbito da atividade por si desenvolvida”.
C) A autora obrigou-se a pagar à 1ª ré, até ao dia 15 de cada mês, uma comissão de montante variável em função dos contratos por ela angariados durante o mês imediatamente anterior.
D) Por escrito particular outorgado em 7 de outubro de 2005, a autora celebrou com a 1ª ré um aditamento ao contrato de agência, através do qual foi acrescentado o Ponto 1.7 ao número 1 da cláusula quinta.
E) Por escrito particular outorgado em 2 de junho de 2006, a autora celebrou com a 1ª ré novo aditamento ao contrato de agência, mediante o qual foram introduzidas alterações às formas de cálculo das comissões a pagar pela primeira à segunda, e que resultaram na sua ampliação.
F) Por escrito particular outorgado em 3 de outubro de 2006, a autora celebrou com a 1ª ré aditamento ao contrato de agência, procedendo-se a nova alteração das formas de cálculo das comissões a pagar pela primeira à segunda, que resultaram na sua ampliação.
H) Em 19 de março de 2007, as rés tomaram a iniciativa de fazer cessar, unilateralmente, o contrato de agência celebrado com a autora.
I) A autora obriga todos os seus agentes a adquirirem todo o mobiliário a empresas por si previamente definidas, tendo a autora imposto à ré que todo o mobiliário do escritório fosse adquirido à “DD”, com os quais a autora negociava previamente os preços e condições de pagamento.
J) Em janeiro de 2007, e face às queixas de perdas financeiras de quase todos os seus agentes, é apresentado pela autora o plano de contratação de “subagentes”.
1º No âmbito do contrato referido em B), a 1ª ré obrigou-se a exercer a atividade de agente exclusivamente ao serviço da autora.
2º Pela cláusula décima segunda do mesmo contrato, a 1ª ré obrigou-se a pagar, no ato, à autora, “a quantia de €8.000,00, acrescida de IVA à taxa legal em vigor, relativamente à qual não será devido qualquer reembolso em caso de cessação, por qualquer forma, do presente contrato”.
3º Autora e 1ª ré acordaram que “a escolha do escritório, bem como a aquisição e custos do equipamento necessário para o normal funcionamento do mesmo” era da responsabilidade da 1ª ré, sendo necessário que a autora desse a sua aprovação.
4º Autora e 1ª ré acordaram que esta teria acesso à base de dados daquela, “ficando responsável pela respetiva utilização, por si e por todos os seus trabalhadores ou colaboradores, zelando pela máxima confidencialidade de toda a informação nela existente”.
5º No âmbito do mesmo contrato, era obrigação da 1ª ré “recrutar todo o pessoal necessário para o desenvolvimento da respetiva atividade, designadamente Gestores de Recursos Humanos, Gestores de Clientes, Consultores e Rececionistas”.
6º Ainda pelo mesmo contrato, eram obrigações da 1ª ré “seguir e cumprir fielmente as normas, metodologias e orientações estratégicas definidas” pela autora “quer no relacionamento com os clientes, quer no relacionamento com as Instituições de Crédito ou Financeiras, quer no respetivo modelo de funcionamento e atuação de Gestores de Recursos Humanos, de Gestores de Clientes, de Consultores e de Rececionistas”, e “comparecer às reuniões marcadas” pela autora, “salvo motivo devidamente justificado”.
7º O contrato foi celebrado pelo prazo inicial de 5 anos, com a possibilidade de renovação sucessiva por iguais períodos.
8º Nos termos do mesmo contrato, a 1ª ré, querendo rescindi-lo, teria de comunicar à autora a sua intenção, “cumprindo um prazo mínimo de aviso prévio de 180 dias em relação à data que prevê de rescisão, ficando obrigado a indemnizar” a autora “a título de cláusula penal, no valor resultante da aplicação de fórmula (5.000,00 € x N.º de anos que lhe falta cumprir do contrato) ”.
9º Na falta de cumprimento do prazo de aviso prévio referido na resposta ao quesito anterior, o contrato previa, de forma cumulativa, a obrigação do agente de indemnizar a autora em €5.000,00.
10º Nos termos da cláusula oitava, nº 5, do contrato, “em caso de violação do compromisso de exclusividade previsto nesta cláusula, o agente fica obrigado a indemnizar” a autora, “a título de cláusula penal e, simultaneamente, por força da formação e know-how recebidos, em montante não inferior a 30.000,00€”.
11º Por escrito particular outorgado a 1 de Junho de 2006, em que foram intervenientes a autora, a 1ª ré e a 2ª ré, esta “declara que tomou conhecimento e aceita que”, relativamente ao contrato referido em B) e nas respostas aos quesitos 1º a 10º, “se mantêm em vigor, para si, individualmente, a totalidade das obrigações e sanções consagradas no referido contrato”, e “na qualidade de sócio e gerente” da 1ª ré, a 2ª ré “declara que assume o compromisso de não ceder as respetivas quotas ou por qualquer forma alienar a terceiros ou onerar o estabelecimento” de que a 1ª ré “é titular sem autorização expressa” da autora, sob pena de ficarem ambas as rés “solidariamente obrigadas a pagar” à autora “a totalidade das indemnizações consagradas no referido contrato”.
12º- A - Antes da celebração do acordo referido em B), a autora deu conhecimento à 1ª ré de que a sua estratégia de desenvolvimento e expansão passava pela abertura de uma agência em cada capital de distrito, e também noutras cidades mais populosas.
15º - As rés comunicaram à autora a cessação do contrato, conferindo uma antecedência de um mês relativamente à produção dos respetivos efeitos.
16º - Antes da assinatura do contrato aludido em B), foi prometido pela autora à 1ª ré que o valor gasto no direito de entrada e no mobiliário e equipamento seriam recuperados em seis meses de atividade, que o escritório de cada agente teria um volume de negócios mensal de €1.500.000,00, com comissões, no mesmo período, de €15.000,00, e que o resultado líquido de cada agente seria de cerca de €10.000,00 por mês.
17º - A autora já sabia que jamais seria possível tal rentabilidade.
17º- A, 17º-B - As cláusulas constantes do documento referido em B) e dos aditamentos referidos em D), E) e F) foram pré-estabelecidas pela autora, sem possibilitar às rés de interferirem no conteúdo das referidas cláusulas.
17º- C - As rés limitavam-se a aceitar, ou não, tais cláusulas.
17º- E - O documento referido em B) apenas foi apresentado à 1ª ré na data da sua assinatura.
19º - O tipo de mobiliário que a autora aprovava para os escritórios dos agentes existia noutros fornecedores, para além do aludido em I), e por preço mais baixo.
20º - O plano referido em J) tinha como objetivo que cada agente contratasse o máximo de 10 subagentes.
21º Os subagentes tinham acesso, sem qualquer custo, às instalações dos agentes, bem como o direito a comissão de valor idêntico à destes, da qual tinham de entregar 30% ao agente respetivo.
22º, 23º - Como direito de entrada, cada subagente pagava €6.000,00, sendo €2.500,00 para o agente respetivo e €3.500,00 para a autora.
24º - Todos os encargos decorrentes da manutenção do negócio, desde telefones, renda, água, eletricidade, seriam a cargo do agente.
25º - A 1ª ré teve no ano de 2006 um volume de remuneração de €60.985,25.
26º - Em 2008, funcionava nas instalações que tinham sido da 1ª ré, em Viana do Castelo, uma agência da empresa “EE”, também dedicada à consultadoria financeira.
27º - Tal agência tinha o mesmo número de telefone da agência da 1ª ré.
28º - O referido nas respostas aos dois quesitos anteriores foi publicitado no site da internet www.moresolutions.pt, que identifica as referidas instalações como sendo “FF”.
30º - Os folhetos promocionais que a autora difundiu em 2005, 2006 e no início de 2007, identificavam a morada e os números de telefone e fax do estabelecimento das rés como integrado na rede de agências da autora.
Apreciando
Parece não haver dúvidas e também não vem questionado que a factualidade provada configura um contrato de agência.
O contrato de agência é regulado pelo DL nº 178/96 de 3 de Julho77, alterado pelo DL nº 118/93 de 13 de Abril, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva Comunitária 86/653/CEE do Conselho de 18/12/86 ( cfr. respectivo preâmbulo)
O actual art. 1º nº1 do citado diploma caracteriza o contrato de agência como “ o contrato pelo qual uma das partes se obriga a promover por conta da outra a celebração de contratos, de modo autónomo e estável mediante retribuição, podendo ser-lhe ser atribuída certa zona ou determinado número de clientes”.
Trata-se de um contrato bilateral e oneroso de que resultam para o agente e para o agenciado (principal) obrigações recíprocas: o primeiro assume a obrigação de promover por conta da outra parte a celebração de contratos, que “ envolve toda uma complexa e multifacetada actividade material de prospecção do mercado, de angariação de clientes, de difusão de produtos e serviços, de negociação etc., que antecede e prepara a conclusão dos contratos, mas na qual o agente já não tem de intervir” ; o segundo obriga-se a pagar a retribuição convencionada que se “ determina, fundamentalmente com base no volume de negócios conseguido pelo agente, revestindo assim um carácter variável, sob a forma de comissão ou percentagem calculada sobre o valor dos negócios, podendo cumular-se, no entanto, com qualquer importância fixa acordada entre as partes (cfr. António Pinto Monteiro Contratos de Distribuição Comercial, Coimbra 2001, pag. 84,85 e 96).
No que concerne à cessação do contrato de agência prescreve o art. 24 do citado DL 178/86 pode acontecer por: a) acordo das partes; b) caducidade; c) denúncia; d) resolução
A respeito da resolução estabelece o art. 30 que “ o contrato de agência pode ser resolvido por qualquer das partes. a) se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações , quando, pela sua gravidade ou reiteração , não seja exigível a subsistência do vinculo contratual; b) se ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termos de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia”.
Em 19 de Março de 2007, as Rés tomaram a iniciativa de fazer cessar unilateralmente o contrato de agência celebrado com a autora (cfr. H) dos factos provados).
Celebrado que foi pelas partes o identificado contrato de agência, o mesmo em princípio deve ser pontualmente cumprido (art. 406 C. Civil)
No que ao contrato de agência diz respeito e no cumprimento das obrigações dele decorrente, o agente e o agenciado adstritas a proceder de boa fé , conforme dispõem os arts. 6º e 12º do citado DL 172/86, imposição que resulta do art. 762 nº2 do C. Civil.
Segundo o citado art. 6º do DL 178/86 “ no cumprimento da obrigação de promover a celebração de contratos e em todas as demais, o agente deve proceder de boa fé , competindo-lhe zelar pelos interesses da outra parte e desenvolver as actividades adequadas à realização do fim contratual”
E o art. 7 al. a) estatui mesmo “ que o agente é obrigado designadamente a respeitar as instruções da outra parte que não ponha em causa a sua autonomia”.
No caso em apreço, vem questionado o conteúdo da cláusula contratual nº 11 nºs 2 e 3 ( referente ao aviso prévio em caso de rescisão e à cláusula penal indemnizatória que aí vem estabelecida.
Reza assim a apontada cláusula:
Nº 2- Pretendendo o “ Agente “ rescindir o contrato com o “ Principal” terá de comunicar ao “ Principal” a sua intenção , cumprindo um prazo mínimo de aviso prévio de 180 dias em relação à data que prevê a rescisão , ficando obrigada a indemnizar o “ Principal” a título de cláusula penal no valor resultante da aplicação DA FORMULA ( €5.000,00 x nº de anos que falta cumprir o contrato)
Nº3 - Se o “ Agente” não cumprir o prazo de aviso prévio previsto no número anterior fica obrigado a indemnizar o “ Principal” a título de cláusula penal, pelo período de aviso prédio em falta, no valor de € 5.000,00, a acrescer à indemnização do número anterior”.
Como referiu o Acórdão deste Supremo inserido a fls. 602 e segs à luz desta cláusula a A teria direito a receber das RR (por rescindirem unilateralmente o contrato sem observarem o período mínimo de 180 dias estipulado na cláusula) o montante de e 20.000,00. No citado Acórdão referiu-se “ teria” e não “tem por os autos não fornecerem ao os elementos necessários factuais para justa decisão de direito porque as RR para além do mais alegam que as cláusulas contratuais (e portanto também a 11ª em análise) foram pré-estabelecidas pela A não tendo as RR , possibilidade de interferir no seu conteúdo , limitando-se a sua vontade à aceitação da totalidade do contrato , sendo que este apenas foi apresentado à 1ª Ré na data da assinatura , não tendo sido explicado o seu conteúdo nem explicado o seu teor e alcance ( arts. 19º a 25) da contestação.”
Foi esta falta de elementos que levou á baixa do processo à Relação.
Antes de confrontarmos o contrato de agência em apreço, com o regime das cláusulas gerais instituída pelo DL nº 446/85 de 25/10 importa fazer o confronto com o regime específico do contrato de agência ( DL nº 178/86 de 3 de Julho, actualizado pelo DL nº 118/93 de 13 de Abril .
O art. 28 do citado Decreto Lei a respeito dos prazos de aviso para rescisão estabelece
A denúncia só é permitida nos contratos celebrados por tempo indeterminado e desde que comunicada ao outro contraente, por escrito , com antecedência mínima seguinte:
a) Um mês se o contrato durar há menos de um ano;
b) Dois meses, se o contrato já tiver iniciado o 2º ano de vigência
c) Três meses, nos restantes caso.
Daqui ressalta logo o prazo estipulado na apontada cláusula 11ª nº2 para aviso prévio viola a citada disposição legal.
Também no capítulo da indemnização rege o art. 32 do citado Decreto Lei que, no seu nº1 estipula: Independentemente do direito de resolver o contrato, qualquer das partes tem o direito de ser indemnizadas, nos termos gerais, pelos danos resultantes do não cumprimento das obrigações da outra
E o nº 2 especifica a indemnização para o caso de a resolução ter como fundamento ocorrerem circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em termo de não ser exigível que o contrato se mantenha até expirar o prazo convencionado ou imposto em caso de denúncia ( art. 30 al. b)
Ou seja, o contrato prevê a indemnização nos termos gerais para os danos resultantes do incumprimento das obrigações.
É certo que o art. 810 nº1 do C Civil permite às partes fixar por acordo o montante da indemnização exigível .
Pois, é, aqui, que as RR questionam o conteúdo da cláusula nomeadamente quando referem que foi pré-estabelecida e como tal não foi acordada com as RR.
Aliás, o mesmo se passou com outras cláusulas contratuais.
É o que, pelo menos, resulta do que vem provado sob os nºs 17 -A e 17-B , segundo os quais “ as cláusulas constantes do documento referido em B) e dos aditamento em D) E) e F) foram pré- estabelecidos pela autora, sem possibilitar às rés de interferirem no conteúdo das referidas cláusulas .
No que concerne à não consideração do facto 12 pelo Acórdão recorrido, importa referir que estamos no domínio do facto e a Relação e bem e no âmbito dos poderes do art. 662 do CPC com o fim de evitar contradições na decisão da matéria de facto, não ponderou tal facto.
Isto para dizer que a não consideração dessa matéria pela Relação não configura qualquer nulidade.
Resultando, portanto, provado sob os nºs 17 -A e 17-B, segundo os quais “as cláusulas constantes do documento referido em B) e dos aditamento em D) E) e F) foram pré- estabelecidos pela autora, sem possibilitar às rés de interferirem no conteúdo das referidas cláusulas e fazendo também o confronto como próprio regime das cláusulas gerais do citado Decreto Lei, resulta que o contrato em apreço ao estipular as apontadas cláusulas sem acordar e sem possibilitar às RR, explicar o seu conteúdo, viola de forma ostensiva os arts. 5º (dever de comunicação) e . 6º (dever de informação) do citado DL nº 446/85 de 25/10.
No que concerne à estipulação da apontada cláusula penal inerida na cláusula nº11, a mesma além de não ter sido acordada com as RR, também não lhes foi explicada, o que implica a não consideração da mesma.
Por tudo o que se deixa dito o Acórdão recorrido não merece censura.
III - Decisão:
Nestes termos nega-se a revista e confirma-se o Acórdão recorrido.
Custas pela recorrente
Lisboa e Supremo Tribunal de justiça, 21 de Abril de 2016
José Tavares de Paiva
Abrantes Geraldes
Tomé Gomes