CONFUSÃO
ERRO
FIRMA
PRINCÍPIO DA NOVIDADE
CONSUMIDOR
CONCORRÊNCIA DESLEAL
SOCIEDADE COMERCIAL
PROPRIEDADE INDUSTRIAL
Sumário


I - A suscetibilidade de erro ou confusão entre firmas, nos termos do art. 33.º, n.os 1 e 2 do Regime Jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas – aprovado pelo DL n.º 129/98, de 13-05 –, conjugado com o art. 10.º, n.º 3, do CSC, deve considerar, de entre os destinatários, não apenas comerciantes ou entidades menos propensos a distrações ou enganos (fornecedores instituições de crédito, seguradoras ou autoridades) mas também o cliente/consumidor médio menos atento, pois todos eles se relacionam com a sociedade identificada pela respetiva firma.
II - Desrespeita o princípio da novidade ou da exclusividade aquela firma que integra na sua composição um elemento que, face aos restantes, assume uma intensidade forte e marcante e que, por isso, é suscetível de induzir os destinatários, incluindo os mais atentos, a pensar que a similitude entre as firmas, por via desse elemento, revela urna especial conexão existente entre as sociedades.
III - Nesse caso um tal erro, ainda que urna sociedade não seja identificada com a outra, leva a que, mercê dessa confusão, a firma obtenha vantagens à custa da firma preexistente, desvirtuando-se, assim, uma sã concorrência.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. AA - ÓPTICAS LDA interpôs recurso de revista do acórdão da Relação de Lisboa que, julgando procedente a apelação interposta por ÓPTICA BB LDA, revogou a sentença recorrida e, em sua substituição, revogou o despacho impugnado que admitiu a firma AA - ÓPTICAS LDA., indeferindo, assim, a sua admissão.

2. Considera a recorrente que o acórdão recorrido viola o artigo 33.º do Regime Jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RJRNPC) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de maio.

3. Segundo a recorrente está consolidado na doutrina e na jurisprudência que "a confundibilidade da firma deve ser determinada tendo em conta a diligência do homem médio, destinatário deste sinal distintivo de comércio"; o princípio da novidade tem como função principal assegurar a identificação da sociedade comercial e a sua função é conseguida " se os agentes que interagem com o comerciante, tomando como referência a sua firma, não incorrem em erro ou engano, quando confrontados com uma ou outra firma que tenham elementos comuns ou semelhantes".

4. Não é comum um cliente, ou consumidor, conhecer ou dirigir-se a um comerciante pela sua firma, recorrendo a denominações que não coincidem totalmente com as suas firmas, sendo o homem médio hoje, no que respeita à firma, não o cliente da loja, mas os fornecedores, os bancos, as companhias de seguro, os serviços de finanças, as autoridades. Ora tais entidades são menos propensas a distrações e enganos e quando interagem com um comerciante utilizam meios de identificação adicionais.

5. Assim, atendendo ao critério de diligência do homem médio, tendo como assente que esse homem médio, destinatário das firmas das sociedade não é em geral o cliente/consumidor, mas sim outros comerciantes, entidades e autoridades, as firmas "AA - Ópticas Lda." e " Óptica BB Lda." já não são suscetíveis de criar confusão nos seus destinatários.

6. Ou seja, a única interpretação e aplicação possível dos nºs 1 e 2 do artigo 33.º do RJRNPC é através de um critério que assenta na identidade do efetivo destinatário do sinal distintivo.

7. Conclui a recorrente sustentando que, revogado o acórdão recorrido, seja mantida a decisão de 1ª instância e, assim, o despacho do Registo Nacional das Pessoas Coletivas que deferiu a firma AA - Ópticas Lda.

8. Factos provados

1. No dia 14.08.2014, foi publicada a constituição da sociedade comercial recorrida com a firma “AA – ÓPTICAS, LDA.”, com sede na Quinta do BB, n.º30 – 1.º Frente, Portimão.

2. O objeto social da sociedade recorrida é constituído por: comércio, representação, distribuição, importação e exportação, bem como o comércio a retalho por correspondência ou via internet de bens, produtos e equipamentos de ótica e audiometria, e ainda optometria, serviços e assistência técnica nos âmbitos em causa.

3. A firma da recorrente é “ÓPTICA BB, LDA” e esta tem a sede na Rua …, n.º10, Piso -1, Funchal. Anteriormente, desde 1980 até dezembro de 2012, a recorrente tinha a sua sede social na Quinta do BB em Portimão.

4. A sociedade recorrente, tem por objeto social: O comércio de ótica e todos os artigos afins.

5. A recorrente, à semelhança da recorrida, foi constituída por CC, DD, EE, os quais foram sócios da recorrente até que, em outubro de 2011 (juntamente com a FF) cederam a totalidade do capital social à sociedade GG, Lda.

6. Depois de mais de 30 anos de atividade no setor ótico, a firma da recorrente ficou associada à prestação de serviços de qualidade e de confiança.

7. Desde a sua constituição em 1980 a recorrente desenvolve a sua atividade no Algarve, sendo proprietária de 14 estabelecimentos sitos em Portimão, Lagos, Alvor, Silves, Lagoa, Monchique e Armação de Pera.

Apreciando

9. A questão suscitada pela recorrente é a de saber se as firmas aqui em confronto não são confundíveis considerando que a suscetibilidade de confusão ou de erro, tratando-se de firmas, deve ter em consideração, não o cliente/consumidor, mas outros comerciantes ou entidades - fornecedores, bancos, companhias de seguros, serviços de finanças, autoridades - que, menos propensas a distrações e enganos, quando se dirigem ou interagem com um comerciante, utilizam meios de identificação adicionais.

10. O artigo 33.º/1 e 2 deve ser visto com base num critério "que assenta na identidade do efetivo destinatário do sinal distintivo".

11. Prescreve o artigo 33.º/1 e 2 do RJRNPC:

Artigo 33º

Princípio da novidade

1. As firmas e denominações devem ser distintas e não suscetíveis de confusão ou erro com as registadas ou licenciadas no mesmo âmbito de exclusividade, mesmo quando a lei permita a inclusão de elementos utilizados por outras já registadas, ou com designações de instituições notoriamente conhecidas.

2. Os juízos sobre a distinção e a não suscetibilidade de confusão ou erro devem ter em conta o tipo de pessoa, o seu domicílio ou sede, a afinidade ou proximidade das suas atividades e o âmbito territorial destas.


12. No que respeita ao princípio da novidade ou da exclusividade, tem sido salientado que "o que se pretende não é saber se os sinais em causa são confundíveis mas, antes e apenas, se não o são, indagando-se se, pela semelhança das designações das firmas e denominações adotadas, não podem ser suscetíveis de confusão" e que "a finalidade da firma é, essencialmente, distinguir os agentes em regime de concorrência, assumindo, do mesmo passo, uma função de publicidade fundamentadora de clientela. Daí que não deva ser idêntica às demais existentes no mesmo espaço ou de tal forma semelhante que possa induzir em erro às que com esse âmbito já se encontrem registadas" (Ac. do STJ de 6-3-2012, rel. Alves Velho, CJ, 1, pág. 12).

13. De igual modo no Ac. do STJ de 25-3-2009, rel. Oliveira Vasconcellos, revista 09B0554, considerou-se que " haverá suscetibilidade de confusão ou erro sempre que se verifique uma situação em que um sinal seja tomado por outro, o que implica que uma sociedade seja tomada por outra. Haverá também suscetibilidade de confusão ou erro quando o público possa considerar que há identidade entre as realidades que os sinais visam distinguir ou que existe uma relação entre essas realidades - por exemplo, a existência e uma relação de grupo entre duas sociedades, quando tal relação não exista – podendo, assim, haver um beneficio do prestigio e crédito de uma por outra. Firmas completamente distintas são, pois, firmas que não são idênticas, nem por tal forma semelhantes que possam induzir em erro ou confusão. Para haver essa semelhança necessário é que a firma tenha tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada que induza facilmente em erro ou confusão o público, não podendo este distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto. A comparação que define a semelhança verifica-se, pois, entre um sinal e a memória que se possa ter de outro. É que o cidadão médio – que não é um técnico do setor - quase nunca se defronta com os dois sinais, um perante o outro, no mesmo momento. A comparação que entre eles pode fazer não é, assim, simultânea, mas sucessiva".

14. Do mesmo modo no Ac. do STJ de 20-10-1999 (rel. Sousa Leite) 247/09.4YFLSB considerou-se que " O critério principal a atender, quanto à aferição da confundibilidade/inconfundibilidade da denominação de uma nova firma, reside no facto de tal sinal distintivo não apresentar semelhanças com o de outra firma já constituída e existente em território nacional, de tal modo que a ocorrência dessa similitude seja suscetível de conduzir terceiros que possam vir a ter relações negociais com as mesmas, considerados aqueles na veste de qualquer cidadão que atue com mediana diligência e atenção, à indução em erro quanto ao objeto social desenvolvido por cada uma das referidas firmas, assim se preterindo a realidade, que sob o ponto de vista da atividade económica e empresarial, cada uma delas visa individualizar".

15. Referindo que se tem em vista o consumidor - lê-se "suscetível de induzir em erro o consumidor que não tenha os dois em presença" - veja-se o Ac. do STJ de 28-9-2010 (rel. Hélder Roque), 235/05.0TYLSB.L1.S1; mencionando que " a proibição de inserção nas denominações sociais de elementos já constantes de outro sinal idêntico visa, essencialmente, evitar que o consumidor médio seja induzido em erro ou confusão sobre a real titularidade da denominação social e sobre a origem dos produtos e serviços oferecidos por diferentes empresas. E há risco de confusão quando o público puder ficar com a impressão de que os produtos ou serviços de certa marca provêm da empresa titular de marca diversa ou de empresa associada desta (ver Ac. do STJ de 4-122003, rel. Ferreira de Sousa, revista n.º 3526/03). Atente-se ainda no Ac. do STJ de 11-10-2005, rel. Salreta Pereira, revista n.º 2596/05 onde se refere que "no critério de apreciação do risco de erro ou confusão é o do cidadão comum, medianamente ponderado e atento, um consumidor cauteloso ou um fornecedor avisado".

16. O acórdão recorrido relevou que a palavra que verdadeiramente identifica a ora recorrida é AMPARO. Assim também se nos afigura. Refere o acórdão da Relação:

"Não é uma expressão habitualmente associada a uma empresa de produtos óticos, pelo que, embora não seja uma palavra de fantasia, e nessa perspetiva original ou criativa, tem uma boa capacidade distintiva.

A palavra que realmente identifica a apelada é SOL.

É uma expressão de fantasia, que simultaneamente reúne duas palavras que integram o vocabulário da língua portuguesa: SOL e AMPARO. SOL, como elemento identificativo de uma empresa que vende ao público, em larga medida, óculos, incluindo, naturalmente, óculos de sol, ainda para mais no Algarve, tem uma capacidade distintiva inferior à palavra AMPARO. Podemos, assim, aceitar, à semelhança do que alega a apelante, que na firma da apelada o elemento AMPARO tem mais relevância do que o elemento SOL.

Ora, se assim é, afigura-se-nos que existe a possibilidade de que entre as duas firmas se estabeleça confusão, ou pelo menos que o público, ou parte dele, atribua às duas sociedades, que ostentam tais nomes, uma conexão que não existe.

E aqui entra um aspeto que, no caso concreto, assume relevância.

A apelante, titular da firma BB, exerce a sua atividade no Algarve há mais de 30 anos, tendo ficado provado que “depois de mais de 30 anos de atividade no setor ótico, a firma da recorrente ficou associada à prestação de serviços de qualidade e de confiança” (n.º 6 da matéria de facto). Sendo certo que durante mais de 30 anos a apelante teve a sua sede na Quinta do BB, em Portimão, até que, no final de 2012, mudou a sua sede para o Funchal (n.º 3 da matéria de facto). Ora, a apelada constituiu-se em 2014 e, munida do nome AA, instalou a sua sede precisamente na Quinta do BB, Portimão (n.º 1 da matéria de facto). Tal pode gerar, em boa parte do público algarvio, familiarizado com a atividade da BB, e também nos restantes agentes económicos, como os fornecedores, confusão entre as duas sociedades, seja crendo que são a mesma entidade, seja acreditando que têm ligações societárias entre si.

Aliás, a sede das sociedades envolvidas é um dos aspetos a que o legislador expressamente manda atentar nesta matéria (n.º 2 do art.º 32.º do RRNPC).

17. A recorrente pretende que "no juízo sobre a distinção e a não suscetibilidade de confusão ou erro", ou seja, aquele que possa ser induzido em erro (ver artigo 10.º/3 do Código das Sociedades Comerciais) se considere a identidade " do efetivo destinatário do sinal distintivo".

18. O critério legal poderia, assim, considerar-se dependente da prova daqueles que são os destinatários efetivos do registo - prova que, no caso, não se fez até porque esta perspetiva só foi verdadeiramente suscitada no recurso de revista - o que nos levaria para um nível de incerteza e casuísmo que determinaria que duas firmas exatamente iguais pudessem ser consideradas para sempre, consoante os concretos destinatários num determinado momento, admissíveis ou não admissíveis.  

19. Os destinatários que podem ser induzidos em erro são todos aqueles que se podem relacionar com a sociedade identificada pela firma, muito diversos e variáveis ao longo dos tempos, e se, entre eles, estão, sem dúvida, os fornecedores, as instituições de crédito, as companhias de seguro, etc. ou as próprias entidades estaduais lato sensu, entidades que se relacionam de uma forma particularmente atenta e diligente em comparação com o consumidor que adquire produtos comercializados pela sociedade, a verdade é que também perante os próprios consumidores clientes, designadamente quando das transações, a sociedade se identifica pela firma.

20. Aceita-se, pois, como se salientou no acórdão do STJ supra mencionado (Ac. do STJ de 11-10-2005, rel. Salreta Pereira, revista n.º 2596/05) que se considere a suscetibilidade de erro ou de confusão, pensando-se " no cidadão comum, medianamente ponderado e atento, no consumidor cauteloso ou no fornecedor avisado".

21. Importa, no entanto, ter em atenção - e este ponto foi focado no acórdão recorrido - que a similitude entre firmas pode induzir os agentes económicos, mesmo os mais atentos, a considerar que as sociedades estão ligadas ou conexionadas entre si, podendo daí resultar vantagens comerciais, de crédito ou negociais que, não fora a similitude, não ocorreriam e podendo ainda o próprio público consumidor, ainda que atento, incluindo aquele que constata a diferença entre as firmas, ser induzido a considerar que a semelhança entre as firmas exprime e resulta precisamente da ligação que entre elas existe. E daí convencer-se de que, por via dessa ligação, a confiança na qualidade reconhecida a uma das firmas se mantém na outra, o que mais se acentua, como sucede no caso presente, quando as duas firmas atuam na mesma região, tudo isto constituindo fatores desvirtuadores de uma sã concorrência.

22. A similitude das firmas pode levar o destinatário, ou seja, o cliente consumidor, induzido em erro, iludido pela memória que evidencia e retém unicamente o vocábulo forte e predominante - "AMPARO", no caso vertente - a tomar uma sociedade pela outra; mas a confusão também se verifica quando o destinatário é induzido a considerar que as duas sociedades estão ligadas entre si, beneficiando económica, comercial e negocialmente a sociedade que se aproveitou da firma pré-existente.

Concluindo

I - A suscetibilidade de erro ou confusão entre firmas, nos termos do artigo 33.º/1 e 2 do Regime Jurídico do Registo Nacional de Pessoas Coletivas (RJRNPC) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/98, de 13 de maio, conjugado com o artigo 10.º/3 do Código das Sociedades Comerciais, deve considerar, de entre os destinatários, não apenas comerciantes ou entidades, menos propensos a distrações ou enganos (fornecedores instituições de crédito, seguradoras, autoridades) mas também o cliente/consumidor médio menos atento, pois todos eles se relacionam com a sociedade identificada pela respetiva firma.

II - Desrespeita o princípio da novidade ou da exclusividade aquela firma que integra na sua composição um elemento que, face aos restantes, assume uma intensidade forte e marcante e que, por isso, é suscetível de induzir os destinatários, incluindo os mais atentos, a pensar que a similitude entre as firmas, por via desse elemento, revela uma especial conexão existente entre as sociedades.

III - Nesse caso um tal erro, ainda que uma sociedade não seja identificada com a outra, leva a que, mercê dessa confusão, a firma obtenha vantagens à custa da firma preexistente, desvirtuando-se, assim, uma sã concorrência.

Decisão: nega-se a revista

Custas pela recorrente

Lisboa, 2-6-2016

Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego

Orlando Afonso