I - A marca é um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas, frases publicitárias com carácter distintivo; trata-se de um meio identificador e diferenciador de produtos, expansível no seio do público destinatário, através da publicidade.
II - Intimamente relacionado com a tutela protectora das marcas perfila-se o instituto da concorrência desleal, cujo funcionamento é despoletado, na sua essência, pela prática de actos de concorrência contrários às normas e práticas honestas de determinada actividade.
III - É susceptível de constituir acto de concorrência desleal quando a empresa faz uso de marca imitada ou usurpada de outra alheia anteriormente registada, verificado casuisticamente o prejuízo causado desde logo pela similitude de produtos transaccionados no seu mercado de destino bem como a proximidade geográfica onde exercem as suas funções.
IV - Todavia a marca só poderá considerar-se como tal desde que tenha carácter distintivo, dos de outras empresas que igualmente vendam produtos daquela natureza, o que poderá verificar-se nomeadamente através de qualquer frase publicitária com carácter peculiar.
V - A sigla “Pizzatopping” é apenas uma chamada para a existência de uma classe de produto que, por outro lado, é complementado por várias categorias. A ausência de alcance distintivo retira à sigla em causa a aptidão para ser considerada como marca, à luz do estatuído no art. 224.º a contrario do CPI.
1. RELATÓRIO.
Acordam na Secção cível do Supremo Tribunal de Justiça.
AA, LDA., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB, LDA., pedindo a condenação desta a abster-se de utilizar nos seus produtos o sinal "PIZZATOPPING" ou outro semelhante à marca da Autora; e a pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor de 150,00 Euros, por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações em que for condenada.
Para o efeito, sustentou a sua pretensão na violação, pela Ré, da marca nacional n.º 00000 "PIZZA TOPPING", que se encontra registada em seu nome e se destina a assinalar "produtos lácteos e seus derivados", na classe 29 da Classificação Internacional de Nice, e bem assim na prática de actos de concorrência desleal.
Alegou a Autora que tem como objecto social a indústria de carnes e comércio de lacticínios, sendo que a Ré actua no mesmo ramo de negócio, ou seja, o mercado alimentar e ali encontra-se a utilizar o sinal "PIZZATOPPING" num seu produto lácteo, mais concretamente queijo, sendo o sinal aposto no rótulo da respectiva embalagem em posição de destaque, face aos outros elementos constituintes da mesma.
A Ré contestou pugnando pela improcedência da acção, e deduziu reconvenção em que pede que seja declarada a nulidade da marca registada a favor da A.
Alegou que o sinal "PIZZATOPPING" da marca da A. é meramente descritivo porquanto se limita a indicar para que servem e qual o destino dos produtos que identifica (cobertura de piza), sem acrescentar qualquer outro elemento que permita distinguir tais produtos de outros concorrentes que tenham precisamente o mesmo fim.
As expressões meramente descritivas dos produtos e/ou serviços visados, como sucede com "PIZZA TOPPING", relativamente aos produtos lácteos e seus derivados, são insuscetíveis de apropriação exclusiva pelos agentes económicos, pois devem permanecer disponíveis para serem utilizadas por qualquer entidade que se dedique ao mesmo tipo de actividade para assinalar os seus produtos.
A Ré concluiu, assim, que o registo da marca da A. é nulo, por falta de capacidade distintiva, conforme previsto nos artigos 223. º, n. º 1, alínea e), 238.º, n.º 1, alínea e), e 265.º, alínea a), todos do Código da Propriedade Industrial (doravante CPI).
Por outro lado, a utilização que a Ré faz da expressão "PIZZATOPPING" nas embalagens de queijo que comercializa, tem a única função de indicar ao consumidor o destino e a finalidade daquele tipo de queijo e não distinguir o produto de outros semelhantes com o mesmo fim, sendo certo que as embalagens em questão contêm as marcas "BB" e "A....." que servem, essas sim, para assinalar a proveniência empresarial do produto.
Na réplica a A. veio pugnar pela improcedência do pedido reconvencional, sustentando que a sua marca com o sinal "PIZZA TOPPING" possui carácter suficientemente distintivo, sendo, quando muito, uma marca sugestiva cujo grau de originalidade não é absoluto.
Para tanto alegou que a confecção de uma pizza poderá não incluir qualquer produto lácteo, nomeadamente queijo, o que sucede nos casos em que o consumidor é intolerante à lactose ou mesmo quando se trata de pizas vegetarianas, havendo no mundo culinário vastas receitas de pizzas sem queijo, pelo que este ingrediente não é condição indispensável na confecção desse produto.
Referiu ainda a A./reconvinda que há todo um grupo de consumidores portugueses que não associará o sinal "PIZZA TOPPING" aos queijos ralados, tratando-se, aliás, de uma combinação que não faz parte do vocabulário português, quer formal, quer informalmente, a que acresce que a "cobertura de piza" poderá contemplar os mais variados ingredientes, desde carne a vegetais ou mesmo frutas.
Mais referiu que perante o sinal "PIZZA TOPPING” os consumidores não identificam de forma imediata, inequívoca e exclusiva os produtos lácteos da Autora-reconvinda, sendo assim perfeitamente incapaz de os individualizar e garantindo, nessa medida, a validade do respectivo registo.
Findos os articulados, realizou-se audiência preliminar e foi proferido (despacho saneador, seguido da identificação do objecto do litígio e indicação dos temas da prova, de acordo com o preceituado no Novo Código de Processo Civil (NCPC), por força do disposto no artigo 5. º, n. º 1 da Lei n.º 41/2013, de 26-06, rectificada pela Declaração de Rectificação n. º 36/2013, de 12 de Agosto.
Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a acção procedente e a reconvenção improcedente, condenando e absolvendo Ré e Autora, nos pedidos respectivos.
Inconformada com o assim decidido, a Ré interpôs recurso de Apelação, tendo a Relação de Lisboa julgado a acção procedente declarando a nulidade do registo da marca nacional da Apelada (Pizzatopping) com o nº 00000, absolvendo-se a Ré apelante do pedido contra si deduzido.
Por seu turno não se conformado com o agora decidido recorre de revista a Autora AA, LDA., tendo pedido que, na procedência do recurso, se revogue o decidido em 2ª instância.
Foram para tanto apresentadas as seguintes,
Conclusões. Da Autora
1. Tendo por assente a matéria dada como provada, não poderia o TRL ter decidido como decidiu.
2. Ressalve-se que não ficou provado na decisão de 1ª instância:
i. Que o queijo é um ingrediente sempre presente na cobertura de pizas (artigo 7. º da contestação);
ii. Que a palavra inglesa "topping" é facilmente percebida pelos consumidores portugueses num contexto de produtos alimentares como algo que é colocado no topo, utilizado como cobertura (artigo 9.º da contestação);
iii.- Que utilização que a Ré faz da expressão "PIZZATOPPING" nas embalagens de queijo ralado que comercializa tem a única função de indicar o destino e a finalidade daquele tipo de queijo (artigo 15. º da contestação);
iv.- Que a expressão "PIZZA TOPPING" é facilmente compreendida pelo consumidor médio português como "cobertura de pizza" (artigo 25.º da contestação); e
v.- Que os produtos lácteos e seus derivados, em especial o queijo, são ingredientes constituintes de qualquer receita de piza, por mais simples que seja (artigo 26. º da contestação).
3. Ora se o Tribunal de 1.ª instância fixou como temas de prova:
"1.- A expressão "PIZZA TOPPING, é compreendida pelos consumidores como "cobertura de pizza".
2.- Quando utilizada para assinalar produtos lácteos, como seja o queijo, a expressão "PIZZA TOPPING", é entendida pelos consumidores como indicando que tais produtos se destinam à cobertura de pizza".
4) É porque entendeu haverem dúvidas sobre os factos em causa, que consequentemente careceriam de ser provados em sede de julgamento,
5) Sendo que, se tal aconteceu, foi porque o Tribunal de 1.ª instância entendeu que tais factos não seriam notórios.
6) Ora se o Tribunal de 1 ª instância entendeu levar tais factos a julgamento, não tendo os mesmos sido provados pela Ré/Recorrida, a qual tinha o ónus de o fazer;
7) E não tendo também em sede de recurso para o TIU,, a Ré/Recorrida logrado alterar a decisão quanto à matéria de facto, não poderia o referido Tribunal ter decidido contra a matéria que ficou provada;
8) Não tendo o Tribunal de 1.ª instância considerado ser um facto notório que a designação PIZZA TOPPING SE REFERE a "cobertura de queijo para pizas" (ver página 15º do Acordão recorrido, 2º parágrafo) - o que aliás nunca o poderia fazer, tendo em conta que a marca em questão não assinala "cobertura de queijos para pizas", mas sim "produtos lácteos e seus derivados" (ver ponto 2 da matéria dada como provada na decisão de 1 a instância);
9) E não tendo a Ré/Recorrida provado tal facto em Tribunal, a apreciação efectuada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, sobre o conhecimento notório da designação não tem qualquer apoio factual, sendo uma mera conjectura sem qualquer sustentação, ou fundamentação.
10) Pois se de facto era notório que a expressão PIZZA TOPPING é genérica ou descritiva, como pode a Ré/Recorrida não ter logrado provado tal facto em sede de Julgamento!?
11) A aferição da existência de imitação entre marcas pressupõe um "confronto"; de modo a que se possa concluir se os produtos respectivos são idênticos ou afins e, ainda, se os sinais utilizados despertam a possibilidade de associação ou confusão.
12) Tal análise comparativa é apreciada casuisticamente e deverá ter em conta a impressão causada no consumidor médio dos produtos assinalados.
13) Dos sinais em confronto resulta que a expressão utilizada pela Ré/Recorrida é idêntica à marca da Recorrente, possuindo como única diferença o facto das palavras “pizza" e "topping” se encontrarem desunidas na marca da Recorrente.
14) Existe, portanto, uma identidade fonética e nominativa entre os sinais.
15) Dada a identidade fonética e nominativa existente entre a marca da Recorrente e a expressão utilizada pela Recorrida, os consumidores serão induzidos em erro ou confusão, podendo associá-las a uma origem empresarial comum.
16) Não se cumprindo a imposição legal estabelecida no nº 1 do artigo 222º do CPI, e que a marca constitua um sinal que se destine a distinguir produtos e serviços de uma forma fácil para que o consumidor os não confunda, quando não tenha os sinais perante si em simultâneo, de modo a garantir a lealdade da concorrência".
17) Preenchido o requisito de imitação previsto na alínea c) do artigo 245º. do CPI, importa analisar se a marca da Recorrente e a expressão utilizada pela Ré/ Recorrida se destinam a assinalar produtos idênticos ou afins.
18) E, reforçando-se mais uma vez o risco sério de confusão e associação entre estes sinais, observa-se que os produtos que são identificados pelo sinal utilizado pela Ré/Recorrida, nomeadamente a considerar o rótulo junto como documento 3 à petição inicial, são claramente idênticos e afins, dos produtos que são assinalados pela marca da Recorrente, a saber produtos lácteos e seus derivados.
19) Desta forma, facilmente se comprova a existência de uma manifesta identidade e afinidade entre os produtos em causa.
20) Pelo exposto, verificando-se quanto aos produtos assinalados pelo sinal utilizado pela Ré/Recorrida, o preenchimento do requisito estabelecido na alínea b) do artigo 245º. do CPI, conclui-se que este constitui uma imitação da marca da Recorrente com o nº 00000 - PIZZA TOPPING
21) Assim e recapitulando, sobre o conceito de imitação, dispõe o artigo 245.º do CPI que "uma marca registada se considera imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte quando, cumulativamente se verificarem os seguintes pressupostos:
d) A marca registada tiver prioridade;
e) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
f) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com a marca anteriormente registada, por forma a que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto".
22) Neste caso em concreto, encontram-se preenchidos todos os requisitos do conceito legal de imitação de marca acima referidos.
23) Desde logo, a Recorrente é titular de uma marca registada desde 2011 sendo que o sinal utilizado pela Recorrida não goza de qualquer protecção proveniente do registo.
24) Verifica-se também, como já foi exposto, uma relação de identidade e afinidade entre os produtos que são assinalados pela marca da Recorrente para a classe 29\ e os produtos para os quais é utilizado o sinal da Ré/Recorrida.
25) Também é claro que entre os sinais em confronto se estabelece inevitável confusão, por serem quase idênticos.
26) O público consumidor será fatalmente induzido em erro ou confusão, porquanto facilmente atribuirá aos sinais em causa uma origem empresarial comum.
27) Por ser geradora de confusão com a marca da Recorrente nos termos do artigo 317° do CPI, o sinal utilizado pela Ré/Recorrida, é susceptível de criar situações de concorrência desleal, independentemente da sua intenção, nos termos do artigo 317º do CPI.
28) E, nesse sentido, originar a prática de actos susceptíveis de criar confusão com os produtos da Recorrente.
29) Dispõe o artigo 317.º do CPI que "Constitui concorrência desleal todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica".
30) Para tanto, há que ter em conta o ramo de actividade em causa e os padrões sociais de conduta associados a uma certa conotação ética, ou seja, os "usos honestos" referidos no artigo 317.º do CPI.
31) A alínea a) da citada norma estipula como actos de concorrência desleal "Os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços, qualquer que seja o meio empregue
32) Outro elemento potenciador do referido risco de confusão consolida-se no facto de ambas as partes exercerem a sua actividade económica no âmbito do mercado alimentar.
33) Como tal, estamos perante uma incontornável situação de confusão e mesmo associação directa entre os sinais, potenciadora de actos de concorrência desleal.
34) Alega a Ré/Recorrida que o direito da Recorrente decorrente do registo da marca nacional n.º 00000 PIZZA TOPPING é nulo, nos termos do artigo 223.º n.º 1 alínea e) do Código de Propriedade Industrial, doravante, CPI.
35) Em particular, refere a Ré/Recorrente que a marca em questão se limita a designar o destino dos produtos assinalados, a saber "produtos lácteos e seus derivados", consubstanciando uma expressão descritiva e como tal, desprovida de carácter distintivo.
36) Contudo, não corresponde à verdade, como bem entendeu o Tribunal de 1 ª instância, que o registo de marca da Recorrente seja nulo.
37) Para que uma marca seja descritiva, nos termos do artigo 223.º n.º 1 supra referido, esta tem de ser directa e exclusivamente descritiva, o que não se aplica ao sinal da Recorrente.
38) Sendo certo que perante o artigo 265.º n.º 1 al. a) a concessão de uma marca pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (CPI), pode vir a ser alvo de nulidade por infringir o disposto no artigo 238.", n.º 1 e 4 a 6 do CPI,
39) É igualmente certo que caso o sinal da Recorrente, fosse considerado tão obviamente descritivo como a Ré/ Recorrida tenta alegar, naturalmente que tal carácter descritivo e não distintivo não poderia ser ignorado pelo INPI em sede de exame prévio.
40) Mais, ainda tendo em conta o escrutínio do Instituto e a obrigatoriedade de verificação de motivos absolutos de recusa tais como os que a Ré/Recorrida vem alegar.
41) Não esteve mal o referido Instituto quando concedeu a marca PIZZA TOPPING, por esta efectivamente possuir carácter distintivo para ir de encontro aos requisitos gerais de concessão de um direito marcário.
42) A marca PIZZA TOPPING não é descritiva para assinalar produtos lácteos, mesmo que estes possam ser usados na confecção de uma pizza.
43) Ademais, a confecção de uma pizza poderá não incluir qualquer produto lácteo, nomeadamente queijo.
44) Havendo todo um grupo de consumidores portugueses guc não associará o sinal PIZZA TOPPING aos queijos ralados.
45) A combinação PIZZA TOPPING não faz parte do vocabulário português, quer formal quer informalmente.
46) Ao referir a Ré/Recorrida, ou o TRL no Acordão referido, que o sinal PIZZA TOPPING é facilmente compreendido pelo consumidor português como "cobertura de pizza", há que considerar que o consumidor alvo dos produtos em questão, que é o consumidor nacional, não emprega na linguagem corrente o termo registado pela Recorrente.
47) Apesar das palavras que perfazem a marca da Recorrente serem palavras anglófonas comuns, com excepção da palavra 'PIZZA' a qual será reconhecida pela grande maioria dos portugueses, o reconhecimento da palavra 'TOPPING' já não será tão pacífico.
48) No léxico português não são incluídas palavras terminadas em"- ing".
49) Ora, perante o sinal PIZZA TOPPING mesmo que estivéssemos perante uma expressão alegadamente descritiva em língua inglesa, em Portugal seria sempre um neologismo quando considerada no seu conjunto.
50) Não obstante a difusão cada vez mais generalizada da língua inglesa, não deverá ser descurado o princípio da territorialidade.
51) Assim, as expressões em língua inglesa possuem capacidade distintiva, salvo se terem generalizado de tal forma que façam parte do vocabulário comum, passando, neste caso, a serem descritivas.
52) Admitindo-se que a palavra "pizza" (isoladamente considerada) faça parte do léxico português face ao seu uso corrente, o mesmo não se poderá dizer da palavra "topping” e muito menos da expressão conjugada "Pizzatopping” para assinalar produtos lácteos, uma vez que tal expressão não é corrente na nossa linguagem e, não será, seguramente, para o consumidor médio dos produtos ela Recorrente e Recorrida.
53) A palavra 'TOPPING' não é sequer utilizada ou reconhecida como um estrangeirismo empregue pelo consumidor português para designar "cobertura".
54) A Recorrida certamente reconhece a difusão da língua inglesa na cultura e linguagem portuguesas, todavia não será de esperar que a maioria dos consumidores alvo dos seus produtos associe, sem qualquer necessidade de reflexão, a palavra inglesa 'topping' com a palavra portuguesa 'topo'.
55) Sendo certo que a avaliação do carácter descritivo de um sinal, bem como da sua semelhança ou identidade com outros sinais no mercado, deverá necessariamente, ter por referência o consumidor médio dos produtos em questão.
56) É evidente que o INP I tomou em devida consideração o consumidor médio português aquando do estudo do pedido de registo do sinal PIZZA TOPPING, por ser esse o consumidor a quem a marca se destina.
57) Apesar de exclusivamente nominativo, o sinal em causa não foi interpretado como uma combinação de elementos que informa o consumidor pertinente sobre o tipo e o destino dos produtos assinalados, tendo sido concedido sem objecções.
58) Mediante o sinal registado da Recorrente - PIZZA TOPPING - e o sinal utilizado no mercado pela Recorrida - PIZZATOPPING com Queijo Natural, o consumidor de referência irá imediatamente associá-los como provenientes da mesma entidade ou de entidades economicamente conexas.
59) Do supra exposto resulta que o sinal da Recorrente contém a distintividade necessária para ser merecedor da protecção proveniente de um registo de marca.
60) E, consequentemente, possui a Recorrente legitimidade para proibir a utilização do sinal em causa pela Recorrida, fazendo uso dos direitos de propriedade e exclusivo conferidos por força do registo (artigo 224.º do CPI).
61) No que respeita à aplicabilidade do artigo 223º "esta proibição apenas é aplicável aos sinais unicamente formados por componentes descritivos, podendo ser deferido um pedido de registo quando a elementos não distintivos acrescerem outros não descritivos se a combinação oferecer um conjunto distintivo", e ainda se a marca não for diretamente descritiva, ou seja, "se só se limitar a sugerir ou evocar por forma inabitual e invulgar uma característica do produto ou serviço designando-se nesta última hipótese, por marca sugestiva, expressiva ou significativa" (Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 2008, p. 235)".
62) Pelo que, o sinal da Recorrente possui suficiente capacidade distintiva na 1ª acepção do artigo 222.º n.º 1 do CPI por ser adequada a distinguir o produto da Recorrente dos produtos de outras empresas.
63) Não assistindo razão à Ré/Recorrida, conforme confirmou a sentença de 1 ª instância.
64) Sucede ainda que o sinal PIZZA TOPPING é utilizado nos produtos da Recorrida numa posição de destaque, facilmente depreendida pelo consumidor médio como a própria marca do produto em detrimento do alegado sinal 'verdadeiro' BB.
65) Revelando uma clara intencionalidade por parte da Ré/Recorrida de ser a expressão: "PIZZA TOPPING", o elemento caracterizador do produto, pelo facto de surgir na sua embalagem em plano principal, e não apenas acessoriamente como uma mera descrição do produto.
66) Sendo que normalmente, e é essa a prática comercial, a que o consumidor médio está habituado: a marca surge em destaque, o tipo de produto, ou a sua descrição num plano secundário.
67) Razão pela qual, ao contrário do alegado pela Ré/Recorrida, o direito de propriedade industrial da Recorrida que serve de base à sua pretensão não deverá ser declarado nulo ao abrigo dos artigos 265.º, n.º 1 al. a) dos artigos 238º nº 1 alínea c) e 233º nº 1 alínea c) do CPI por não consubstanciar um sinal puramente descritivo da finalidade dos produtos que assinala.
Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
Com interesse para a decisão da causa, deu a Relação como provados os seguintes,
2.1. Factos.
2.1.1. A Autora é uma sociedade comercial por quotas que tem como objecto social "Indústria de carnes e comércio de lacticínios".
2.1.2. A Autora é titular da marca nacional n.º 00000 "PIZZA TOPPING", com registo pedido em 13-04-2011 e concedido em 05-07-2011, destinada a assinalar "produtos lácteos e seus derivados", na classe 29 da Classificação Internacional de Nice.
2.1.3. A Ré encontra-se a utilizar o sinal "PIZZATOPPING" num dos seus produtos que consiste num produto lácteo, nomeadamente queijo ralado.
2.1.4. O sinal "PIZZATOPPING" é aposto no rótulo da embalagem, encontrando-se a letras maiúsculas e seguido da descrição "com Queijo Natural".
2.1.5. O sinal utilizado pela Ré tem como função distinguir queijo.
2.1.6. A Ré não é titular de qualquer registo a seu favor do sinal "PIZZATOPPING" ou mesmo "PIZZATOPPING com queijo natural".
2.1.7. O produto em questão, queijo natural, enquadra-se nos produtos lácteos e seus derivados.
2.1.8. Autora e Ré exercem a sua actividade económica no âmbito do mercado alimentar.
2.1.9. As embalagens de queijo comercializado pela Ré apresentam a seguinte configuração inserta a fls. 344, 345, 346 e 347 dos autos.
2.1.10. A expressão “Pizzatopping” é utilizada pela Ré nos rótulos indicados em 2.1.9..
2.1.11. As coberturas de pizzas poderão ser constituídas por outros ingredientes que não os produtos lácteos como o queijo.
Por outro lado o Tribunal a quo deu como não provados os seguintes.
2.2. Factos.
2.2.1. O queijo é um ingrediente sempre presente na cobertura de pizas (artigo 7.º da contestação);
2.2.2. A palavra inglesa "topping" é facilmente percebida pelos consumidores portugueses num contexto de produtos alimentares como algo que é colocado no topo, utilizado como cobertura (artigo 9. º da contestação);
2.2.3. A utilização que a Ré faz da expressão "PIZZATOPPING" (nas embalagens de queijo ralado que comercializa tem a única função de indicar o destino e a finalidade daquele tipo de queijo (art.º 15.º da contestação];
2.2.4. A expressão "PIZZA TOPPING) é facilmente compreendido pelo consumidor médio português como "cobertura de piza" (artigo 25. º da contestação): e
2.2.5. Que os produtos lácteos e seus derivados, em especial o queijo} são ingredientes constituintes de qualquer receite de piza, por mais simples que seja (artigo 26.º da contestação).
Nos termos do preceituado nos arts.º 608.º nº 2, 635.º nº 3 e 690.º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- A tutela da marca ao nível do direito comunitário e português.
A função distintiva da marca como sua razão justificativa.
- O instituto da concorrência desleal como postulado da protecção da marca; requisitos para o seu preenchimento.
- O registo da marca. Finalidade e efeitos. Cancelamento.
- O caso em análise à luz das considerações expendidas.
A função distintiva da marca como sua razão justificativa
A Autora AA Lda. intentou a presente acção contra BB Lda., pedindo a condenação desta a abster-se de utilizar nos seus produtos o sinal “PIZZATOPPING” ou outro semelhante à marca da Autora e a pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 150,00 por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações em que for condenado.
A Ré contestou e reconveio, pugnando pela improcedência da acção e que seja declarado nulo o registo da marca em análise.
A 1ª instância julgou a acção procedente e a reconvenção da Ré improcedente condenando a Ré e absolvendo a Autora, nos termos impetrados.
A Ré recorreu, tendo a Relação, na procedência da Apelação declarado a nulidade do registo da marca nacional de Apelada (Pizzatopping com o nº 00000) absolvendo-a do pedido contra si deduzido.
A revista que apreciamos incide pois sobre a subsistência da aludida “marca”, que a Ré impugna.
A marca “é um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas frases publicitárias com carácter distintivo”[1]. Trata-se de um meio identificador e diferenciador de produtos, expansível no seio do público destinatário, através da publicidade. Tratando-se do meio por excelência de divulgação de determinados produtos, compreende-se que a Lei lhe dispense protecção através do registo, com vista a diferenciar o produto dos eventuais (produtos) concorrentes, semelhantes ou iguais. Por outro lado o registo da marca contribui para resguardar o consumidor médio – o elo mais frágil da cadeia comercial de qualquer erro ou confusão[2]. A esta defesa junta-se a tutela de facto baseada na Convenção da União de Paris e que se reflecte na marca notória, na marca de grande prestígio e na marca de facto, aludidas sumariamente, já que não têm conexão com o caso sub judice.
No cerne da marca está pois o seu escopo diferenciador de modo a que é na função distintiva que a marca encontra o seu fundamento ontológico. A marca - escreve Luís M. Couto Gonçalves[3] – “para além de indicar, em grande parte dos casos, que os produtos ou serviços provêm sempre de uma empresa (…), também indica, de igual modo, que os produtos ou serviços se reportam a um sujeito que assume em relação aos mesmos o ónus pelo seu uso não enganoso”. E o mesmo Autor acrescenta que “A função distintiva no seu sentido amplo de proveniência, ainda pode revelar-se válida quando a marca seja um sinal distintivo concreto de produtos ou serviços, mas deixará de o ser quando a marca seja mais um sinal distintivo abstracto potencial de produtos ou serviços”.
Intimamente relacionado com a tutela protectora das marcas perfila-se o “instituto da concorrência desleal” cujo funcionamento é despoletado, na sua essência, pela prática de actos de concorrência contrários às normas e práticas honestas de determinada actividade[4]. Encontram-se tipificados na lei normas protectoras e sancionatórias de actos de concorrência desleal nos artigos 317º ss do Código da Propriedade Industrial, relevando, nomeadamente, o estatuído na alínea a) do nº 1 do primeiro artigo supracitado, onde se qualificam como de concorrência desleal “os actos susceptíveis de criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços qualquer que seja o meio empregue. Questão é que se preencham os requisitos para tanto, sendo que os respectivos critérios normativos constam do artigo 245º do CPI onde se lê que “1 – A marca registada considera-se imitada ou usurpada por outra, no todo ou em parte, quando, cumulativamente:
a) A marca registada tiver prioridade;
b) Sejam ambas destinadas a assinalar produtos ou serviços idênticos ou afins;
c) Tenham tal semelhança gráfica, figurativa, fonética ou outra que induza facilmente o consumidor em erro ou confusão, ou que compreenda um risco de associação com marca anteriormente registada, de forma que o consumidor não as possa distinguir senão depois de exame atento ou confronto.
2 – Para os efeitos da alínea b) do nº 1:
a) Produtos e serviços que estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem não ser considerados afins;
b) Produtos e serviços que não estejam inseridos na mesma classe da classificação de Nice podem ser considerados afins.
3 – Considera-se imitação ou usurpação parcial de marca, o uso de certa denominação de fantasia que faça parte de marca alheia anteriormente registada.
O perigo de concorrência desleal só se torna todavia palpável no caso de as empresas em confronto exercerem a sua actividade económica no mesmo ramo de actividade[5]. Só assim ganha relevo o perigo de confusão de marcas em ordem a que a detentora da marca legítima possa ser prejudicada. No entanto este Supremo Tribunal já se pronunciou também pela não interdição de duas marcas iguais numa determinada zona, desde que os produtos transaccionados sejam dedicados a mercados diferenciados. É o caso de duas empresas que apesar de coexistirem destinam v.g. as respectivas produções exclusivamente ao mercado interno e para exportação. Tudo isto aponta pois para uma apreciação casuística das situações em presença.
Expostas estas considerações norteadoras da abordagem e solução do caso, indaguemos da repercussão das mesmas na problemática que nos cabe resolver.
+
2.2.3. O registo da marca. Finalidade e efeitos. Cancelamento.
Constituída regularmente a marca através dos meios previstos no artigo 222º nº 1 do Código da Propriedade Industrial “desde que sejam adequadas a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”, cabe a quem tenha legítimo interesse, promover o registo das mesma – artigo 225º. O registo confere ao seu titular o direito de propriedade e de exclusivo da marca para os produtos e serviços a que esta se destina – artigo 224º nº 1. Trata-se de um direito constitutivo; como salienta Luís Couto Gonçalves “Fora do registo não há direito de marca. Sobre a marca de facto o único direito que existe é o direito de prioridade do registo dentro do prazo de seis meses. E sendo certo que possa ser protegido para além desse prazo (…) no âmbito das normas punitivas da concorrência desleal, o que então se protegerá não será em rigor o direito de marca”[6].
O registo pode todavia ser inquinado de nulidade ou anulabilidade nos termos do preceituado nos artigos 33º e 34º do Código da Propriedade Industrial. O primeiro normativo legal reporta-se ao vício mais grave e está previsto também, no que toca ao caso que analisamos, no artigo 265º nº 1 alínea a) e 238º nº 1 alínea e) do referido Diploma legal. Isto significa que verificado que seja a falta de sinal distintivo da marca, a sua nulidade acarreta a do registo.
Revertendo ao caso em análise, entende a Autora ora recorrente que, tomando em consideração os factos dados como provados, não poderia ser proferido o acórdão da Relação nos termos em que o foi; isto, acrescenta, torna-se ainda mais claro quando cotejados com a factualidade dada como não provada, que acima igualmente se transcreve.
De um modo geral prova-se que a Autora é uma sociedade comercial por quotas que tem como objecto social a Indústria de carnes e comércio de lacticínios titular da marca nacional nº 00000 “PIZZA TOPPING” destinada a assinalar “produtos lácteos e seus derivados na classe 29 da classificação Internacional de Nice. Por seu turno a Ré encontra-se a utilizar o sinal "PIZZATOPPING" num dos seus produtos que consiste num produto lácteo, nomeadamente queijo ralado.
O sinal "PIZZATOPPING" é aposto no rótulo da embalagem, encontrando-se a letras maiúsculas e seguido da descrição "com Queijo Natural". O sinal que a Ré utiliza tem como função aludir de um modo genérico à cobertura de Pizzas; mas o próprio teor literal da expressão não permite ir além disso mesmo; não há qualquer possibilidade de inferir qualquer elemento distintivo adequado a distinguir tal produto (coberturas de pizzas) dos de outras empresas que igualmente vendam produtos daquela natureza, nomeadamente qualquer frase publicitária com carácter distintivo. Na esteira das considerações genéricas que acima deixámos escritas, o sinal a que vimos aludindo, PIZZATOPPING, para além da sua natureza genérica, acabará, no fundo, em razão da sua abrangência, por tornar-se mais um sinal distintivo abstracto potencial de produtos topping.
Diremos em suma que a sigla “Pizza topping” não é uma marca, não tem função distintiva, é apenas uma chamada para a existência de uma classe de produto que, por outro lado, é complementado por várias categorias.
Não tendo o sinal da Autora idoneidade para ser considerado como uma marca - não obstante se verifique um caso de imitação - cai a tese do Autor de proibição do seu uso pela Ré em virtude da susceptibilidade de confusão como marca protegida, e de abrir a porta à concorrência desleal. A ausência do carácter distintivo da expressão PIZZA TOPPING retira-lhe a aptidão para ser considerada como marca – artigo 224º a contrario do Código da Propriedade industrial.
Nesta conformidade e considerando também o que mais acima referimos acerca do registo, a concessão à Autora da Marca Nacional nº 00000 pelo Director da Direcção de marcas e Patentes (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) não poderia ser mantida pelo que foi correcta a decisão da Relação quando declarou a nulidade do registo da marca nacional PIZZA TOPPING absolvendo a Ré/Apelante do pedido de indemnização contra si deduzido reconhecendo o direito da mesma a usar o sinal PIZZATOPPING nos rótulos dos produtos por si comercializados.
A revista irá assim denegada.
Poderá assim concluir-se à guisa de sumário e conclusões:
1) A marca “é um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas frases publicitárias com carácter distintivo; Trata-se de um meio identificador e diferenciador de produtos, expansível no seio do público destinatário, através da publicidade.
2) Intimamente relacionado com a tutela protectora das marcas perfila-se o instituto da concorrência desleal, cujo funcionamento é despoletado, na sua essência, pela prática de actos de concorrência contrários às normas e práticas honestas de determinada actividade.
3) É susceptível de constituir acto de concorrência desleal quando a empresa faz uso de marca imitada ou usurpada de outra alheia anteriormente registada, verificado casuisticamente o prejuízo causado desde logo pela similitude de produtos transaccionados seu mercado de destino bem como proximidade geográfica onde exercem as suas funções.
4) Todavia a marca só poderá considerar-se como tal desde que tenha carácter distintivo, dos de outras empresas que igualmente vendam produtos daquela natureza, o que poderá verificar-se nomeadamente através de qualquer frase publicitária com carácter peculiar.
5) A sigla Pizzatopping é apenas uma chamada para a existência de uma classe de produto que, por outro lado, é complementado por várias categorias. A ausência de alcance distintivo retira à sigla em causa a aptidão para ser considerada como marca, à luz do estatuído no artigo 224º a contrario do Código da Propriedade Industrial.
Pelo exposto acorda-se em negar a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 6 de Outubro de 2016
Távora Vítor (Relator)
Silva Gonçalves
Joaquim Piçarra.
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[1] Cfr. Paulo Olavo Cunha “Lições de Direito Comercial”, Almedina, Coimbra, 2010, pags. 337 ss: Carlos Olavo “Propriedade Industrial” Almedina, Coimbra 1997, pags. 37 ss.
Na Jurisprudência cfr. Acs. deste STJ de 11-2-2013 (03B2331); 10-7-1997 (96B738); de 24-4-2012 (P. 424/05.7TYVNG.P1.S1); 10-7-1997 Ac. do S.T.J. (P. 96B738) todos das Bases da DGSI.
[2] Cfr. Ac. do S.T.J. de 15-12-2011 (P. 478/09.7TBCBR.C1.S1).
[3] Cfr. “Função Distintiva da Marca”, Teses, Almedina, Coimbra, 1999, pags. 224.
[4] Cfr. Carlos Olavo Ob. cit. págs. 142 ss.
[5] Cfr. Acs. deste STJ Ac. do S.T.J. (P. 087043) de 25 de Setembro de 1995; de 30 de Outubro de 2003, (P. 03B2331), ambos nas Bases da DGSI.
[6].Cfr. Ob. e Loc citado pags. 187.