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EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
RELAÇÃO CAUSAL
FACTOS NÃO ALEGADOS
RECONHECIMENTO DA DÍVIDA
PROMESSA DE CUMPRIMENTO
Sumário
I - Ao permitir-se que em relação à promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida unilaterais, o devedor possa ilidir a existência de relação fundamental, invocando, consequentemente, excepções ex causa, demonstrado fica que as declarações e promessas unilaterais não são abstractas mas relativas a negócios causais. II - Como a relação causal não tem de constar do documento com carácter recognitivo, apresentado como título executivo, não fica o credor desonerado do ónus de alegação da relação fundamental.
Texto Integral
Processo n.º 1615/10.4TBAMT-A.P1 (Apelação)
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Amarante (1.º Juízo)
Apelante: B…
Apelado: C…, Ld.ª
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
Sumário:
1. O artigo 458.º do Código Civil apenas dispensa o credor/exequente de provar a relação subjacente, mas não de a alegar.
2. O credor munido de um documento donde consta a confissão de dívida, sem indicação da respetiva causa, ainda que o documento seja título executivo, por preencher os requisitos previstos no artigo 46.º, n.º1, alínea c), do CPC, não fica desobrigado de alegar no requerimento executivo a factualidade relativa à relação subjacente, sob pena de ineptidão do requerimento executivo.
I – RELATÓRIO
A executada B… deduziu oposição à execução comum, para pagamento de quantia certa, em que é exequente C…, Ld.ª, pedindo que, na procedência da mesma, seja absolvida do pedido contra ela formulada na execução.
Para fundamentar a oposição alegou, em síntese, que nada deve à exequente, só assinou a confissão de dívida dada à execução por ter sido coagida, negando ter qualquer relação comercial com a exequente. Conclui, alegando a ineptidão do requerimento executivo, por não ter sido alegada a relação causal, que o artigo 458.º do Código Civil não dispensa essa alegação e que, de qualquer forma, o negócio feito sob coação e erro são anuláveis.
A exequente contestou, alegando as circunstâncias que levaram à declaração constante do documento apresentado como título executivo, respondendo às exceções, concluindo pela improcedência da oposição.
Foi proferido despacho saneador que apreciou e julgou improcedente a alegada ineptidão do requerimento executivo. Foi dispensada a seleção da matéria de facto.
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição.
Inconformada, apelou a oponente, defendendo a revogação da sentença e a procedência da oposição.
Contra-alegou o exequente, defendendo a improcedência da apelação.
Conclusões da apelação:
1º A Recorrente considera que a decisão quanto à matéria de facto padece de alguns vícios, designadamente quanto à resposta dada ao alegado no artigo 4º da Oposição à execução.
2º O testemunho do Sr. Dr. D…, gravado em suporte digital entre as 15:32:22 e as 16:01:52 do dia 26 de Outubro de 2011, reputado de idóneo e credível, confirma que a Recorrente não tem qualquer negócio ou ligação com a Recorrida.
3º Apenas a sociedade E…, Lda. teve relações com a Recorrida, sendo que, de acordo com a testemunha, a confissão de dívida se destinava a cobrir riscos advenientes de eventuais problemas desta com a Administração Fiscal, pese embora desconhecer como foi fixada a quantia, sendo certo que a mesma não foi negociada com nenhum dos confessados devedores, muito menos com a Recorrente, que não conhece ou reconhece.
4º Por outro lado, a testemunha garantiu que o teor da confissão de dívida e os termos que nela constam são da sua autoria, sendo que, na sua versão dos factos, sempre terá acordado com o representante legal daquela sociedade que os demais assinantes seriam fiadores ou garantes do cumprimento.
5º Estas provas justificam uma alteração da decisão quanto à matéria de facto no que concerne ao artigo 4º da Oposição, o qual deve ser dado como provado.
6º Deve ainda ser dado como provado que: a sociedade E… não podia cumprir a sentença que a condenava na entrega dos documentos contabilísticos à C…, Lda, uma vez que os mesmos não existiam, facto atendível por força do nº 2 do artigo 514º CPC.
7º A sustentar esta afirmação está o depoimento da testemunha F…, Agente de Execução, que lavrou o auto de penhora encontrado a fls. 153 e 154 dos autos, o próprio auto de penhora e o testemunho do Sr. Dr. D…, que revelaram que a sociedade E…, Lda não tinha quaisquer documentos para entregar à Recorrida.
8º Trata-se, na verdade, de matéria especialmente relevante uma vez que fica demonstrado, sem contestação possível, que não existia qualquer causa para a dívida confessada aqui exequenda.
9º Por outro lado, não pode o Tribunal deixar de verificar e declarar a ineptidão do Requerimento Executivo que deu o impulso a estes autos.
10º Foi executado um documento particular designado “confissão de dívida”, o qual não contém em si os factos referentes à causa de pedir, factos que continuaram ausentes no Requerimento Executivo, fazendo a sua aparição apenas na Contestação à Oposição à execução.
11º No entanto, dispõe o art. 810º, nº 1, al. e) do CPC que o requerimento executivo deve conter a exposição sucinta dos factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo, sendo que a sua falta determina o indeferimento liminar por ineptidão, o que deveria ter sido decidido.
12º A invocação dos factos apenas na contestação à oposição à execução origina, por outro lado, alteração de causa de pedir, não podendo tal ocorrer salvo acordo do executado, nos termos do disposto nos artigos 272º e 273º, nº1 CPC.
13º. Como refere Joel Timóteo Ramos Pereira, em artigo publicado na revista “O Advogado”, nº 20, de Abril de 2002: a alteração da causa de pedir é inadmissível em sede executiva, salvo se houver acordo por parte do executado (art.º 272.º do CPC).
14º Destarte, não deve ser permitido à execução a que esta segue apensa subsistir quando a petição que lhe deu origem se encontra irremediavelmente incapaz de cumprir o seu objectivo de sustentar todo o edifício processual, por falta de causa de pedir.
15º Na Oposição à execução, a Recorrente colocou sobre a apreciação do Tribunal a questão de não poder a Recorrida alegar, em sede de contestação à oposição, factos referentes à relação material controvertida, pelo que o Tribunal de 1ª instância deveria ter-se pronunciado sobre esta problemática.
16º Com efeito, o artigo 660º, nº 2, 1ª parte, obriga o juiz a resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, sendo que “é nula a sentença quando: o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”, nos termos do disposto no artigo 668º, nº 1, alínea d) CPC.
17º Uma vez que, no presente processo, não houve qualquer decisão relativa à questão suscitada pela Recorrente, nem a solução da mesma ficou prejudicada por outra decisão tomada no mesmo âmbito, ocorre nulidade da sentença por falta de pronúncia.
18º Ocorre, igualmente, nulidade por excesso de pronúncia, porquanto a sentença em crise conheceu os factos alegados pela Recorrida na Contestação, sendo o Requerimento Executivo totalmente omisso quanto a eles.
19º Decidindo-se que a Recorrida estava impossibilitada de alegar neste apenso os factos atinentes à relação material controvertida e subjacente à declaração de dívida, não podia o Tribunal conhecer os factos constantes da Contestação, uma vez que os mesmos consubstanciam alteração da causa de pedir, inadmissível nos termos supra defendidos, sob pena de nulidade.
20º Num processo executivo o título executivo assume-se como um instrumento probatório especial da obrigação exequenda, a qual constitui, outrossim, a causa de pedir.
21º Salvo nos casos legalmente previstos de abstracção causal, como sejam os títulos de crédito válidos e não prescritos, a causa de pedir que não conste do título tem de ser invocada no requerimento executivo, não o podendo ser na contestação da oposição.
22º Como refere Lebre de Freitas, e toda uma corrente jurisprudencial, com diversos exemplos plasmados no presente recurso, se a causa de pedir não for invocada, ainda que a título subsidiário, no requerimento executivo, não poderá sê-lo na pendência do processo.
23º Uma vez que a Recorrida não descreveu no Requerimento Executivo os factos que à luz da ordem normativa desencadeiam consequências jurídicas, ficou impedida de o fazer, já que a Recorrente a isso se opôs expressamente.
24º O disposto no artigo 458º CC não tem o alcance de dispensar a invocação da relação subjacente, uma vez que apenas legisla uma presunção de existência da relação fundamental, dispensando o credor de a provar (é este o sentido da decisão proferida no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de Maio de 2003, relatado por Faria Antunes, de onde se retira que este preceito não consagra o princípio do negócio abstracto, mas antes a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental).
25º Porém, não fica o mesmo credor dispensado da alegação dos factos, uma vez que só em face da sua descrição pode ser presumida a sua existência e validade.
26º Os negócios unilaterais, como fonte autónoma de obrigações, têm carácter meramente excepcional, vigorando o princípio do contrato, que exige o acordo inter partes (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, no “Código Civil Anotado”, Volume I, Coimbra Editora, Lda., 4ª edição revista e actualizada, pág. 438).
27º De facto, não é “razoável (fora dos casos especiais previstos na lei) manter alguém irrevogavelmente obrigado perante outrem, com base numa simples declaração unilateral de vontade, visto não haver conveniências práticas do tráfico que o exijam, nem quaisquer expectativas do beneficiário dignas de tutela, anteriormente à aceitação, que à lei cumpra salvaguardar”.
28º Assim, ainda que alguém, através de uma única declaração de vontade, reconheça uma dívida, sem indicar o facto jurídico que o leva a obrigar-se, mantém-se no âmbito dos negócios causais, de modo que, exceptuados os casos legalmente permitidos de abstracção causal, sempre que do título não conste a descrição da relação causal, tem o exequente a necessidade de invocar a causa da obrigação.
29º Exige-se a invocação clara e precisa da causa por detrás da obrigação causal, já que o documento somente faz presumir o direito adquirido pelo negócio subjacente, titulando uma obrigação causal.
30º Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07 de Julho de 2010, relatado por Serra Batista, “o art. 458.º do CC que, nos negócios unilaterais, disciplina a promessa de cumprimento e o reconhecimento da dívida, dispensa a prova, mas não a alegação na causa de pedir, nele não se consagrando o princípio do negócio abstracto”.
31º Destarte, ao não alegar a causa debendi, a Recorrida não só provocou a ineptidão da sua petição inicial, como ficou impedida de trazer esses factos ao processo em momento futuro, nomeadamente, na Contestação à Oposição à execução, pelo que os mesmos devem ser eliminados do rol dos factos provados.
32º Resulta claro da prova feita nos autos que não existe qualquer dívida entre a Recorrente e a Recorrida, mas somente um documento em que a Recorrente e outros se confessam devedores de uma quantia monetária à Recorrida, sem qualquer causa para essa confissão.
33º Esse facto é mesmo confessado pela Recorrida, que assume sem pudor que à confissão de dívida dada à execução, não subjaz qualquer negócio jurídico, envolvendo a Recorrente, que sustente a declaração vertida naquele papel.
34º Como se referiu, com suporte em Pires de Lima e Antunes Varela, vigora o princípio do contrato, porque não é razoável, muito menos justo, manter alguém obrigado perante outrem com base numa simples declaração unilateral de vontade, sem que haja uma posição do beneficiário digna de tutela.
35º O direito, a lei, e os tribunais não podem compactuar com injustiças, não sendo permitido que pessoa alguma se locuplete à custa alheia.
36º Atente-se, por exemplo, na proibição do enriquecimento sem causa, prevista no artigo 473º, nº 1 CC, onde se pune o enriquecimento que carece de causa justificativa, o que ocorrerá sempre que não exista uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida, isto é, que legitime o enriquecimento.
37º Como tal, não podem os tribunais aceitar que alguém seja obrigado a pagar uma dívida que não existe, e participar nessa espoliação só porque são confrontados com um papel, que, de facto, foi assinado pelo executado, mas sem qualquer negócio ou obrigação subjacente, sob pena de cometer grave injustiça.
38º A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 458º CC, 45º, 46º, nº 1, alínea c), 193º, nºs 1 e 2, alínea a), 272º, 273º e 810º, nº 1, alínea e) CPC.
II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objecto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objecto do recurso nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1 do CPC, redacção actual, sem prejuízo do disposto no artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, as questões a decidir resumem-se a saber se o requerimento executivo é inepto e, não o sendo, se deve ser aditada a matéria de facto provada; se ocorreu alteração da causa de pedir; se a sentença é nula e se inexiste a dívida exequenda.
B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
A) A exequente deu á execução como titulo uma declaração de divida celebrada em18.2.2006 através do qual, a oponente entre outros, se confessou devedora á exequente da importância de €50.379,86.
B) Obrigando-se ao pagamento da citada quantia em prestações.
C) A Exequente intentou providência cautelar e acção de processo sumário contra os ali Réus E…, Lda e G…, acção esta que correu os seus termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, registada sob o nº 639/08.6TBAMT.
D) Os Réus não contestaram nem a providência cautelar nem a acção declarativa, pelo que foi proferida sentença na acção, nos termos do artigo 784º do CPC, condenando os Réus a restituir à ora Exequente vários elementos de contabilidade, a indemnizar aquela pela quantia de 3.268,76 €, correspondente a prejuízos já liquidados, a indemnizar a Exequente nos prejuízos que viessem a ocorrer futuramente (coimas, multas e juros por falta de entrega dos referidos elementos de contabilidade) e por fim foram também os Réus condenados em sanção pecuniária compulsória não inferior a 3 UCs por cada dia de atraso no cumprimento da sua obrigação.
E) O Executado H… é filho do Executado G… e da opoente, sendo estes casados entre si.
F) Como os Réus da referida acção não cumpriram o disposto na sentença proferida, a Exequente intentou duas acções executivas contra os mesmos, que correm os seus termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, registadas com os nº 639/08.6TBAMT-B (entrega de coisa certa) e 639/08.6TBAMT-C (pagamento de quantia certa).
G) No dia 16 de Fevereiro de 2009, a Agente de Execução F…, nomeada no processo executivo para pagamento de quantia certa, supra referido, deslocou-se acompanhada do mandatário da Exequente C…, Lda, Sr. Dr. D…, ao escritório da Executada E…, Lda;
H) Para a realização de diligência de penhora de bens móveis nesse local (recheio do estabelecimento da Executada sociedade).
I) Ali chegados, aqueles verificaram que no local apenas se encontrava o legal representante da Executada E… Lda, o ora Executado H….
J) Nesse local, foi explicado a este último que se encontravam ali para proceder à penhora de bens, no âmbito do processo executivo nº 639/08.6TBAMT-C, que tinha como título executivo a sentença condenatória, já conhecida do Executado.
L) O legal representante da sociedade Executada pretendeu resolver a situação de forma consensual, evitando deste modo, por um lado, a efectiva penhora de bens e o constrangimento que tal situação provocaria à imagem da sociedade Executada;
M) E, por outro, fixando-se o montante da dívida, atendendo que havia danos a liquidar futuramente e que tinha sido fixada uma sanção pecuniária compulsória que se estava a vencer diariamente até à entrega dos elementos contabilísticos em que os Réus tinham sido condenados.
N) O Executado H… referiu naquele acto que não tinha forma de cumprir o segmento da sentença que condenava na entrega dos documentos contabilísticos à Exequente.
O) Todas as pessoas presentes no local, incluindo a Agente de Execução F…, dirigiram-se ao actual contabilista da Exequente (que se situa próximo do estabelecimento da sociedade Executada), para confirmar a impossibilidade de dar cumprimento à sentença no que respeita à entrega dos documentos contabilísticos e avaliar os eventuais prejuízos dai decorrentes para a Exequente.
P) Após terem verificado que o valor a fixar era elevado e dado que o H… referiu a impossibilidade de pagar de uma só vez a quantia em dívida, mas que o poderia fazer em prestações, foi acordada a forma de pagamento nos termos constantes do título executivo.
Q) Para além disso, ficou ainda acordado entre a Exequente e todos os Executados, que estes assumiriam solidariamente o pagamento;
R) Pretenderam todos os executados a celebração do acordo, consubstanciado na confissão de dívida o que foi proposto à Exequente e por esta aceite.
S) O referido acordo foi reduzido a escrito dois dias após a diligência de penhora e foi redigido pelo mandatário da Exequente nos exactos termos acordados.
T) Por sua vez, o Executado H… comprometeu-se a ir buscar o acordo ao escritório do mandatário da Exequente, sito na Rua …, nº . – .º, Amarante, para posteriormente recolher as assinaturas das demais pessoas que assumiram a dívida.
U) Após o acordo estar devidamente assinado, o Executado H… dirigiu-se ao escritório do mandatário da Exequente para entregar o acordo assinado, com cópias dos Bilhetes de Identidade e números de contribuinte dos intervenientes.
V) Posteriormente ao vencimento da primeira prestação, no dia 05 de Março de 2009, o Executado H… dirigiu-se ao escritório do mandatário da Exequente para entregar a quantia de 8.000,00 Euros (oito mil euros), em numerário, para pagamento de parte da primeira prestação.
III- DO CONHECIMENTO DO RECURSO
A primeira questão que importa conhecer, considerando os efeitos sobre o processado, caso seja julgada procedente, é a da ineptidão do requerimento executivo.
Invoca a apelante a ineptidão do requerimento executivo, por falta de causa de pedir, uma vez que nem no documento apresentado como título executivo, nem na alegação da exequente, estão indicados factos identificadores da relação subjacente, encontrando-se, assim, violado o disposto no artigo 810.º, n.º1, alínea e) do CPC.
Acrescentando, ainda, que o disposto no artigo 458.º do Código Civil contempla apenas uma situação de inversão do ónus de prova, por presumir a existência da relação subjacente, mas não dispensa os exequentes de alegarem, no requerimento executivo, os factos correspondentes à relação causal.
Concluindo, consequentemente, que deveria ter sido indeferido liminarmente o requerimento executivo.
Vejamos se lhe assiste razão.
No despacho saneador foi apreciada e julgada improcedente a exceção de ineptidão do requerimento executivo, por se ter concluído, em face do disposto nos artigos 193.º, 46.º, 813.º do CPC que “…o requerimento executivo obedece aos mencionados requisitos [por se integrar na categoria de documentos particulares, assinados pelo devedor, que importam constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto, constituindo sem sombra de dúvida títulos executivos”], vem dirigido ao Tribunal de execução, vem assinado por mandatário, consta de modelo aprovado por decreto lei, descreve alguns factos integradores da execução, sendo que outros, fluem directamente do título, dispensando-se assim a exequente de os descrever, atendendo á natureza do processo em causa.
Atendendo assim aos factos integradores, constantes do próprio título, é despicienda a sua repetição em sede de r.i..
Está consagrada a fórmula de cálculo do montante em divida, no r.i. (…) de nenhum vício ou “falta de exposição de motivos” padece a petição inicial formulada na execução suspensa.”
Convém antes de mais esclarecer, atenta a invocação da apelada nas contra-alegações, que este despacho não transitou em julgado, por o mesmo não ser suscetível de impugnação autónoma, dado não se enquadrar em nenhuma das alíneas do n.º 2 do artigo 691.º do CPC (na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, aplicável à execução e seus apensos, atenta a dada da instauração- cfr. artigos 11.º e 12.º da parte preambular deste diploma), podendo o mesmo ser impugnado, como foi, com o recurso interposto da decisão final (artigo 691.º, n.º 3 do CPC).
Não questiona a apelante que o título apresentado se enquadra naqueles que são mencionados na alínea c) do artigo 46.º do CPC – documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes – determinando que a execução instaurada, com base na sua apresentação, siga os termos da execução para pagamento de quantia certa, por via do disposto no artigo 45.º do CPC.
O que a apelante contesta é que a exequente, perante a apresentação desse título, esteja dispensada de alegar factos donde emerja a relação causal ou subjacente.
Analisando o conteúdo do documento apresentado como título executivo, constata-se que se trata de um documento particular intitulado “Confissão de Dívida”, subscrito, entre outros, pela apelante B…, através do qual a apelante, bem como os demais outorgantes, se declaram devedores solidários da quantia de €50.739,86, à ora apelada, C…, Ld.ª, ali estabelecendo a forma e prazos de pagamento. Mais se refere que:
“4- É conferida força executiva ao presente contrato”
“5- Mais declaram expressamente que a presente Confissão de Dívida é feita nos termos do artigo 458.º do Código Civil.”- cfr. fls. 253.
Por sua vez, no requerimento executivo, a exequente, na parte referente aos “Factos”, repete tão só o conteúdo do documento, acrescentando que os executados apenas efetuaram o pagamento da quantia de €8.000,00, no dia 05.03.2009, não tendo pago mais nenhuma quantia ou prestação- cfr. fls. 247-251.
Decorre, assim, do teor do documento e da alegação da exequente exarada no requerimento executivo, a total omissão da relação/negócio jurídico subjacente à confissão de dívida titulada pelo documento apresentado como título executivo.
Decorre também, com segurança, em face da natureza do título executivo apresentado, que não estamos perante uma relação abstrata titulada por um título de crédito, ou seja, perante uma relação da caráter cambiário.
Assim, a questão que importa decidir é se, no domínio das relações causais, não sendo a mesma alegada no requerimento executivo (nem a mesma resultar do título executivo), o requerimento executivo é inepto por falta de causa de pedir (artigo 193.º, n.º2, alínea a) do CPC), ou se ao invés, o requerimento executivo não é inepto, porque resultando do artigo 458.º do Código Civil que o reconhecimento de dívida, sem indicação da respetiva causa, faz presumir que a dívida existe e tem causa, não carece a mesma de ser indicada no requerimento executivo.
A questão não tem uma resposta uniforme na jurisprudência. Duas teses de perfilam nesta matéria, uma que responde positivamente à primeira parte da questão formulada (e que se nos afigura predominante)[1] e, outra, que defende o inverso, ou seja, que entende dar prevalência à segunda hipótese.
Em nosso entender, subscrevemos a primeira orientação jurisprudencial.
Vejamos porquê.
É indiscutível que o título executivo apresenta-se como requisito essencial da ação executiva e há-de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, isto é, documento suscetível de, por si próprio, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta a formulação da pretensão exequenda.
Nesse pressuposto, o título executivo, para além de provar a relação obrigacional existente entre exequente e executado, também se perfila como condição necessária, mas suficiente, da ação executiva, desde que preencha os requisitos externos de exequibilidade que a lei prevê.
Verificados esses requisitos, tem-se por reconhecida a sua exequibilidade, por presumida a obrigação subjacente, só suscetível de ser afastada pela prova da inexigibilidade ou inexistência do direito, a alegar e provar pelo executado em oposição à execução.
De referir, contudo, que, sendo embora o título executivo condição necessária da respetiva ação, é entendimento comum na doutrina e jurisprudência, que o título não constitui a sua causa de pedir[2], que continua a ser a relação substantiva que está na base da sua emissão.
O que acontece é que, dados os referidos requisitos de exequibilidade exigidos, não há, em regra necessidade de alegação dos factos constitutivos do direito do exequente no requerimento executivo, já que o documento que constitui o título faz presumir a existência da causalidade da obrigação nele declarada, com a segurança tida por suficiente.
Assim, para que os documentos referidos na citada alínea c) constituam título executivo, importa que “os mesmos formalizem a constituição de uma obrigação, isto é, sejam fonte de um direito de crédito, ou que neles se reconheça a existência de uma obrigação já anteriormente constituída. Neste último caso encontram-se a promessa de cumprimento ou reconhecimento de uma dívida (art. 458 CC), ou, mais amplamente, a confissão da realidade de factos constitutivos de obrigações (arts. 352 CC e 358-2 CC.)[3]”.
Os documentos previstos no artigo 458.º são, assim, designados como documentos recognitivos, por neles, como se alude no n.º1 do preceito, se “prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respectiva causa, ficando o credor dispensado de provar a relação fundamental cuja existência se presume até prova em contrário.”
Sucede, no entanto, que ao permitir-se que em relação à promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida unilaterais, o devedor possa ilidir a existência da relação fundamental, invocando, consequentemente, exceções ex causa, demonstrado fica que as declarações e promessas unilaterais não são abstratas mas relativas a negócios causais.
Mas como a relação causal não tem de constar do documento com carácter recognitivo, apresentado como título executivo, como decorre da conjugação do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC, e 458.º, n.º1 do Código Civil, não fica o credor desonerado do ónus da alegação da relação fundamental, aquela que na verdade serve de causa de pedir, aquando da apresentação do requerimento executivo.
Desde logo, porque o artigo 458.º do Código Civil não consagra, como já se referiu, o princípio do negócio abstrato, mas apenas a inversão do ónus de prova da existência da relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário.[4]
Depois, porque permitindo a lei a elisão dessa presunção, o efetivo exercício do princípio do contraditório por parte do devedor (aplicável por via do artigo 3.º do CPC em todas as formas de processo), deduzindo as exceções ex causa que julgue adequadas para o efeito, impõe que no requerimento executivo sejam alegados os factos consubstanciadores da relação causal.
Finalmente, porque o artigo 810.º, n.º 1, alínea e) do CPC (redação dada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20/11, aqui aplicável), prescreve que no requerimento executivo, o exequente deve expor sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo. (sublinhado nosso)
Assim, se o título executivo tiver apenas carácter recognitivo, ou seja, nele não for indicada a relação causal, por via deste preceito, impende sobre o exequente o ónus dessa alegação.
Nem se coloca, a nosso ver, a questão da (in)admissibilidade da ampliação da causa de pedir em sede de resposta à contestação, porque só pode ser ampliada uma causa de pedir que foi alegada e, não o tendo sido no requerimento executivo, nunca poderá haver ampliação da causa de pedir (surgindo, assim, despicienda a questão da existência ou não de acordo da parte contrária- cfr. artigos 272.º e 273.º do CPC).
Revertendo ao caso sub judice, e atento o regime legal acima exposto, o documento apresentado como título executivo, apresenta carácter recognitivo, meramente confessório de uma dívida, preenchendo os requisitos de exequibilidade do artigo 46.º, alínea d) do CPC. Porém, como a obrigação subjacente é causal, o credor só pode exigir coativamente o cumprimento da obrigação se invocar, no requerimento executivo, a relação subjacente ou fundamental, pelo que não tendo a mesma sido alegada no requerimento executivo, o mesmo é inepto por falta de causa de pedir, o que determina a nulidade de todo o processado e consequente absolvição da executada/oponente da instância executiva (artigos 193.º, n.º1 e 2, alínea a) do CPC).
Em consequência, fica prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
Dado o decaimento, a apelada suporta as custas devidas na 1.ª e 2.ª instância (artigos 446.º, n.º 1 e 2 do CPC).
IV- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, declarando a nulidade de todo o processado, absolvendo a executa/oponente da instância executiva.
Custas nos termos sobreditos.
Porto, 11 de junho de 2012
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Ana Paula Pereira Amorim
José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira
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[1] Assim, e exemplificativamente, Ac. STJ, de 15.09.2011, proc. 192/10.0TBCNT-A.C1.S1; Ac. RL, de 29.06.2009, proc. 2640/09.3TCLRS.L1-6; Ac. RL, de 17.12.2009, proc. 6659/07.0TBLRA-A.L1-6; Ac. RP, de 08.03.2012, proc. 589/08.6TBVCD-A.P1; Ac. RG, de 06.12.2007, porc. 2390/07, em www.dgsipt. No mesmo sentido, em termos doutrinários, vd. AMÂNDIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, 11.ª ed., p. 158-161; LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva Depois da reforma da reforma, 5.ª ed., p. 59, nota 48-B
[2] Como refere CASTRO MESNDES (A Causa de Pedir na Acção Executiva), sendo o título executivo um documento, não pode ele equivaler à causa de pedir, por esta ser um facto - o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida na ação, segundo a definição do n.º4 do artigo 498.º do CPC. No mesmo sentido, ANTUNES VARELA, in RLJ, ano 121.º, p. 147 e segs.; REMÉDIO MARQUES, Curso de Processo Executivo Comum Face ao Código Revisto, 2000, p. 52 e sgs; AMÂNCIO FERREIRA, Curso de Processo de Execução, 11.ª ed., p. 159.
[3] LEBRE DE FREITAS/JOÃO REDINHA/RUI PINTO, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, Coimbra Editora, 1999, p. 92.
[4] Em princípio quem alega também está onerado com o ónus de prova. Porém, existindo inversão do ónus de prova, não se afigura que daí decorra a desoneração quanto à alegação a cargo do exequente, a não ser que a lei expressamente assim estipulasse, o que não sucede de todo.