VOTAÇÃO
DELIBERAÇÃO DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
INSPECTOR JUDICIAL
INSPETOR JUDICIAL
MAIORIA ABSOLUTA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
JUIZ
RECURSO CONTENCIOSO
Sumário

I - Exige o n.º 4 do art. 24.º do Regulamento das Inspecções Judiciais, que a deliberação de designação de inspectores judiciais seja tomada por maioria absoluta dos votos expressos dos membros presentes na respectiva sessão do plenário. Temos como bom o entendimento de que a figura do «voto validamente expresso» exclui o «voto branco» para a obtenção da maioria absoluta necessária à eleição do candidato.
II - É isso o que resulta do n.º 1 do art. 10.º (aditado pela Lei n.º 143/85, de 26-11) da Lei Eleitoral do Presidente da República (Dec.-Lei n.º 319-A/76, de 03-05) e é este o sentido interpretativo que, fazendo-se apelo à unidade do nosso sistema jurídico, se faz, outrossim, estender para os restantes regimes eleitorais e seguidos pela doutrina e jurisprudência do STJ.
III - Conforme o STJ tem vindo a decidir, embora se reconheça que os votos em branco são votos válidos, eles não contam para a formação da maioria absoluta que se exige para a designação dos inspectores judiciais.
IV – Tendo o recorrente, candidato à vaga de Inspector Judicial para as 17.ª e 20.ª áreas, obtido um número de votos superior a metade do número de votantes, descontado do número de votos em branco, é de anular a deliberação recorrida que decidiu «uma vez que o resultado das votações não permitiram obter uma maioria dos votos expressos dos membros presentes, nos termos que exige o art. 24.º, n.º 4, do RIJ, (…) proceder a convite nos termos do art. 25., n.º 5, do RIJ».

Texto Integral


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

     O Ex.mo Sr. Juiz Desembargador Dr. AA, em exercício de funções no Tribunal da Relação de ..., notificado da deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 2 de fevereiro de 2016, que decidiu, no âmbito da escolha de Inspetor Judicial para as ....ª e ....ª áreas, "uma vez que o resultado das votações não permitiram obter uma maioria dos votos expressos dos membros presentes, nos termos que exige o art.º 24°, n.º 4, do RJ.J., (...) proceder a convite nos termos do art.º 25.º, n.º 5 do RIJ", vem, ao abrigo do disposto nos artigos 168.º e seguintes do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de julho, apresentar recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça, com os seguintes fundamentos:

     I - OBJETO DO RECURSO

1. O ato impugnado é, como se disse, a douta deliberação do Conselho Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 2 de fevereiro de 2016, que decidiu, no âmbito da escolha de Inspetor Judicial para as ....ª e ....ª áreas, "uma vez que o resultado das votações não permitiram obter uma maioria dos votos expressos dos membros presentes, nos termos que exige o art.º 24.°, n.º 4, do R.I.J., (...) proceder a convite nos termos do art.º 25.º, n.º 5 do R.I.J." (cfr. doc. 1 que se junta e cujo teor se tem por integralmente reproduzido, assim como se tem o de todos os documentos doravante juntos, para todos os legais efeitos).

2. O A. é diretamente visado e lesado pela douta deliberação impugnada, pelo que tem legitimidade.

3. O A. foi notificado do ato impugnado em 18 de março de 2016, pelo que está em tempo - cfr. artigo 169.º do EMJ.

4. O Tribunal é competente, nos termos do disposto no artigo 168°, n.º 1, do EMJ.

     II - DOS FACTOS

5. Em 29 de setembro de 2015 deliberou o Plenário do CSM a abertura, no quadro de Inspetores do CSM, de três vagas de Inspetor Judicial, para as áreas de inspeção ....ª, ....ª e ....ª, cfr. aviso n.º  10/2015 que se junta como doc. 2.

6. Em 2 de dezembro de 2015 foi publicitada a referida abertura, tendo os respetivos candidatos até às 17h de 21.12.2015 para apresentação da respetiva candidatura, cf. aviso já junto como doc. 2.

7. O A., em cumprimento do já mencionado aviso de abertura, remeteu a sua carta de apresentação e CV em 21.12.2015, carta e CV que se juntam como docs. 3 e 4.

8. Por deliberação de 02.02.2016, decidiu o Conselho Plenário, concretamente em relação às ....ª e ....ª áreas, o seguinte:

"Foi deliberado proceder-se a escolha de Inspector Judicial para a ....ª Área, através de voto secreto.

A votação foi precedida, como dispõe o artigo 31.ª, n° 3 do CPA, de uma discussão geral sobre a natureza das funções, tendo por base todos os elementos curriculares dos Exmos. Candidatos, constantes do procedimento, para o cargo de inspetor Judicial para a ...ª Área e após votação, foi obtido o seguinte resultado:

•    Dr. AA, Juiz ... do Tribunal da Relação de ... - 6 (seis) votos a favor;

•    Dr. BB, Juiz de Direito na Instância Central ... - 0 (zero) votos;

•    Em Branco - 6 (seis) votos;

Atento o resultado, procedeu-se a segunda votação, que obteve o seguinte resultado:

•    Dr. AA, juiz Desembargador do Tribunal da Relação de ... - 5 (cinco) votos a favor;

•    Dr. BB, Juiz de Direito na Instância Central ... - O (zero) votos;

•    Em Branco - 6 (seis) votos;

Atento o resultado, procedeu-se a terceira votação, que obteve o seguinte resultado:

•    Dr. AA, Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de ... - 5 (cinco) votos a favor;

•    Dr. BB, Juiz de Direito na Instância Central ... - O (zero) votos;

•    Em Branco - 7 (sete) votos;

Seguidamente, uma vez que os resultados das votações não permitiram obter uma maioria dos votos expressos dos membros presentes, nos termos que o exige o art. 24.º, n° 4, do R.I., foi deliberado por unanimidade, proceder a convite nos termos do art.º 25.º, n.º 5, do R.I.J.

O Exmo. Senhor Presidente proferiu a seguinte fundamentação.

"Fundamentação da deliberação nos termos do artigo 31°, n.º 3, do CPA: o resultado da votação exprime a agregação dos votos individuais, de acordo com o sentido da discussão prévia e da avaliação efectuada por cada dos [sic] membros do Conselho dos elementos curriculares dos Exmos. Candidatos ao cargo de Inspector judicial."

"Foi deliberado proceder-se à escolha de Inspector Judicial para a ....ª Área, através de voto secreto.

A votação foi precedida, como dispõe o artigo 32.º, n.º 3 do CPA, de uma discussão geral sobre a natureza das funções, tendo por base todos os elementos curriculares dos Exmos. Candidatos, constantes do procedimento, para o cargo de Inspetor Judicial para a ....ª Área e após votação, foi obtido o seguinte resultado:

•    Dr. AA, Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de ... - 5 (cinco) votos a favor;

•    Dr. BB, Juiz de Direito na Instância Central ... - O (zero) votos;

•    Em Branco - 7 (sete) votos;

Atento o resultado, procedeu-se a segunda votação, que obteve o seguinte resultado:

•    Dr. AA, Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de ... - 5 (cinco) votos a favor;

•    Dr. BB, Juiz de Direito na Instância Central ... -1 (um) voto a favor;

•    Em Branco - 6 (seis) votos;

•    Dr. AA, Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de ... - 5 (cinco) votos a favor;

•    Dr. BB, Juiz de Direito na Instância Central ... - O (zero) votos;

•    Em Branco - 7 (sete) votos;

Seguidamente, uma vez que os resultados das votações não permitiram obter uma maioria dos votos expressos dos membros presentes, nos termos que o exige o art. 24.º, n.º 4, do R.I., foi deliberado por unanimidade, proceder a convite nos termos do art.º 25.º, n° 5, do R.I.J..

O Exmo. Senhor Presidente proferiu a seguinte fundamentação:

"Fundamentação da deliberação nos termos do artigo 31.º, n.º 3, do CPA: o resultado da votação exprime a agregação dos votos individuais, de acordo com o sentido da discussão prévia e da avaliação efectuada por cada dos [sic] membros do Conselho dos elementos curriculares dos Exmos. Candidatos ao cargo de Inspector Judicial."

9. O A., embora a respeite, considera a douta deliberação ilegal porquanto, em seu entendimento, padece dos vício de falta de fundamentação e violação de lei por violação do artigo 24.º, n.º 4, do Regulamento de Inspeções Judiciais (RIJ), aprovado em Conselho Plenário do CSM de 13.11.2012, como de seguida se procurará demonstrar.

       III - DO VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

10. Consagra o n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que "os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos".

11. Daí o artigo 152.º, n.º 1, alínea a), do CPA, preceituar que "[p]ara além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente: a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções".

12. Por sua vez, o artigo 153.º, n.º 1, do CPA, estatui que "a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto", sendo que "equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto" (cf. n.º 2 do artigo 153.º do CPA).

13. Ora, conforme preconiza a doutrina e a jurisprudência, de forma, aliás, pacífica e unânime, um dos pilares base de qualquer decisão administrativa é a sua fundamentação.

14. Isto porque, as decisões devidamente fundamentadas surgem como o resultado de um processo lógico de ponderação, dando a conhecer ao destinatário da decisão o itinerário cognoscitivo e valorativo que levou a Administração a decidir naquele sentido e não em qualquer outro.

15. Nestes termos, o dever de fundamentação, consagrado constitucionalmente, exprime-se, essencialmente, numa declaração de autoria e de responsabilização da Administração, como tal deve refletir, necessariamente, a história racional da decisão, desde os normativos legais que lhe servem de base, passando pela apresentação dos factos, até à justificação dos motivos da decisão.

16. Assim, a decisão que contenha exposição sucinta das razoes de facto e de direito que a motivaram, de forma a fornecer materialmente as razões de facto e de direito determinantes do ato, diz-se completa na sua forma expressa.

17. Por outro lado, essa exposição sucinta deve ser clara, isto é, deve permitir que, através dos seus termos, se possa ter um perfeito conhecimento do processo lógico e jurídico que conduziu à decisão, impondo, portanto, que o interessado possa conhecer as razões determinantes da conduta do Administração (se as formulações são confusas ou indistintas, então, não se pode sequer compreender o que determinou a Administração a praticar aquele ato).

18. No caso em apreço, e como resulta da factualidade elencada, a única fundamentação do ato consiste na declaração do Presidente no sentido de que "o resultado da votação exprime a agregação dos votos individuais, de acordo com o sentido da discussão prévia e da avaliação efectuada por cada dos [sic] membros do Conselho dos elementos curriculares dos Exmos. Candidatos ao cargo de Inspector Judicial".

19. Ora, se é certo que, em caso de escrutínio secreto, o artigo 31.º, n.º 3, do CPA, permite que a fundamentação seja feita pelo Presidente do órgão colegial "após a votação, tendo presente a discussão que a tiver precedido" tal fundamentação não pode, sob pena de interpretação inconstitucional deste preceito, por violação do já citado artigo 268.º, n.º 3, da CRP, ser conclusiva e de tal forma neutra que não permita aos interessados perceber o iter cognoscitivo do órgão decisor.

20. Neste sentido, diz-nos Luís S. CABRAL DE MONCADA, Código do Procedimento Administrativo anotado, Coimbra Editora, 2015, Coimbra, pp. 163 e 164, que "na fundamentação da deliberação apurada em escrutínio secreto o Presidente deve levar em conta a discussão que a tiver precedido. Isto quer dizer que o secretismo tem limites em nome da transparência e da publicidade da actividade administrativa, valores essenciais. Como o voto foi secreto, o Presidente não pode agir em fraude à lei mas deve fundamentar a deliberação com os elementos públicos disponíveis apurados na discussão que a precedeu e que constam da acta. I Seja como for, a fundamentação deve bastar-se com um mínimo de densidade quanto a qualificação dos comportamentos e qualidades das pessoas envolvidas de modo a evitar a exteriorização de juízos de natureza subjectiva" (o sublinhado é nosso).

21. A jurisprudência desde há muito que decide no mesmo sentido da necessidade de uma densificação mínima, em consonância com os ensinamentos de VIEIRA DE ANDRADE, O dever da fundamentação expressa de actos administrativos, Coleção teses, Almedina, 1991, Coimbra, p. 144, que referia que "no que toca aos actos colegiais, acrescem a estas dificuldades práticas as que resultam do procedimento decisório e da estrutura e composição do órgão decisor. De facto, quando se manifesta uma pluralidade de pontos de vista, torna-se muitas vezes difícil determinar o sentido da "vontade" do órgão decidente, pois que mesmo os votos que formaram a maioria podem ter na sua base razões diferentes, ou, pelo menos, expressas de diversas maneiras. (...) I Parece, todavia, que também aqui estamos perante uma situação de impraticabilidade aparente. Há várias soluções que permitem ultrapassar as dificuldades expostas e, desde logo por isso, não é legítimo estabelecer aqui uma excepção ao dever de fundamentação." (o sublinhado é nosso)

22. Assim, o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 13.06.1986, proferido no âmbito do processo n.º 023203, decidiu que "as deliberações tomadas à pluralidade de votos (inclusive por escrutínio secreto) devem ser compreendidas no seu contexto (externo e subterrâneo), isto é, no âmbito do conjunto de circunstâncias em que a "vontade" do órgão colegial se gera e exprime optativamente numa fórmula unitária vinculativa para os próprios membros discordantes".

23. Por sua vez, o douto Acórdão do STA de 24.06.1993, proferido no âmbito do processo n.º 031740, sumariou o seguinte:

"l - Deliberação, mesmo tomada por escrutínio secreto, tem de ser fundamentada, desde que se verifiquem os pressupostos do art. 1 do DL n. 256-A/77, de 17 de Junho.

II - No caso do escrutínio secreto, a fundamentação, para além da publicidade dos membros do júri ou da entidade decidente, deve revelar previamente os itinerários cognoscitivos e valorativos seguidos na valoração dos elementos necessários ã decisão."

24. Porque particularmente feliz nas razões da fundamentação das deliberações tomadas por escrutínio secreto, citamos ainda o douto Acórdão do STA de 14.06.1994, proferido no âmbito do processo n.º 033977, em cujo sumário se plasmou:

"I - Ainda que através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito, a lei não prescinde, todavia, da necessidade de enunciação expressa dos fundamentos da decisão administrativa - conf. art. 268 n. 3 da CRP, art. 1 n.º s.  1 e 2 do DL n. 256-A177 de 17/6 e art. 125 n. 1 do CPA. Isto ainda que admitindo que a fundamentação possa traduzir-se em "mera declaração de concordância" com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto - fundamentação "per relationem" ou "per remissionem".

II - Não constitui obstáculo ao cumprimento do dever de fundamentação a circunstância de se tratar de uma deliberação de um órgão colegial - Câmara Municipal - tomada obrigatoriamente por escrutínio secreto, por envolver apreciação - em sede de recurso hierárquico necessário - das qualidades de determinada pessoa (dados curriculares pessoais em concurso interno de acesso a chefe de secção de Serviços Municipalizados) - conf. o art. 80 n. 3 da LAL e o art. 24 n. 2 do CPA.

    (…)

IV  - As deliberações tomadas por escrutínio secreto reclamam um particular cuidado no cumprimento do dever de fundamentação, designadamente através da apropriação explícita das razões ou motivos já contidos em outras peças procedimentais, já que tal forma de deliberação torna mais difícil ao administrado surpreender a real motivação das mesmas.

V   - O secretismo do escrutínio - este apenas destinado a garantir a plena liberdade do voto - e a colegialidade do órgão decisor, não são, pois, preclusivos da necessidade de fundamentação, sendo certo que nos termos do art. 83 da LAL aprovada pelo Dec. Lei n. 100/84, de 29/3, é obrigatória a fundamentação - sem qualquer excepção - das "deliberações dos órgãos das autarquias locais, bem como das decisões dos titulares dos seus órgãos, que indefiram petições de particulares".(o sublinhado é nosso)

25. Ora, resulta evidente face à fundamentação da deliberação impugnada que a mesma não enuncia qualquer fundamento de facto e de direito que permita ao A. perceber as razões da sua não nomeação como Inspetor Judicial.

26. Nessa medida, a douta deliberação impugnada padece do vício de falta de fundamentação, por violação dos artigos 31.º, n.º s 3, 152.º, n.º 1, alínea a), e 153.º, n.º s 1 e 2 do CPA, e por isso é anulável nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, também do CPA.

     III - DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI POR VIOLAÇÃO DO ARTIGO 24.º, n.º 4, do RIJ.

27. Para além da falta de fundamentação de que padece a douta deliberação impugnada, considera o A., salvo o devido respeito, que a mesma padece do vício de violação de lei por violação do artigo 24.º, n.º 4, do RIJ, nos termos que se passarão a expor.

28. Determina o artigo 24.º, n.º s 4, do RTJ, que "a designação de Inspectores Judiciais exige a maioria absoluta dos votos expressos dos membros presentes na respectiva sessão do Plenário, realizando-se as votações necessárias para o efeito, até ao limite de três".

29. Em qualquer uma das votações efectuadas no âmbito da douta deliberação impugnada estiveram presentes, pelo menos, 12 membros, nos termos do artigo 156.º n.º 3, do EMJ.

30. Porém, ao contrário do deliberado, o A. obteve efetivamente a maioria absoluta dos votos expressos.

 31. Assim, na escolha de Inspetor para a ....ª Área, o A., na primeira votação, obteve 6 votos a favor e 7 votos em branco (o candidato opositor obteve zero votos).

32. Por sua vez, na escolha de Inspetor para a ....ª Área, o A., na primeira votação, obteve 5 votos a favor e 7 votos em branco (c candidato opositor obteve zero votos).

 33. Ora, salvo o devido respeito, e ao contrário do que entende a douta deliberação impugnada, os votos em branco não podem, ser considerados votos expressos, pois não tomam posição expressa sobre a questão da votação.

34. Tais votos sujeitar-se-ão ao sentido de voto maioritário.

35. Tal interpretação é a mais conforme com a unidade do sistema jurídico, tendo em conta a redação inicial do artigo 129° n.º 1, da CRP, e o artigo 386.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.

36. Neste sentido, aliás, decidiu o douto Acórdão deste Supremo Tribunal, de 23.02.2016, proferido no âmbito do processo n.º 31/15.6YFLSB, disponível em www.dgsi.pt, argumentando, para tanto, o seguinte:

"É o momento de retirar ilações destes contributos que se recolhem da ordem jurídica, mormente, do princípio constitucional que nesta matéria se mostra consagrado no já citado art.º 129.º da Constituição e, reconhecendo-se embora que os votos em branco, são votos válidos, eles não contam para a formação da maioria absoluta que se exige para a designação dos inspetores judiciais.

Em consequência desta interpretação restritiva e correctiva do n.º 4 do art.º 24.º do RIJ que estava em equação, não se pode concluir, como o fez a deliberação impugnada que o resultado da eleição a que foi submetida a candidatura do Recorrente não permite obter uma maioria dos votos expressos dos membros presentes do CSM."

37. Face ao exposto, a douta deliberação impugnada é ilegal por violação do artigo 24.º, n.º 4, do RIJ, devendo como tal ser anulada nos termos e para os efeitos do artigo 163.º, n.º l, do CPA.

Termina pedindo que em que seja declarada anulada a douta deliberação impugnada, tudo com as devidas e legais consequências.

Nas suas alegações o Conselho Superior da Magistratura responde assim:

     a) Da invocada “falta de fundamentação

1) O recorrente, depois de enunciar os termos gerais em que se concretiza o dever de fundamentação das decisões administrativas, considera que «no caso em apreço…a única fundamentação do ato consiste na declaração do Presidente no sentido de que “o resultado da votação exprime a agregação dos votos individuais, de acordo com o sentido da discussão prévia e da avaliação efectuada por cada dos [sic] membros do Conselho dos elementos curriculares dos Exmos. Candidatos ao cargo de Inspector Judicial”»[1].

2) E, conclui o recorrente, que tal fundamentação «não enuncia qualquer fundamento de facto e de direito que permita ao A. perceber as razões da sua não nomeação como Inspetor Judicial», considerando que a deliberação impugnada «padece do vício de falta de fundamentação, por violação dos artigos 31.º, n.º 3, 152.º, n.º 1, alínea a), e 153.º, n.ºs. 1 e 2, do CPA, e por isso é anulável nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, também do CPA»[2].

3) O dever de fundamentação dos actos administrativos, enquanto decorrência da previsão Constitucional que assegura os direitos e garantias dos administrados («os actos administrativos…carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos e interesses legalmente protegidos» - n.º 3 do art. 268.º da C.R.P.), mostra-se concretizado na correspondente legislação infraconstitucional, maxime nos arts. 152.º e 153.º do CPA[3].

4) Como deflui dos n.ºs. 1 e 2 do artigo 153.º do CPA[4], a fundamentação - devendo ser expressa através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão - pode consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto, apenas equivalendo à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto.

5) Exigindo-se apenas uma fundamentação expressa em sucinta exposição dos fundamentos, isso não dispensa, todavia – enquanto directo corolário dos princípios da transparência e da Justiça – que a (devida) explicitação e justificação da vontade/motivação do órgão decisor seja razoavelmente apreensível por um destinatário normal/cidadão médio, colocado na posição do real destinatário, em termos claros, coerentes e congruentes, que viabilizem a perfeita compreensão do respectivo iter cognoscitivo[5].

6) «As exigências a que deve responder a externação dos motivos são resumidamente as seguintes:

  a) tornar transparente a actividade administrativa;

  b) facilitar, consentindo percorrer substantivamente o iter lógico e jurídico da formação do acto, a compreensibilidade e o controlo do mesmo, seja em sede administrativa seja em sede jurisdicional;

  c) tornar mais eficaz a tutela do recorrente, a par da garantia de um correcto exercício da função administrativa»[6].

7) É assim igualmente devida a fundamentação, embora limitada aos seus aspectos formais, quando a Administração se quede pelo seu espaço de liberdade, reservado à discricionariedade técnica.

8) Não obstante as valorações fundamentalmente baseadas na experiência e em conhecimentos técnico-científicos não sejam materialmente sindicáveis, sempre os juízos emitidos ao abrigo da prerrogativa de livre avaliação têm como referencial ôntico os limites do Direito, não dispensando por isso a explicitação mínima das razões do acto/decisão.

9) A exigência de fundamentação (também dos actos administrativos) prossegue dois objectivos fundamentais: um, de natureza endoprocessual; outro de ordem extraprocessual. O primeiro visa permitir aos interessados o conhecimento das razões de facto e de direito que enformaram a decisão que lhes respeita, convencendo-os da sua bondade/acerto ou habilitando-os a reagir, fundadamente, se for essa a opção; o segundo é directa decorrência dos princípios da legalidade, da Justiça e da imparcialidade e visa, além do mais, assegurar a sua adequada sindicabilidade[7].

10) Considera-se que «é cumprido o dever de fundamentar desde que, na forma do acto, certas circunstâncias e interesses sejam formalmente identificados como existentes e relevantes para a decisão»[8].

11) A insuficiência de fundamentação apenas constituirá vício de forma, em bom rigor, se e quando for manifesta, absurda ou contraditória.[9]

12) «De facto, existindo uma declaração do autor que pretenda fundamentar o acto, só não estará cumprido o dever formal respectivo se essa declaração não puder ser considerada uma fundamentação daquele acto – (…) por impossibilidade de determinação do seu conteúdo, por falta evidente de racionalidade ou por manifesta inaptidão justificativa – sendo dado que a fundamentação visa aqui esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime»[10].

13) Em linha com o que dispõe o artigo 31.º do novo CPA (tal como sucedia no artigo 24.º do anterior CPA), as deliberações são antecedidas de discussão das respetivas propostas sempre que qualquer membro do órgão colegial nisso mostre interesse e, salvo disposição legal em contrário, são tomadas por votação nominal, devendo votar primeiramente os vogais e, por fim, o presidente (n.º 1), mas, «as deliberações que envolvam um juízo de valor sobre comportamentos ou qualidades de pessoas são tomadas por escrutínio secreto, devendo o presidente, em caso de dúvida fundada, determinar que seja essa a forma para a votação» (n.º 2).

14) Nesse caso, «quando exigida, a fundamentação das deliberações tomadas por escrutínio secreto é feita pelo presidente do órgão colegial após a votação, tendo presente a discussão que a tiver precedido» (assim, o artigo 31.º, n.º 3, do CPA).

15) Ora, inequivocamente, as deliberações que incidam sobre a escolha de um magistrado judicial para o cargo de inspetor judicial deverão ser tomadas após uma apreciação dos comportamento ou qualidades dos respetivos candidatos ao lugar e, não, em função de quaisquer outros critérios.

16) E, daí que se compreenda a regulação que - a propósito da designação dos inspetores - é efetuada no Regulamento das Inspeções Judiciais (R.I.J.)[11].

17) Nesse sentido, o artigo 24.º, n.º 1, do R.I.J., para além dos requisitos de tempo na função, de notação e de categoria (salvo nos casos previstos no n.º 2 deste artigo, os inspetores judiciais são designados de entre juízes da Relação ou, excecionalmente, de entre juízes de direito com mais de 15 anos de efetivo serviço na magistratura, com última classificação de “Muito Bom”), exige outras características de inequívoco âmbito pessoal («que possuam, nomeadamente, reconhecidas qualidades de cidadania, isenção, bom senso, formação intelectual, preparação técnica, relacionamento humano e capacidade de orientação»).

18) O próprio artigo 24.º, n.º 3, do R.I.J. dissipa quaisquer dúvidas, prescrevendo sobre a forma de designação: «A designação pertence ao plenário do Conselho Superior da Magistratura, por escrutínio secreto, se assim for deliberado».

19) No caso da deliberação impugnada, foi determinado que o procedimento de votação das designações dos inspetores a nomear para a ...e...áreas inspetivas decorresse por escrutínio secreto.

20) E, nessa medida, atenta a forma de votação - por escrutínio secreto – adotada, a fundamentação das deliberações tomadas foi formulada (aliás, em perfeita coerência com o estatuído no mencionado artigo 31.º, n.º 3, do CPA) pelo Exmo. Senhor Presidente deste Conselho, após a votação e tendo presente a discussão que a precedeu.

21) Assim, no caso, ao contrário do aludido pelo recorrente, encontra-se perfeitamente revelado, na formulação expressa na fundamentação expendida pelo Exmo. Senhor Presidente do Conselho Superior da Magistratura, qual o caminho percorrido pelo Plenário – órgão compósito formado por manifestações de vontade na base individual de cada um dos respetivos membros – a respeito das candidaturas submetidas a apreciação para o preenchimento das vagas de inspetor judicial.

22) Expressam-se em tal formulação fundamentante os seguintes pontos:

    a) O de que a votação expressa «a agregação dos votos individuais»;

    b) Que a mesma votação concretiza «o sentido da discussão prévia e da avaliação efetuada por cada um dos membros» sobre «os elementos curriculares dos Exmos. Candidatos ao cargo de inspector judicial».

23) Nestes termos, não se verifica qualquer ausência de fundamentação, nem a sua insuficiência, não sendo o teor fundamentador conclusivo ou neutro, ao contrário do que o sustenta o recorrente.

24) A explicitação fundamentadora particulariza o sentido da discussão havida, bem como a concreta avaliação – necessariamente pessoal e subjetiva – de cada um dos membros, que redundou no resultado de votação operado em cada uma das três votações realizadas para cada designação.

25) Perante este detalhe e especificação, sobre a discussão que precedeu a votação – e que incidiu sobre as qualidades pessoais de cada um dos Exmos. Candidatos e sua adequação ao cargo a designar - e sobre a análise realizada por cada um dos membros que votaram a deliberação - com as quais o recorrente pode, ou não, estar em concordância[12] - mas, perante as quais, inequivocamente, não pode retirar-se existir alguma ausência ou insuficiência de fundamentação.

26) Esta é presente, suficiente e congruente, pelo que, o recorrente e quem quer que seja que leia o seu teor, consegue alcançar, com o detalhe possível (e só isso era exigido) qual a razão de ser da deliberação tomada – fundada na votação realizada por escrutínio secreto[13].

27) Assim, tudo considerado, não se acompanha a alegação expendida pelo recorrente na petição de recurso e ora reproduzida nos pontos I a VI da parte I das alegações de recurso, nem as conclusões insertas nos pontos (i) e (ii) de tal peça, concluindo-se que não se verifica o apontado vício – de falta de fundamentação - na deliberação impugnada e objeto do presente recurso.

b) Da invocada “violação do artigo 24.º, n.º 4, do RIJ

1) Entende ainda o recorrente que, «ao contrário do deliberado…obteve efetivamente a maioria absoluta dos votos expressos», sendo que, «na escolha de Inspetor para a ....ª Área, o A., na primeira votação, obteve 6 votos a favor e 7 votos em branco (o candidato opositor obteve zero votos)» e, «na escolha de Inspetor para ....ª Área…., na primeira votação, obteve 5 votos a favor e 7 votos em branco (o candidato opositor obteve zero votos)», considerando que, «os votos em branco não podem ser considerados votos expressos, pois não tomam posição expressa sobre a questão da votação…Tais votos sujeitar-se-ão ao sentido de voto maioritário»[14].

2) Estabelece o n.º 4 do artigo 24.º do Regulamento das Inspecções Judiciais (R.I.J.)[15] que:

«a designação de Inspectores Judiciais exige a maioria absoluta dos votos expressos dos membros presentes na respectiva sessão do Plenário, realizando-se as votações necessárias para o efeito, até ao limite de três».

3) O artigo 25.º do mesmo Regulamento – com a epígrafe «Procedimento para as designações» - prescreve, por seu turno, o seguinte:

  «1- A designação de Inspector Judicial a que alude o n.º 1 do artigo anterior é precedida da apresentação de candidaturas ao lugar, após prévia divulgação pelos juízes que preencham os requisitos de categoria, antiguidade e classificação.

  2 - Cada candidato deve apresentar, para além do seu currículo, uma exposição sobre as capacidades que entende reunir para o cargo, bem como sobre o modo como entende desempenhar as funções, tendo em vista, nomeadamente, a melhoria contínua do Serviço de Inspecção.

  3 - Apresentadas as candidaturas, a cada um dos membros do Conselho Superior da Magistratura é dado conhecimento dessa apresentação, com antecedência relativamente à sessão do Plenário em que devam ser apreciadas.

  4 - Sem prejuízo de serem submetidas à apreciação todas as candidaturas que preencham os requisitos, poderão uma ou várias colher a subscrição favorável de um ou mais membros do Conselho Superior da Magistratura, com exposição escrita sobre os respectivos motivos, baseada, nomeadamente, no reconhecimento das qualidades requeridas para o exercício do cargo.

  5 - Caso não seja apresentada qualquer candidatura válida ao lugar e, bem assim, quando não seja obtida a maioria a que alude o artigo 24.º, n.º 4, o Conselho Superior da Magistratura pode convidar, deliberando por maioria dos votos expressos dos membros presentes na respectiva sessão do Plenário, Magistrados Judiciais com os requisitos e as qualidades mencionadas no artigo 24.º, n.º 1, do presente Regulamento, sob proposta de um ou mais membros do Plenário, sujeita à apresentação de uma exposição escrita dos motivos que a fundamentam, nomeadamente considerando as qualidades requeridas para o exercício do cargo.

  6 - No caso referido no número anterior, o membro ou membros proponentes apresentam, com a proposta, declaração do Magistrado Judicial declarando aceitar o convite, se o mesmo lhe vier a ser formulado, bem como uma exposição do mesmo sobre as capacidades que entende reunir para o cargo, bem como sobre o modo como entende desempenhar as funções, tendo em vista, nomeadamente, a melhoria contínua do Serviço da Inspecção.

  7 - Quer nos casos do n.º 2, quer nos casos do n.º 6 do presente artigo, o Conselho Superior da Magistratura pode chamar os Magistrados Judiciais a prestarem esclarecimentos presenciais em sessão do Plenário».

4) Como resulta do mero confronto dos trechos sublinhados relativamente a ambos os aludidos artigos do R.I.J., enquanto que, no artigo 24.º, n.º 4 se exige para a designação de inspector a «maioria absoluta» dos votos expressos dos membros presentes, já para a tomada de posição sobre a formulação de eventual convite, no artigo 25.º, n.º 5, do R.I.J. basta uma deliberação por «maioria».

5) E, com efeito, as expressões «maioria» e «maioria absoluta» não são equivalentes.

6) Para a determinação do sentido legal destes conceitos não cumpre lançar mão de construções doutrinárias que vigoram no âmbito do Direito Privado em sede do exercício de direitos societários, mas aferir, no âmbito do direito que rege a actuação dos órgãos da Administração, em que termos tais conceitos devem ser delimitados.

7) Na realidade, no seio do direito societário existem normas específicas que, de forma expressa, determinam que, para o apuramento de maioria não são considerados os votos em branco[16].

8) Normas desta índole não têm presença na esfera da actuação da Administração.

9) Na realidade, «o Conselho Superior da Magistratura é um órgão do Estado, com matriz constitucional, que exerce funções administrativas, no âmbito da gestão e disciplina do corpo de juízes. Consequentemente, não pode deixar de se entender que os actos que pratica estão condicionados pelos princípios constitucionais que moldam a actividade dos órgãos da Administração Pública e, também, pelas normas do Código do Procedimento Administrativo»[17].

10) Como refere Freitas do Amaral[18]: «Numerosos termos técnicos são utilizados para identificar as diferentes fases e operações em que se decompõe a constituição e o funcionamento dos órgãos administrativos de tipo colegial, sendo que em vários casos esses termos se prestam a algumas confusões (...).

- Maioria: a lei exige normalmente, para se poder considerar ter sido votada uma decisão, que nesse sentido tenha votado a maioria. A “maioria” é habitualmente definida como “metade dos votos mais um”; esta definição é, porém, incorrecta, pois não se ajusta às hipóteses em que o número global de votos seja ímpar. Deve por isso definir-se “maioria” como sendo “mais de metade dos votos”. A maioria diz-se simples ou absoluta, se corresponde a mais de metade dos votos; relativa, se traduz apenas a maior votação obtida entre várias alternativas, ainda que não atinja mais de metade dos votos; e qualificada ou agravada, se a lei faz corresponder a um número superior à maioria simples (por ex., 2/3, 4/5, etc.) (...)».

11) Nesta linha, a «maioria» expressa o “quantum” de votos necessário para a aprovação de uma deliberação, enquanto que o termo «maioria absoluta» reporta que esse “quantum” deve ser superior a mais de metade dos votos.

12) Assim, só há maioria absoluta quando a expressão de voto da mesma corresponda a mais de metade dos votos; nos demais casos, na falta da exigência de deliberação com maioria com outra qualificação, a “maioria” que, porventura, se forme será sempre relativa.

13) Ora, ao contrário do que sustenta o reclamante, não se vê como se possa concluir, com razoabilidade, que “os votos em branco não podem ser considerados votos expressos, pois não tomam posição expressa sobre a questão da votação, sendo que tais votos sujeitar-se-ão ao sentido de voto maioritário”.

14) Pode dizer-se, de facto, que, em muitos casos, a vontade subjacente à da emissão do voto em branco é a de tomar expressa posição no escrutínio, mas, simultaneamente, não expressar tal direito de votar em nenhuma candidatura, sem invalidar - como nulo  o voto assim manifestado.

15) Neste sentido, importa referenciar que o n.º 1 do artigo 32.º do atual Código do Procedimento Admininistrativo estabelece, relativamente à maioria exigível para as deliberações dos órgãos colegiais administrativos, a regra de que «as deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos membros presentes à reunião, salvo nos casos em que, por disposição legal, se exija maioria qualificada ou seja suficiente maioria relativa».

16) Explicitando o paralelo preceito do CPA de 1991[19] - referem Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim[20] que «as deliberações dos órgãos colegiais são tomadas por “maioria absoluta de votos”. Ou seja (existindo quórum e não havendo abstenções), por uma maioria que nas propostas de A ou B, corresponde à proposta com mais votos, e, nas propostas de A, B ou C, à proposta que obtiver um número de votos superior ao das suas restantes, no seu conjunto. O facto de se usar aqui - e já não no art. 22.º - o quantitativo “absoluta”, deriva de a maioria desse preceito da lei ser necessariamente absoluta, enquanto agora, como se viu, a maioria na votação de uma proposta com mais de duas alternativas poder ser apenas relativa ou simples, se não ficasse consignada a exigência de ela ser absoluta».

17) Ora, se assim é na Administração em geral, haverá que, todavia - no que ao ora recorrido e quanto às deliberações em apreço respeita - , ter em conta a disposição particular, constante do artigo 12.º do Regulamento Interno do Conselho Superior da Magistratura[21], segundo a qual:

  «1. As deliberações são tomadas à pluralidade de votos, com a presença da maioria do número legal dos membros do Conselho Superior da Magistratura, cabendo ao Presidente voto de qualidade.

  2. As abstenções, quando permitidas por lei, não contam para o apuramento da maioria».

18) Decorre deste normativo que, em regra, na falta de disposição especial em contrário, as deliberações do Conselho Superior da Magistratura são tomadas por maioria - absoluta[22] -  do número legal dos seus membros, sendo que, por força do disposto no artigo 156.º, n.º 3, do E.M.J., é necessária a presença de, pelo menos, 12 membros para a válida tomada de deliberações pelo Plenário[23].

19) Como reporta o recorrente – invocação que não se põe em causa – para a tomada das deliberações impugnandas estava reunido o quórum[24] constitutivo mínimo legalmente exigido de 12 membros do Plenário do CSM.

20) Contudo, entende o recorrente que, no âmbito das designações de inspectores judiciais, o artigo 24.º, n.º 4, do R.I.J., ao exigir a tomada de deliberação por maioria absoluta dos votos expressos, apenas determina que, para tal efeito, se deva apenas que contar com os votos a favor e com os votos contra, mas já não com os votos em branco, por - em seu entender – tais votos não constituirem votos expressos, não tomando posição a favor ou contra, sujeitando-se ao sentido de voto que se vier a revelar maioritário.

21) Ora, não se vislumbra que uma tal interpretação tenha, de facto, algum apoio na letra ou no espírito[25] do aludido artigo 24.º, n.º 4, do R.I.J., como, na realidade, também não se coaduna com o sentido do disposto no artigo 12.º do Regulamento Interno do C.S.M.

22) Este último preceito refere, no seu n.º 2, que, no caso de serem permitidas – o que sucederá, por regra, salvo no que a órgãos ou funções consultivas diga respeito[26] - , as abstenções “não contam para o apuramento da maioria”.

23) Esta “não contagem” para o apuramento da maioria, no âmbito das deliberações do Conselho Superior da Magistratura, tem o preciso sentido de determinar que a maioria (absoluta) só se formará pela expressão de voto que, ponderado o “quorum” constitutivo deliberativo mínimo (de 12 membros), obtenha mais de metade dos votos dos membros presentes, não relevando para tal efeito, os votos em branco que, porventura, tenham sido expressos, ou seja, descontados estes.

24) E, essa será, de facto, a regra na deliberação do Plenário do C.S.M.

25) O artigo 24.º, n.º 4, do R.I.J. aduz, para que ocorra a designação de Inspectores Judiciais, a necessidade de formação de uma «maioria absoluta dos votos expressos dos membros presentes na respectiva sessão do Plenário».

26) Ao contrário do que sustenta o recorrente, a não contagem dos votos brancos para a formação de maioria, não equivale à sua desconsideração enquanto expressão de voto. O voto branco – sendo válido e admissível – expressa a vontade “abstencionista”[27] do respectivo votante, não existindo, a respeito do n.º 4 do artigo 24.º do R.I.J. prescrição que determine a desconsideração de um tal voto.

27) A maioria absoluta formar-se-á, neste caso, para a designação de Inspector Judicial, observado que seja o “quórum” constitutivo necessário, com a expressão de voto favorável por mais de metade – aí se formando o carácter absoluto e, não meramente relativo, da maioria - dos membros presentes na respectiva sessão do Plenário do C.S.M.

28) Ora, em qualquer das deliberações objecto de impugnação pelo recorrente não se divisa ter sido alcançada a expressão de voto, a favor da designação do recorrente como Inspector Judicial, relativamente às ....ª e ....ª Áreas de Inspecção, pela maioria absoluta dos membros presentes, ou seja: Por mais de 6 membros (ou seja: expressando-se, pelo menos, sete votos a favor do recorrente).

29) Não se tendo formado a necessária maioria absoluta - não obstante a votação ter tido lugar, de harmonia com o Regulamento das Inspecções Judiciais, quanto a cada Área Inspectiva, por três vezes - não se verifica que o recorrente devesse ter sido nomeado como inspector judicial.

30) E, nessa medida, não se verificando, como resulta do supra exposto, qualquer vício no processo deliberativo encetado e concluído com as deliberações impugnandas, tomadas em 2 de fevereiro de 2016, não assiste fundamento legal para a procedência do presente recurso.

31) Soçobra, pois, o alegado nos pontos I) e II) da parte II) das alegações do recorrente, bem como, a conclusão que expressou no ponto (iii) das conclusões de tal peça.

Por fim conclui o recorrido:

     a) Não se divisa qualquer vício de falta de fundamentação nas deliberações objecto de impugnação; e

     b) Não foi violado o Regulamento das Inspecções Judiciais, designadamente, o seu artigo 24.º, n.º 4, não se configurando qualquer vício de violação de lei.

     Deverá, pois, ser julgado improcedente o presente recurso contencioso.

Em alegações, diz O Ex.mo Sr. Juiz Desembargador Dr. AA.

                

     Do vício de falta de fundamentação

I. Consagra o n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que "os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos". Daí o artigo I52.º, n.º 1, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo (CPA), preceituar que "[p]ara além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que,  total ou parcialmente:

    a) Neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções".

Por sua vez, o artigo 153.º, n.º 1, do CPA, estatui que "a fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto", sendo que "equivale à falta de fundamentação a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto" (cf. n.º 2 do artigo 152.º do CPA).

II. Ora, conforme preconiza a doutrina e a jurisprudência, de forma, aliás, pacífica e unânime, um dos pilares base de qualquer decisão administrativa é a sua fundamentação. Isto porque, as decisões devidamente fundamentadas surgem como o resultado de um processo lógico de ponderação, dando a conhecer ao destinatário da decisão o itinerário cognoscitivo e valorativo que levou a Administração a decidir naquele sentido e não em qualquer outro.

Nestes termos, o dever de fundamentação, consagrado constitucionalmente, exprime-se, essencialmente, numa declaração de autoria e de responsabilização da Administração, como tal deve refletir, necessariamente, a história racional da decisão, desde os normativos legais que lhe servem de base, passando pela apresentação dos factos, até à justificação dos motivos da decisão.

III. Assim, a decisão que contenha exposição sucinta das razões de facto e de direito que a motivaram, de forma a fornecer materialmente as razões de facto e de direito determinantes do ato, diz-se completa na sua forma expressa.

Por outro lado, essa exposição sucinta deve ser clara, isto é, deve permitir que, através dos seus termos, se possa ter um perfeito conhecimento do processo lógico e jurídico que conduziu à decisão, impondo, portanto, que o interessado possa conhecer as razões determinantes da conduta do Administração (se as formulações são confusas ou indistintas, então, não se pode sequer compreender o que determinou a Administração a praticar aquele ato),

IV. No caso em apreço, e como resulta da factualidade elencada, a única fundamentação do ato consiste na declaração do Presidente no sentido de que "o resultado da votação exprime a agregação dos votos individuais, de acordo com o sentido da discussão prévia e da avaliação efectuada por cada dos [sic] membros do Conselho dos elementos curriculares dos Exmos. Candidatos ao cargo de Inspector Judicial".

Ora, se é certo que, em caso de escrutínio secreto, o artigo 31Q, ns 3, do CP A, permite que a fundamentação seja feita pelo Presidente do órgão colegial "após a votação, tendo presente a discussão que a tiver precedido" tal fundamentação não pode, sob pena de interpretação inconstitucional deste preceito, por violação do já citado artigo 268.º, n.º 3, da CRP, ser conclusiva e de tal forma neutra que não permita aos interessados perceber o iter cognoscitivo do órgão decisor.

Neste sentido, diz-nos Luís S. CABRAL DE MONCADA, Código do Procedimento Administrativo anotado, Coimbra Editora, 2015, Coimbra, pp. 163 e 164, que "na fundamentação da deliberação apurada em escrutínio secreto o Presidente deve levar em conta a discussão que a tiver precedido. Isto quer dizer que o secretismo tem limites em nome da transparência e da publicidade da actividade administrativa, valores essenciais. Como o voto foi secreto, o Presidente não pode agir em fraude à lei mas deve fundamentar a deliberação com os elementos públicos disponíveis apurados na discussão que a precedeu e que constam da acta. i Seja como for, a fundamentação deve bastar-se com um mínimo de densidade quanto à qualificação dos comportamentos e qualidades das pessoas envolvidas de modo a evitar a exteriorização de juízos de natureza subjectiva" (o sublinhado é nosso).

V. A jurisprudência desde há muito, aliás, que decide no mesmo sentido da
necessidade de uma densificação mínima, em consonância com os ensinamentos de VIEIRA DE ANDRADE, O dever da fundamentação expressa de actos administrativos, Coleção teses, Almedina, 1991, Coimbra, p. 144, que referia que "[n]o que toca aos actos colegiais, acrescem a estas dificuldades práticas as que resultam do procedimento decisório e da estrutura e composição do órgão decisor. De facto, quando se manifesta uma pluralidade de pontos de vista,
torna-se muitas vezes difícil determinar o sentido da "vontade" do órgão decidente, pois que mesmo os votos que formaram a maioria podem ter na sua base razões diferentes, ou, pelo menos, expressas de diversas maneiras. (...). Parece, todavia, que também aqui estamos perante uma situação de impraticabilidade aparente. Há várias soluções que permitem ultrapassar as dificuldades expostas e, desde logo por isso, não é legítimo estabelecer aqui uma excepção ao dever de fundamentação." (o sublinhado é nosso)

Assim, o douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 13.06.1986, proferido no âmbito do processo n.º 023203, decidiu que "as deliberações tomadas ã pluralidade de votos (inclusive por escrutínio secreto) devem ser compreendidas no seu contexto (externo e subterrâneo), isto é, no âmbito do conjunto de circunstâncias em que a "vontade" do órgão colegial se gera e exprime optativamente numa fórmula unitária vinculativa para os próprios membros discordantes".

Por sua vez, o douto Acórdão do STA de 24.06.1993, proferido no âmbito do processo n.º 031740, sumariou o seguinte:

"I - Deliberação, mesmo tomada por escrutínio secreto, tem de ser fundamentada, desde que se verifiquem os pressupostos do art. 1 do DL n. 256-A/77, de 17 de Junho.

II - No caso do escrutínio secreto, a fundamentação, para além da publicidade dos membros do júri Ou da entidade decidente, deve revelar previamente os itinerários cognoscitivos e valorativos seguidos na valoração dos elementos necessários a decisão."

Porque particularmente feliz nas razões da fundamentação das deliberações tomadas por escrutínio secreto, citamos ainda o douto Acórdão do STA de 14.06.1994, proferido no âmbito do processo ns 033977, em cujo sumário se plasmou:

"I - Ainda que através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito, a lei não prescinde, todavia, da necessidade de enunciação expressa dos fundamentos da decisão administrativa - conf. art. 268 n. 3 da CRP, art. 1, n.ºs 1 e 2 do DL n. 256-A/77 de 17/6 e art. 125 n. 1 do CPA. Isto ainda que admitindo que a fundamentação possa traduzir-se em "mera declaração de concordância" com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão, neste caso, parte integrante do respectivo acto -fundamentação "per relationem" ou "per remissionem".

II - Não constitui obstáculo ao cumprimento do dever de fundamentação a circunstância de se tratar de uma deliberação de um órgão colegial - Câmara Municipal - tomada obrigatoriamente por escrutínio secreto, por envolver apreciação - em sede de recurso hierárquico necessário - das qualidades de determinada pessoa (dados curriculares pessoais em concurso interno de acesso a chefe de secção de Serviços Municipalizados) - conf. o art. 80 n. 3 da LAL e o art. 24 n. 2 do CP A.

IV - As deliberações tomadas por escrutínio secreto reclamam um particular
cuidado no cumprimento do dever de fundamentação, designadamente através da
apropriação explícita das razões ou motivos já contidos em outras peças
procedimentais, já que tal forma de deliberação torna mais difícil ao administrado
surpreender a real motivação das mesmas
.

V - O secretismo do escrutínio - este apenas destinado a garantir a plena
liberdade do voto - e a colegialidade do órgão decisor, não são, pois, preclusivos da
necessidade de fundamentação,
sendo certo que nos termos do art. 83 da LAL
aprovada pelo Dec. Lei n. 100/84 de 29/3 é obrigatória a fundamentação - sem
qualquer excepção - das "deliberações dos órgãos das autarquias locais, bem como
das decisões dos titulares dos seus órgãos, que indefiram petições de particulares ".

VI. Ora, resulta evidente face à fundamentação da deliberação impugnada que a mesma não enuncia qualquer fundamento de facto e de direito que permita ao A. perceber as razões da sua não nomeação como Inspetor Judicial.

Nessa medida, a douta deliberação impugnada padece do vício de falta de fundamentação, por violação dos artigos 31.º, n.º 3, 152.º, n.º 1, alínea a), e 153.º, n.º s. 1 e 2, do CP A, e por isso é anulável nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163Q, n.º 1, também do CPA.

II) Do vício de violação de lei por violação do artigo 24.º, n° 4, do RIJ

I. Para além da falta de fundamentação de que padece a douta deliberação impugnada, considera o A., salvo o devido respeito, que a mesma padece do vício de violação de lei, por violação do artigo 24Q, ns 4, do RIJ, nos termos que se passarão a expor.

Determina o artigo 24.º, n.º 4, do RIJ, que "a designação de Inspectores Judiciais exige a maioria absoluta dos votos expressos dos membros presentes na respectiva sessão do Plenário, realizando-se as votações necessárias para o efeito, até ao limite de três". Em qualquer uma das votações efetuadas no âmbito da douta deliberação impugnada estiveram presentes, pelo menos, 12 membros, nos termos do artigo 156.º, n.º 3, do EMJ.

Porém, ao contrário do deliberado, o A. obteve efetivamente a maioria absoluta dos votos expressos.

Assim, na escolha de Inspetor para a ...- Área, o A., na primeira votação, obteve 6 votos a favor e 7 votos em branco (o candidato opositor obteve zero votos). Por sua vez, na escolha de Inspetor para a ...- Área, o A., na primeira votação, obteve 5 votos a favor e 7 votos em branco (o candidato opositor obteve zero votos).

II. Ora, salvo o devido respeito, e ao contrário do que entende a douta deliberação impugnada, os votos em branco não podem ser considerados votos expressos, pois não tomam posição expressa sobre a questão a votação, sendo que tais votos sujeitar-se-ão ao sentido de voto maioritário.

Tal interpretação é a mais conforme com a unidade do sistema jurídico, tendo em conta a redação inicial do artigo 129.º, n.º 1, da CRP, e o artigo 386.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.

Neste sentido, aliás, decidiu o douto Acórdão deste Supremo Tribunal, de 23.02.2016, proferido no âmbito do processo n.º 31/15.6YFLSB, disponível em www.dgsi.pt, argumentando, para tanto, o seguinte:

"É o momento de retirar ilações destes contributos que se recolhem da ordem jurídica, mormente, do princípio constitucional que nesta matéria se mostra consagrado no já citado art.º 129.º da Constituição e, reconhecendo-se embora que os votos em branco, são votos válidos, eles não contam para a formação da maioria absoluta que se exige para a designação dos inspetores judiciais.

Em consequência desta interpretação restritiva e correctiva do n.º 4 do art.º 24.º do RIJ que estava em equação, não se pode concluir, como o fez a deliberação impugnada que o resultado da eleição a que foi submetida a candidatura do Recorrente não permite obter uma maioria dos votos expressos dos membros presentes do CSM."

Face ao exposto, a douta deliberação impugnada é ilegal por violação do artigo 24.º, n.º 4, do RIJ, devendo como tal ser anulada nos termos e para os efeitos do artigo 163.º, n.º 1, do CPA.

Conclui assim:

(i) Resulta evidente, face à fundamentação da deliberação impugnada, que a mesma não enuncia qualquer fundamento de facto e de direito que permita ao A. perceber as razões da sua não nomeação como Inspetor Judicial, motivo pelo qual padece do vício de falta de fundamentação, por violação dos artigos 31.º, n.º 3,152.º, n.º 1, alínea a), e 153.º, n.º s. 1 e 2, do CP A, sendo, por isso, anulável nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, também do CPA;

(ii) De resto, se é certo que, em caso de escrutínio secreto, o artigo 31.º, n.º 3, do CPA, permite que a fundamentação seja feita pelo Presidente do órgão colegial "após a votação, tendo presente a discussão que a tiver precedido" tal fundamentação não pode, por interpretação inconstitucional deste preceito, por violação do já citado artigo 268.º, n.º 3, da CRP, ser conclusiva e de tal forma neutra que não permita aos interessados perceber o iter cognoscitivo do órgão decisor, o que, desde já, se invoca, para os legais efeitos;

(iii) A douta deliberação impugnada é ainda ilegal por violação do artigo 24.º, n.º 4, do RIJ, uma vez que o A. obteve efetivamente a maioria absoluta dos votos expressos, porquanto os votos em branco não podem ser considerados votos expressos, pois não tomam posição expressa sobre a questão a votação, sendo que tais votos sujeitar-se-ão ao sentido de voto maioritário, razão pela qual deve ser anulada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 163.º, n.º 1, do CPA.

Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente.

         Nas suas alegações o CSM conclui:

     a) Não se divisa qualquer vício de falta de fundamentação nas deliberações objecto de impugnação; e

     b) Não foi violado o Regulamento das Inspecções Judiciais, designadamente, o seu artigo 24.º, n.º 4, não se configurando qualquer vício de violação de lei.

    Termina pedindo que seja julgado improcedente o presente recurso contencioso.

       O Ministério Público sustenta, essencialmente, o seguinte:

1. No presente recurso contencioso a questão suscitada pelo recorrente prende-se com a interpretação a dar à expressão "maioria absoluta dos votos expressos dos membros presentes na respetiva sessão do plenário", constante do nº 4 do artigo 24º do R.I.J, necessária para a designação de inspectores judiciais.

A divergência entre Recorrente e Recorrido centra-se na interpretação e alcance da expressão "maioria dos votos expressos dos membros presentes", exigida para a designação de inspectores judiciais pelo nº 4 do artigo 24º do R.I.J.: enquanto o recorrente defende que os votos expressos são os votos indicativos ou designativos, aqueles que tomam expressa e validamente posição sobre a questão da votação, contando, para alcançar a maioria com os votos a favor e os votos contra, e não com os votos em branco que não são votos expressos para efeitos do disposto nesse preceito, o recorrido CSM defende a interpretação oposta, considerando que os votos em branco expressam uma vontade abstencionista, cuja desconsideração o nº 4 do artigo 24º do R.I.J. não permite.

2. A questão que se coloca reconduz-se a saber se, para efeitos do preceito em causa, os votos em branco são votos expressos, e devem ou não ser considerados para o cômputo da maioria absoluta necessária, correspondente a um número de votos que exceda a expressão aritmética de metade, ou se, ao invés votos expressos são apenas os votos a favor ou contra determinado candidato, sem contabilizar os votos em branco.

A norma em apreciação é idêntica à que veio a obter consagração no artigo 22º, nº 4, do Regulamento das Inspecções do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais", sem que se colha deste qualquer elemento relevante para a interpretação do preceito em questão, do mesmo modo que nenhum elemento auxiliar se colhe do Código de Procedimento Administrativo que, embora versando, no artigo 25.º, sobre a maioria exigível nas deliberações dos órgãos colegiais, não contem qualquer disposição expressa sobre a questão.

3. No domínio do direito público, eleitoral, a questão foi discutida a propósito da Lei Eleitoral do Presidente da República, aprovada pelo D.L. n.º 319-A/76, de 3 de Maio, concretamente do seu artigo 10.º, n.º 1, nos termos do qual, reproduzindo o texto do art.º 129.º, n.º 1 da CRP de 1976, "será eleito o candidato que obtiver mais de metade dos votos validamente expressos", tendo-se suscitado a questão de saber se votos validamente expressos seriam apenas os votos válidos ou se seriam integrados também pelo conjunto dos votos em branco, com exclusão dos votos nulos.

Este Supremo Tribunal de Justiça perfilhou então o entendimento, referenciado por Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis, em Lei Eleitoral do Presidente da República, Anotada e Comentada, edição dos autores, 3.ª reedição, 2005, p. 22, de que "eleger é escolher, logo o eleitor que votava em branco ao recusar-se a fazer a escolha entre os diversos candidatos, não elegia nenhum deles, antes se limitava a depositar nas urnas um mero papel sem significado jurídico, pela impossibilidade em termos de escrutínio, de se vir a recolher qual a sua vontade expressa".

4. A desconsideração, para apuramento da maioria absoluta, dos votos brancos, veio a ser a regra expressamente consagrada no âmbito da eleição para o Presidente da República, com o aditamento, pela revisão constitucional de 1982, da parte final do n.º 1 do artigo 129.º da CRP, com a expressão "não se considerando como talos votos em branco", destinado a desfazer as dúvidas interpretativas geradas pela anterior redacção.

5. O mesmo princípio se aplica no âmbito da eleição para os órgãos das autarquias locais". Em comentário à lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais, edição INCM, de Jorge Miguéis e outros, afirma-se, que, se "em sentido amplo, os votos em branco são votos válidos na medida em que, em temos de consideração final, exprimem claramente a intenção do eleitos e fazem parte dos resultados oficiais das eleições", "os votos em branco e nulos não produzem quaisquer efeitos jurídicos".

6. No domínio do direito privado, especificamente no que concerne às abstenções, o Código Sociedades Comerciais estabelece, no art.º 250.º, n.º 3, que (...) as deliberações consideram-se tomadas se obtiverem a maioria dos votos emitidos, não se considerando como tal as abstenções", o que, na interpretação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19.10.2010, Pº 757/10.0T2AVR-A.C1, significa que a maioria se computa quanto aos votos emitidos e que as abstenções não se consideram votos emitidos.

7. Parece, assim, inferir-se um princípio, comum ao direito público e privado, no sentido de que para a maioria absoluta, ou maioria dos votos expressos, não são de considerar os votos brancos [ou as abstenções], o que se compreende já que, como afirma o Recorrente não exteriorizam, não exprimem qualquer opinião.

8. Neste entendimento, não se suscitando qualquer questão quanto ao quórum necessário, que se verificava em qualquer uma das deliberações, tendo em ambas o recorrente obtido um número de votos que excedeu a expressão aritmética de metade dos votos efectivamente expressos, não considerando os votos em branco, verifica-se o vício de violação de lei que lhes vem imputado.

Neste sentido, em caso semelhante, pronunciou-se este Supremo Tribunal no acórdão de 23.12.2006 proferido no Proc.º nº 31/15.6YFLSB.

Está, assim, prejudicada a apreciação do vício de forma invocado.

    Termina emitindo parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso e anulada a deliberação recorrida, por vício de violação de lei.


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Vamos, de seguida, averiguar se assiste razão ao recorrente nos reparos que faz à deliberação impugnada.

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     I. A deliberação tomada pelo CSM impugnada pelo Ex.mo Sr. Juiz Desembargador Dr. AA é a que procedeu à escolha de Inspector Judicial para as ...e...áreas, concretizada através de voto secreto, precedida (como dispõe o artigo 31.º, n.º 3 do CPA) de uma discussão geral sobre a natureza das funções e que, após votação, obteve o seguinte resultado:

     Foi deliberado proceder-se à escolha de Inspector Judicial para a ....ª Área, através de voto secreto.

     A votação foi precedida, como dispõe o artigo 31º, nº 3 do CPA, de uma discussão geral sobre a natureza das funções, tendo por base todos os elementos curriculares dos Exmos. Candidatos, constantes do procedimento, para o cargo de Inspector Judicial para a ...ª Área e após votação, foi obtido o seguinte resultado:

     • Dr. AA, Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de ... – 6 (seis) votos a favor;

     • Dr. BB, Juiz de Direito na Instância ... – 0 (zero) votos;

     • Em Branco – 6 (seis) votos;

     Atento o resultado, procedeu-se a segunda votação, que obteve o seguinte resultado:

     • Dr. AA, Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de ... – 5 (cinco) votos a favor;

     • Dr. BB, Juiz de Direito na Instância ... – 0 (zero) votos;

     • Em Branco – 7 (sete) votos;

     Atento o segundo resultado, procedeu-se a terceira votação, que obteve o seguinte resultado:

     • Dr. AA, Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de ... – 5 (cinco) votos a favor;

     • Dr. BB, Juiz de Direito na Instância ... – 0 (zero) votos;

     • Em Branco – 7 (sete) votos;

     Seguidamente, uma vez que os resultados das votações não permitiram obter uma maioria dos votos expressos dos membros presentes, nos termos que o exige o art.º 24.º, n.º 4, do R.I.J.-, foi deliberado por unanimidade, proceder a convite nos termos do art.º 25.º, n.º 5 do R.I.J..

     O Exmo. Senhor Presidente proferiu a seguinte fundamentação:

     “Fundamentação da deliberação nos termos do artigo 31º, nº 3 do CPA: o resultado da votação exprime a agregação dos votos individuais, de acordo com o sentido da discussão prévia e da avaliação efectuada por cada dos membros do Conselho dos elementos curriculares dos Exmos. Candidatos ao cargo de Inspector Judicial.”

    

     Foi deliberado proceder-se à escolha de Inspector Judicial para a ....ª Área, através de voto secreto.

     A votação foi precedida, como dispõe o artigo 31º, nº 3 do CPA, de uma discussão geral sobre a natureza das funções, tendo por base todos os elementos curriculares dos Exmos. Candidatos, constantes do procedimento, para o cargo de Inspector Judicial para a 20ª Área e após votação, foi obtido o seguinte resultado:

     • Dr. AA, Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de... – 5 (cinco) votos a favor;

     • Dr. BB, Juiz de Direito na Instância ... – 0 (zero) votos;

     • Em Branco – 7 (sete) votos;

     Atento o resultado, procedeu-se a segunda votação, que obteve o seguinte resultado: --

     • Dr. AA, Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de ... – 5 (cinco) votos a favor;

     • Dr. BB, Juiz de Direito na Instância ...– 1 (um) voto a favor;

     • Em Branco – 6 (seis) votos;

     Atento o segundo resultado, procedeu-se a terceira votação, que obteve o seguinte resultado:

     • Dr. AA, Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de ... – 5 (cinco) votos a favor;

     • Dr. BB, Juiz de Direito na Instância Central ... – 0 (zero) votos;

     • Em Branco – 7 (sete) votos;

     Seguidamente, uma vez que os resultados das votações não permitiram obter uma maioria dos votos expressos dos membros presentes, nos termos que o exige o art.º 24.º, n.º 4, do R.I.J.-, foi deliberado por unanimidade, proceder a convite nos termos do art.º 25.º, n.º 5 do R.I.J..

     O Exmo. Senhor Presidente proferiu a seguinte fundamentação:

     “Fundamentação da deliberação nos termos do artigo 31º, nº 3 do CPA: o resultado da votação exprime a agregação dos votos individuais, de acordo com o sentido da discussão prévia e da avaliação efectuada por cada dos membros do Conselho dos elementos curriculares dos Exmos. Candidatos ao cargo de Inspector Judicial.”

    II. Das argumentações produzidas pelo recorrente depreendemos que a questão posta pelo Ex.mo Sr. Juiz Desembargador Dr. AA se delimita em saber qual o sentido electivo do “voto em branco”, isto é, ajuizar se os votos em branco, expressos na votação que recaiu sobre a sua candidatura ao lugar de inspector judicial das ...e...áreas, contam para a maioria absoluta exigida no art.º 24.º, n.º 4 do Regulamento das Inspecções Judiciais.

 

     No enquadramento legal das suas competências, o Conselho Superior da Magistratura rege-se pelo seu Regulamento Interno (publicado no DR, 2.ª série, de 2.04.1993) e pelo Regulamento Relativo às Inspecções Judiciais que, em reunião plenária de 13.11.2012, o CSM aprovou (publicado no D.R. II Série, de 5 de Dezembro de 2012) e onde se expressa, designadamente, o modo de escolha dos inspectores judiciais.

     Dispõe o art.º 24.º deste Regulamento Relativo às Inspecções Judiciais:

1. Os inspectores judiciais são designados de entre juizes do Relação ou, excepcionalmente, de entre juízes de direito com mais de 15 anos de efetivo serviço na magistratura que possuam, nomeadamente, reconhecidas qualidades de cidadania, isenção, bom senso, formação intelectual, preparação técnica, relacionamento humano e capacidade de orientação, e cuja última classificação tenha sido de Muito bom.

2. Para as inspecções previstas no artigo 37º-A da Lei nº21/85, são designados juízes conselheiros.

3. A designação pertence ao plenário do Conselho Superior da Magistratura, por escrutínio secreto, se assim for deliberado.

4. A designação de inspectores judiciais exige a maioria absoluta dos votos expressos dos membros presentes na respetiva sessão do plenário, realizando -se as votações necessárias para o efeito, até ao limite de três.

     Logo a seguir, o seu art.º 25.º proclama o procedimento para as designações:

1. A designação de Inspector Judicial a que alude o n.º 1 do artigo anterior é precedida da apresentação de candidaturas ao lugar, após prévia divulgação pelos juízes que preencham os requisitos de categoria, antiguidade e classificação.

2. Cada candidato deve apresentar, para além do seu currículo, uma exposição sobre as capacidades que entende reunir para o cargo, bem como sobre o modo como entende desempenhar as funções, tendo em vista, nomeadamente, a melhoria contínua do Serviço de Inspecção.

3. Apresentadas as candidaturas, a cada um dos membros do Conselho Superior da Magistratura é dado conhecimento dessa apresentação, com antecedência relativamente à sessão do Plenário em que devam ser apreciadas.

4. Sem prejuízo de serem submetidas à apreciação todas as candidaturas que preencham os requisitos, poderão uma ou várias colher a subscrição favorável de um ou mais membros do Conselho Superior da Magistratura, com exposição escrita sobre os respectivos motivos, baseada, nomeadamente, no reconhecimento das qualidades requeridas para o exercício do cargo.

5. Caso não seja apresentada qualquer candidatura válida ao lugar e, bem assim, quando não seja obtida a maioria a que alude o artigo 24.º, n.º 4, o Conselho Superior da Magistratura pode convidar, deliberando por maioria dos votos expressos dos membros presentes na respectiva sessão do Plenário, Magistrados Judiciais com os requisitos e as qualidades mencionadas no artigo 24.º, n.º 1, do presente Regulamento, sob proposta de um ou mais membros do Plenário, sujeita à apresentação de uma exposição escrita dos motivos que a fundamentam, nomeadamente considerando as qualidades requeridas para o exercício do cargo.

6. No caso referido no número anterior, o membro ou membros proponentes apresentam, com a proposta, declaração do Magistrado Judicial declarando aceitar o convite, se o mesmo lhe vier a ser formulado, bem como uma exposição do mesmo sobre as capacidades que entende reunir para o cargo, bem como sobre o modo como entende desempenhar as funções, tendo em vista, nomeadamente, a melhoria contínua do Serviço da Inspecção.

7. Quer nos casos do n.º 2, quer nos casos do n.º 6 do presente artigo, o Conselho Superior da Magistratura pode chamar os Magistrados Judiciais a prestarem esclarecimentos presenciais em sessão do Plenário.

     Como já atrás evocámos, por imposição do estatuído no n.º 4 do art.º 24.º do RIJ, “a designação de inspectores judiciais exige a maioria absoluta dos votos expressos dos membros presentes na respetiva sessão do plenário, realizando -se as votações necessárias para o efeito, até ao limite de três”.

    A primeira objeção que este especificado normativo levanta ao intérprete é a de saber se na expressão “votos em branco”, nele contida, se incluem os “votos expressos”,  vocábulo igualmente aí posto; e é de primordial importância a resposta que tenhamos de dar a esta  provocada dúvida que do texto acima trancrito sobressai.  

     É que, se entendermos que o “voto em branco”, porque não toma posição expressa sobre a questão da votação se não pode considerar como voto expresso, o autor obteve efetivamente a maioria absoluta dos votos expressos, ao contrário do que foi professado na deliberação do CSM.

     Argúi o recorrente que os votos expressos são os votos indicativos ou designativos, aqueles que tomam expressa e validamente posição sobre a questão da votação, contando, para alcançar a maioria, com os votos a favor e os votos contra.

     Contrariamente, defende o CSM que os votos em branco não são votos expressos para efeitos do disposto naquele normativo.

     Pragmaticamente, entende o autor que o voto em branco não conta para se encontrar a maioria, enquanto o CSM entende que sim.

   

     III. O “quorum” (número de membros cuja presença é necessária para que o órgão possa validamente deliberar) das reuniões do CSM é o da maioria do número legal de seus membros (12) e as suas deliberações são tomadas de acordo com a  pluralidade de votos - art.º 12.º/1 de seu Regulamento Interno.

 

     Temos como bom o entendimento de que a figura do “voto validamente expresso” exclui o “voto branco” para a obtenção da maioria absoluta necessária à eleição do candidato.

    É isso o que resulta do n.º 1 do art.º 10.º (aditado pela Lei n.º 143/85, de 26/11) da Lei Eleitoral do Presidente da República (Decreto-Lei nº 319-A/76, de 3/05) - será eleito o candidato que obtiver mais de metade dos votos validamente expressos, não se considerando como tal os votos em branco - e é este o sentido interpretativo que, fazendo-se apelo à unidade do nosso sistema jurídico, se faz, outrossim, estender para os restantes regimes eleitorais e seguidos pela doutrina e jurisprudência deste STJ.

     “Os votos brancos são votos válidos, simplesmente não contam para efeito da maioria absoluta requerida” - Jorge Miranda, Rui Medeiros e outros, na CRP Anotada, II, ed. 2006, pág. 356, a propósito do art.º 129.º da CRP de 1976.

     Os votos em branco e os votos nulos não produzem quaisquer efeitos jurídicos, designadamente na validade das eleições ou em matéria de atribuição de mandatos. Ainda que o número de votos em branco ou nulos seja maioritário, a eleição é válida, na medida em que existem votos validamente expressos e que apenas esses contam para efeitos de apuramento dos mandatos a atribuir” - Jorge Miguéis, Carla Luís e outros; disponível na página da internet da CNE; pág. 293/295.

     “Tanto as abstenções como os votos brancos ou nulos, não influem no resultado da votação a não ser quando o quorum deliberativo exigido deva ser calculado em função da totalidade dos votos ou do capital e não em função da totalidade dos votos expressos (a favor ou contra)” - Brito Correia; Deliberação dos Sócios, Direito Comercial, III, 1997, 179).

    Este STJ vem, identicamente, seguindo esta particularizada conceção, mais precisamente no sentido de que, muito embora se reconheça que os votos em branco são votos válidos, todavia eles não contam para a formação da maioria absoluta que se exige para a designação dos inspectores judiciais.

     - Exigindo-se, no n.º 4 do art. 24.º do RIJ, que a deliberação de designação de inspectores judiciais seja tomada por maioria absoluta de votos expressos dos membros presentes, é de concluir, tendo em conta o elemento sistemático da interpretação, que os votos em branco não contam para a sua formação. Assim, tendo o recorrente obtido um número de votos superior a metade do número de votantes e descontando os votos em branco, é de concluir que se deve ter por aceite a sua candidatura a esse cargo (Ac. STJ de 23.02.2016, pelo Relator também subscrito; disponível em www.dgsi.pt).


     Estamos agora habilitados a julgar que, quanto à vaga de Inspector Judicial em relação às ...e...áreas, o número de votos que a candidatura do autor alcançou é superior a metade do número de votantes, descontado do número de votos em branco aí expressos.

     Pelo exposto e na procedência do recurso interposto pelo recorrente, acordam os juízes que constituem a secção de contencioso deste Supremo Tribunal de Justiça em anular a deliberação recorrida.

           O valor da causa é de € 30.000,01.

Custas pelo CSM recorrido, fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc´s.

        Supremo Tribunal de Justiça, 26 de outubro de 2016.

Silva Gonçalves (relator)
Gabriel Catarino (com voto vencido)
Oliveira Mendes
Ana Luísa Geraldes (com voto vencida)
Isabel Pais Martins
Pinto de Almeida
Sebastião Póvoas (Presidente, com voto vencido)

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Declaração de voto

Em reponderação do Acórdão de 23 de Fevereiro de 2016, cumpre-me deixar as seguintes considerações:

1. No Código de Procedimento Administrativo é regra, para que uma deliberação se considere aprovada, exigir-se maioria absoluta de votos dos membros presentes (art.º 32.º n.º1).

Assim, e v.g., se o quorum for de 12 membros (como no art.º 156.º n.º 3 do Estatuto dos Magistrados Judiciais), para aprovação de uma proposta serão sempre necessários 7 votos conformes (6+1).

Se, por qualquer razão (votos contrários, abstenções, votos nulos, votos brancos) não se atingir maioria absoluta, no sentido de aprovação, a deliberação não se considera aprovada.

Assim, interpretado no sentido de permitir a designação de um Inspector sem que a maioria absoluta dos votos dos efectivamente presentes na reunião (no caso do Acórdão de 23/2/2016, participaram 14 membros pelo que a aprovação exigiria 8 votos favoráveis, fosse qual fosse o sentido dos outros votos) o art.º 24.º do Regulamento das Inspecções Judiciais seria ilegal por contrariar a regra legal da maioria absoluta determinada em função dos membros presentes.

A vontade do órgão só se forma em determinado sentido com metade mais um dos votos dos membros presentes.

2- Nesta perspectiva, não teria sequer grande interesse saber se o “voto branco” é um “voto validamente expresso” (embora deva notar-se que aquele Regulamento refere apenas “voto expresso” e não “voto validamente expresso”), porque qualquer interpretação que conduzisse à diminuição do número de votos necessários para que a vontade do órgão se considere formada em determinado sentido sempre seria ilegal e, consequentemente, inaplicável.

Note-se que a lógica das eleições para órgãos políticos não tem aqui aplicação, porque não se trata de determinar a expressão de vontade do eleitorado, mas da formação da vontade do órgão, normativamente entendida.

A unidade do sistema jurídico será mais a unidade valorativa, não a simetria de soluções perante expressões de teor semelhante em diversas áreas.

Sucede, porém, que ao contrário do regime geral do Código de Procedimento Administrativo, o Estatuto dos Magistrados Judiciais (art.º 156.ºn.º2) refere que as deliberações são tomadas à pluralidade de votos.

E pluralidade de votos significa, em princípio, maioria relativa (é esta a interpretação maioritária da expressão constitucional correspondente) pelo que o raciocínio acima exposto - invalidade do Regulamento das Inspecções Judiciais, se conduzisse a uma maioria menos exigente do que a absoluta dos membros presentes - não terá aplicação.

Assim, tem sentido saber o que quis efectivamente o Regulamento das Inspecções Judiciais quando estabeleceu o requisito em apreço.

E só pode ter sido o de reforçar a exigência de maioria absoluta para uma escolha considerada melindrosa.

Sebastião Póvoas

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[1] Cfr. artigo 18.º da petição de recurso.
[2] Cfr. artigos 25.º e 26.º da petição de recurso.
[3] Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro.
[4] Como se mencionou no acórdão do S.T.J. de 26-06-2013 (proc.º n.º 114/12.4YFLSB, Relator Serra Baptista), a propósito do paralelo artigo 125.º do CPA de 1991, este normativo «fornece uma achega para a delimitação deste dever dos órgãos administrativos, na medida em que, o seu n.º 1 impõe que o acto administrativo adopte uma fundamentação expressa, com sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão e, se necessário for, com remissão para os fundamentos constantes de anteriores parecer, informações ou propostas, enquanto que, o seu número 2, esclarece que a fundamentação obscura, contraditória ou insuficiente equivale à falta de fundamentação».
[5] Como sublinha Luís Filipe Colaço Antunes (Para um Direito Administrativo de Garantia do Cidadão e da Administração – Tradição e Reforma; Almedina, 2000, p. 24): «Perante o disposto no artigo 125.º/1 do C.P.A. (…) parece difícil contornar a centralidade e essencialidade da fundamentação (formal), entendida como discurso da Administração ordenado à justificação do exercício do poder e da decisão tomada. Assim, a norma em apreciação parece impor à Administração um verdadeiro dever de externação das razões que sustentam o acto, o que obriga a considerar a fundamentação um elemento essencial daquele».
[6] Assim, Luís Filipe Colaço Antunes; Para um Direito Administrativo de Garantia do Cidadão e da Administração – Tradição e Reforma; Almedina, 2000, p. 28.
[7] Cfr. o acórdão do S.T.J. de 07-12-2005, no Proc. 2381/04.
[8] Assim, Mário Aroso de Almeida; Teoria Geral do Direito Administrativo – O Novo Regime do Código do Procedimento Administrativo; Almedina, Coimbra, 2.ª ed., 2015, p. 292.
[9] Cfr. J. Carlos Vieira de Andrade; O Dever de Fundamentação Expressa dos Actos Administrativos; Almedina, 2.ª reimp., 2007, p. 238.
[10] Idem, p. 239.
[11] Aprovado pela Deliberação n.º 1868/2012, Disponível em https://www.csm.org.pt/ficheiros/legislacao/regulamento-inspeccoesjudiciais2013.pdf e publicada no Diário da República, 2.ª série, N.º 235, de 5 de dezembro de 2012, pp. 38774-38779.
[12] De facto, como se salientou no Acórdão do STA de 06-05-2003 (1.ª Secção, decisão em Subsecção, Proc.º n.º 46188, apud; Fernando Brandão Ferreira-Pinto; Código do Procedimento Administrativo Anotado; 2.ª ed., Digital Jurisbook, 2008, p. 278): «O acto administrativo está suficientemente fundamentado desde que um destinatário normal fique a saber quais os motivos de facto e de direito determinantes da decisão. Não se exige, para que a fundamentação seja suficiente, que esta consiga convencer o destinatário, uma vez que a sua função é apenas a de permitir o controlo do acto».
[13]  Como se enunciou no Acórdão do STJ de 30-04-2015 (proc. n.º 119/14.0YFLSB, relator Santos Cabral): “A fundamentação diz respeito à decisão no seu sentido global, permitindo perceber o iter seguido pelo órgão deliberativo nos passos lógicos e racionais que o conduziram a determinada solução, e essa está exteriorizada na deliberação recorrida, possibilitando conhecer os motivos” da deliberação tomada, obviamente, com as naturais limitações de o escrutínio que a determinou, ter ocorrido por voto secreto.
[14] Cfr. artigos 30.º, 31.º, 32.º e 33.º da petição a que se responde.
[15] Disponível em https://www.csm.org.pt/ficheiros/legislacao/regulamento-inspeccoesjudiciais2013.pdf e publicado no Diário da República, 2.ª série, N.º 235, de 5 de dezembro de 2012, pp. 38774-38779.
[16] Como refere Pinto Furtado (Deliberações de Sociedades Anónimas; Colecção Teses, Almedina, 2005, p. 431), a esse propósito: «No cômputo dos votos, para a determinação da maioria só relevam, na própria expressão da lei, os votos emitidos (arts. 250-3; 386-1-3-4 CSC), e descontando-se a esses as próprias abstenções (cfr. art. 386-1 CSC)».
[17] Assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-2014 (Processo 57/14.7YFLSB, relator Santos Cabral, disponível em http://www.dgsi.pt).
[18] Cfr. Curso de Direito Administrativo, vol. I, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, p. 767 e p. 769.
[19] O n.º 1 do artigo 25.º desse Código.
[20] Código do Procedimento Administrativo, Comentado, 2.ª ed., Almedina, pp. 179-180.
[21] Publicado no D.R., 2.ª Série, de 27 de Abril de 1993, disponível no endereço http://www.csm.org.pt/ficheiros/legislacao/regulamentointernocsm.pdf.
[22] É esse o sentido “histórico” – provindo do artigo 39.º da Lei das Sociedades por Quotas de 1901 e do artigo 151.º § 1º do Código Comercial - da alusão da tomada de deliberações “à pluralidade de votos”.
[23] “O art. 156.º, n.º 3, do EMJ, sobre o funcionamento do Plenário do CSM, dispõe que «Para a validade das deliberações exige-se a presença de, pelo menos, 12 membros» (realce nosso). A condição de validade das deliberações tomadas pelo Plenário do CSM é, assim, a presença de 12 dos seus membros e não o sentido de 12 votos, contados conforme posições assumidas anteriormente por algum ou alguns dos seus membros” (assim, o Acórdão do STJ de 08-11-2007, proc. n.º 4674/06, relator Santos Carvalho, disponível nos Sumários da Jurisprudência da Secção do Contencioso do STJ, 1980-2011, p. 154, consultado no endereço http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/contencioso/contencioso1980-2011.pdf).
[24] Ou seja: O mínimo de presenças exigido para que um corpo colegial possa proceder a qualquer processo deliberativo, de acordo com o estabelecido no artigo 156.º, n.º 3, do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
[25] Aspeto, aliás, bem vincado nos dois votos de vencido emitidos aquando da votação do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça esgrimido pelo recorrente no artigo 36.º da petição de recurso. Em particular, sobre o sentido do n.º 4 do artigo 24.º do R.I.J., na declaração de voto expressa pelo Exmo. Senhor Conselheiro Mário Belo Morgado, acentua-se o seguinte:
«(…) a letra (a expressão "votos expressos" não equivale à de "votos validamente expressos" que figura, por exemplo, no art. 10º. n.º 1, do D.L. n° 319-A/76, de 3 de maio, referente à eleição do Presidente da República) e o espírito desta norma apontam, só por si, no sentido de a "maioria absoluta" aí prevista dever ser aferida em função do número de membros presentes na sessão do plenário do CSM (i.e., as deliberações são tomadas desde que, em determinado sentido, votem metade e mais um dos membros presentes à reunião), no mesmo sentido apontam ainda os princípios da unidade e coerência do sistema jurídico, sendo que uma norma de natureza regulamentar não pode prevalecer sobre o correspondente regime legal.
Com efeito, nos termos do art. 25.º, n.º 1, do CPA, bem como do art. 32.º, n.º 1, do NCPA (epigrafados "maioria exigível nas deliberações"), "as deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos presentes à reunião (...)", ou seja, aquela que é "superior a metade dos membros com direito de voto"(cfr. Luiz S. Cabral de Moncada, CPA Anotado, 2015, P. 165).
No mesmo sentido, se bem os interpretamos, se pronunciam outros administrativistas:
"O disposto no art 32º [do atual CPA] estipula a regra geral para apuramento da vontade do órgão colegial, Consagra-se que a maioria absoluta, ou seja, metade mais um dos votos dos membros presentes na reunião seja a regra (...)." [José Fontes, Curso sobre o novo CPA, 2015, Almedina, p. 82], reiterando, em quadro inserto na página seguinte, que maioria absoluta significa "no mínimo, metade mais um dos votantes",
"O Código acolheu a maioria absoluta como regime-regra, que só pode ser afastado se norma especial impuser outro tipo de maioria (...)
A maioria diz-se absoluta se corresponde a mais de metade dos votos (...)." [Diogo Freitas do Amaral e outros, CPA Anotado, 2015, Almedina, p. 75]
"(...) a maioria absoluta corresponde a mais de metade dos votos (cinquenta por cento mais um); (...)" [António Francisco de Sousa, CPA Anotado e Comentado, 2009, Quid Juris? p. 110, em anotação ao art. 25.º do CPA]
    2. A não ser assim, poderíamos ter, no limite, mesmo no caso de ser exigida maioria absoluta, uma deliberação aprovada apenas por um voto a favor, sendo todos os demais brancos, o que não parece compatível com a adequada tutela do princípio da prossecução do interesse público.
   3. Argumenta-se no acórdão, nomeadamente, com o direito eleitoral e o direito das sociedades, mas o CPA, enformado por valores e princípios específicos, soluciona, só por si, à questão em apreço, situada no plano do funcionamento dos órgãos da Administração».
   [26] Cfr. artigo 23.º do Código do Procedimento Administrativo.
[27] Com ou sem desiderato “político”.