CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO
CONTRATO DE AGÊNCIA
ANALOGIA
RESOLUÇÃO
DENÚNCIA
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
RENOVAÇÃO AUTOMATICA
CLÁUSULA CONTRATUAL
CONDIÇÃO RESOLUTIVA
CADUCIDADE
PRAZO CERTO
PRAZO RAZOÁVEL
AVISO PRÉVIO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
CONTRATO DE CONCESSÃO COMERCIAL
Sumário


I. No âmbito de um contrato de distribuição, na modalidade de concessão comercial, saber se a declaração de cessação desse contrato, por parte do concedente, configura resolução ou denúncia depende da interpretação dessa declaração, à luz das diretrizes do artigo 236.º do CC.
II. Assim, tendo o concedente declarado pôr termo ao contrato com efeitos a partir do fim do prazo contratual então em curso, ainda que com inobservância do prazo de pré-aviso de 90 dias estipulado pelas partes, e tendo o concessionário recebido tal declaração, em termos inequívocos, com o sentido de que se tratava de denúncia do contrato, é de concluir estarmos perante uma declaração negocial de denúncia e não de resolução.
III. No domínio do contrato de agência, cujo regime legal é suscetível, em princípio, de aplicação analógica ao contrato de concessão comercial, além das hipóteses de contrato sujeito a prazo certo de caducidade automática e de contrato celebrado por tempo indeterminado, previstas, respetivamente, nos termos dos artigos 26.º, al. a), e 27.º do Dec.-Lei n.º 178/86, de 03-07, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 118/93, de 13/04, ocorrem, com frequência, casos de contratos com cláusula de prorrogação automática por sucessivos períodos, sem qualquer outro limite temporal, não contemplados naquele diploma.
IV. Este último tipo de casos não se configura como uma situação típica da denúncia legalmente estatuída no n.º 1 do sobredito artigo 28.º, privativa dos contratos celebrados por tempo indeterminado, mas sim como uma denúncia estipulada pelas próprias partes como condição resolutiva potestativa, associada à caducidade do contrato, à qual subjazem razões idênticas à da denúncia legal, por forma a preservar os contraentes de uma rutura abrupta da relação contratual.
V. Perante tal lacuna, coloca-se então a hipótese de aplicar a esse terceiro tipo de casos, por analogia, na medida da similitude verificável entre o contrato de concessão e o contrato de agência, o regime previsto nos artigos 28.º e seguintes do citado diploma, embora com a necessária adaptação quanto ao ajustamento do prazo tido por razoável em função das circunstâncias de cada caso. 
VI. Nessa medida, a denúncia convencionada não poderá deixar de respeitar os prazos mínimos de pré-aviso estabelecidos no n.º 1 do artigo 28.º do Dec.-Lei n.º 178/86, de 03-07, ou porventura outro prazo tido por mais razoável em face das circunstâncias do caso, sem prejuízo da aplicação de prazos mais extensos que tenham sido estipulados pelas partes.
VII. Assim, tendo as partes estipulado um prazo de denúncia com a antecedência de 90 dias em relação ao fim do prazo contratual em curso, sob pena de prorrogação automática do contrato, não questionando sequer a adequação desse prazo, tem-se o mesmo por adequado a pôr termo àquele contrato, seja qual for o seu grau de envolvimento nessa relação. 
VIII. A cessação por denúncia de um contrato de concessão comercial com cláusula de prorrogação automática, sem que tenha sido observado o prazo de pré-aviso estabelecido pelas partes, constitui violação da obrigação acessória do exercício desse direito de denúncia, tendo como consequência, para a parte contra quem a denúncia é desencadeada, o direito a ser indemnizada pelos danos decorrentes de tal inobservância, em medida correspondente ao prazo em falta, nos termos do artigo 29.º do Dec.-Lei n.º 178/86, de 03-07, e não pelos danos que decorreriam da extinção do contrato. 
IX. Poderá, no entanto, admitir-se uma equiparação à resolução sem justa causa, nos casos em que a denúncia for feita sem a observância dos prazos de pré-aviso, de tal forma inopinada e abrupta que surpreenda a contraparte, gorando, desse modo, a sua legítima expetativa da prorrogação automática do contrato.
 X. No caso presente, não se afigurando que a R. tenha sido surpreendida, de forma inopinada e abrupta, com a denúncia do contrato por parte da A., mas antes num quadro de arrastamento litigioso que culminou numa denúncia desencadeada sem a observância do prazo de pré-aviso de 90 dias contratualmente estipulado, tem-se como ajustada uma indemnização pela violação desse prazo do pré-aviso correspondente aos dois meses em falta, ao abrigo do n.º 2 do artigo 29.º do Dec.-Lei n.º 178/86, de 03-07. 

Texto Integral

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I – Relatório

1. A Sociedade Agrícola AA, S.A., S.A. (A.), instaurou, em 20/03/2013, junto da então Grande Instância Cível de Sintra, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a sociedade BB - Comércio e Distribuição de Bebidas, Ldª.(R.), a pedir que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 67.822,49, acrescida de juros de mora, desde a citação, alegando que:

. A A., dedicando-se à produção e comercialização de vinho, para escoar a sua produção, celebrou, em 2003, um contrato de distribuição com a sociedade “CC”, no âmbito do qual esta promoveu a comercialização dos vinhos da A. desde aquela data até 2006, ano em que o sobredito contrato foi revogado;

. Depois disso, a R. passou a distribuir os vinhos da A. por contrato consensual, tendo esta efetuado grandes investimentos em marketing dos quais a R. nunca lhe prestou contas;

. Porém, a qualidade dos serviços prestados pela R., que foi piorando ao longo do tempo, degradou-se por completo em 2012, ocorrendo uma diminuição injustificada das vendas, a quebra financeira da R. e uma suspensão dos planos de levantamentos, o que levou a A. a considerar que a manutenção da relação comercial conduziria à sua insolvência;

. Em outubro de 2012, a A. começou a falar com a R. na impossibilidade de manterem aquela relação comercial, tendo marcado uma reunião para acertar os pagamentos em falta, as vendas até ao final do ano e o destino dos stocks, mas a R. informou-a de que o assunto estava bloqueado e entregue aos seus advogados;

. Perante isso, a A. enviou uma carta à R., em 26/11/2012, a comunicar a resolução do sobredito contrato consensual e, na sequência da resposta desta, aceitou a devolução de todo o stock, emitindo as respetivas notas de crédito;

. Não obstante isso, a R. recusou pagar à A. a quantia de € 67.822,49, relativa ao vinho por ela adquirido e revendido, invocando ser credora de indemnizações, nomeadamente de clientela;

. No entanto, não assiste à R. tal direito, porquanto a A. não beneficiou em nada com a existência de tal clientela, que não lhe foi transmitida, já que os clientes correspondentes a grandes superfícies exigiram à A. novas condições para tornarem a comprar os seus vinhos, não tendo, por outro lado, recebido qualquer encomenda dos antigos clientes da R., da rede “DD” (hotéis, restaurantes e garrafeiras).

2. A R. apresentou contestação-reconvenção, a sustentar que:

. O contrato celebrado entre a A. e a “CC” não foi resolvido, antes tendo sido cedida a posição contratual dessa sociedade à ora R., na sequência da constituição desta pela “CC” e pela “EE”, como forma de potenciar a intervenção no mercado de distribuição de vinhos;

. Por via disso, a partir de agosto de 2004, a R. passou a assegurar a distribuição dos produtos da A. nos mesmos termos contratados com a “CC”, com conhecimento da A.;

. No início da intervenção da R. na distribuição dos vinhos da A., esta encontrava-se ainda a desenvolver alguns dos seus produtos, pelo que a R. se comprometeu a colaborar com ela na definição de alguns aspetos referentes à sua política comercial, na divulgação, promoção e lançamento de marcas de vinho no mercado, cabendo a última palavra à A. e tendo estado as partes sempre próximas uma da outra, por impulso e incentivo da R.;

. Assim, a R. sempre diligenciou pela prospeção e criação de circuitos de mercado para colocar os produtos da A., quer junto da grande distribuição, quer junto do sector hoteleiro, estabelecendo contatos com potenciais clientes, efetuando ações de marketing e investindo na captação de clientela junto dos consumidores;

. E ainda promoveu, em conjunto com a A., visitas de clientes à quinta da A. para divulgar os produtos desta, sendo que, em resultado dessa atividade, a R. conseguiu um total de 1524 clientes, conseguindo aumentar o volume de vendas de € 218.956,21, em 2009, para € 402.394,59, em 2012, com um volume total de € 1.847 385,71 nesses cinco anos;

. A diminuição de vendas ocorrida em 2012 emergiu do cenário económico-social nacional e da situação de recessão vivida, com uma quebra de atividade drástica do sector hoteleiro;

. A quebra de vendas dos produtos da A., a partir dos meados do mês de novembro, resultou da eventual precipitação da A. em anunciar no mercado a mudança de distribuidor, quando era expectável que a proximidade do período natalício incrementasse as vendas, sendo, por isso, que os valores totais de vendas de 2012 são inferiores a 2011, não sendo expectável que fossem superiores em razão da situação de crise vivida;

. A R. nunca se obrigou a qualquer plano de levantamentos, apenas havendo projeções de vendas e não qualquer obrigação dela de, em 2012, adquirir mercadoria da A. em maior volume do que no ano de 2011;

. Ademais, a A. faturava mercadoria que apenas entregava posteriormente, com base nessas projeções, nunca tendo a R. recusado essa faturação;

. A A. nunca comunicou à R. qualquer impossibilidade de continuarem a relação comercial entre ambas, sendo que da carta de 26/11/2012 não consta qualquer circunstância que fosse fundamento para a pretendida resolução, tendo a A. apenas comunicado o termo da relação contratual entre as partes, com efeitos a partir de 01/01/2013;

. Aplicando-se, analogicamente, as regras do contrato de agência, a denúncia da A. é ilícita, dado que art.º 28º do respetivo regime jurídico apenas permite a denúncia em contratos celebrados por tempo indeterminado e o contrato entre as partes tinha prazo de vigência de um ano, renovável por iguais períodos se nenhuma das partes se opusesse com antecedência não inferior a 90 dias;

. Assim, a R. ficou impedida de obter no ano seguinte (2013) uma remuneração de, pelo menos, € 100.000,00, tendo em conta o rendimento médio anual de € 114.500,00 calculado nos últimos cinco anos, ou uma indemnização de, pelo menos, € 32.416,00, caso se venha a entender que o contrato não tem prazo de vigência, face ao disposto nos art.º 28º e 29º do Regime Jurídico do Contrato de Agência;

. Além disso, é devida à R. uma indemnização de clientela calculada nos termos dos artigos 33.º e 34.º do indicado regime, já que, por força da atuação da R., a A. detém um estatuto e uma posição de reconhecimento no mercado vinícola nacional, sem que essa situação se tenha alterado com a cessação do contrato de concessão comercial, considerando que a comercialização dos produtos da A. representava para a R. cerca de 12,5% do seu volume de negócios anual, tendo nos últimos cinco anos uma média anual de vendas de € 495.822,60, com uma margem média de lucro de 23,01%, o que representa uma remuneração média anual, nos últimos cinco anos, de € 114.500,60;

. A R. é, pois, credora da A. nos indicados montantes de € 100.000,00 e de € 114.500,60, devendo operar-se a compensação sobre o crédito por ela peticionado.

Concluiu a R. pela improcedência do pedido formulado pela A. e, em sede de pedido reconvencional, pediu a condenação desta no pagamento da quantia de € 214.500,60 ou, caso assim não se entendesse, no pagamento da quantia de € 146.916,60, por efeito da invocada compensação.

3. A A. apresentou réplica, na qual, além de arguir a intempestividade da contestação, impugnou a alegada cessão da posição contratual, rebateu a tese da R. relativamente à denúncia ilícita do contrato e ao direito de indemnização invocados, impugnando ainda os factos em que a R. estriba a pretensão reconvencional, concluindo pela improcedência da reconvenção e reiterando, no mais, o petitório.

4. Findos os articulados, realizou-se audiência prévia, no decurso da qual, foi fixado o valor da causa em € 282.323,09, julgada improcedente a arguida intempestividade da contestação, declarada não escrita parte da tréplica e proferido saneador tabelar, após o que se procedeu à identificação do objeto do litígio e à enunciação dos temas da prova.

5. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 530-577, a julgar procedente a ação e parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência disso:

a) – a reconhecer o crédito da A. para com a R. no montante de € 67.822,49 e o crédito da R. sobre a A. no montante de € 200.000,00;

b) – a declarar verificada a compensação do crédito da A. com igual parte do crédito da R.;

c) – a condenar a A. a pagar à R. o remanescente equivalente à quantia de € 132.177,51, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até integral pagamento.

6. Inconformada com tal decisão, a A. apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, através do acórdão de fls. 759-803, datado de 26/ 11/2015, enunciou como questões a resolver, as seguintes:

a) - saber se o contrato em causa foi celebrado, desde início, entre A. e R., verbalmente e sem prazo, ou se a última sucedeu, desde agosto de 2004, na posição contratual da “CC”;

b) - saber se a resolução contratual operada pela A. foi fundada em justa causa e, em caso negativo, qual o período de tempo a atender para efeitos do cálculo da respetiva indemnização;

c) – a questão da atribuição ou não da indemnização de clientela.

E decidiu:

i) - Em primeira linha, conceder parcial provimento ao recurso, alterando a sentença recorrida quanto à pretensão reconvencional atinente à condenação da A., por violação do pré-aviso da denúncia, reduzindo o respetivo montante para € 16.667,00 e mantendo no mais a decisão recorrida;

ii) – Em consequência dessa procedência parcial, julgar efetuada a compensação, condenando a A. a pagar à R. a quantia de € 48.844,51, acrescida dos respetivos juros de mora.

7. Desta feita, a R. veio recorrer de revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - O contrato dos autos é um contrato de concessão comercial, sendo-lhe aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Agência (RJCA), contemplado no DL n.º 178/86, alterado pelo DL n.º 118/93;

2.ª - Resulta da factualidade provada que o mencionado contrato foi celebrado com prazo certo, renovando-se anualmente ao dia 31 de dezembro de cada ano, caso não viesse a ser denunciado com a antecedência de 90 dias sobre o respetivo termo ou renovação;

3.ª - A afirmação feita pela Relação segundo a qual o contrato dos autos foi celebrado sem prazo consubstancia uma flagrante contradição com os fundamentos do acórdão (Factos Provados) geradora de nulidade à luz do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, aplicável por força do disposto no art.º 666.º do mesmo diploma legal;

4.ª - A declaração da A. efetuada através da carta de 26/11/2012 configura uma declaração de resolução do contrato de concessão que vigorava entre as partes e não uma denúncia, já que visa a destruição do vínculo contratual entre as partes e assenta numa declaração da vontade individual da A.;

5.ª - Em tese geral, a denúncia, enquanto fenómeno extintivo de uma relação contratual (ad libitum), apenas existe nos contratos de duração indeterminada, como forma de permitir aos contratantes a libertação de vínculos contratuais que, por não estarem sujei-tos a prazo, tenderiam à perpetuidade;

6.ª - A denúncia pressupõe a existência de um negócio sem prazo, já que, havendo prazo, o decurso deste faz eclodir outro fator de extinção contratual, a caducidade;

7.ª - Também assim é no RJCA que, no seu art.º 29.º, sob a epígrafe "Denúncia", dispõe, de forma lapidar, "A denúncia só é permitida nos contratos celebrados por tempo indeterminado...”;

8.ª - Não tendo o contrato dos autos sido celebrado por tempo indeterminado, mas antes pelo prazo de um ano renovável por iguais períodos, nunca o regime da denúncia plasmado nos artigos 28.º e 29.º do Dec.-Lei n.º 178/86 de 3 de Julho, poderia ser aplicado à situação vertente;

9.ª - Ao ter resolvido o contrato sem motivo, a A. praticou um ilícito civil que atingiu a posição contratual da R. daí que esta tenha direito a ser indemnizada pelos danos sofridos na sequência de uma resolução contratual não motivada e, por isso, ilícita;

10.ª - Assim, deverá a R. ser ressarcida dos danos decorrentes da impossibilidade de executar o contrato durante todo o ano de 2013;

11.ª - Tal indemnização deverá corresponder à mais valia pecuniária que a R. obteria até ao termo da vigência do contrato de concessão comercial, caso o mesmo tivesse sido pontualmente cumprido pela A., quantificando-se estes nos exatos termos em que o fez a 1.ª instancia;

12.ª - Decorre dos factos provados que A. não aceitou os termos do acordo proposto pela R. na sua carta de 10/01/2013, tanto mais que a acionou no âmbito dos presentes autos;

13.ª - É ilícita a conclusão da Relação que atribui ao [incorreto] enquadramento jurídico feito pela R. na carta de 10/01/2013, a aceitação da denúncia mediante o pagamento da indemnização a “forfait” consagrada no dito art.º 29.º, n.º 2, do DL n.º 178/86;

14.ª - Na carta da R. de 10/01/2013, o que verdadeiramente releva não é o enquadramento jurídico dado à cessação do contrato, mas antes a proposta negocial nela gizada e destinada a evitar um potencial litígio;

15.ª - O incorreto enquadramento jurídico feito pela R. na mencionada carta, quanto aos efeitos decorrentes da cessação do contrato de concessão, não tem o condão de cercear o seu direito de ação;

16.ª - Com a declaração constante da carta de 10/01/2013, a R. não poderá ficar impedida de, no âmbito dos presentes autos, e após um estudo mais profundo da questão, corrigir a qualificação da cessação do contrato, atribuindo-lhe os efeitos adequados;

17.ª - O direito de ação da R. apenas ficaria limitado na eventualidade da proposta de acordo, corporizada na carta de 10/01/2013, ter sido aceite sem reservas pela A. - o que, manifestamente não ocorreu;

18.ª - De resto, se a A. tivesse aceite a proposta formulada pela R. na carta de 10/01/2013, o presente litigioso sequer existia;

19.ª - Quanto à eficácia das declarações negociais dispõe o art.º 224.º, n.º 1, do CC que "A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou dele é conhecida;" porém só com uma declaração de aceitação da proposta ao proponente pelo destinatário é que fica perfeito o contrato proposto – artigos 232.º e 224.º, do Código Civil;

20.ª - Em matéria de perfeição da declaração negocial, dispõe o artigo 233.º do CC que "A aceitação com aditamentos, limitações ou outras modificações importa a rejeição da proposta; eis o sucedeu na situação dos autos;

21.ª - Mas ainda que assim não fosse, e que a R. na referida carta tivesse manifestado o propósito de submeter as consequências da cessação do contrato ao regime da denúncia, sempre haveria que ver nesta [putativa] manifestação de vontade a estipulação de uma cláusula de denúncia violadora da norma imperativa do n.º 1 do artigo 28.º Dec.-Lei n.º 178/86 e, por conseguinte, nula por via do art.º 294.º do Código Civil;

22.ª - Posto que, no domínio do contrato de agência, face à norma imperativa do n.º 1 do artigo 28.º do DL n.º 178/86, de 3-07, a aplicação do regime da denúncia apenas é permitida nos contratos de duração indeterminada;

23.ª - A decisão recorrida, enferma assim de flagrante ilegalidade porquanto retira dos factos vertidos nos pontos 77 a 82 dos Factos Provados um efeito que estes não permitem, violando assim as normas vertidas nos artigos 232.º, 233.º do CC e o artigo 28.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1 do Dec.-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 118/93, de 13 de abril, conjugado com artigo 294.º do CC.

Pede a Recorrente que se revogue o acórdão recorrido na parte em que decidiu condenar a A. por violação do pré-aviso, condenando esta a pagar-lhe a quantia € 16.667,00, devendo, pelo contrário, confirmar-se a decisão proferida pela Tribunal da 1.ª instância nos seus exatos termos.

8. A Recorrida apresentou contra-alegações, a pugnar pela confirmação do julgado, rematando com o seguinte quadro conclusivo:

1.ª - Na sentença da 1.ª Instância todas as violações contratuais perpetradas pela R. foram escamoteadas e julgadas como constituindo novas cláusulas contratuais, interpretando-se o silêncio da A. como consentimento;

2.ª - Relativamente à cessação do contrato, e embora a R. formalmente tenha consentido - e não só silenciado - a aplicação do art.º 29.º do RJCA, entendendo o contrato como sem prazo, o tribunal do julgamento, diversamente, aplicou a letra inicial do mesmo;

3.ª - Ao alterar o seu entendimento do contrato por melhor lhe convir, incorreu a R. em abuso do direito, no género “venire contra facto próprio”, na modalidade  suppressio;

4.ª - O tribunal “a quo” limitou-se a dar equilíbrio e coerência à interpretação do contrato e suas vicissitudes, tratando os dois contendores com igualdade.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - Delimitação do objeto do recurso

Em face da data da propositura da ação (20/03/2013) e das datas das decisões recorridas (proferidas, na 1.ª instância, em 2014 e, na Relação, em 2015), não sofre qualquer dúvida que à presente revista é aplicável o novo regime recursal introduzido pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, como decorre do disposto no respetivo art.º 5.º, n.º 1.  

Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, e 639.º, n.º 1, do CPC.

Dentro de tais parâmetros, as questões a resolver são as seguintes:

i) – A questão da invocada nulidade do acórdão recorrido com fundamento em contradição entre o facto dado como provado relativamente ao prazo do contrato ajuizado e a conclusão de que tal contrato fora celebrado sem prazo;  

ii) – Subsidiariamente, a questão de fundo respeitante ao segmento decisório:

a) – quer sobre a natureza da declaração da cessação do contrato ajuizado: se uma resolução ilícita, como foi entendido pela 1.ª instância e vem sustentado pela Recorrente, ou se uma denúncia com inobservância do prazo de pré-aviso, como foi qualificada pela Relação;

b) – quer sobre a indemnização devida por aquela cessação ilícita do contrato, sustentada em invocação de erro de interpretação e aplicação, mormente, do disposto nos artigos 27.º a 29.º e 32.º do Dec.-Lei n.º 178/86, de 03-07, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 118/93, de 13-04, em conjugação ainda com o art.º 294.º do CC.

III – Fundamentação   

 

1. Factualidade dada como provada pelas Instâncias

Vem dada como provada pelas Instâncias a seguinte factualidade:

1.1. A A. dedica-se à exploração agrícola de propriedades e, a partir de 2002, iniciou um projeto de comercialização de vinho; 

1.2. Para escoar a sua produção através da comercialização dos seus vinhos para os seus primeiros clientes, a A. e a “CC – Comércio e Distribuição, S.A.” outorgaram por escrito em 27/10/2003 um acordo com o teor que consta do documento 1 junto com a contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido, que intitularam “Contrato de Distribuição”, aí fazendo constar da sua cláusula 1.ª que o objeto do acordo em questão era o fornecimento pela A. à “CC” dos produtos constantes do Anexo I, comprometendo-se a “CC” a promover e a comercializar em nome próprio, e por sua conta e risco, os produtos na área geográfica de Portugal;

1.3. E da cláusula 2.ª desse mesmo acordo fizeram constar que a A. se obrigava a fornecer à “CC”, em regime de exclusividade, na área territorial de Portugal, todos os produtos constantes do Anexo I que esta comercializaria em seu nome e por sua conta, comprometendo-se a “CC” a não distribuir, comercializar ou promover, direta ou indiretamente, nenhum outro vinho alentejano com exceção daqueles que já detinha em carteira de clientes, nomeadamente Condado das Vinhas Tinto e Branco e Paço dos Infantes Tinto;

1.4. E da cláusula 13.ª do mesmo acordo ficou a constar que:

«1. O presente contrato manter-se-á em vigor até 31 de Dezembro de 2004.

2. A partir da data referida no número anterior, o presente contrato poderá ser automaticamente renovável por períodos de um ano, caso não seja denunciado por qualquer das partes através de carta registada com aviso de recepção expedida com 90 (noventa) dias de antecedência sobre o mencionado termo ou da renovação que estiver em curso.» 

1.5. Da cláusula 15.ª do mesmo acordo ficou a constar que:

   «Constituem causas de rescisão imediata deste contrato:

a) - O incumprimento de qualquer das cláusulas que não tiver sido sanada pela parte incumpridora dentro de 15 (QUINZE) dias seguintes ao recebimento de aviso alertando para o incumprimento;

b) - A declaração de falência ou a apresentação de qualquer dos outorgantes ao processo especial de recuperação de empresas e de protecção aos credores».»

1.6. Da cláusula 18.ª do mesmo acordo ficou a constar que:

«Quaisquer aditamentos ou alterações ao presente contrato poderão ser efectuados por documento escrito assinado por ambas as partes.»

1.7. Os produtos constantes do referido Anexo I eram os vinhos “Fonte da Serrana – vinho tinto 2002” e “Fonte da Serrana – Vinho Tinto 2003”;  

1.8. Em razão de uma reestruturação empresarial da “CC”, esta reuniu esforços com outros parceiros, no sentido de constituir uma sociedade que desenvolvesse a atividade de distribuição de produtos vinícolas;  

1.9. Em resultado dessa reunião de esforços foi constituída a R., tendo como titulares do seu capital social a “CC”, a “EE Portugal – Comércio e Representação de Bebidas, Ld.ª”, e o gerente da R. FF;

1.10. A constituição da R. visou potenciar a intervenção no mercado de distribuição de vinhos, por forma a incrementar o volume de vendas dos produtos que a “CC” estava encarregue de distribuir;

1.11. Assim e com o acordo da A., desde agosto de 2004, passou a ser a R. a assegurar a distribuição dos produtos da A., nos termos que antes vinha a ser assegurada pela “CC”;

1.12. Nesses mesmos termos, a A. ficou com a obrigação de fornecer à R., em regime de exclusividade, na área territorial de Portugal, os vinhos por si produzidos, ficando a R. com a obrigação de os promover e comercializar em nome próprio e por sua conta e risco;

1.13. No início da atividade da R., como distribuidora exclusiva dos vinhos produzidos pela A., esta ainda se encontrava a desenvolver alguns dos seus produtos, tornando-se essencial a introdução dos mesmos no mercado de vinhos, por forma a concluir o processo de criação das respetivas marcas;

1.14. Importava, pois, divulgar os vinhos produzidos pela A. que, por terem sido recentemente criados, não eram conhecidos dos consumidores;

1.15. Sendo fundamental adotar a melhor estratégia de lançamento para os vinhos e respetivas marcas, por forma a apresentá-los nos mercados e aos consumidores;

1.16. Nesse sentido, a R. comprometeu-se, igualmente, a colaborar com a A. na definição de alguns aspetos referentes à política comercial desta, designadamente na divulgação, promoção e lançamento de marcas de vinho no mercado;

1.17. A A. e a R. discutiam conjuntamente a estratégia comercial que, em cada momento, melhor se adequava aos objetivos traçados por ambas, designadamente participação em feiras da especialidade, organização de ações de marketing, oferta de amostras e sessões de provas;

1.18. Porém, a A. detinha a última palavra no que concerne à implementação efetiva das ações analisadas e debatidas entre as partes;

1.19. A proximidade e o diálogo entre as partes sempre foi o timbre da relação contratual, numa primeira fase, em função da necessidade de introduzir os vinhos da A. no mercado, e, posteriormente, motivada pela política de comunicação adotada pela R., no que concerne à transmissão de informações à A., designadamente quanto às ações de marketing a desenvolver, evolução de vendas ou comunicação das considerações e/ou sugestões dos clientes;

1.20. Dessa política de comunicação adotada pela R. resultava a realização de reuniões de trabalho entre as partes nas quais eram debatidos vários aspetos da comercialização dos vinhos da A., sendo as mesmas muitas vezes promovidas pela R., no espírito de grande colaboração e acompanhamento constante da evolução do negócio;

1.21. A proximidade dos responsáveis da A. junto dos clientes sempre foi impulsionada e incentivada pela R., que a considerava fulcral no quadro da divulgação dos vinhos;  

1.22. Do ponto de vista da estratégia de marketing, as visitas aos clientes e a presença da A. nos eventos organizados representavam, na perspetiva da R., uma grande mais-valia nesse contexto, porquanto tinham o condão de apresentar a A. aos clientes nos eventos publicitários e, bem assim, de reforçar a divulgação dos vinhos em causa, o que foi diversas vezes sublinhado pela R. ao longo da relação contratual;

1.23. Por outro lado, a R. desde sempre diligenciou pela prospeção e criação de circuitos de mercado para colocação dos produtos da A., procurando direcionar as mercadorias da A. para as mais importantes montras de consumo, como eram e são, designadamente, o denominado canal da grande distribuição (correspondente às grandes superfícies comerciais integradas em cadeias de supermercados, hipermercados e venda grossista) e o denominado canal DD (correspondente aos estabelecimentos comerciais do sector hoteleiro, da restauração e similares e da venda a retalho de bebidas alcoólicas);  

1.24. Para tanto, a R. estabeleceu diversos contatos (telefónicos e outros) com potenciais clientes, por forma a agendar reuniões em ordem a que, nessa ocasião, fossem promovidos os vinhos da A.;

1.25. A R. sempre cuidou de apresentar, em todos os contatos estabelecidos com clientes, os vinhos da A. e, concomitantemente, dar a conhecer a A., na qualidade de produtora de vinhos;

1.26. Nesse contexto, a R. promoveu, conjuntamente com a A., eventos de visita de clientes à quinta da A., num espírito de promoção e divulgação constante dos produtos desta;

1.27. E promoveu diversas campanhas junto do canal da grande distribuição, com ações promocionais como as campanhas “Leve 3, Pague 2”, “Leve 5, Pague 4”, “Leve 6, Pague 5”, de ilhas nos supermercados (com paletes com os produtos da A.), de topos nos supermercados, de cabazes de Natal, de gargantilhas (promoções e ofertas de experiências), de descontos de 50% aos clientes da grande distribuição, de descontos “Net” aos clientes da grande distribuição, de ofertas de amostras e de organização de jantares vínicos;

1.28. E investiu na aplicação de expositores junto dos clientes em causa, por forma a captar a atenção dos consumidores para os produtos da A.;

1.29. E investiu na presença em feiras da especialidade, por forma a potenciar a implementação dos produtos da A. junto dos consumidores, nomeadamente através da disponibilização de amostras ou pelas sessões de prova que, nesse contexto, tinham lugar;

1.30. Junto do canal DD, a R. concedia descontos em função da quantidade adquirida pelos clientes, que abatia à sua margem de lucro.

1.31. A A. sempre conheceu essa atividade da R., sendo informada de todos os montantes canalizados para essa atividade de marketing e da forma como as ações eram desenvolvidas;

1.32. E sempre se dispôs a comparticipar nos encargos que as mesmas representavam para a R., acordando com esta valores de comparticipações financeiras destinados a compensar o correspondente esforço financeiro da R., para implementação das referidas ações junto dos clientes;

1.33. Tendo, para tanto, a R. debitado à A. custos com ações de marketing no valor global (sem IVA) de € 1.800,00, em 2004;

1.34. E no valor global (sem IVA) de € 10.021,73 em 2005;

1.35. E no valor global (sem IVA) de € 26.510,93 em 2006;

1.36. E no valor global (sem IVA) de € 3.087,08 em 2007;

1.37. E no valor global (sem IVA) de € 450,00 em 2008;

1.38. E no valor global (sem IVA) de € 26.450,00 em 2009;

1.39. E no valor global (sem IVA) de € 100.819,85 em 2010;

1.40. E no valor global (sem IVA) de € 237.250,00 em 2011.

1.41. Em ordem a que fosse definida, em cada momento, a melhor abordagem do mercado, a R. ia prestando à A. informação sobre a sua atividade, designadamente quanto à evolução das vendas e das campanhas de marketing;

1.42. Através dessa atividade desenvolvida pela R. foi possível introduzir no mercado os vinhos produzidos pela A. e construir a reputação dos mesmos no mercado;

1.43. Em virtude da implementação da comercialização dos vinhos da A. nos estabelecimentos e clientes do canal da grande distribuição e do canal DD, a A. faturou fornecimentos à R. no valor global (sem IVA) de € 90.847,92 em 2004;

1.44. E no valor global (sem IVA) de € 205.530,33 em 2005;

1.45. E no valor global (sem IVA) de € 258.122,28 em 2006;

1.46. E no valor global (sem IVA) de € 207.699,83 em 2007; 

1.47. E no valor global (sem IVA) de € 222.483,82 em 2008;

1.48. Nesse ano de 2008, os produtos efetivamente comprados pela R. à A., que entraram realmente nos seus stocks, ascenderam ao valor global de € 219.956,21;

1.49. E a A. faturou fornecimentos à R. no valor global (sem IVA) de € 362.107,29 em 2009;

1.50. Nesse ano de 2009, os produtos efetivamente comprados pela R. à A., que entraram realmente nos seus stocks, ascenderam ao valor global de € 364.604,94;

1.51. E a A. faturou fornecimentos à R. no valor global (sem IVA) de € 525.847,47 em 2010;

1.52. Nesse ano de 2010, os produtos efetivamente comprados pela R. à A., que entraram realmente nos seus stocks, ascenderam ao valor global de € 371.676,57;

1.53. A. faturou fornecimentos à R. no valor global (sem IVA) de € 507.678,20 em 2011;  

1.54. Nesse ano de 2011, os produtos efetivamente comprados pela R. à A., que entraram realmente nos seus stocks, ascenderam ao valor global de € 488.753,40;

1.55. A A. faturou fornecimentos à R. no valor global (sem IVA) de € 271.354,34 em 2012;

1.56. Nesse ano de 2012 (até 31/10/2012), os produtos efetivamente comprados pela R. à A., que entraram realmente nos seus stocks, ascenderam ao valor global de € 402.394,59;  

1.57. Ainda, em virtude da implementação da comercialização dos vinhos da A. nesses estabelecimentos e clientes, a R. efetuou vendas desses produtos no valor global de € 396.697,00 em 2008;

1.58. E vendas desses produtos no valor global de € 373.028,00 em 2009;

1.59. E vendas desses produtos no valor global de € 516.118,00 em 2010;

1.60. E vendas desses produtos no valor global de € 634.619,00 em 2011;

1.61. E vendas desses produtos no valor global de € 554.065,00 em 2012;

1.62. No decurso de 2012, a R. debateu-se com dificuldades nas vendas dos produtos da A., bem como na comercialização da generalidade dos produtos de outros produtores com quem trabalha, em razão do cenário económico-social vivido em Portugal, por força da sujeição à intervenção financeira conjunta da Comissão Europeia, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu;  

1.63. Tal intervenção arrastou a economia portuguesa para uma profunda recessão, provocando uma retração significativa no consumo, nomeadamente de bebidas alcoólicas;

1.64. Ainda no âmbito dessa intervenção, o sector hoteleiro e da restauração, onde mais se comercializam os produtos da A., foi um dos sectores do mercado que sofreu uma quebra na atividade;

1.65. Todavia, segundo estudos de mercado feitos pela empresa “GG”, em 2012, as vendas de vinhos alentejanos haviam crescido em valor e em quantidade de litros vendidos, face a período idêntico de 2011;

1.66. Para o ano de 2012, a R. apresentou à A. a estimativa das vendas que esta lhe iria fazer, considerando o volume de vendas registado nos anos anteriores, constando dessa estimativa, segundo o que a R. entendia ser alcançável, um plano com as quantidades dos produtos da A. que a R. iria levantando ao longo do ano;

1.67. Segundo tal plano, a R. previa adquirir à A. um total de 275.305 garrafas de vinho, com um valor total de faturação da A. (sem IVA) de € 758.950,00, que foi reduzido para € 572.950,00, por ter sido considerada pelas partes uma redução nos preços unitários das marcas produzidas pela A. em maior quantidade;

1.68. Pese embora as dificuldades sentidas no mercado dos vinhos, a R. cumpriu com esse plano de levantamentos durante o primeiro semestre de 2012, permitindo à A. proceder à faturação de mercadoria que apenas seria entregue em momento posterior, e correspondente à que as partes denominavam por mercadoria em trânsito;

1.69. Com data de 24/5/2012, a A. enviou à R. um e.mail, onde lhe declarou o seguinte:

«No seguimento da reunião tida ontem na HH, junto remeto apresentação feita pela GG. Sendo a CC o nosso distribuidor exclusivo, acho que a reunião permitiu colmatar uma grande lacuna. Nem todas as pessoas conheciam a HH, e como se viu ao almoço, alguns dos vendedores nem conheciam o vinho que têm que vender. A possibilidade de fazer o ponto de situação das vendas é para mim fundamental. Avaliar os objectivos de cada um, e perceber o que tem de ser alterado para que esses mesmos sejam atingidos. Não deixei de ficar preocupado (pode ser visto pelo lado positivo, que é termos margem para crescer), por ver que o canal DD está um desastre, e nesse sentido têm que ter medidas para inverter a situação No canal grande distribuição tem sido feito um excelente trabalho, como se pode ver com os crescimentos apresentados. No entanto para que este crescimento seja sustentado é fundamental conseguir aumentar as quotas de mercados em todos os tipos de loja (Desde o ano passado que lhe refiro isto), e é prioritário as conversas com as cadeias que hoje não trabalhamos. É importante definir objectivos. A HH tem hoje 700.000 garrafas, das várias gamas e aí também preciso que a BB dê resposta, vendendo-as! Hoje fazemos um investimento, em MKT, que para a HH é fortíssimo e não vai poder continuar nesta dimensão. Como fazer no futuro? Devemos repetir a reunião com toda a equipa no final de Julho, com os dados do 1º semestre? Aguardo os seus eventuais comentários.»

1.70. Com data de 08/08/2012, a R. enviou à A. um e.mail, onde lhe declarou o seguinte:

«Segue em anexo a previsão de pagamentos das vossas facturas. Ao lado das facturas com mercadoria em trânsito acrescentei uma nota sobre as datas de entrada na BB. O facto de já termos pago todo o vinho "vinha das romãs" referente ao ano passado e que ainda nem todo deu entrada na BB, constitui um esforço de tesouraria por parte da BB. Neste momento ainda temos cerca de 600 garrafas em stock e faltam entrar mais 600 do ano passado. Por esta razão propõe-se compensar um pouco esse esforço com o pagamento da factura 176. Fico à sua disposição para qualquer esclarecimento.».

1.71. Em resposta a A. enviou à R. um e.mail em 08/08/2012, onde lhe declarou o seguinte:

«Recebi com surpresa o seu mail. É impossível trabalhar com factos consumados. Em Junho o II tinha entregue os saldos e no dia 9 de Julho entreguei pessoalmente ao JJ e ao FF um A4, com todos os valores a receber na altura, bem como datas de pagamento. Não recebi nunca qualquer informação que desse nota que não iriam pagar. Todo o plano de levantamentos foi feito pela BB, e há vários meses que vamos dando nota da nossa preocupação no atingimento dos objectivos. Alterámos as datas de pagamento em mais 30 dias a vosso pedido. Não percebo porque fala tanto da vinha das Romãs. As 1200 garrafas que fala são +- 11’000€. O que tem sido feito para o vender! No documento entregue dia 9 de julho a BB teria que pagar até dia 3 de Novembro o montante de 255 482,67€. Entretanto já estão pagos 88 264,24€, e em atraso desde o dia 28 de julho 18 853,82€ No seu mail paga até dia 20 de novembro 121 886,89€. As vossas datas não são aceitáveis para nós, e vão criar-nos uma situação insustentável. Não me parece razoável. Aguardo os seus comentários.»

1.72. Em 13/09/2012 teve lugar uma reunião entre as partes, onde ficou acordado que: a R. não estava em condições de assegurar o cumprimento do plano de levantamentos de 2012, tal como estava inicialmente acordado; em setembro e em novembro, o plano ficava suspenso, não sendo faturado; eventualmente no final do ano de 2012 poderia sê-lo, mas teria de ser acordado; da parte da R. existia disponibilidade para isso, mas com outras condições de pagamentos; o plano de outubro e dezembro era levantado e faturado até ao final de cada um desses meses; a R. se comprometia a pagar mensalmente € 57.500,00, creditando esse montante à A. em 25/9/2012, 25/10/2012, 26/11/2012, 27/12/2012 e em 25/1/2013, referente à fatura de agosto de 2012, e que as outras faturas seriam liquidadas nas datas do vencimentos;

1.73. No âmbito dessa reunião, foi ainda declarado pela A. à R. que era importante para a mesma que a R. levantasse todo o vinho que estava faturado;  

1.74. Em 23/11/2012, teve lugar uma reunião entre as partes;

1.75. Nessa reunião, a R. declarou à A. que, face ao conhecimento que tinha tido por terceiros da decisão da A. de fazer cessar a relação comercial entre as partes, o diálogo entre as partes estava terminado e qualquer esclarecimento deveria ser posto por escrito, dado que tinha entregue o assunto a advogado;

1.76. Na sequência dessa reunião, a A. enviou, em 26/11/2012, à R., que a recebeu, uma carta em que lhe declarou que:

«Como é do vosso conhecimento, a Sociedade Agrícola AA, S.A. (“SADD”), tem vindo a manifestar uma crescente e profunda preocupação com os serviços prestados por V. Exas, os quais, no seu entender, se têm vindo a reflectir nos resultados de vendas obtidos. Nesse sentido e no espírito cordato que sempre presidiu à nossa relação, a SADD concluiu que seria preferível terminar a relação comercial existente, tendo em devido tempo comunicado esse facto a V. Exas. Tal como oportunamente referido, a partir do dia 1 de Janeiro de 2013 cessará a colaboração entre as duas empresas. Para efeitos de esclarecimento de quaisquer questões adicionais e tendo em vista acertar os pormenores da presente desvinculação, as partes acordaram na realização de uma reunião na passada sexta-feira, dia 23 de Novembro de 2012. Inexplicavelmente, e sem que nada o fizesse prever, a reunião decorreu de forma inaceitável e fora de qualquer padrão básico de relação entre as nossas duas sociedades, forma essa que repudiamos totalmente, nomeadamente a afirmação de que o “assunto da HH estava bloqueado e que qualquer esclarecimento deveria ser posto por escrito, pois a BB tinha entregue o assunto a advogado”. Nessa medida, e por não nos restar qualquer alternativa, solicitamos esclarecimentos imediatos sobre as seguintes questões:

1. Indicação do stock e colheitas existente nas vossas instalações à presente data, e o que pretendem fazer com o mesmo;

2. Compromissos assumidos com os Vossos clientes até final do ano, nomeadamente em relação às vendas até final do ano (que abrangem o período de Natal, que é, do ponto de vista comercial, muito relevante);

3. Informação das vendas no final de cada mês.

Acresce ainda a Vossa obrigação de procederem à liquidação dos montantes em dívida por V. Exas na presente data, a qual deverá ocorrer de acordo com o plano existente. Temos a convicção de que o facto de a nossa colaboração estar em vias de terminar não justifica uma atitude menos profissional de nenhuma das partes, desde já salientando que não toleraremos qualquer comportamento injustificado que nos cause qualquer tipo de prejuízo ou dano. Ficamos, portanto, a aguardar o vosso esclarecimento relativamente às questões colocadas, com a urgência que V. Exas. por certo compreenderão»

1.77. Em resposta a tal carta, a R. enviou, em 10/01/2013, à A. uma carta registada onde lhe declarou, para além do mais, o seguinte:

“Acusamos a recepção da vossa carta datada de 26.11.2012, através da qual nos foi comunicada a cessação do contrato de distribuição exclusiva, com efeitos a 31.12.2012, a qual mereceu a nossa melhor atenção. Em resposta à mesma gostaríamos de começar por expressar que a “BB” sempre encarou o contrato em causa com a “SADD” num espírito de parceria, procurando, de forma empenhada e cordata, ao longo dos anos, promover as medidas e acções ao seu alcance, no intuito de obter o conhecimento e a colocação dos V. produtos no mercado. Esse trabalho desenvolvido pela “BB” é hoje conhecido e reconhecido de um modo geral pelos vários sectores do mercado em que se inserem marcas da “SADD”, as quais gozam, aliás, de uma relevante notoriedade e prestígio, o que muito nos orgulha. Por esse motivo, o fim desta parceria é algo que, obviamente, não desejávamos. Todavia, a denúncia do contrato de distribuição pela “SADD” (Produtor) e a subsequente contratação de um novo distribuidor, é uma questão a que a “BB” é, naturalmente, alheia, porquanto se trata de uma decisão interna de gestão do Produtor, que não nos compete comentar, não deixando, no entanto, de vos desejar os maiores sucessos para o futuro. Importa, porém, referir que a cessação do contrato de distribuição em causa tem consequências para o distribuidor que vão muito para além da extinção da actividade de comercialização dos produtos do produtor. Desde logo, a extinção do contrato determina o pagamento pelo Produtor ao Distribuidor de uma compensação pelo trabalho desenvolvido ao longo dos anos, traduzido na efectiva criação de uma sólida carteira de clientes nos vários canais de distribuição (DD e Grande Distribuição) que estão hoje à disposição da “SADD” (…) Assim, considerando a remuneração média anual recebida pela “BB” nos cinco anos anteriores à cessação do contrato, verifica-se, pelos cálculos já realizados, que assiste a esta o direito a uma indemnização de valor não inferior a € 85.000.00 (…), a título de dano de clientela. Por outro lado, verificamos que a cessação do contrato foi comunicada com uma antecedência de trinta dias [por carta datada de 26.11.2012, com efeitos a 31.12.2012] (…) Assim, tendo por base o ano precedente ao da cessação do contrato (2011) e o valor médio da remuneração mensal obtida nesse ano pela “BB” com a comercialização dos produtos da “SADD” (€ 12.892,50), multiplicando pelo tempo em falta (dois meses) obtém-se o valor de € 25.785,00 (…) a título de indemnização a favor do Distribuidor por violação do pré-aviso. (…) Por outro lado ainda, a cessação do contrato de distribuição em causa determina a impossibilidade em geral de a “BB” prosseguir com a sua normal actividade de Distribuidor dos produtos da “SADD”, o que, aliado ao facto de não ter sido observado o pré-aviso legal (90 dias) confere àquela o direito a receber o pagamento dos materiais com que ficou em stock contra a retoma por parte desta última. Tendo em vista a concretização da devolução dos stocks à “SADD” informamos que o valor dos mesmos ascende actualmente a € 113.219,18 (…). Sem prejuízo do supra referido, e atenta a boa relação que sempre presidiu entre ambas as empresas, que queremos continuar a fomentar, vimos propor à “SADD” a resolução deste assunto de forma célere nos seguintes termos: - Devolução do stock à “SADD” com a emissão de notas de crédito no valor 113.219,18 (…); - Nota de crédito da “SADD” à “BB” no valor de € 54.909,25 (…) para acerto final de contas. Com acordo acima proposto ficariam os saldos de ambas as empresas anulados, não havendo mais nada a receber ou a pagar de parte a parte, resolvendo-se de forma célere e equitativa este assunto.»

1.78. Na sequência dessa carta da R., a A. aceitou a devolução de todo o stock de vinho da sua produção, emitindo em nome da R. as notas de crédito n.º 3/2013 (de 15/1/2013), no valor de € 66.906,96, e n.º 4/2013 (de 15/1/2013), no valor de € 46.199,80;

1.79. A A. respondeu ainda a tal carta da R. com a sua carta de 22/01/2013, que a R. recebeu, aí lhe declarando que:

«se não custa (…) admitir que o requisito supra mencionado na alínea a)” (ou seja, ter a R. “angariado novos clientes ou aumentado substancialmente o volume de negócios com a clientela já existente”) “se encontra verificado, uma vez que a BB foi de origem o distribuidor dos (…) vinhos (…)»;

mais declarando que aceitava a devolução de todo o stock, mais informando da emissão das notas de crédito acima referidas, e declarando ainda que depois de ter emitido tais notas de crédito    «remanesce apenas entre as nossas empresas a vossa dívida no montante de € 67.822,49 (…)» terminando a: «solicitar a V. Exas que procedam ao pronto pagamento de € 67.822,49 (…) pois só desta forma o presente assunto pode ficar encerrado de forma cordata e, acima de tudo, justa»

1.80. O montante acima referido de € 67.822,49 corresponde ao valor do vinho da produção da A. adquirido pela R. à mesma, no âmbito das relações comerciais anteriormente mantidas entre as partes, e que a R. já não tinha em stock, por o haver revendido;

1.81. À carta da A. de 22/01/2013 a R. respondeu pela carta de 7/2/2013, que a A. recebeu, e em que lhe declarou que:

«(…) O que gostaríamos de sensibilizar é que (…) resultará sempre para a BB uma posição de credora em relação à SADD, mesmo após operarem as necessárias e devidas compensações. Sem prejuízo do acima exposto, a BB mantém a disponibilidade para encerrar este assunto de forma consensual (…) Assim, para pôr termo definitivo ao presente assunto a SAD deverá emitir uma nota de crédito correspondente ao valor que considera ser-lhe ainda devido, prescindindo, nesse caso, a BB de reclamar a quantia a que tem direito pela cessação do contrato.»

1.82. Após a receção da carta de 26/11/2012, deixou de ser possível à R. prosseguir a sua atividade de promoção e comercialização dos produtos da A.;

1.83. Após a receção da carta de 26/11/2012, todas as possibilidades de negócio projetadas pela R. através da distribuição dos produtos da A. ficaram sem efeito;

1.84. Na sequência do envio da carta de 26/11/2012, a distribuição e promoção dos produtos da A. em território nacional passou a ser feita pela empresa “KK Portugal - Distribuição, S.A..”;  

1.85. Atualmente, por força dos esforços investidos pela R. na implementação dos produtos da A. no mercado, as marcas desta detêm um estatuto e uma posição reconhecida no contexto do mercado vinícola de Portugal;  

1.86. Tal estatuto e tal posição não se alterou quando a R. deixou de poder prosseguir a sua atividade de promoção e comercialização dos produtos da A.;  

1.87. Quando a R. deixou de poder prosseguir a sua atividade de promoção e comercialização dos produtos da A., esta conservou toda a informação relativa aos clientes dos seus produtos;  

1.88. Tal informação foi-lhe sendo transmitida periodicamente pela R. ao longo da relação mantida entre ambas, ficando a A. em condições de a poder disponibilizar ao actual distribuidor dos seus produtos;  

1.89. Em 2008, a venda de produtos da produção da A. representou 7,55% do volume de negócios global da R.;

1.90. E em 2009, representou 7,24% do volume de negócios global da R.;

1.91. E em 2010 representou 10,44% do volume de negócios global da R.;

1.92. E em 2011, representou 14,54% do volume de negócios global da R.;  

1.93. E em 2012 representou 14,17% do volume de negócios global da R.;

1.94. Com o fim da sua atividade de promoção e comercialização dos produtos da A. a R. teve de fazer um esforço para adequar a sua estrutura produtiva à perda de negócio que a mesma actividade representava.

1.95. A R. sempre distribuiu outros vinhos alentejanos, para além dos vinhos produzidos pela A.

2. Factos dados como não provados pelas Instâncias

Vêm dados como não provados os seguintes factos alegados sob:

2.1. Os artigos 3º a 10º, 12º, 13º, 19º, 20º, 26º e 27º, todos da petição inicial;

2.2. Os art.º 51º, 89º a 94º, 143º (primeira parte), 161º, 162º, 185º, 189º, todos da contestação;

2.3. Os artigos 32º a 36.º, 39.º (segunda parte), 97.º a 99.º, 104.º, 106.º, 111.º, 112.º, 114.º, 115.º, 132.º, 134.º, 144.º e 145.º, da réplica.

Não resultou igualmente provado que a R. se tenha obrigado perante a A. a concretizar as compras dos produtos desta que constavam no plano de levantamentos incluído na estimativa das vendas de 2012.

3. Do mérito do recurso

3.1. Enquadramento preliminar

Estamos no âmbito de uma ação emergente de um contrato de distribuição, na variante de concessão comercial, em que a A. figura como fornecedora e a R. como distribuidora, pretendendo aquela a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 67.822,49, acrescida de juros de mora, desde a citação, correspondente à quantidade de vinho adquirida e revendida pela R. no âmbito do contrato em causa que a mesma A. declarou cessado com efeitos a partir de 01/01/ 2013.

Por seu turno, a R. veio exigir à A., em sede reconvencional, o reconhecimento, a título de indemnização pela cessação do sobredito contrato, a operar por via de compensação sobre o crédito peticionado pela A., das seguintes importâncias:

A – Em primeira linha:

a) – A quantia de pelo menos € 100.000,00, correspondente ao rendimento que a R. ficou impedida de obter no ano de 2013, calculado com base no rendimento médio anual de € 114.500,00 dos últimos cinco anos, em virtude da denúncia ilícita do contrato desencadeada pela A., com violação do disposto no artigo 28.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 178/86, de 03-07, considerando que o referido contrato está sujeito ao prazo de um ano, renovável por iguais períodos, se nenhuma das partes se opusesse à renovação com antecedência não inferior a 90 dias;

b) – Ou, subsidiariamente, a quantia de € 32.416,00, nos termos dos artigos 28.º e 29.º do citado diploma, para o caso de se entender que o mesmo contrato não tinha prazo de vigência;

B – Além disso, a quantia de € 114.500,60, a título indemnização de clientela, calculada nos termos dos artigos 33.º e 34.º do indicado Dec.-Lei.

Na 1.ª instância, foi julgada procedente a ação e parcialmente procedente a reconvenção, tendo sido reconhecidos:

a) - o direito da A. à quantia de € 67.822,49;

b) - o direito da R. a uma indemnização global de € 200.000,00, resultante da soma dos montantes parcelares, arbitrados com apelo à equidade, de € 100.000,00, a título de indemnização pela resolução ilícita do contrato, e de € 100.000,00, pela indemnização da clientela.

Assim, foi a A. ali condenada a pagar à R. a quantia de € 132.177,51, acrescida de juros de mora desde a notificação da reconvenção.   

De referir que a 1.ª instância qualificou o contrato ajuizado como um contrato de concessão comercial sujeito a sucessivos prazos de renovação de um ano, caso não fosse denunciado pelas partes com a antecedência de 90 dias, a que era aplicável, por via analógica o regime do contrato de agência regulado pelo Dec.-Lei n.º 178/86, de 03-07, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 118/93, de 13-04. Nessa base, considerando que a A. não observou o prazo de antecedência de 90 dias estipulado para a não renovação do contrato, concluiu que este se renovara automaticamente em 31/12/2012, pelo que assistia ao R. pela resolução ilícita daquele, além do mais, o direito ao rendimento que seria presumível obter durante todo o ano de 2013, arbitrado, como foi dito, em € 100.000,00.  

Por sua vez, no recurso de apelação interposto pela A., o Tribunal da Relação, mantendo a mesma qualificação da espécie contratual em foco, considerou, porém, que se tratava de uma contrato sem prazo, sendo-lhe, portanto, aplicável, o disposto nos artigos 27.º, 28.º e 29.º do Dec.-Lei n.º 178/86.

Além disso, considerou que da troca de correspondência existente, na altura, entre as partes e constante dos factos provados, resultava que a R. aceitara a cessação do contrato por denúncia, decorrida a totalidade do prazo de pré-aviso – que ocorreria no último dia de fevereiro de 2013 -, bem como a opção pelo recebimento, a título de indemnização pela falta do pré-aviso, da remuneração média que lhe seria devida até ao final desse prazo, correspondente aos dois meses em falta, nos termos do art. 29.º, n.º 2, do Dec.-Lei n.º 178/86.

Foi nessa base que ali se concluiu que assistia à R., além do direito a indemnização de clientela, o direito a indemnização pela denúncia com inobservância do prazo de pré-aviso, mas apenas confinada ao período de dois meses em falta, fixando essa indemnização no valor de € 16.667,00, correspondente a 2/12 do rendimento anual presumível de € 100.000,00.

Assim, mantendo a Relação todo o mais decidido em 1.ª instância, julgou efetuada a compensação das quantias de 16.667,00 e de € 100.000,00, devidas à R. sobre o crédito da A., condenando esta a pagar àquela a importância de € 48.844,51, acrescida dos respetivos juros de mora.

Ora o que vem questionado, no presente recurso de revista, é precisamente o segmento decisório, quer no respeitante à qualificação da declaração de cessação do contrato por parte da A. – se resolução ilícita, tal como considerou a 1.ª instância e vem sustentado pela Recorrente, ou se denúncia com inobservância do prazo de pré-aviso, como entendeu a Relação -, quer no que toca à alteração da correspondente indemnização decidida pela Relação.

Não está, pois, aqui em causa a qualificação do contrato ajuizado como contrato de concessão comercial, com a eventual aplicação analógica do regime do contrato de agência regulado pelo Dec.-Lei n.º 178/86, de 03/ 07, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 118/93, de 13-04, nem a sua renovação automática, por períodos anuais sucessivos, pelo menos até ao ano de 2012 inclusive, não se divisando razões para dissentir de tal enquadramento legal, como também não está sequer em causa a quantia arbitrada a título de indemnização de clientela.

Vejamos então as questões suscitadas pela R./Recorrente.

3.2. Quanto à questão da nulidade do acórdão recorrido

 

A Recorrente começou por arguir a nulidade do acórdão recorrido, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, com fundamento em contradição entre o facto dado como provado sob o ponto 1.4 da factualidade acima consignada e a conclusão constante da parte analítica do acórdão recorrido no sentido de que o contrato em causa foi celebrado sem prazo.

Com efeito, do indicado ponto consta como provado que, segundo a cláusula 13.ª do contrato de distribuição escrito celebrado entre a A. e a “CC”, em 27/10/2003, que:

«1. O presente contrato manter-se-á em vigor até 31 de Dezembro de 2004.

2. A partir da data referida no número anterior, o presente contrato poderá ser automaticamente renovável por períodos de um ano, caso não seja denunciado por qualquer das partes através de carta registada com aviso de recepção expedida com 90 (noventa) dias de antecedência sobre o mencionado termo ou da renovação que estiver em curso.» 

Por sua vez, dos factos provados (ponto 1.11) extrai-se também que a R., desde agosto de 2004, passou a assegurar a distribuição dos produtos da A., nos termos que antes vinha a ser assegurada pela “CC”.

Não obstante isso, o acórdão recorrido considerou o seguinte:

«(…)  tratando-se de contrato celebrado sem prazo (cfr, contrato escrito de fls. 128 e seguintes) e com duração já superior a cinco anos mesmo na versão da Autora, a denúncia levada a cabo por ela, através da carta de 26.11.2012, não respeitou, relativamente ao contrato em curso o prazo de três meses legalmente estipulado, razão pela qual a autora se constituiu na obrigação de indemnizar a ré nos termos dos citados artigos 28º e 29º do DL nº 178/86.

Improcede, portanto, desde já a pretensão da recorrente no sentido da improcedência do pedido reconvencional, com base na resolução com justa causa, porquanto se conclui, tal como concluiu a 1ª instância, que a Autora denunciou o contrato de concessão em causa, sem respeitar o prazo legalmente fixado.»

Nestes termos algo lapidares, considerou-se que o contrato em causa fora celebrado sem prazo, não se expondo, todavia, argumentos que tenham levado a uma tal conclusão, muito embora seja conhecida a problemática sobre se os contratos em referência, quando sujeitos a prazos sucessivos de renovação automática sem qualquer outro limite temporal, devem ou não ser considerados como celebrados por tempo indeterminado[1]

Resta saber se a aparente contradição entre aquela factualidade e a conclusão a que o tribunal a quo chegou assume a natureza própria do vício de nulidade configurado na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º aqui aplicável por via do artigo 666.º, n.º 1, do CPC, segundo a qual:

   É nula a sentença quando:

   c) – Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Ora, segundo o artigo 607.º, n.º 3, parte final, do CPC, o juiz na sentença deverá concluir pela decisão final, o que se traduz, analiticamente, no estabelecimento de uma equação discursiva entre: a) - a base da facti species, simples ou complexa, plasmada no quadro normativo aplicável – a premissa maior; b) - a factualidade dada como provada – a premissa menor; c) - uma conclusão sustentada na estatuição legal correspondente ao referido quadro normativo.

Entre tais premissas e conclusão deve existir portanto um nexo lógico que permita, no limite, a formulação de um juízo de conformidade ou de desconformidade, o que não se verifica quando as premissas e a conclusão se mostrem formalmente incompatíveis, numa relação de recíproca exclusão lógica. Na verdade, sobre dois termos excludentes nem tão pouco é viável formular um juízo de mérito ou de demérito; já não assim quando se trate de uma relação de mera inconcludência, sobre a qual seja possível formular um juízo de demérito. 

Nessa linha, a oposição entre os fundamentos e a decisão da sentença só releva como vício formal, para os efeitos da nulidade cominada na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, quando consubstancie uma contradição nos seus próprios termos, num dizer e desdizer desprovido de qualquer nexo lógico positivo ou negativo, que não permita sequer ajuizar sobre o seu mérito. Se a relação entre a fundamentação e a decisão for apenas de mera inconcludência, estar-se-á já perante uma questão de mérito, reconduzida a erro de julgamento e, por isso, determinativa da improcedência da ação.

No caso presente, o que se verifica é apenas uma aparente desconformidade entre o facto dado como provado nos sobreditos pontos 1.4 e 1.11 e a consideração, já em sede de análise jurídica, de que se trata de um contrato sem prazo, sendo que esta consideração não é inteiramente alheia à problemática que se tem suscitado quanto à qualificação dessa variante contratual.

         Trata-se, por conseguinte, de uma mera consideração problemática, mas que ainda assim é passível de um juízo de apreciação em sede de mérito, não inviabilizado por aquela aparente desconformidade.

Termos em que improcede a questão da arguida nulidade do acórdão recorrido.

3.3. Quanto à qualificação da declaração de cessação do contrato manifestada pela A.

Neste capítulo, vem a Recorrente insistir em que a declaração de cessação do contrato ajuizado, veiculada pela A. através da carta enviada em 26/11/2012, cujo teor consta do ponto 1.76 da factualidade provada, se traduz numa declaração resolutória sem fundamento legal, que não de denúncia, a qual, de resto, não seria permitida no referido contrato porque sujeito a prazos anuais de prorrogação automática sucessiva. E é nessa base que pretende sustentar, em primeira linha, o montante indemnizatório aqui em causa. 

De referir que a 1.ª instância considerou que o teor da declaração constante da sobredita carta de 26/11/2012 nunca teria a virtualidade de constituir justa causa resolutiva, não assistindo à A. fundamento para tal resolução, mas que a mesma A. sempre poderia fazer terminar o contrato por denúncia, desde que com a antecedência mínima de 90 dias em relação ao termo do prazo contratual. Porém, como o não fez com tal antecedência, se tinha o contrato por renovado com o consequente incumprimento definitivo imputável, a título de culpa, à A., daí decorrendo o direito da R. a ser indemnizada pelos prejuízos causados com a cessação indevida, nos termos do artigo 32.º do RJCA.

Por sua vez, a Relação considerou que, perante o quadro normativo aplicável:

«(…) porque, nem dos factos provados, nem da carta de 26.11.2012, resulta a imputação à ré de condutas (suficientemente concretizadas) geradoras de, pela sua gravidade ou reiteração, porem em causa a subsistência da relação contratual, a mesma tem de ser interpretada como denúncia do contrato, por parte da Autora.

Como é sabido, tanto a resolução como a denúncia traduzem-se em declarações negociais unilaterais dirigidas à cessação do contrato, de resto previstas no âmbito do contrato de agência nos termos dos artigos 24.º, 28.º, 30.º e 31.º do Dec.-Lei n.º n.º 178/86, de 03-07, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 118/93, de 13-04, suscetíveis, em princípio, de aplicação analógica ao contrato de concessão comercial.

Assim, de harmonia com o disposto nos artigos 30.º e 31.º do mencionado diploma, a resolução consubstancia-se num negócio jurídico unilateral, fundado ou em incumprimento contratual imputável à parte contra quem é desencadeada, nos termos da alínea a) do indicado artigo 30.º, ou na ocorrência de circunstâncias que tornem impossível ou prejudiquem gravemente a realização do fim contratual, em conformidade com o preceituado na alínea b) do mesmo artigo; e tem por efeito a cessação imediata do contrato.

Por seu turno, nos termos do artigo 28.º, n.º 1, do mesmo diploma, a denúncia, sendo também uma declaração negocial unilateral, tem por finalidade pôr termo aos contratos celebrados por tempo indeterminado, operando a sua cessação, sem dependência de qualquer fundamento, mas cuja declaração se encontra sujeita a uma antecedência temporal mínima consoante a duração que o contrato tiver tido, conforme se estabelece nas diversas alíneas daquele normativo.

Já fora dessas duas hipóteses, nos contratos sujeitos a prazos de caducidade, as partes podem estipular a submissão desta também a denúncia prévia de qualquer delas com determinada antecedência, sob pena da prorrogação automática do contrato por sucessivos prazos estipulados. É o que sucede nos contratos com cláusula de prorrogação automática, como ocorre no contrato aqui em apreço, em face da respetiva cláusula 11.ª vertida no ponto 1.4 da factualidade provada.           

Posto isto, saber se determinada declaração de cessação do contrato se reconduz a uma declaração resolutória ou a denúncia legal ou convencional dependerá não tanto da qualificação que as partes lhe conferirem, mas em especial do teor dessa declaração e do alcance com ela visado.

Tal declaração negocial, de natureza receptícia, deverá ser interpretada, segundo as diretrizes do artigo 236.º do CC, com o sentido que um declaratário, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele; mas, sempre que este conheça a vontade real do declarante, será de acordo com ela que valerá a declaração emitida.  

Ora, da carta enviada pela A. à R. em 26/11/2012, transcrito no ponto 1.76 da factualidade provada extrai-se, no essencial, que a declaração ali veiculada pela A. teve por finalidade pôr termo ao contrato a partir de 1 de janeiro de 2013, ou seja, no fim do prazo de prorrogação então em curso (a findar em 31/12/2012), com a subsequente “liquidação” da relação comercial até ali mantida.

Sucede que tal declaração assim foi entendida pela própria R., como se alcança do teor da carta enviada por ela à A., em 10/01/2013, quando nela acusa a receção da carta desta, de 26/11/2012, através da qual lhe fora comunicada a cessação do contrato de distribuição exclusiva, com efeitos a 31/12/2012, acrescentando que:

“a denúncia do contrato de distribuição pela “SADD” (Produtor) e a subsequente contratação de um novo distribuidor, é uma questão a que a “BB” é, naturalmente, alheia, porquanto se trata de uma decisão interna de gestão do Produtor, que não nos compete comentar, não deixando, no entanto, de vos desejar os maiores sucessos para o futuro.»

Em face disso, a mesma R. acaba por afirmar que:

«Desde logo, a extinção do contrato determina o pagamento pelo Produtor ao Distribuidor de uma compensação pelo trabalho desenvolvido ao longo dos anos, traduzido na efectiva criação de uma sólida carteira de clientes nos vários canais de distribuição (DD e Grande Distribuição) que estão hoje à disposição da “SADD” (…)»

E por isso considera que lhe é devida uma indemnização, a título de dano de clientela, em valor não inferior a € 85.000,00, bem como uma indemnização pelos dois meses em falta, por inobservância do pré-aviso de 90 dias, no valor de € 25.785,00.

Por fim, remata, dizendo que

«Por outro lado ainda, a cessação do contrato de distribuição em causa determina a impossibilidade em geral de a “BB” prosseguir com a sua normal actividade de Distribuidor dos produtos da “SADD”, o que, aliado ao facto de não ter sido observado o pré-aviso legal (90 dias) confere àquela o direito a receber o pagamento dos materiais com que ficou em stock contra a retoma por parte desta última. Tendo em vista a concretização da devolução dos stocks à “SADD” informamos que o valor dos mesmos ascende actualmente a € 113.219,18 (…). Sem prejuízo do supra referido, e atenta a boa relação que sempre presidiu entre a ambas as empresas, que queremos continuar a fomentar, vimos propor à “SADD” a resolução deste assunto de forma célere nos seguintes termos: - Devolução do stock à “SADD” com a emissão de notas de crédito no valor 113.219,18 (…); - Nota de crédito da “SADD” à “BB” no valor de € 54.909,25 (…) para acerto final de contas. Com acordo acima proposto ficariam os saldos de ambas as empresas anulados, não havendo mais nada a receber ou a pagar de parte a parte, resolvendo-se de forma célere e equitativa este assunto.»

Os termos em que, através desta carta, a R. reagiu à declaração de cessação do contrato por parte da A., mostram-se inequívocos no sentido de que a recebeu como uma declaração de denúncia, embora manifestada com desrespeito do prazo de pré-aviso, dispondo-se a “liquidar” a relação comercial até ali mantida, sem prejuízo dos direitos que entendia assistir-lhe a título de indemnização de clientela e de indemnização por violação do pré-aviso. De nenhum dos passos dessa carta da R. se colhe que esta admitisse estar perante uma declaração resolutória sem justa causa, nem que se mostrasse surpreendida com a rutura daquela relação comercial.    

E, como se refere no acórdão recorrido, nem do teor da carta da A. nem dos demais factos provados resulta qualquer imputação à R. de “condutas (suficientemente concretizadas) geradoras de, pela sua gravidade ou reiteração, porem em causa a subsistência da relação contratual”.

Em tais circunstâncias, não resta senão concluir, como concluiu a Relação, que a declaração da A. manifestada através da carta de 26/11/2012 se reconduz a uma declaração de denúncia do contrato, cabendo agora ajuizar sobre a sua (i)licitude e efeitos em sede indemnizatória.     

3.4. Quanto à questão da indemnização devida pela denúncia efetuada com inobservância do prazo de pré-aviso

        

Como acima ficou dito, dúvidas não se suscitam quanto à qualificação do contrato ajuizado como contrato de distribuição, na modalidade de contrato de concessão comercial, legalmente atípico, a que se mostra aplicável, em princípio, por via analógica, o regime do contrato de agência previsto e regulado pelo Dec.-Lei n.º 178/86, de 03-07, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 118/93, de 13-04. 

Conforme foi entendido pelas instâncias e não posto em causa no presente recurso, o contrato ajuizado foi inicialmente celebrado, por escrito, em 27/10/2003, entre a A., como fornecedora, e a então “CC – Comércio e Distribuição, S.A.”, tendo, posteriormente, sido constituída a R. com vista a potenciar a intervenção no mercado de distribuição de vinhos, por forma a incrementar o volume de vendas dos produtos que a “CC” estava encarregada de distribuir. Assim, com o acordo da A., desde agosto de 2004, foi a R. quem passou a assegurar a distribuição dos produtos da A., nos termos em que antes vinha a ser assegurada pela “CC”.

Ora, segundo a cláusula 13.ª daquele contrato, o mesmo manter-se-ia em vigor até 31/12/2004, data a partir da qual poderia ser automaticamente renovável por períodos de um ano, caso não fosse denunciado por qualquer das partes através de carta registada com aviso de receção expedida com 90 dias de antecedência sobre o mencionado termo ou da renovação que estivesse em curso.

Foi nesse quadro que a relação comercial entre a A. e a R. se veio mantendo até 2012, ano em que, perante as dificuldades verificadas nas vendas dos produtos, nomeadamente no contexto económico-social vivido em Portugal, por força da sujeição à intervenção financeira conjunta da Comissão Europeia, do Fundo Monetário Internacional e do Banco Central Europeu, a A. começou a questionar a R. sobre novas condições de prosseguimento de tal relação, conforme consta dos pontos 1.62 a 1.72 da factualidade provada.  

Assim, numa reunião ocorrida em 13/09/2012 entre A. e R., ficou acordado que:

- a R. não estava em condições de assegurar o cumprimento do plano de levantamentos de 2012, tal como estava inicialmente acordado;

- em setembro e em novembro, o plano ficava suspenso, não sendo faturado, podendo sê-lo, eventualmente, por acordo, no final do ano de 2012, existindo disponibilidade da parte da R. para isso, mas com outras condições de pagamentos;

- o plano de outubro e dezembro era levantado e faturado até ao final de cada um desses meses, comprometendo-se a R. a pagar mensalmente € 57.500,00, creditando esse montante à A. em 25/09/ 2012, 25/10/2012, 26/11/2012, 27/12/ 2012 e em 25/1/2013, referente à fatura de agosto de 2012, sendo as outras faturas liquidadas nas datas do vencimentos;

- era importante para a A. que a R. levantasse todo o vinho que estava faturado.

Em 23/11/2012, teve lugar uma reunião entre as partes, na qual a R. declarou à A. que, face ao conhecimento que tivera por terceiros da decisão da A. de fazer cessar a relação comercial entre as partes, o diálogo entre as partes estava terminado e qualquer esclarecimento deveria ser posto por escrito, dado que tinha entregue o assunto a advogado.

Na sequência disso, a A. enviou, em 26/11/2012, à R. uma carta a declarar, no essencial, a cessação da relação comercial a partir de 1 de janeiro de 2013.

Em resposta a tal carta, a R. enviou à A., em 10/01/2013, uma carta registada onde lhe declarou que, para além do mais, lhe assistia o direito a uma indemnização de clientela não inferior a € 85.000,00 e que, por outro lado, tendo a cessação do contrato sido comunicada com uma antecedência de 30 dias com efeitos a partir de 31/12/2012, tinha o direito a uma indemnização por violação do pré-aviso, relativamente a dois meses em falta, no valor de € 25.785,00.

Em face disso, a A. aceitou a devolução de todo o stock de vinho da sua produção, emitindo em nome da R., as notas de crédito n.º 3/2013 (de 15/1/2013), no valor de € 66.906,96, e n.º 4/2013 (de 15/1/2013), no valor de € 46.199,80.

A uma carta da A. de 22/1/2013, a R. respondeu por carta de 7/2/ 2013, a declarou que:

«(…) O que gostaríamos de sensibilizar é que (…) resultará sempre para a BB uma posição de credora em relação à SADD, mesmo após operarem as necessárias e devidas compensações. Sem prejuízo do acima exposto, a BB mantém a disponibilidade para encerrar este assunto de forma consensual (…) Assim, para pôr termo definitivo ao presente assunto a SAD deverá emitir uma nota de crédito correspondente ao valor que considera ser-lhe ainda devido, prescindindo, nesse caso, a BB de reclamar a quantia a que tem direito pela cessação do contrato.»

Após a receção da carta de 26/11/2012, deixou de ser possível à R. prosseguir a sua atividade de promoção e comercialização dos produtos da A. e todas as possibilidades de negócio projetadas pela R. através da distribuição dos produtos da A. ficaram sem efeito.

Em primeiro lugar, verifica-se que o contrato de distribuição em causa, inicialmente sujeito a um prazo que terminara em 31/12/2004, passou, a partir desta data, a estar sujeito a sucessivas prorrogações automáticas de um ano com a faculdade de qualquer das partes lhe pôr termo mediante carta registada com aviso de receção expedida com 90 dias de antecedência sobre o prazo de renovação que estivesse então curso, sendo que este regime se manteve na relação prosseguida entre a A. e R., desde agosto de 2004, como se alcança do ponto 1.11 da factualidade provada.

Por outro lado, conforme se concluiu no ponto precedente, a declaração da cessação do contrato com efeitos a partir de 01/01/2013, manifestada pela A. à R. através da carta de 26/11/2012, não assume a natureza de resolução com justa causa, antes se configurando com uma declaração de denúncia, em relação à qual se discute agora a sua ilicitude e alcance.    

Nessa base, a questão que, desde logo, se suscita é a de saber se, no quadro de prorrogações do contrato anuais, automáticas e sucessivas, sem qualquer outro limite temporal, o dito contrato se manteve como contrato com prazo determinado ou se “transformado” em contrato por tempo indeterminado, o que relevará para efeitos de aplicação subsidiaria, por via analogia, do regime do contrato de agência regulado pelo Dec.-Lei n.º 178/86, de 03-07, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 118/93, de 13-04.

O artigo 27.º do indicado diploma, sob a epígrafe Duração do contrato, estabelece que:

1 – Se as partes não tiverem convencionado prazo, o contrato presume-se celebrado por tempo indeterminado.

2 – Considera-se transformado em contrato de agência por tempo indeterminado o contrato por prazo determinado cujo conteúdo continue a ser executado pelas partes, não obstante o decurso do respectivo prazo.

E o artigo 28.º do mesmo Dec.-Lei, sob a epígrafe Denúncia, dispõe que:

1 – A denúncia só é permitida nos contratos celebrados por tempo indeterminado e desde que comunicada ao outro contraente, por escrito, com a antecedência mínima seguinte:

     a) – Um mês, se o contrato durar há menos de um ano;

     b) – Dois meses, se o contrato já tiver iniciado o 2.º ano de vigência;

     c) – Três meses, nos restantes casos.

2 – Salvo convenção em contrário, o termo do prazo a que se refere o número anterior deve coincidir com o último dia do mês.

3 – Se as partes estipularem prazos mais longos do que os consagrados no n.º 1, o prazo a observar pelo principal não pode ser inferior ao do agente.

4 – No caso previsto no n.º 2 do artigo 27.º, ter-se-á igualmente em conta, para determinar a antecedência com que a denúncia deve ser comunicada, o tempo anterior ao decurso do prazo.

Por fim o artigo 29.º, sob a epígrafe Falta de pré-aviso, prescreve que:

1 – Quem denunciar o contrato sem respeitar os prazos referidos no artigo anterior é obrigado a indemnizar o outro contraente pelos danos causados pela falta de pré-aviso.

2 – O agente poderá exigir, em vez desta indemnização, uma quantia calculada com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta; se o contrato durar há menos de um ano, atender-se-á à remuneração média mensal auferida na vigência do contrato.         

        

No que deste quadro normativo aqui releva, Pinto Monteiro[2] escreve o seguinte:

   «Parece que não se aplicará o disposto no n.º 2 do artigo 27.º se as partes, tendo celebrado um contrato por determinado período de tempo, estipularem, elas próprias, que o contrato se prorrogará por um outro período, de igual ou diferente duração, salvo se alguma delas comunicar à outra, com certa antecedência – que por identidade de razão terá de respeitar os tempos mínimos estabelecidos no artigo 28.º -, não desejar essa prorrogação. Trata-se de uma situação em que, por força do acordo das partes (cfr. artigo 218.º do Código Civil), o silêncio destas vale como declaração negocial de prorrogação do prazo inicialmente previsto.

   Assim como poderá essa estipulação fixar o número máximo de prorrogações ou, pelo contrário, não estabelecer qualquer limite, prorrogando-se o contrato por períodos sucessivos se nenhuma das partes se opuser.» 

Todavia, aquele Autor pondera[3] que:

   «Independentemente de saber se, pelo neste último caso, o contrato não será já por tempo indeterminado – até porque não será o decurso de qualquer prazo a fazê-lo cessar, antes a declaração de uma das partes, que não sabe se e quando virá -, o certo é que deve entender-se que a declaração pela qual se faz cessar o contrato está sujeita à mesma antecedência mínima estabelecida no artigo 28.º, por argumento “a pari” ou de identidade de razão. (…)

   Assim, cada contraente tem a garantia de que o outro só poderá impedir a prorrogação do contrato – isto é, pôr-lhe termo, fazê-lo cessar – após ter decorrido tal período de tempo inicial, que funciona deste modo, como um período mínimo de vigência do contrato; por outro lado, a cessação só poderá ocorrer no termo do período inicial ou de qualquer dos períodos sucessivos, devendo a antecedência com que a declaração é feita contar-se a partir daí

Porém, no que respeita ao contrato de concessão, o mesmo Autor[4] adverte que:

«(…) os tempos mínimos de pré-aviso fixados no art. 28.º não serão de aplicar, por analogia, aos contratos de concessão e de “franchising”. Não tanto, ou não apenas, por se afigurarem demasiado curtos, mas também, e sobretudo, por este contratos implicarem, via de regra, investimentos de muito maior vulto, suportados pelo concessionário e pelo franquiado, do que os investimentos que normalmente estarão a cargo do agente. Assim, ter-se-á que apurar, em cada caso, qual a antecedência razoável, em face das circunstâncias, para que a denúncia possa ser exercida licitamente.”   

No mesmo sentido, Carlos Leandro de Oliveira Azevedo[5], considera que:

   «O n.º 1 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, elenca os prazos de pré-aviso a que os investimentos se veem obrigados, consoante a duração dos contratos, na denúncia do contrato de agência, os quais não podem ser aplicados, por analogia, ao contrato de concessão comercial. Com efeito, estes períodos de pré-aviso são manifestamente reduzidos para o contrato de concessão comercial e, como tal, será necessário proceder a adaptações, que alteram de forma drástica o regime previsto no artigo 28.º do Decreto Lei n.º 178/86, de 3 de Julho, de forma que não é arriscado afirmar que as conclusões da jurisprudência e doutrina maioritária têm pouco em conta o estipulado neste n.º 1.»   

  

Por sua vez, Fernando Ferreira Pinto[6], depois de dar nota de que “de acordo com a opinião dominante na literatura jurídica alemã, os contratos a que seja aposta uma cláusula de prorrogação automática devem ser qualificados como de duração indeterminada com a particularidade de preverem um período de duração mínima”, considera que:

«(…) de um ponto de vista estritamente dogmático, os contratos com cláusula de prorrogação automática constituem um tertium genus, uma categoria intermédia entre o contrato com prazo certo e o contrato de duração indeterminada e, por essa razão, partilham características de ambas as modalidades. (…) A configuração híbrida e original que a cláusula imprime ao negócio oferece, no entanto, uma apreciável vantagem adicional: a possibilidade de os interessados organizarem antecipadamente as diversas fases de uma relação que antevêem e pretendem que seja de longa duração, associando aquele mínimo de estabilidade que só um contrato de duração determinada lhes confere à flexibilidade decorrente da faculdade de os fazer cessar ad libitum em intervalos de tempo programados.

Em bom rigor, portanto, os mencionados acordos não se reconduzem a qualquer das modalidades básicas anteriormente referidas. Na realidade, a hipótese por eles configurada afasta-se da de um contrato de duração determinada, visto que, à partida, não é possível prever qual vai ser a duração exacta da relação contratual (…). Todavia, a circunstância de o contrato não cessar automaticamente em função do decurso do prazo (…), fazendo-se necessária uma declaração de vontade para que se produza o efeito extintivo, não deve equivocar-nos, nem daí se pode retirar a conclusão simplista de estarmos perante um contrato de duração indeterminada

            E acrescenta que:

   «O que vem de ser dito não significa, porém, que não se reconheça que os contratos que incluem cláusula de prorrogação automática apresentam em comum com os de duração indeterminada a circunstância de, nem no momento da sua celebração, nem posteriormente, os contraentes saberem com exactidão quando é que a relação entre eles se irá extinguir. Além disso, como se referiu, em ambos os casos será, em princípio, necessária uma declaração de vontade das partes para que se produza a extinção do vínculo. Isto significa que tais contratos suscitam o tipo de preocupação que está na base na consagração de regras como as do artigo 28.º da LCA: evitar uma brusca interrupção da relação contratual, exigindo-se que, entre o momento em que a intenção de ruptura é comunicada e o momento em que efectivamente se produz a dissolução do vínculo, medeie um período de tempo razoável. E isso é quanto basta para se concluir que, ao menos desse ponto de vista, se trata de casos análogos ou similares, pelo que se justifica aplicar à hipótese que ora se aprecia doutrina substancialmente idêntica à que se contém naquele preceito legal.»

E sobre este ponto, remata aquele Autor que:

   «Embora por caminho diverso (o da analogia e não o da qualificação do contrato), acabamos, deste modo, por, no que respeita ao aspecto apreciado, chegar a conclusão idêntica à defendida pela doutrina que encara a hipótese como configurando um contrato de duração indeterminada.»

Não obstante as reservas que se possam suscitar sobre a equiparação direta dos contratos de concessão com cláusula de prorrogação automática ao tipo de contrato de duração indeterminada, o acórdão do STJ, de 29/06/ 2006, proferido no processo 06B2110[7], no âmbito de um caso em que o contrato de concessão comercial era de dois anos e se renovava automaticamente por iguais períodos sucessivos, se nenhuma das partes o denunciasse noventa dias antes do termo do seu período inicial ou de alguma das suas eventuais renovações, considerou que se tratava:

«(…) de um contrato de duração indeterminada em razão da sua eventual renovação sob condição resolutiva de alguma das partes lhe não pôr termo mediante denúncia (…)   

E também no acórdão do STJ, de 10/10/2006, proferido no processo 06A2132[8], se considerou que ao contrato de concessão comercial, por não ter um regime jurídico próprio, são aplicáveis as cláusulas estipuladas pelas partes, desde que lícitas, bem como as regras dos contratos mais próximos que tenham a sua disciplina fixada na lei, como são as regras do contrato de agência, nomeadamente a da alínea c) do n.º 1 do artigo 28.º do Dec.-Lei 178/86, de 03-07, com as alterações introduzidas pelo Dec.-Lei n.º 118/93, de 13-04.             


Ora, face ao preceituado no proémio do n.º 1 do artigo 28.º do Dec.-Lei n.º 178/86, de 03-07, saber se o tipo de contrato em apreço tem duração limitada ou se foi celebrado por tempo indeterminado, respetivamente nos termos dos artigos 26.º, alínea a), e 27.º do mesmo diploma, tem aqui particular relevância com vista a determinar se lhe pode ou não pôr termo mediante denúncia.
Com efeito, nos termos do citado artigo 28.º, n.º 1, só é permitida a denúncia nos contratos celebrados por tempo indeterminado, sendo que esta restrição radica na ideia de que nos contratos com prazo determinado a extinção destes opera, de forma automática, pelo decurso de tal prazo[9].
Sucede que entre uma e outra hipótese, ocorrem ainda, com alguma frequência, os casos em que a caducidade não opera de forma automática, pela simples circunstância de as partes terem subordinado essa caducidade a denúncia prévia de qualquer delas, sem a qual o contrato se renovará automaticamente pelos prazos de prorrogação estipulados. 
É, pois, este terceiro tipo de casos que não se encontra contemplado no regime do contrato de agência regulado pelo Dec.-Lei n.º 178/86, de 03-07, não fazendo, por isso, sentido, subordiná-lo, sem mais, a qualquer daquelas duas categorias – contrato com prazo certo / contrato de duração indeterminada.
Perante tal lacuna, coloca-se então a hipótese de aplicar a esse terceiro tipo de casos, por analogia, na medida da similitude verificável entre o contrato de concessão e o contrato de agência, o regime previsto nos artigos 28.º e seguintes do citado diploma, embora com a necessária adaptação quanto ao ajustamento do prazo tido por razoável em função das circunstâncias de cada caso. 
Na verdade, não estamos aqui perante uma situação típica da denúncia legalmente estatuída no n.º 1 do sobredito artigo 28.º, privativa dos contratos celebrados por tempo indeterminado, mas sim perante uma denúncia estipulada pelas próprias partes como condição resolutiva potestativa, associada à caducidade do contrato, à qual subjazem razões idênticas à da denúncia legal, como forma de preservar os contraentes de uma rutura abrupta da relação contratual.
Nessa medida, a denúncia convencionada não poderá deixar de respeitar os prazos mínimos de pré-aviso estabelecidos no n.º 1 do artigo 28.º do Dec.-Lei n.º 178/86, de 03-07, ou porventura outro prazo tido por mais razoável em face das circunstâncias do caso, sem prejuízo da aplicação de prazos mais extensos que tenham sido estipulados pelas partes.
No caso em apreço, o prazo de denúncia estabelecido foi de 90 dias, o que só poderá significar que as partes o tiveram como adequado a pôr termo àquele tipo de contrato, fosse qual fosse o seu grau de envolvimento nessa relação. De resto, nem a ora Recorrente questiona sequer a inadequação desse prazo, pugnando antes pela sua observância.
 
Posto isto, coloca-se agora a questão de saber qual a indemnização devida em caso de inobservância do sobredito prazos de pré-aviso, o mesmo é dizer, se também, neste aspeto é de aplicar por analogia a sanção indemnizatória nos termos previstos no artigo 29.º do Dec.-Lei n.º 178/86, de 03-07.   
Neste particular, tem-se vindo a considerar que, nos termos do n.º 1 do indicado artigo 29.º, os danos indemnizáveis decorrentes da inobservância dos prazos de pré-aviso não são os que a contraparte venha a suportar em consequência da extinção do contrato, mas apenas aqueles que decorram da violação da obrigação acessória do exercício do direito de denúncia[10], relevando para tal efeito a perda de rendimento pelo decurso do prazo de antecedência não observado.
No mesmo sentido, o acórdão do STJ, de 18/11/1999, proferido no processo 99B852[11], no caso de um contrato de concessão comercial a que foi tido por aplicável o regime legal consagrado para o contrato de agência, considerou que:
«Na denúncia, a existência de direito indemnizatório da contraparte está indexada ao não cumprimento dos requisitos do pré-aviso (art.º 29.º). Ou seja, na denúncia não se indemniza porque o denunciante quis fazer cessar o contrato, mas tão-só porque não pré-avisou a contraparte a tempo.
Daí que os danos indemnizáveis estejam correlacionados com a ilicitude ro pré-aviso e não com a denúncia em si»
E também no acórdão do STJ, de 05/03/2009, proferido no processo 09B0297[12], no âmbito de um contrato de concessão comercial, em que as partes estipularam que o mesmo vigorava por tempo indeterminado, podendo qualquer delas denunciá-lo mediante pré-aviso com uma antecedência mínima de dois anos, se considerou que:
   «Se o denunciante não respeitar o prazo de pré-aviso constitui-se na obrigação de indemnizar o outro contraente pelos danos causados com a falta de pré-aviso, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 29.º do mesmo diploma.
   Em vez desta indemnização, poderá o agente exigir uma quantia calculada com base na remuneração média mensal auferida no decurso do ano precedente, multiplicada pelo tempo em falta – n.º 2 do referido art.º 29.º.
   A denúncia sem pré-aviso ou com pré-aviso sem a antecedência legalmente estipulada, ainda que não deixando de extinguir o contrato, faz incorrer o denunciante na obrigação de indemnizar a outra parte.»   
Todavia, Fernando Ferreira Pinto[13], distinguindo ainda assim o contrato de duração indeterminada e o contrato com cláusula de prorrogação automática, considera que:
«(…) não existe qualquer justificação para a extensão analógica (…) das disposições consagradas pelo artigo 29.º, atinentes às consequências da violação do prazo de pré-aviso da denúncia dos contratos de duração indeterminada. Na hipótese que ora apreciamos, se o direito de oposição não for exercido dentro do prazo convencionado, ou resultante da aplicação analógica do art. 28.º/1, da LCA, a vinculação prossegue de acordo com a vontade inicialmente manifestada pelas partes, pelo que o desrespeito desse prazo será, em princípio, não as consequências previstas para a inobservância do aviso prévio da denúncia, mas antes os efeitos de uma ruptura ilícita do contrato. Razão porque, em lugar do pagamento de uma indemnização substitutiva do prazo de pré-aviso, se impõe antes o ressarcimento de todos os prejuízos causados pela injustificada interrupção do vínculo, tomando-se como referência para o respetivo cálculo o (novo) período por que o contrato deveria vigorar, de acordo com o inicialmente estipulado pelos próprios interessados.»
           
Pese embora a pertinência desta argumentação, não se afigura que, perante à similitude acima apontada entre os contratos de duração indeterminada e os contratos com cláusula de prorrogação automática, mas sem qualquer outro limite temporal, se descaracterize a tal ponto o tipo de ilicitude em referência, como respeitante à violação do dever acessório do exercício do direito de denúncia.
Pode, quando muito, admitir-se uma tal solução nos casos em que a denúncia feita sem a observância dos prazos de pré-aviso seja de tal forma inopinada e abrupta que surpreenda a contraparte, gorando, desse modo, uma legítima expetativa da prorrogação automática do contrato. Dir-se-á que a solução passará por uma ponderação casuística, em função do contexto específico em que tiver ocorrido a denúncia. Ferreira Pinto parece não excluir, ainda assim, uma ponderação casuística, quando afirma que o desrespeito desse prazo será, em princípio (sublinhado nosso), não as consequências previstas para a inobservância do aviso prévio da denúncia, mas antes os efeitos de uma ruptura ilícita do contrato, embora dando prevalência a estes efeitos.
Seja como for, afigura-se que o presente caso se deverá reconduzir ao quadro da denúncia com inobservância do prazo de pré-aviso com as consequências que lhe são inerentes e não com efeitos de uma rutura ilícita do contrato tido por automaticamente prorrogado em 31/12/2012. 
Com efeito, dos contatos havidos entre as partes a partir de 24/05/ 2012 e prosseguidos em agosto e setembro até culminarem com a denúncia do contrato em 26/11/2012, não se divisa que a R. tenha sequer gerado uma expetativa da prorrogação automática do contrato.
Desde logo, bem sintomático do clima de desconfiança gerado entre as partes é o facto de, já na reunião de 13/09/2012, ter ficado acordado o constante do ponto 1.72 da factualidade provada, nomeadamente no sentido de que: a R. não estava em condições de assegurar o cumprimento do plano de levantamentos de 2012, tal como estava inicialmente acordado; em setembro e em novembro, o plano ficava suspenso, não sendo faturado; eventualmente no final do ano de 2012 poder sê-lo, mas teria de ser acordado; da parte da R. existir disponibilidade para isso, mas com outras condições de pagamentos; o plano de outubro e dezembro ser levantado e faturado até ao final de cada um desses meses.

E tal clima desconfiança foi-se adensando posteriormente, a ponto de, na reunião de 23/11/2012, a R. ter declarado à A. que, face ao conhecimento que tinha tido por terceiros da decisão desta de fazer cessar a relação comercial, o diálogo entre as partes estava terminado e qualquer esclarecimento deveria ser posto por escrito, dado que tinha entregue o assunto a advogado (pontos 1.74 e 1.75 da factualidade provada).

Por fim, perante a declaração de cessação do contrato por parte da A. através da carta de 26/11/2012, a R. só reagiu por via da carta de 10/01/ 2013, transcrita no ponto 1.77 da factualidade provada, já acima analisada, nos termos da qual considera estar perante uma denúncia do contrato com inobservância do prazo de pré-aviso de 90 dias, dispondo-se então a “liquidar” a relação comercial até aí mantida, com a consequente devolução dos stocks existentes e emissão das notas de crédito, o que foi aceite pela A., conforme consta do ponto 1.78 da factualidade provada, embora reclamando uma indemnização a título de clientela e uma indemnização pela inobservância do pré-aviso correspondente aos dois meses em falta.        

É certo que a R. invoca agora que tal atitude teve em vista um quadro de resolução amigável do litígio, sem que isso deva implicar abdicação dos direitos que lhe assistiriam em caso de resolução judicial.

Porém, não é isso o que transparece do teor daquele carta, mas antes que, tendo reagindo, como reagiu, só em 10/01/2013, fê-lo numa assunção inequívoca, e porventura amadurecida, de que o contrato tinha cessado por denúncia da A., assistindo-lhe o direito a uma indemnização por clientela e uma indemnização por violação do prazo de pré-aviso, em relação aos dois meses em falta. O que parece ter ficado relegado para negociação seria, quando muito, os quantitativos indemnizatórios. Como já acima ficou dito, em nenhum passo dessa carta se colhe a surpresa da R. de estar confrontada com uma resolução do contrato sem justa causa; de resto, se fosse este o caso, seria de esperar que tivesse reagido logo, antes da data da cessação do contrato indicada pela A..   

Acresce que a R. não estriba a indemnização aqui em causa com referência a danos emergentes com investimento feito na perspetiva da prorrogação automática do contrato, mas apenas como indemnização a forfait reportada ao rendimento que, segundo ela, presumivelmente teria no ano de 2013, quando todo o contexto do litígio decorrido pelo menos desde 13/09/2012 apontava para uma não prorrogação automática do contrato e quando ela própria acabou por assumir, na carta de 10/01/2013, que este tinha cessado por denúncia, nos termos acima expostos.

Em suma, afigura-se que não estamos perante uma situação em que a R. tenha sido surpreendida, de forma inopinada e abrupta, com a denúncia do contrato por parte da A., mas antes num quadro de arrastamento litigioso que culminou numa denúncia desencadeada sem a observância do prazo de pré-aviso de 90 dias contratualmente estipulado.    
Assim sendo, tem-se como ajustada uma indemnização pela violação desse prazo do pré-aviso correspondente aos dois meses em falta, ao abrigo do n.º 2 do artigo 29.º do Dec.-Lei n.º 178/86, de 03-07, tal como foi arbitrado no acórdão recorrido.  

IV - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se a decisão recorrida, ainda que com fundamentação em parte diversa.  

As custas do recurso ficam a cargo da R./Recorrente.

        
Lisboa, 27 de Outubro de 2016

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo                         

Carlos Alberto Andrade Bettencourt de Faria
____________________________
[1] Sobre esta problemática, vide Pinto Monteiro, Contrato de Agência, Anotação, Almedina, 6.ª Edição, Coimbra, 2007, pp. 120-121; Fernando Ferreira Pinto, Contratos de Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2013, pp. 277 e segs.
[2] In Contrato de Agência, Anotação, Almedina, 6.ª Edição, Coimbra, 2007, p. 120.
[3] Ob. cit. pp. 120-121.
[4] In Direito Comercial – Contratos de Distribuição Comercial, Almedina, 2004, p. 138. No mesmo sentido, vide acórdão do STJ, de 04/02/2003, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Silva Paixão, no processo 02A744, disponível na Internet  - http://www.dgsi.pt/jstj, em que se considerou, no caso ali em apreço, que era inaplicável o regime da denúncia dos artigos 28.º e 29.º do Dec.-Lei n.º 178/86. 
[5] In Contrato de Concessão Comercial – A Cessação e a Indemnização de Clientela, Dissertação de Mestrado em Direito, Universidade Católica Portuguesa, Porto, 2012, p. 26, disponível na Internet.
[6] In Contratos de Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2013, pp.277 e segs.

[7] Relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Salvador da Costa, disponível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.
[8] Relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Azevedo Ramos, disponível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.
[9] Neste sentido, vide Pinto Monteiro, Contrato de Agência, Anotação, pag. 125.
[10] Neste sentido, vide Carlos Lacerda Barata, Anotações ao Novo Regime do Contrato de Agência, LEX, 1994, p. 75.
[11] Relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Noronha de Nascimento, disponível na Internet - http://www.dgsi.pt/ jstj. No mesmo sentido, laborou também o acórdão do STJ, de 10/10/2006, relatado pelo Exm.º Juiz Cons. Azevedo Ramos, proferido no processo 06A2132, disponível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.
[12] Relatado pelo Juiz Cons. Alberto Sobrinho, disponível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.
[13] In Contratos de Distribuição – Da tutela do distribuidor integrado em face da cessação do vínculo, acima citado p. 391-392.