RECURSO PENAL
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL COLECTIVO
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
BRANQUEAMENTO
RESISTÊNCIA E COACÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO
MEDIDA DA PENA
PENA DE PRISÃO
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
ILICITUDE
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
CÚMULO JURÍDICO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
PENA ÚNICA
PLURIOCASIONALIDADE
Sumário


I - Compete ao STJ conhecer de recurso de um acórdão condenatório, estando em causa, para além do mais, a aplicação de pena única superior a 5 anos de prisão concretamente 8 anos e 6 meses de prisão - sendo de 7 anos de prisão uma das penas parcelares - estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita à discussão da pretendida redução da medida das penas parcelares e da pena conjunta).
II - Cabe ao STJ, reunidos os demais pressupostos [tratar-se de acórdão final de tribunal colectivo ou de tribunal de júri e visar o recurso apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena de prisão superior a 5 anos - seja pena única, ou pena única e alguma (s) pena (s) parcelar(es)], apreciar as questões relativas a crimes punidos efectivamente com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão.
III - Apesar de resultar dos factos provados que a actividade de tráfico de heroína e cocaína pelo recorrente se desenvolveu, desde o ano de 2007 a 12-04-2015, não há, porém, concretização de quaisquer actos de comercialização até 2012, ano em que se dá por provado que o recorrente adquiria os produtos estupefacientes na zona de Lisboa, desconhecendo-se por completo o que se terá passado ao longo de 2008, de 2009, de 2010 e de 2011, o que conduz a que estejamos perante uma imputação genérica.
IV - Ponderando que estamos perante uma organização simples, na medida em que a actuação do recorrente se traduzia no abastecimento na Amadora e venda directa, a retalho, em S..., por contacto presencial e telefónico, sendo mesmo coadjuvado por vezes pelo coarguido EE, sobrinho da companheira e co-arguida DD, o que aconteceu a partir de finais de 2013, agindo este como homem de confiança e actuando por vezes por conta do recorrente, sendo as vendas feitas em barracas, à noite e durante a madrugada, sendo no período diurno apenas a clientes/consumidores que conhecessem bem, estando concretizadas vendas pelo recorrente a 8 consumidores, e encontrando-se apreendidas 299,057 g. de heroína (suficiente para 1.821 doses médias individuais diárias) e 145,255 g. de cocaína, sendo o dolo directo e intenso, elevadas as necessidades de prevenção geral, não possuindo o recorrente antecedentes criminais e tendo este confessado os factos relativos ao tráfico na sua materialidade, colaborando com o tribunal na descoberta da verdade, entende-se justificar-se intervenção correctiva da pena de 7 anos de prisão, pelo crime de tráfico de estupefacientes, afigurando-se equilibrada e adequada a pena de 6 anos de prisão.
V - Sendo o grau de ilicitude dos factos relacionados com a prática do crime de branqueamento de capitais de considerar abaixo da média atendendo, por um lado, a que as operações bancárias realizadas se revelam pouco elaboradas e, por outro lado, aos valores envolvidos, consistindo os actos de branqueamento, na actuação do recorrente em conjugação com a companheira DD, efectuando os seguintes depósitos: desde 24 de Junho de 2013 a 6 de Abril de 2015, no total de 7.330,00 €; desde 12 de Agosto de 2013 a 12 de Fevereiro de 2014, no total de 2.410,00 €; desde 26 de Setembro de 2013 a 23 de Março de 2015, no Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça Secções Criminais 29 Número 229 – Janeiro de 2017 total de 5.600,00 €; em 15 e 24 de Outubro de 2014, no total de 2.550,00 €; havendo ainda a ter em conta as aplicações financeiras desde Junho de 2013, subscrição de fundos de investimento com o valor em 6-05-2015, de 1.503,10 €, uma conta poupança com o valor em 07-04-2015, de 102,93 € e outra conta poupança com o valor em 24-04-2015 de 1674,43 €; considerando ainda o dolo directo com que actuou, visando a dissimulação das vantagens obtidas com o tráfico de estupefacientes e acrescendo que o período temporal da comissão do crime não é de todo coincidente com a prática do tráfico, estando balizado entre 24 de Junho de 2013 e 6 de Abril de 2015, considera-se igualmente justificar-se uma intervenção correctiva, reduzindo-se a pena de 3 anos para 2 anos e 8 meses de prisão.
VI - Ponderando o grau de ilicitude mediano da actuação do recorrente que, no momento da detenção, tentou encetar a fuga e, com o propósito de o conseguir, desferiu vários pontapés e socos no guarda III, mordeu a mão do guarda JJJ e desferiu-lhe pontapés, quando este o algemava, causando como consequência directa e necessária no primeiro guarda dores e equimoses do 1/3 inferior da perna esquerda e tumefação na face anterior da perna, lesões que lhe determinaram 10 dias de doença, sem incapacidade para o trabalho; e no guarda L dores e escoriações da região frontal da face e na mão direita sofreu escoriações da região metacarpo-falangica, lesões que lhe determinaram 6 dias de doença sem incapacidade para o trabalho, actuando o recorrente com dolo directo e não possuindo antecedentes criminais, considera-se não se justificar intervenção correctiva da pena de 2 anos pela prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário.
VII - A pena única visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções. Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do ora recorrente, em todas as suas facetas. Na elaboração da pena única impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou.
IX - A facticidade provada não permite, no presente caso, formular um juízo específico sobre a personalidade do recorrente que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, atenta a natureza e grau de gravidade das infracções por que responde, não se mostrando provada personalidade por tendência, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do arguido.
X - Ponderando o modo de execução, a intensidade do dolo, directo, as necessidades de prevenção geral e especial, a idade do arguido (à data da prática dos factos tinha entre 32 e 39 anos de idade, contando actualmente 41 anos de idade), o período temporal da prática dos crimes em causa, afigura-se ser de aplicar um factor de compressão (situado entre 1/3 e 1/4), fixando a pena única em 7 anos e 4 meses de prisão.

Texto Integral


No âmbito do processo comum com intervenção de tribunal colectivo n.º 5/14.4GHSTC da Comarca de S… – Instância Central – Secção Criminal – J2 foram submetidos a julgamento os arguidos:

1.º - AA, solteiro, …, nascido a 04-07-1975, filho de BB e de CC, natural de …, de nacionalidade … e portuguesa, residente na Rua …. n.º …, R/C Esq., em …, atualmente preso preventivamente, à ordem dos presentes autos, no Estabelecimento Prisional de … (Facto Provado 84);

2.º - DD, solteira, empregada de …, nascida a 20-09-1982, companheira do anterior; 

3.º - EE;

4.º - FF;

5.º - GG;

6.º - HH;

7.º - II;

8.º - JJ; e,  

9.º - KK.

O Ministério Público deduziu acusação, para julgamento em processo comum e com a intervenção do Tribunal Coletivo, imputando a prática:

- A cada um dos arguidos, como co-autor, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01;

- Aos arguidos AA e DD, também, como co-autores, de um crime de branqueamento de capitais, p. e p. pelo artigo 368.º-A, n.º 1 a 4, do Código Penal; e, ainda,

- Ao arguido AA, como autor material, na forma consumada, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal.

Requereu o Ministério Público a condenação dos arguidos EE, FF, GG, HH, JJ e II, na pena acessória de expulsão do território nacional, nos termos do artigo 151.º, n.º 1, da Lei n.º 23/2007, de 04-07, na redação dada pela Lei n.º 56/2015, de 23-06.


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Por acórdão do Tribunal Colectivo da Secção Criminal da Instância Central da Comarca de …, de 3 de Junho de 2016, constante de fls. 3936 a 4075 do 14.º volume, depositado em 13 de Junho de 2016, conforme declaração de depósito de fls. 4111, foi deliberado: 

 - Julgar parcialmente procedente a acusação, por parcialmente provada, e em consequência:

a) Absolver os arguidos GG e KK do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;

b) Condenar o arguido AA, pela prática, em concurso efectivo, como co-autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma legal e de um crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368.º-A; e, como autor material, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347.º, n.º 1, como aquele do Código Penal, nas penas respetivas de:

- 7 (sete) anos de prisão, pelo crime de tráfico de estupefacientes;

- 3 (três) anos de prisão, pelo crime de branqueamento;

- 2 (dois) anos de prisão, pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário;

c) Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, condenar o arguido AA na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão;

d) Condenar o arguido EE, como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

e) Condenar os arguidos FF, HH, II e JJ, cada um deles, como autor material, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), com referência ao artigo 21.º, n.º 1, ambos do Dec-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A e I-B anexas ao mesmo diploma legal, sendo:

. O arguido FF, na pena de 3 (três) anos de e 9 (nove) meses de prisão;

. O arguido HH, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

. O arguido II, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

. O arguido JJ na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

f) Condenar a arguida DD, como co-autora material de um crime de branqueamento p. e p. pelo artigo 368.º-A do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão.

g) Suspender, na respetiva execução, as penas de prisão aplicadas aos arguidos DD, EE, FF e JJ, sendo relativamente:

- Á arguida DD, pelo período de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses.

- Ao arguido EE, pelo período de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses;

- Ao arguido FF, pelo período de 3 (três) anos de e 9 (nove) meses; e

- Ao arguido JJ pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.

h) Nos termos previstos nos artigos 50.º, n.º 2 e 52.º, n.º 2, alíneas b) e c), ambos do C.P., impor aos arguidos DD, FF e JJ a regra de conduta, a cumprir durante o período de suspensão das execução da pena de prisão em que, respetivamente, vão condenados, de não frequentarem nem permanecerem na zona de Sines.

i) A suspensão da execução da pena de prisão em que os arguidos EE, FF e JJ, respetivamente, vão condenados é acompanhada de regime de prova, nos termos previstos nos artigos 50.º, n.ºs 1 e 2 do C.P., assentando, em qualquer dos casos, o regime de prova, num plano de reinserção social, executado com a vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, ficando os arguidos obrigados a colaborar ativamente na execução do plano de reinserção social.

j) Condenar, cada um dos arguidos HH e II na pena acessória de expulsão do território nacional, pelo período de 6 (seis) anos.


*

Relativamente ao arguido AA, por entendermos que se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito que determinaram a aplicação da medida coactiva de prisão preventiva, agora reforçados ante a decisão condenatória ora proferida, decide-se que o mesmo arguido continue a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito a tal medida de coacção.

O arguido AA regressa, pois, ao Estabelecimento Prisional, na situação em que se encontra, sendo o tempo de detenção e prisão preventiva, que sofreu, à ordem dos presentes autos, descontado na pena em que vai condenado.


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Inconformado com o assim deliberado, o arguido AA interpôs recurso a fls. 4177, dirigido ao Tribunal da Relação de …, apresentando a motivação de fl. 4177 verso a 4181, que remata com as seguintes conclusões (itálicos do texto):

a) O presente recurso vem motivado pela discordância em relação ao acórdão, douto aliás, com que o Tribunal a quo, decidiu condenar o arguido na pena de 7 anos de prisão pela prática de um crime p. e p. pelo art° 21°, n° 1 do Decreto-Lei n° 15/93 de 22/01, na pena de 3 anos de prisão pela prática de um crime de branqueamento, p. e p. art° 368°-A do CP. e na pena de 2 anos de prisão pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. art° 347°, n° 1 do CP., em cúmulo, na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão;

b) As razões de discordância com a douta decisão sob recurso prendem-se tão só com a medida das penas parcelares e única aplicadas, as quais, em qualquer circunstância, se mostram demasiado severas.

c) Muito embora o recorrente esteja consciente da forte necessidade de se punir com rigor e uniformidade o tráfico de estupefacientes, numa tentativa de se pôr travão a quem já delinquiu e evitar que novos traficantes apareçam no circuito, entende que as penas que lhe foram aplicadas, no caso concreto, se mostram excepcionalmente severas.

d) Tanto mais que o arguido é primodelinquente e confessou os factos relativos ao tráfico e branqueamento, mostrando inclusive arrependimento.

e) O tribunal errou na graduação da ilicitude dos factos ao classifica-la de elevada quando ao tráfico e mediana no que respeita ao crime de resistência e coação sobre funcionário.

f) A melhor apreciação da matéria de facto provada e dos demais elementos dos autos apontam no sentido daquela ilicitude se situar num plano médio quanto ao crime de tráfico e abaixo da média relativamente ao crime de resistência e coacção sobe funcionário;

g) O recorrente tem consciência da necessidade de se punir com rigor e uniformidade o tráfico de estupefacientes, numa tentativa de se pôr travão a quem já delinquiu e evitar que novos traficantes apareçam no circuito

h) No entanto o desiderato da ressocialização, tendo de ser avaliado em concreto, não pode, também, deixar de ter como parâmetro o inconveniente maléfico de uma longa separação da delinquente da comunidade natal;

i) Por isso não faz sentido que o arguido cumpra uma longa pena de prisão que em nada contribui para a respectiva ressocialização e reintegração social posterior;

j) Por todo o exposto afiguram-se exageradas as penas de 7 anos de prisão, 3 anos de prisão e 2 anos de prisão que o acórdão em crise impôs ao arguido pela prática respectivamente dos crimes de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art° 21°, n° 1 do Decreto Lei n° 15/93 de 22/01, de branqueamento, p. e p. art° 368°-A do CP. e de crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. art° 347°, n° 1 do CP.

k) Assim como a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão fixada.

l) Com efeito as penas a aplicar, in casu, deveriam aproximar-se muito mais dos respetivos limites mínimos das molduras penais abstractamente aplicáveis, mais concretamente, não de ir além dos 5 anos e 6 meses de prisão a pena a aplicar pela prática do crime p.e p. art.º 21 n.º 1 do D.L. 15793, dos 2 anos e 6 meses a pena a aplicar pelo crime de branqueamento p.e p. art. 368º-A, n.º 2 3 do C.P., e de 1 ano e 3 meses a pena a aplicar pela prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. art° 347°, n° 1 do CP;

m) em cúmulo o arguido deve ser condenado em pena que não exceda os 6 anos e 6 meses de prisão.

n) É o que resulta da melhor apreciação da prova produzida e bem assim de uma correcta interpretação e aplicação dos art°s. 21° n° 1 do DL. 15/93, de 22/1, art°s 368°-A, n° 2 e 3 e 347°, 70°, 71° e 77° do Código Penal, coisa que o douto Tribunal a quo não fez.

O acórdão recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nas disposições legais supra citadas.

Em suma: deve revogar-se o acórdão recorrido e substituí-lo por outro que, fazendo correcta interpretação e aplicação dos preceitos citados, condene o arguido em penas próximas dos limites mínimos das molduras penais aplicáveis.


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O recurso foi admitido por despacho de 14-07-2016, a fls. 4183, para subir imediatamente, nos autos e com efeito suspensivo, sem indicação de tribunal ad quem.


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O Ministério Público junto da Instância Central Secção Criminal de … apresentou a resposta de fls. 4231 a 4244, concluindo:

1. Interpôs o arguido AA recurso do douto acórdão prolatado no âmbito dos autos supra epigrafados, que o condenou pela prática, em concurso efectivo, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.° 21.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de sete (7) anos de prisão, de um crime de branqueamento, p. e p. pelo art.° 368.°-A, n.°s 2 e 3, do Código Penal, na pena de três (3) anos de prisão, e de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.° 347.°, n.° 1, do Código Penal, na pena de dois (2) anos de prisão, sendo que, em cúmulo jurídico, foi o primeiro condenado na pena única de oito (8) anos e seis (6) meses de prisão;

2. Pugna o ora recorrente, no essencial, pela revogação e consequente substituição daquele douto acórdão por outro que o condene em penas parcelares («próximas dos limites mínimos das molduras penais aplicáveis») e única inferiores;

3. Estará, assim, aqui em causa, no que ora mais interessa relativamente ao douto acórdão recorrido, aquilatar do acerto e justeza das penas aplicadas, quer das penas parcelares (impostas pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes, branqueamento e resistência e coacção sobre funcionário), quer da pena única, designadamente, da sua correspondência, ou não, à medida da culpa do arguido AA;

4. (penas parcelares) Concatenando o critério geral estatuído no n.° 1 do art.° 71.° do Código Penal - devendo, assim, ser sopesadas as circunstâncias do caso com a ponderação da culpa e da prevenção -com o próprio enunciado sobre os fins das penas plasmado no art.° 40.° do mesmo diploma legal - a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que o quantum da pena não poderá nunca exceder a medida da culpa do agente -, temos comummente visto ser tomado como um ponto de partida de referência do julgador, na actividade intelectual desenvolvida para encontrar a sanção adequada (o que, todavia, não configurará um critério geral), a média entre o limite máximo e mínimo da moldura ou dosimetria penal abstractamente aplicável;

5. Tendo o ora recorrente vindo in casu salientar determinadas circunstâncias que entende não terem sido devidamente valoradas, sucede, porém, que as mesmas, sendo, efectivamente, consideradas como favoráveis àquele, não serão senão uma parte das circunstâncias a atender em sede de determinação concreta da medida da pena;

6. Assim, sendo certo que as demais circunstâncias então feitas notar no douto acórdão ora posto em crise militarão, grosso modo, contra o recorrente (sendo desfavoráveis a este), não temos como excessivas, designadamente, face à medida da culpa que é possível observar, as correspondentes e supra aludidas penas parcelares de sete (7) anos de prisão, relativamente ao crime de tráfico de estupefacientes, três (3) anos de prisão, relativamente ao crime de branqueamento, e dois (2) anos de prisão, no que tange ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, notoriamente aquém daquela "média entre o limite máximo e mínimo";

7. (pena única) O art.° 77.°, n.° 2, do Código Penal dispõe que «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão (...); e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes»;

8. Atentos os critérios previstos no art.° 77.°, n.° 1, do Código Penal, importa considerar, em conjunto, a gravidade de todos os factos praticados pelo arguido, bem como a personalidade que este reflecte e as respetivas condições pessoais apuradas;

9. Na «(...) avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma "carreira") criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)» - Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, págs. 291-292;

10. Sendo fundamental, ao efectuar o cúmulo jurídico, atender ao conjunto dos factos e à personalidade do agente, como se dispõe na 2.a parte do n.° 1 do art.° 77.° do Código Penal, como a pena se traduz, afinal e a final, numa expressão aritmética, num número, é aconselhável o auxílio de regras também aritméticas para, com mais rigor, encontrarmos a pena concreta;

11. «O critério proposto não é, propriamente, um "critério matemático" mas um critério jurídico, que, na sua operacionalidade, recorre ao auxílio da ciência matemática» - Manuel Simas Santos, As penas no caso do concurso de crimes, Temas de Direito Penal e Processual Penal, C.E.J., Lisboa, 3 de Fevereiro de 2010;

12. Assim, afígura-se-nos como critério razoável e abrangente aquele que atenda a uma ponderação, em conjunto, da personalidade e dos factos apurados/praticados pelo agente em conjugação com um critério aritmético, apenas auxiliar na concretização, mais rigorosa, em termos quantificatívos/quantitativos, da medida concreta da pena, a qual, necessariamente, terá que se traduzir numa expressão aritmética;

13. Poder-se-á adoptar o seguinte critério: «Em regra, a ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade é feita nos seguintes termos: tratando-se de uma personalidade mais gravemente desconforme com o Direito o tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave metade (ou, em casos excepcionais, dois terços) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso; tratando-se de uma personalidade menos gravemente desconforme ao Direito o tribunal determina a pena única somando à pena concreta mais grave um terço (ou, em casos excepcionais, um quarto) de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso» - vide Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Dez. 2008, pág. 244, em anotação ao art.° 77.°, nota 3;

14. Como já ficou referido, deflui do art.° 77.°, n.° 2, do Código Penal que a pena parcelar mais elevada em concurso constitui o limite mínimo da moldura do concurso e o limite máximo desta moldura resulta da soma de todas as penas parcelares em concurso, mas sempre sem exceder os vinte e cinco anos, quando em causa estão penas de prisão - assim, a moldura legal aplicável ao concurso, no caso, cifrou-se no mínimo de sete (7) anos de prisão e no máximo de doze (12) anos de prisão;

15. E, in casu, já se vê, a pena única foi encontrada somando à pena parcelar mais grave/elevada, de sete (7) anos de prisão, menos de um terço (1/3) das restantes penas parcelares, o que se nos afigura adequado, de acordo com os factos apurados e a personalidade do arguido AA;

16. De resto, deveremos, mesmo, realçar que a pena única/conjunta ora encontrada, atentas aquelas penas parcelares, foi correta e justamente determinada, não destoando, de todo, dos critérios propostos pela jurisprudência e pela doutrina, auxiliares do rigor e da segurança jurídica, bem assim na procura da igualdade ou uniformidade que deve nortear a determinação das penas, em face da especificidade de cada caso;

17. Ante todo o exposto, podemos concluir, no presente caso, pela total razoabilidade/justeza daquela decisão, de cominação da supra referida pena única de oito (8) anos e seis (6) meses de prisão.

Termina afirmando entender que não deverá ser dado provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.


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Por despacho de 18-08-2016, proferido a fls. 4249-4250, foi ordenada a subida dos autos ao Venerando Tribunal da Relação de …, sendo o despacho notificado aos vários arguidos.

Em 24-08-2016, a fls. 4260, é proferido novo despacho a ordenar a subida dos autos ao Venerando Tribunal da Relação de ….

Em 25-08-2016 é efectuada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de …, conforme fls. 4263 e verso, onde deram entrada em 30 seguinte, conforme carimbo aposto a fls. 4263, datando de 31-08-2016 o termo de apresentação e exame (fls. 4264).

 


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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de …, a fls. 4266/7/8, emitiu parecer no sentido de o recurso merecer parcial provimento, entendendo algo exagerada a pena aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes, considerando mais ajustada a pena de 6 anos de prisão, devendo, consequentemente, em seu entender, diminuir-se a pena única.

(Esta posição do Ministério Público junto da Relação de …, que se pronuncia sobre o mérito do recurso, claro está, traz ínsita a ideia de que se mostra preenchido o pressuposto processual da competência, ou seja, de que competente para apreciação do recurso é o Tribunal da Relação de …).

 


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Ordenado o cumprimento do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, por despacho de 13-09-2016, a fls. 4269, procedeu o Tribunal da Relação de Évora à notificação, não só do recorrente, único interessado em exercer o direito de resposta, como dos outros arguidos, não recorrentes, como se vê de fls. 4270 a 4274.

 


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De seguida, é proferido pelo Exmo. Desembargador a quem o recurso foi distribuído, despacho intercalar proferido em 11-10-2016, relativo a envio de suportes informáticos da motivação do recurso, então em falta - fls. 4275 (o que igualmente pressupõe, reconhecidamente, como dado adquirido, a competência da Relação para conhecer do recurso).

Sobre conclusão de 19-10-2016, é proferido pelo aludido Exmo. Desembargador, despacho em 15-11-2016, constante de fls. 4279/4280, onde, de forma fundamentada, se determina a remessa dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça por ser o competente para apreciar o presente recurso.

Este despacho é igualmente notificado ao recorrente e demais arguidos, não recorrentes, conforme consta de fls. 4281 a 4285.

A remessa é efectuada em 23-11-2016, conforme consta de fls. 4287, dando entrada no Supremo Tribunal de Justiça em 6-12-2016 (capa do 15.º volume).


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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer, como consta de fls. 4288 a 4294, onde em absoluta sintonia com a posição do Ministério Público junto da Relação de …, se pronuncia no sentido de ser atribuída competência para decidir o presente recurso ao Tribunal da Relação de …, e se assim não for entendido, conclui pelo não provimento total do recurso interposto pelo arguido.

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Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente AA silenciou.


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Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com o julgamento em conferência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), do Código de Processo Penal.

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Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, o acórdão do Plenário da Secção Criminal, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580, Acórdão n.º 7/95, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).

E como referia o acórdão do STJ de 11 de Março de 1998, in BMJ n.º 475, pág. 488, as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.


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Questões propostas a reapreciação e decisão

 

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, onde o recorrente resume as razões de divergência com o deliberado no acórdão recorrido.

As questões suscitadas são:

Questão I – Medida das penas parcelares – Conclusões b), c), d), e), f), g), h), i), j), l) e n);

Questão II – Medida da pena única – Conclusões b), k), m) e n).

   

A conclusão a) limita-se a reproduzir as condenações. A conclusão da alínea g) é prática reprodução da conclusão c).  


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Fora do quadro de apreciação da impugnação directa da deliberação recorrida traçado pelo arguido, oficiosamente, já que nos situamos no terreno da matéria de direito, para cuja sindicância o Supremo Tribunal de Justiça tem plena competência (artigo 434.º do Código de Processo Penal e artigo 46.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26-08-2013, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 42/2013, in Diário da República, 1.ª série, n.º 206, de 24 de Outubro), abordar-se-á, previamente, a questão da definição da competência para cognição do recurso, face ao indevido endereço pelo recorrente e posterior indevida remessa do processo pelo tribunal recorrido para o Tribunal da Relação de ….

Abordar-se-á ainda a extensão da capacidade cognitiva do Supremo Tribunal de Justiça relativamente às questões suscitadas com a condenação por crimes punidos com penas de prisão inferiores a cinco anos, sendo o caso de duas das penas parcelares, no segmento

Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça na apreciação de acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo, no que respeita às penas parcelares aplicadas, em medida igual ou inferior a 5 anos de prisão, suposta medida superior em pena(s) parcelar(es) e/ou na pena única.


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Apreciando. Fundamentação de facto.

  Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, congruente, harmonioso, e devidamente fundamentado.

 

Nota – Os factos relativos às condições pessoais dos arguidos não recorrentes – FP 42 a 51; 69 a 74; 87 a 216 e 218 a 223 – vão em letra menor.

Factos Provados

1) No concelho de …, desde há vários anos, vêm-se vendendo, diariamente, significativas quantidades de heroína e cocaína, a consumidores de tal tipo de substâncias, vindos de todos os municípios do Litoral Alentejano e de vários municípios do distrito de Beja, sendo que tal atividade é, usualmente, praticada por indivíduos provindos da área metropolitana de Lisboa, que a desenvolvem, primordialmente, nos seguintes locais:

a) Nas barracas sitas na Quinta … ou B…, nas traseiras do pavilhão de multiusos, junto à via panorâmica, na cidade de S…, localmente conhecido por “Monte Z…”;

b) Noutros dois núcleos de barracas, também sitas na Quinta … ou B…, junto ao outro lado da via panorâmica, na cidade de S…, conhecidas por “Monte LL” e “Monte MM”; e

c) Nas barracas sitas na B…, no lado norte da A26, conhecidas por “Monte NN”; e no lado sul da A26, conhecidas por “OO”.

2) O arguido AA, com referência à data dos factos a que aqui nos reportamos, habitava um apartamento, arrendado, sito no Bairro …, em … e, para o efeito do desenvolvimento da atividade de venda de estupefacientes, cocaína e heroína, a terceiros, a que se dedicava, ocupava um dos anexos existentes no “Monte PP”;

3) No local mencionado em 2), o arguido AA e aqueles que consigo colaboravam, entre os quais, a partir de determinada altura, conforme infra se explicitará, o ora arguido EE, normalmente, não faziam a venda direta das substâncias estupefacientes, no período diurno (exceto a clientes/consumidores que conhecessem bem), nem a indivíduos que desconhecessem.   

4) Quando os indivíduos/consumidores, que se deslocavam ao “Monte PP” não conseguiam adquirir os produtos que pretendiam, deslocavam-se ao “Monte LL”, ao “Monte MM” ou à B….

5) Após a operação da GNR, realizada no âmbito dos presentes autos, no dia 12/04/2015, no “Monte PP”, que conduziu à detenção dos arguidos AA e FF, o fluxo de consumidores de estupefacientes que até, então, costumava adquirir ali tais produtos, passou, para esse efeito, a deslocar-se ao “Monte MM” e à B….

6) O arguido II habitava o “Monte MM” e, a partir de data não concretamente apurada, mas situada em inícios de 2015 até à sua detenção, no âmbito dos presentes autos (em 06/05/2015), permanecia, na casa daquele, o sobrinho, ora arguido JJ, tendo, nesse local, ambos efetuado a venda de estupefacientes, heroína e cocaína, a terceiros, no circunstancialismo que infra se explicitará.

7) O arguido HH habitava o “Monte LL”, desde meados de 2013, tendo, nesse local, pelo menos, a partir de Agosto de 2014 até à data da sua detenção, no âmbito dos presentes autos (em 06/05/2015), procedido à venda de heroína e cocaína, a terceiros, nas circunstâncias que infra se explicitarão.

        Concretizando:

8) Desde o ano de 2007 até 12/4/2015 (data em que foi detido no âmbito dos presentes autos), com alguns períodos de interregno, mais frequentes até ao ano de 2012, o arguido AA, também conhecido por “…”, dedicou-se à venda de cocaína e heroína, no “Monte PP” e, em certas alturas, também na zona da B….

9) No desenvolvimento da atividade referenciada, com regularidade, a partir do ano de 2012, o arguido AA deslocava-se, com frequência, normalmente, bissemanal, à área metropolitana de Lisboa, onde adquiria heroína e cocaína que trazia para S…, ao preço/grama de €15,00/€25,00, a heroína e de €35,00/€45,00, a cocaína, e que depois de adicionadas “substâncias de corte”, revendia, a consumidores de tal tipo de produtos, ao preço/grama de €20,00/€30,00, a heroína e de €40,00/€50,00, a cocaína.

10) Também no desenvolvimento da mencionada atividade, o arguido AA, a partir de data não apurada, mas, pelo menos, desde finais do ano de 2013 contou com a colaboração do arguido EE - conhecido, entre outros nomes/alcunhas, por “QQ”, sobrinho da arguida DD – procedendo este à venda de doses de estupefacientes, heroína e cocaína, aos consumidores, no “Monte PP”, em B… e na B…, por conta e sob as ordens e direção do arguido AA;

11) Desde data não apurada, mas, pelo menos, desde meados de Dezembro de 2014 até 02/01/2014 (data em que foi detido nas circunstâncias que infra se descrevem, nos pontos 20) e 21)), o arguido FF - sobrinho do arguido AA -, e, subsequentemente, a partir de data não apurada, mas, pelo menos, a partir de Março de 2015 até à data em que voltou a ser detido, no âmbito dos presentes autos (em 12/04/2015), procedeu à venda de doses de estupefacientes, heroína e cocaína, aos consumidores, no “Monte PP”, em B… e na B….

12) Para concretizar as vendas de estupefacientes, além do contacto presencial com os adquirentes/consumidores, no local habitual de venda, por vezes, era previamente estabelecido, contacto telefónico entre os consumidores e os arguidos AA e EE, combinando encontro, durante o qual os arguidos faziam a entrega do produto estupefaciente e recebiam o respetivo pagamento/preço.

13) Para o efeito, os arguidos AA e EE utilizaram vários cartões e equipamentos telefónicos, designadamente, os seguintes:

a) O arguido AA utilizou o cartão nº 96...7 e o telemóvel com o IMEI 35…;

b) O arguido EE utilizou o cartão nº 960…7 e o telemóvel com o IMEI 33…; e

c) O arguido FF utilizou o cartão nº. 963…0 e o IMEI 35…, bem como o cartão nº. 92…0.

14) Ao longo do período temporal mencionado no ponto 8), o arguido AA, vendeu heroína e cocaína, preferencialmente, no “Monte PP” e na zona da B…, desenvolvendo essa atividade sobretudo à noite e durante a madrugada, para ali se deslocando, nos veículos automóveis, com a matrícula …-…-MZ, pertencente à arguida DD (como aconteceu, v.g. no dia 12/12/2013) e com a matrícula …-…-FZ, de sua propriedade (como se verificou, por ex., nos dias 18/02/2014 e 06/10/2014), efetuando, também, algumas vendas durante o dia, neste caso, a clientes/consumidores que conhecia bem.

15) O arguido AA combinou e realizou encontros, do próprio e do arguido EE, com diversos indivíduos/consumidores de estupefacientes, a quem, por várias vezes, venderam, doses de heroína e/ou de cocaína.

16) Entre os indivíduos/consumidores de estupefacientes a quem o arguido AA vendeu, por diversas vezes, pacotes de heroína e/ou de cocaína, contam-se, entre outros, os seguintes:

- RR;

- SS;

- TT;

- UU;

- VV

- XX;

 - ZZ;

- AAA.

17) O arguido EE, pelo menos, desde o final do ano de 2013, agiu como homem de confiança do arguido AA, colaborando na venda direta dos estupefacientes aos consumidores, o que fazia preferencialmente no “Monte PP”.

18) Designadamente, em situações em que o arguido AA estava ausente de S… ou de Portugal, o arguido EE, seguindo as instruções e diretivas do arguido AA continuava a vender estupefacientes, heroína e cocaína, de modo a ter um ponto de venda de tais substâncias sempre ativo, sendo que ambos moravam na mesma casa sita no Bairro …, em S… e não pernoitavam nas barracas do “Monte PP”, onde apenas se deslocavam para vender estupefacientes.

19) Entre os indivíduos a quem o arguido EE vendeu, por várias vezes, doses de heroína e/ou de cocaína, contam-se os seguintes:

- RR;

- SS;

- XX;

- BBB.

- AAA;

- CCC;

20) O arguido FF, conhecido pela alcunha de “DDD”, é sobrinho do arguido AA e, pelo menos, desde meados de Dezembro de 2014 até 02/01/2015 (data em que foi detido, nas circunstâncias descritas infra, nos pontos 21) e 22), e posteriormente, a partir de data não apurada, mas, pelo menos, a partir final de Março de 2015 até 12/04/2015 (data em que voltou a ser detido no âmbito dos presentes autos) procedeu à venda de doses de cocaína e heroína, a consumidores de tais substâncias, no “Monte PP”, em B… e na B…, sendo, por vezes, transportado pelo arguido EE nos veículos dos arguidos AA e DD.

21) No dia 02/01/2014, cerca das 18h:30m, no interior de uma casa devoluta sita no complexo industrial “EEE”, em B…, Sines, o arguido FF encontrava-se a vender estupefacientes a quem ali o procurava, tendo já concretizado algumas vendas, sendo uma delas a XX.

22) Na ocasião referenciada no ponto 21), o arguido FF tinha na sua posse, sendo apreendidos pelos militares da GNR, que realizaram a respetiva diligência, os seguintes bens e substâncias estupefacientes:

a) No bolso das calças:

- 5 (cinco) pacotes, contendo heroína, com o peso líquido de 2,37 gramas, com um grau de pureza de 10%, suficiente para 2 doses médias individuais diárias;

- 8 (oito) pacotes, contendo heroína, com o peso líquido de 15,095 gramas, com um grau de pureza de 10,5%, suficiente para 15 doses médias individuais diárias;

- 1 (um) pacote, contendo cocaína, com o peso líquido de 4,996 gramas, com um grau de pureza de 39%, suficiente para 9 doses médias individuais diárias;

- 4 (quatro) pacotes, contendo cocaína, com o peso líquido de 3,244 gramas, com um grau de pureza de 22,3%, suficiente para 3 doses médias individuais diárias;

- 11 (onze) pacotes, contendo heroína, com o peso líquido de 1,275 gramas, com um grau de pureza de 30,4%, suficiente para 1 dose média individual diária;

b) No bolso do casaco:

- €63,87 (sessenta e três euros e oitenta e sete cêntimos), em notas e moedas emitidas pelo Banco Central Europeu;

- 1 (um) telemóvel de marca “HUAWEI”, com auricular e capa;

- 1 (um) isqueiro.

23) No parapeito da janela, da casa onde o arguido FF se encontrava mencionada no ponto 21), encontrando-se, aí, na altura, também, pelo menos, outro individuo, FFF, foram encontrados e apreendidos, os seguintes objetos, não se tendo apurado a quem pertenciam, mas utilizados em atividade relacionada com estupefacientes:

- 1 (uma) balança de precisão de marca “ELECTRONIC POCKET SCALE”, modelo “DIAMOND 500”,

- 1 (uma) navalha; e

- 1 (um) isqueiro;

24) No âmbito da busca realizada, no dia 02/01/2014, por militares da GNR, ao anexo onde o arguido FF pernoitava, sito na B…, em S…, foram encontrados e apreendidos dois carregadores de telemóvel.

25) O isqueiro apreendido ao arguido FF era pelo mesmo utilizado na atividade de venda de estupefacientes a terceiros a que se dedicava e a quantia monetária que igualmente lhe foi apreendida era proveniente dessa mesma atividade.

26) No dia 02/01/2014, o arguido FF foi detido e sujeito a primeiro interrogatório judicial, no âmbito dos presentes autos, pelo que, nessa altura, ausentou-se da zona de S….

27) Posteriormente, a partir de data não concretamente apurada, mas, pelo menos, desde final de Março de 2015, o arguido FF regressou à zona de S…. Desde então até à data em que foi detido, à ordem dos presentes autos, o arguido FF vendeu doses de cocaína e/ou de heroína, designadamente:

- Vendeu, por várias vezes, pacotes de heroína, pelo preço de €10,00/ €20,00, a GGG;

- No dia 10/04/2015, pelas 17h:10m, no “Monte PP”, encontrando-se no local os arguidos identificados infra, no ponto 28), pelo menos, um pacote de cocaína, a UU, concretizando o arguido FF a entrega do estupefaciente.

28) No dia 10/04/2015, no “Monte PP”, pelas 17h:08m, encontrando-se aí os arguidos AA, FF, EE e GG, pelo menos, um deles, não resultando apurado quem, vendeu a RR, um pacote de cocaína, com o peso líquido de 7,729 gramas, com um grau de pureza de 28,3%, quantidade suficiente para 10 doses médias individuais diárias, tendo RR sido intercetado e sendo apreendido, por militares da GNR, o aludido produto estupefaciente.

29) No circunstancialismo descrito no ponto 28), o arguido AA vendeu, pelas 17h:30m, pelo menos, um pacote de cocaína ou de heroína, a HHH.

30) No dia 11/04/2015, no “Monte PP”, encontrando-se aí os arguidos AA, FF, GG e HH, o arguido AA vendeu, pelas 17h:00m, pelo menos, um pacote de cocaína ou de heroína, a XX.

31) Após ter saído do local referenciado no ponto 30), no dia 11/04/2015, o arguido AA deslocou-se de S… para a zona da A…, onde adquiriu heroína e cocaína, para revender na zona de S…, regressando ao “Monte PP” no dia seguinte (12/04/2015), onde chegou cerca das 21h:30m.


*

32) De imediato, quando ainda se encontrava no interior do seu veículo automóvel da marca Honda, modelo Civic, com a matrícula …-…-FZ, o arguido AA foi abordado por militares da GNR, com vista à execução dos mandados de busca e detenção emitidos no âmbito dos presentes autos, sendo que aqueles militares após se identificarem verbalmente nessa qualidade, ordenaram ao arguido que saísse do veículo e disseram-lhe que estava detido.

33) Então, o arguido AA tentou encetar a fuga e, com o propósito de o conseguir, desferiu vários pontapés e socos no Guarda III, mordeu a mão do Guarda JJJ e desferiu-lhe pontapés, quando este o algemava.

34) Como consequência direta e necessária da atuação do arguido AA descrita no ponto 33): 

- O Guarda III sofreu dores e equimoses do 1/3 inferior da perna esquerda e tumefação na face anterior da perna, lesões que lhe determinaram 10 dias de doença, sem incapacidade para o trabalho; e

- O Guarda JJJ sofreu dores e na face sofreu escoriações da região frontal e na mão direita sofreu escoriações da região metacarpo-falangica, 2ª e 4ª, lesões que lhe determinaram 6 dias de doença sem incapacidade para o trabalho.

35) O arguido AA sabia que III e JJJ eram militares da GNR, que se encontravam no exercício das suas funções e que ao agir da forma descrita ofendia o seu corpo e saúde, resultados que quis e logrou alcançar com o intuito de impedir que aqueles concretizassem a sua detenção.


*

36) No circunstancialismo mencionado na parte final do ponto 32) e no ponto 33), efetuada busca ao veículo automóvel de matrícula …-…-FZ, pertença do arguido AA e pelo mesmo conduzido, foram aí encontrados e apreendidos os seguintes produtos, quantia monetária e objetos pertencentes ao mesmo arguido:

a) Debaixo do banco do condutor, dentro de uma bolsa:

- uma embalagem, contendo heroína, com o peso líquido de 299,057 (duzentos e noventa e nove virgula zero cinquenta e sete) gramas, com um grau de pureza de 60,9%, suficiente para 1.821 doses médias individuais diárias;

- uma embalagem, contendo cocaína, com o peso líquido de 145,255 (cento e quarenta e cinco virgula duzentos e cinquenta e cinco) gramas, com um grau de pureza de 58,7%, suficiente para 426 doses médias individuais diárias;

- uma embalagem, contendo 53,710 (cinquenta e três virgula setecentos e dez) gramas de fenacetina, substância utilizada para misturar na cocaína, de modo a obter maior quantidades de doses para venda ao consumidor.

b) A quantia monetária de €20,00, constituída por 2 notas do BCE com o valor facial de €10,00;

c) Um anel em ouro com risca prateada;

d) Três telemóveis, sendo dois da marca Nokia, modelo 105, um com IMEI 35…2/0, contendo um cartão MOCHE 3G nº. 00005…8 e o outro com o IMEI 35…8/2, contendo um cartão MOCHE 3G nº. 00005…5, com o código de desbloqueio nº. 1…. e PIN nº. …; e o terceiro telemóvel, da marca Samsung, contendo um cartão da MEO nº. 0005…6;

e) Documentos: Um certificado de matrícula, emitido em 30/05/2012, do veículo Yamaha DT 125R, com o nº. de Quadro JYA…; um certificado de matrícula referente ao veículo Honda Civic …-…-FZ; um cartão Multibanco do BES com o nº. 42….1.

37) O arguido AA destinava os produtos estupefacientes que detinha e lhe foram apreendidos mencionados na al. a) do ponto 36), à venda e cedência a terceiros. A substância Fenacetina era pelo mesmo arguido destinada ao corte da Cocaína, a fim de aumentar a quantidade do produto e o respetivo lucro.

E a quantia monetária de €20,00 apreendida ao arguido AA era proveniente da atividade de venda de estupefacientes a que se dedicava.

E os telemóveis mencionados na al. d) do ponto 36) eram utilizados pelo arguido AA para estabelecer contatos no âmbito da atividade de venda de estupefacientes que desenvolvia.


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38) A arguida DD era companheira do arguido AA e nos períodos de ausência deste, do país, mais concretamente, em Setembro de 2014 quando o arguido viajou para … e entre 26/10/2014 e 15/11/2014 quando o arguido viajou para …, deslocava-se, semanalmente, a Sines, sendo que no dia 09/09/2014, fê-lo com a finalidade de proceder à recolha de quantias monetárias obtidas pelo arguido EE, na venda de estupefacientes, heroína e cocaína, que efetuava, por conta do arguido AA, conhecendo a arguida a proveniência de tais quantias monetárias.

39) No dia 12/04/2015, a partir das 21h:30m, para além da já mencionada supra no ponto 37) referente ao arguido AA, realizaram-se buscas a veículos, a residências e anexos e efetuaram-se revistas aos arguidos que infra se enunciam, sendo apreendidos, nesse âmbito, os seguintes bens, produtos e quantias monetárias:

1. Ao arguido AA foi apreendido:

a) No “Monte PP”, o seu motociclo de matrícula …-…-PP;

b) Na sua residência, sita no Bairro …, em S…:

- Um computador portátil da marca TOSHIBA, modelo SATELLITE C50D-A-10M, com o nº. de série 5D…S, respetivos cabos de ligação e uma mochila, de cor azul, da marca “Paxtur”.

2. No anexo sito no “Monte PP”, utilizado pelo arguido AA, dentro de um casaco, a quantia de €80,00 (oitenta euros) em notas do BCE.

3. Na posse do arguido FF foi apreendido um telemóvel da marca “Samsung”, com o IMEI 35…6 e com o cartão nº. 96…5.

4. Na posse do arguido EE foram apreendidos:

- Uma carteira da marca “Quicksilver”, de cor preta, contendo a quantia de €130,00 (cento e trinta euros) em notas do BCE; e

- Vários cartões, designadamente, um cartão Multibanco da agência Montepio e um cartão de estudante. 

5. Na posse do arguido GG foram apreendidos:

- Dentro de uma carteira: A quantia de €100,00 (cem euros), constituída por duas notas do BCE com o valor facial de €50,00; e

- No bolso do casaco: Dois telemóveis, sendo um da marca Nokia, modelo 101, IMEI 35….4/7, contendo um cartão SIM 1 da operadora Lyca mobile nº. 8…8, referente ao nº. 92…5 e SIM 2, IMEI 35….5/4; e o outro telemóvel, da marca Samsung, modelo GT E1050, com o IMEI 35….8/5, contendo um cartão SIM da operadora MEO com o nº. 92…4, com o código PIN ….

40) As quantias monetárias referenciadas no ponto 39), 2. e 4. era provenientes da venda de estupefacientes a terceiros.

41) No dia 13/04/2015, foi realizada busca à residência da arguida DD, sita na Rua …, Lote …, …, R/C – C, Alta de Lisboa, sendo aí encontrados e apreendidos os seguintes objetos:

a) No quarto do irmão da arguida (KKK):

- uma pistola de alarme da marca “Reck Baby Start”, com o nº. de série 4…, contendo 3 munições no respetivo carregador;

- um extrato de conta da CGD titulada por KKK.

b) Na sala:

    - um telemóvel TMN, modelo One Touch, sem cartão SIM

    - quatro cartão, respetivamente, três da TMN com o nº. 96…9, com o nº. 92…6 e com o nº. 00003…8 e um da MEO com o nº. 89….3;

   - uma fatura de um Iphone, em nome da arguida;

   - faturas da EDP, da Golden Energy e da Eurest;

   - um livro de cheques da agência Halifax com os nºs. de 10… a 10…0

c) Na cozinha:   

- um computador portátil da marca HP;

d) No quarto da arguida:

- uma caderneta da CGD;

- um IPHONE 4S, associado à operadora MEO, com o IMEI 01…8, [que foi adquirido pela arguida DD, em 01/02/2014, na Worten, pelo preço de €349,90].


*

42) Desde data não concretamente apurada, mas, pelo menos, a partir de Agosto de 2014 até à data em que foi detido, à ordem dos presentes autos (em 06/05/2015), o arguido HH, conhecido pela alcunha de “LLL”, procedeu à venda de pacotes de heroína e cocaína, a indivíduos/consumidores de tal tipo de produtos que o contatavam.  

43) Inicialmente o arguido HH procedia à venda daquelas substâncias estupefacientes, normalmente, na zona da B… e, após ter tido aí lugar uma operação da GNR realizada no dia 26/08/2014, passou a fazê-lo, principalmente, no “Monte LL”, Quinta das B…, em S…, onde habitava.

44) Para concretizar as vendas de heroína e cocaína, além do contacto presencial com os adquirentes nos seus pontos habituais de venda, por vezes, era primeiro estabelecido um contacto telefónico entre os clientes/consumidores de estupefacientes e o arguido HH, combinando encontro, durante o qual o arguido fazia a entrega do produto estupefaciente e recebia o respetivo pagamento/preço. Para o efeito, o arguido HH utilizava o telemóvel com o IMEI 35….7 e o cartão nº 92…3.

45) Assim, por várias vezes, o arguido HH vendeu, pacotes de heroína e de cocaína. Entre os indivíduos/consumidores de estupefacientes a quem o arguido HH vendeu, por diversas vezes, tal tipo de produtos, contam-se, nomeadamente, as seguintes:

- MMM;

- AAA;

- NNN;


*

46) Desde data não apurada, mas, pelo menos, a partir de Julho de 2014, na sua casa, conhecida por “Monte MM”, diretamente, o arguido II, conhecido por “OOO”, vendeu pacotes de heroína e de cocaína a indivíduos/consumidores de tais substâncias, que ali o procuraram.

47) O arguido II também cedeu a sua casa para que o arguido JJ ali vendesse tal tipo de estupefacientes e ajudava-o nessa atividade, indicando aos consumidores quando o mesmo aí se estava e tinha estupefacientes para venda.

48) Assim, por várias vezes, o arguido II vendeu, pacotes de heroína e de cocaína. Entre as vendas que realizou contam-se, nomeadamente, as seguintes:

a) No dia 21/07/2014, cerca das 15h:50m, o arguido II vendeu a BBB, conhecido pela alcunha de “B…”, pelo preço de €10,00, um pacote de cocaína com o peso líquido de 0,156 gramas.

 b) No dia 04/09/2014, pelas 17h:30m, o arguido II vendeu a TT e PPP, pelo valor de €10,00, um pacote de heroína com o peso líquido de 0,31g, cujo grau de pureza era de 14,2%, correspondendo a quantidade insuficiente para completar uma dose média individual diária, vindo os adquirentes do estupefaciente a ser intercetados por militares da GNR e sendo-lhes apreendido o produto em questão.

c) No dia 10/09/2014, cerca das 19h:45m, o arguido II vendeu, a um individuo cuja identificação não se logrou conseguir, pelo menos, um pacote de heroína e/ou de cocaína, pelo preço de €20,00.

 d) No dia 06/10/2014, cerca das 15h:30m, o arguido II, encontrando-se aí também o arguido JJ vendeu, pelo menos, um pacote de heroína e/ou de cocaína, a QQQ.

e) No dia 21/10/2014, cerca das 11h:40m, o arguido II vendeu, a um individuo cuja identificação não se logrou conseguir, que se fazia transportar num veículo da marca Peugeot, modelo 106, de cor cinzento, pelo menos, um pacote de heroína e/ou de cocaína.

f) Pelo menos, por duas vezes, o arguido II, vendeu, um pacote de heroína de cada vez, pelo preço de €10,00, a GGG;

49) A partir de data não concretamente apurada, mas, pelo menos, desde Agosto de 2014, o arguido JJ, passou a deslocar-se a casa de seu tio, ora arguido II, no “Monte MM”, aí permanecendo, durante alguns dias e, pelo menos, a partir de inícios de 2015, quer diretamente, quer com a colaboração do arguido II, efetuou vendas de doses de heroína e de cocaína a indivíduos/consumidores de tais produtos, que ali o procuraram. Neste contexto, o arguido JJ vendeu, designadamente, em datas não apuradas situadas no início de 2015, pelo menos, por duas vezes, pelo preço de €5,00/cada, uma pedra de cocaína, de cada vez, a QQQ e a RRR.

50) No dia 06/05/2015, pelas 18h:47m, o arguido JJ vendeu, pelo menos, um pacote de cocaína ou de heroína, a SSS, conhecido por “TTT”, e a UUU.


*

51) No dia 06/05/2015, a partir das 19h:20m, realizaram-se buscas às respetivas residências e revistas aos arguidos HH e JJ, sendo encontrados e apreendidos os seguintes objetos e produtos:

a) Ao arguido HH:

- Na sua posse: Um telemóvel da marca LG, com o IMEI 35…5, contendo um cartão SIM nº. 0000 5…1, um cartão de memória micro SD de 4GB e com uma capa de proteção; e

- Na sua residência, sita no “Monte LL”, no quarto, dentro da gaveta de um móvel:

. Um telemóvel da marca Samsung, modelo GT-S3370, com o IMEI 35….9/6, contando o cartão SIM nº. 00005…8;

. Um telemóvel da marca Alcatel, modelo 2010G, com o IMEI 86….0; e

. Um rolo de película aderente.

b) Ao arguido JJ:

. Dois telemóveis, sendo um da marca Samsung, com o IMEI 35…4, com o cartão nº. 92…5 e outro da marca ZTE, com o IMEI 8….8, com o cartão nº. 92…4.

c) Na vegetação existente nas imediações do “Monte MM”:

. Uma balança digital, que era utilizada na pesagem de estupefacientes, e uma embalagem contendo 7,717 gramas de Fenacetina, substância utilizada para misturar na cocaína, de modo a obter maior número de doses para venda ao consumidor;


*

52) Com referência à data dos factos descritos supra, o único meio de sustento dos arguidos AA, EE, HH e II, provinha da atividade de venda de estupefacientes a terceiros, a que se dedicavam, pois que, na altura, nenhum desenvolvia atividade profissional remunerada que lhes permitisse assegurar a sua subsistência.

53) A arguida DD mantendo relacionamento afetivo com o arguido AA e tendo um filho fruto dessa relação, desenvolvia atividade profissional, trabalhando no refeitório do Hospital de …, em Lisboa, auferindo cerca de €500,00/mês de vencimento.

54) Em Outubro de 2014 o arguido AA adquiriu o veículo automóvel da marca Seat, modelo Leon, de matrícula …-…-NR, o qual revendeu.

55) A arguida DD, em comunhão de vontades e conjugação de esforços com o arguido AA, geria o lucro proveniente da atividade da venda de estupefacientes a terceiros, a que o arguido AA se dedicava, procedendo a depósitos nas suas contas bancárias, tratando do investimento desse dinheiro em produtos financeiros e desenvolvendo diligências com vista à aquisição de uma casa na zona de Lisboa pelo valor de €75.000,00, com entrada inicial no valor de €20.000,00, que tinham disponível, aquisição que não se concretizou, em virtude da sua detenção, no âmbito dos presentes autos.

56) Os arguidos AA e DD eram titulares das seguintes contas bancárias:

a) O arguido AA:

- Conta nº 0008….8, no Novo Banco que, em 04/05/2015, tinha o saldo de €3.229,31 e foi arrestada nos autos em apenso, com o valor de €2.792,90;

- Conta nº 1-2….1 do BPI;

b) A arguida DD:

- Conta nº 00002…, no Novo Banco, que em 24/04/2015 tinha o saldo de €1.600,08 e foi arrestada nos autos em apenso, com o valor de €1.369,43; e

- Conta nº 35…0, na Caixa Geral de Depósitos.

57) Desde Junho de 2013, os arguidos AA e DD realizaram os seguintes depósitos [tendo a arguida realizado, designadamente, o depósito da quantia de €1.500,00, em 24/10/2014], em numerário, totalizando a quantia de €7.330,00, na conta nº 0008… do Novo Banco, titulada pelo arguido AA, cujos valores provinham da venda de estupefacientes, a que o arguido se dedicava, o que era do conhecimento da arguida:

Data Valor
         - 24/06/2013  180€
          - 02/08/2013  60€
          - 11/09/2013  160€
          - 17/12/2013  345€
          - 14/02/2014  100€
          - 04/04/2014    60€
          - 06/05/2014    95€
          - 20/05/2014  340€
          - 17/07/2014  160€
          - 10/10/2014    70€
          - 24/10/20141.500€
          - 02/03/20151.700€
          - 03/03/20151.810€
          - 31/03/2015   340€
          - 01/04/2015   250€
          - 06/04/2015   160€

58) Desde Agosto de 2013, os arguidos AA e DD realizaram os seguintes depósitos, em numerário, totalizando a quantia de €2.410,00, na conta nº. 1-24…., do BPI, titulada pelo arguido AA, cujos valores provinham da venda de estupefacientes a que o arguido AA se dedicava, o que era do conhecimento da arguida:

   DataValor
         - 12/08/2013285€
         14/08/2013         100€
          - 21/08/2013790€
          - 03/09/2013585€
          - 02/10/2013350€
          - 27/01/2014  40€
          28/01/2014                  - 12/02/2014120€          
140€

59) Desde setembro de 2013, a arguida DD realizou os seguintes depósitos, em numerário, totalizando a quantia de €5.600,00, na conta nº. 00002…, do Novo Banco, por si titulada, cujos montantes pecuniários provinham da venda de estupefacientes a que o arguido AA se dedicava, o que era do conhecimento da arguida:

   DataValor
         - 26/09/2013 140€
          - 13/10/2014 3000€
          - 24/10/2014 460€
          - 16/03/2015  1000€
          - 23/03/2015  1000€

60) Em Outubro de 2014, a arguida DD realizou dois depósitos, em numerário, sendo no dia 15 no valor de €2000,00 e no dia 24, no valor de €550,00, totalizando o valor de €2.550,00, na conta nº. 35…0 da Caixa Geral de Depósitos, por si titulada, cujos valores provinham da venda de estupefacientes a que o arguido AA se dedicava, o que era do conhecimento da arguida:

61) Entre as referidas contas bancárias, os arguidos AA e DD realizaram os seguintes movimentos bancários, totalizando €3.243,21 referentes a proveitos obtidos pelo arguido AA com a venda de estupefacientes, o que era do conhecimento da arguida:

                               

    Data Conta Origem Conta Destinatária Tipo de Operação

Valor
07.04.2014 conta nº

000023…

Novo Banco

DD

conta nº

0035…1

CGD

DD

Transferência 500€
21.10.2014 conta nº

000023…

Novo Banco

DD

conta nº

00089….

Novo Banco

AA

Transferência 300€
23.10.2014 conta nº

000023…

Novo Banco

DD

conta nº

00089….

Novo Banco

AA

Transferência 50€
23.10.2014 conta nº

0035…

CGD

DD

conta nº

000023…

Novo Banco

DD

 

Transferência 343,21€
23.12.2014 conta nº

000023…

Novo Banco

DD

conta nº

 0035…

CGD

DD

Transferência 400€
16.01.2015 conta nº

000023…

Novo Banco

DD

conta nº

00089….

Novo Banco

AA

Transferência 1.500€

19.01.2015 conta nº.

0035….

CGD

DD

conta nº

00089….

Novo Banco

AA

Transferência 1.500€

62) Os arguidos AA e DD decidiram conjuntamente e realizaram as seguintes aplicações financeiras a partir das referidas contas bancárias, utilizando valores provindos da venda de estupefacientes:

- Em Junho de 2013, associado à conta nº 00089… do Novo Banco titulada pelo arguido AA, subscreveram Fundos de Investimento com o dossier nº 60…, cujo valor inicial era 782,20€ e reforçaram-no todos os meses até atingir, em 06.05.2015, o valor de 1.503,10€. Este produto financeiro encontra-se arrestado à ordem dos presentes autos, com 217,29 unidades de participação.

- Em Janeiro de 2014 criaram uma conta poupança programada a três anos associada à conta nº 00089… do Novo Banco titulada pelo arguido AA (contrato nº 10…8), que foram reforçando todos os meses, tendo em 07/4/2015, o valor de 102,93€.

- A arguida DD era titular de uma conta poupança programada a cinco anos associada à conta nº 000023… do Novo Banco titulada pela própria (contrato nº 10…6), que foram reforçando todos os meses, tendo, em 24.04.2015, o valor de 1.674,43€. Este produto financeiro encontra-se arrestado à ordem dos autos, com o valor de 1.369,43€.

Criaram e reforçaram a conta de instrumentos financeiros nº 87…0 domiciliada no BPI, titulada pelo arguido AA.

63) Os arguidos AA e DD investiram quantias provenientes da atividade de venda de estupefacientes a terceiros a que o arguido se dedicava, o que era do conhecimento da arguida DD, em produtos financeiros que lhes renderam juros, para além de utilizarem também montantes provenientes dessa atividade nas despesas do dia-a-dia.

64) Os arguidos AA, EE, FF, HH, II e JJ, conheciam as características estupefacientes dos produtos cuja aquisição, venda, entrega e/ou cedência efetuaram a terceiros e, no caso dos arguidos AA e FF, também dos produtos que detinham e que lhes foram apreendidos, sabendo que os não podiam adquirir, deter, vender ou, por qualquer forma, ceder a outrem, por a tal não estarem autorizados, e, não obstante, quiseram agir da forma descrita, retirando lucros da atividade desenvolvida.

65) O arguido EE, durante o período de tempo em que se dedicou à venda de estupefacientes, por conta do arguido AA, atuou em comunhão de intenções e conjugação de esforços com este.  

66) Os arguidos AA e DD tinham perfeito conhecimento de que as quantias monetárias a cujo depósito procederam em contas da titularidade da arguida DD, algumas das quais foram depois, transferidas para contas da titularidade do arguido AA, bem como os montantes que aplicaram em produtos financeiros, eram provenientes da atividade de venda de estupefacientes a terceiros, a que o mesmo arguido se dedicava.

67) Tinham ainda os arguidos AA e DD perfeita consciência de que através do recurso a tal procedimento estavam a dissimular a origem ilícita das quantias monetárias em causa, já que, desenvolvendo a arguida DD profissão remunerada, não era aparente que o dinheiro tivesse sido obtido pela prática de crime.

68) Os arguidos AA, DD, EE, FF, HH, II e JJ atuaram sempre deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas respetivas condutas eram proibidas e punidas por lei.


*

69) Os arguidos EE, FF, GG, HH, JJ e II, nasceram em … e têm nacionalidade ….

70) Os arguidos identificados em 69), vivem em território nacional, sendo:

- O arguido GG desde Outubro de 1988;

- O arguido II desde 1996;

- O arguido HH desde 2000;

- O arguido EE desde 2004;

- O arguido FF desde 2008; e

- o arguido JJ desde Agosto de 2013.

71) Os arguidos FF, GG, HH, JJ e II encontram-se em situação irregular, não possuindo qualquer visto válido que lhes permita permanecer ou residir em território português.

72) Nenhum dos arguidos EE, FF, HH, JJ e II tinha à data da prática dos factos e àquela em que foram detidos, ocupação profissional remunerada que lhes permitisse assegurar a sua subsistência.

73) Os arguidos FF e JJnão têm filhos menores, em território nacional.

74) E os arguidos HH e II, embora tendo filhos menores, em território nacional, não contribuíam para o respetivo sustento.

 

Factos atinentes às condições pessoais dos arguidos:

Relativamente ao arguido AA:

75) O arguido AA, natural de … é o sétimo de uma fratria de 10 filhos do casal de progenitores. O pai era emigrado em …, encontrando-se naquele país por altura do seu nascimento e a sua mãe viajou para o mesmo país juntando-se ao progenitor do arguido, quando este tinha 10 anos de idade. Por essa altura, o arguido e três dos seus irmãos ficaram aos cuidados dos seus avós maternos, vendo os pais quando estes iam de férias a ….

76) Nesse sentido, o processo de socialização de AA decorreu integrado no agregado familiar dos avós maternos, referindo que o avô faleceu quando tinha 15 anos de idade e a sua avó em 2011. Verbaliza que teve uma infância tranquila com os avós e que não havia problemas económicos.

77) Ingressou na escola primária, em idade regular, tendo concluído o 4º ano de escolaridade. Abandonou os estudos, aos 15 anos de idade, motivado, segundo o que refere, pela distância que separava a residência da escola, visto que tinha de se deslocar em transportes públicos e o irmão mais velho, que à data era o responsável por gerir as economias do agregado, não lhe garantia essas deslocações.

78) Iniciou funções laborais aos 19 anos de idade, como motorista, e o vencimento auferido era para seu proveito, sendo os avós a assegurar a alimentação e habitação. Ainda em … trabalhou como pedreiro de construção civil.

79) Em 2001, o arguido veio para Portugal, a fim de se encontrar com uma irmã e um irmão que já se encontravam no país, a residir e a trabalhar, ficando a habitar com os mesmos. Posteriormente, em 2003 foi para …, tendo os seus dois irmãos seguido o mesmo caminho. Cerca de 3 anos depois, regressou a Portugal. Encontra-se atualmente em situação regular em Portugal, com Cartão de Cidadão Nacional, válido.

80) A nível relacional/afetivo, o arguido AA teve em … uma relação da qual nasceram 3 filhos, atualmente com 16, 14 e 8 anos de idade. Em Portugal manteve uma relação amorosa/afetiva, iniciada em 2005, com VVV, com a qual tem 3 filhos, atualmente com 10, 6 e 1 anos de idade, respetivamente. No entanto, há cerca de 7 anos relacionou-se afetivamente com a arguida DD, resultando no nascimento de mais um filho, com 6 anos de idade.

81) À data dos factos o arguido AA estava a residir em S…, no entanto, a sua residência habitual é em Casal … – A…. Trata-se de uma habitação camarária cuja proprietária é uma tia.

82) O arguido mantinha contato com os filhos, colaborando no seu processo educativo e, pelo menos, em relação àqueles que vivem em Portugal, ajudando, monetariamente, quando lhe era possível, no sustento dos mesmos.

83) Na época a que se reportam os factos em causa nos autos, o arguido encontrava-se desempregado, deslocando-se, em alguns períodos a …, designadamente, quando o irmão lhe arranjava algum trabalho, na construção civil.

84) O recluso encontra-se preso preventivamente, no Estabelecimento Prisional de … desde 14.04.2015, à ordem do presente processo.

85) Em meio prisional o arguido encontra-se inserido na Educação e Formação de Adultos na turma EFA B2 e Oficina de Artes, pautando por uma postura de empenho e assiduidade, apresentando um comportamento normativo.

86) O arguido recebe regularmente vistas de VVV (ex-companheira), de quatro dos seus filhos e de alguns amigos, que mantêm o apoio e acompanhamento ao mesmo.

No que tange à arguida DD:

87) Nascida em …, a arguida é a mais nova de seis filhos de um casal de condição socioeconómica baixa, três dos quais falecidos. Tem ainda cinco irmãos consanguíneos, frutos de uma relação anterior do pai. Em virtude deste ter emigrado para Portugal antes do seu nascimento, o processo de desenvolvimento da arguida decorreu num agregado monoparental, que se caracterizou pela afetividade e coesão, em que a progenitora se preocupava em transmitir valores morais e pro-sociais.

88) Em termos económicos, a subsistência era assegurada pelos proveitos do trabalho rural que todos os elementos do agregado protagonizavam, aliados aos valores pecuniários enviados pelo progenitor (entretanto falecido) e irmãos mais velhos, todos emigrados.

89) A arguida realizou um percurso escolar regular até ao 6º ano, momento em que sofreu uma reprovação, devido a falta de empenho, situação que alega ter vivenciado com angústia. Neste sentido, sentiu-se motivada a ter sucesso escolar, pelo que concluiu o 12º ano com 19 anos, sem outros registos anómalos. Com essa idade, obteve colocação laboral como operadora de loja num supermercado, tendo exercido funções durante cerca de três anos, findos os quais se demitiu para realizar um curso de informática, que concluiu com sucesso.

90) Com 23 anos, a arguida, apoiada e incentivada pela progenitora, decidiu emigrar para Portugal com o intuito de prosseguir os estudos, tendo integrado o curso superior de Gestão Turística e Cultural no Instituto Politécnico de …, que veio a concluir aos 28 anos.

91) Em termos afetivos, a arguida destaca uma relação amorosa de quatro anos (em …) e a relação estabelecida com o coarguido, AA, a qual resultou no nascimento do seu filho, atualmente com seis anos, não tendo o casal chegado a coabitar.

92) Em termos económicos, a arguida beneficiou, desde sempre, do apoio da família de origem, nomeadamente de duas irmãs, residentes em …, que lhe têm prestado todo o suporte financeiro necessário para a sua subsistência, desde o falecimento da progenitora, em 2009.

93) O percurso laboral da arguida, em Portugal, ficou comprometido pelo facto de apenas deter visto de residência de estudante. Neste sentido, só no final de 2011 conseguiu uma colocação laboral em unidade hospitalar, o que permitiu que conseguisse regularizar a sua situação e obter nacionalidade portuguesa.

94) À data dos factos referenciados nos autos, o quotidiano da arguida centrava-se na gestão das responsabilidades educativas do filho e na atividade laboral que desenvolvia, na área do “empratamento” (embalagem de bens alimentares), no Hospital de …, auferindo cerca de €500,00 mensais. A arguida residia com o filho numa casa de arrendamento social, em nome de um primo emigrado, em A…, sita na Alta de Lisboa, beneficiando do apoio financeiro das irmãs, emigradas em …. Ocasionalmente, a arguida adquiria alguns bens, designadamente, peças de vestuário em Portugal, que se encontrassem em promoção e enviava os mesmos para … para ali serem vendidos.

95) Alguns meses antes de a arguida e o arguido AA serem detidos no âmbito do presente processo, o casal tinha iniciado diligências para aquisição de uma casa, com vista a estabelecer uma relação conjugal, situação que ainda não se tinha concretizado à data da sua detenção.

96) Na sequência da aplicação da medida de coação de OPHVE, em 11/06/2015, e após um período inicial em que integrou o agregado das primas, na perspetiva de vir a obter uma colação laboral na área de residência dessas familiares, a arguida foi acolhida pelos tios maternos, que, juntamente com as irmãs, lhe têm prestado todo o suporte necessário à sua subsistência, bem como à do filho.

97) Ainda que os tios da arguida se distanciem da atual situação jurídico-penal da arguida, manifestam-se disponíveis para apoia-la incondicionalmente.

98) No dia 29/04/2016 foi revogada a medida de coação de OPHVE a que a arguida se encontrava sujeita, perspetivando a mesma voltar a trabalhar, noutro hospital.

No atinente ao arguido EE

99) a  113) 

No tocante ao arguido FF:

114) a 126)

Em relação ao arguido GG:

127) a 141)

Relativamente ao arguido HH:

142) a 167)

Relativamente ao arguido II:

168) a 192)

No que concerne ao arguido JJ:

193) a 205)

Quanto ao arguido KK:

206) a 216)


*

Condenações penais:

217) Os arguidos AA, DD e FF não registam quaisquer condenações penais.

218) O arguido EE regista as seguintes condenações: (…);

219) O arguido GG foi condenado por (…);

220) O arguido ... regista as seguintes condenações: (…);

221) O arguido ... regista as seguintes condenações: (…);

222) O arguido ... foi condenado por (…);

223) O arguido KK foi condenado por (…);


  *

224) O arguido AA confessou os factos na sua materialidade, no referente à atividade de venda de estupefacientes a terceiros a que se vinha dedicando desde 2007 até à data da sua detenção à ordem dos presentes autos.


*****

Apreciando. Fundamentação de direito.

Questão Prévia

Recorribilidade – Recurso directo

Da definição da competência para cognição do recurso.

Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça na apreciação de acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo, no que respeita às penas parcelares aplicadas, em medida igual ou inferior a 5 anos de prisão, suposta medida superior em pena(s) parcelar(es) e/ou pena única.

Analisando.

Da definição da competência para cognição do recurso.

    

Como se viu, o recurso interposto do acórdão do Colectivo da Secção Criminal da Instância Central da Comarca de … – Juiz 2, foi incorrectamente dirigido pelo recorrente ao Tribunal da Relação de …, para onde foi encaminhado, após admissão do recurso, a fls. 4183, que não deu sinal em sentido contrário, e depois de outros dois despachos a ordenarem a remessa ao Tribunal da Relação de …, a fls. 4249 e 4260, sendo que o Ministério Público na Comarca dirigiu a resposta aos Venerandos Desembargadores (fls. 4231), tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta na Relação, no pressuposto de assumida competência, defendido merecer o recurso parcial provimento, a que se seguiu o cumprimento do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, vindo o Exmo. Desembargador a quem foi o processo distribuído, após um primeiro despacho intercalar proferido em 11-10-2016, relativo a envio de suportes informáticos da motivação do recurso, então em falta - fls. 4275, a proferir em 15-11-2016 decisão (fls. 4279-4280), onde de forma fundamentada declara a incompetência da Relação para conhecer do recurso, sendo ordenada a remessa dos autos para este Supremo Tribunal de Justiça, por ser o competente para apreciar o recurso.

Esta opção do recorrente e posterior adesão determinaram a produção de processado anómalo, no caso, não tributado, e demoras de evitar, sendo que, datando o despacho de admissão do recurso de 14-07-2016, o processo foi dirigido para o Tribunal da Relação de … em 25-08-2016, tendo chegado ao Tribunal da Relação no dia 30 seguinte, onde foi distribuído, sendo expedido para este Supremo Tribunal de Justiça em 23-11-2016, aqui chegando em 6-12-2016, o que significa perda de tempo escusado em processo de arguido preso preventivamente desde 14-04-2015, para além de dar causa a encargos extra, perfeitamente dispensáveis, dando azo a outras consequências, como conduzir a distribuições nas Relações causadoras de desequilíbrios, pois a quem couber em sorte um processo nestas condições pode dar baixa do mesmo com ligeira decisão sumária ou despacho ao correr da pena.

Dir-se-á que, infelizmente, não é caso único. Longe disso. Casos há em que a indevida circulação ocupa dois ou três meses.

Poder-se-ia ter evitado o trilho percorrido pelos autos no qual foram gastos mais de três meses, tendo em conta a data da indevida remessa para o Tribunal da Relação de …a – 25 de Agosto de 2016 – e a entrada neste Supremo Tribunal de Justiça – 6 de Dezembro de 2016.

O problema criado foi resolvido, mas porque não é raro tal acontecer, há que tomar posição expressa, até porque o Tribunal da Relação, em casos como o presente, estando em causa pena única fixada em acórdão cumulatório superior a oito anos de prisão, apreciou mesmo o recurso, quando não tinha competência material no caso concreto, o que ocorreu por duas vezes, como se verá infra.

     

Nesta abordagem, temos de partir do seguinte quadro:

Está em causa um acórdão final proferido por um tribunal colectivo.

A pena única aplicada foi a de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, sendo de 7 (sete) anos de prisão uma das três penas parcelares aplicadas ao recorrente.

O recorrente visa apenas o reexame de questão de direito, tão só questionando a medida das penas parcelares e da pena única, que pretende ver reduzidas.

Vejamos.

Com a epígrafe Recurso para a relação estabelece o artigo 427.º do Código de Processo Penal:

 “Exceptuados os casos em que há recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe-se para a relação”.

É admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça nos casos contemplados no artigo 432.º do Código de Processo Penal, sem prejuízo de outros casos que a lei especialmente preveja, como explicita o artigo 433.º do mesmo diploma legal.

Com a entrada em vigor, em 15 de Setembro de 2007, da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, foi modificada a competência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de recursos de acórdãos finais proferidos por tribunal colectivo e de júri.

Com a reforma do Código de Processo Penal de 2007 o regime de recursos foi modificado em dois pontos: a propósito da recorribilidade, a nível de graus de recurso, e por outro, a definição do tribunal competente para apreciar o recurso directo de acórdão final do Tribunal Colectivo ou do Tribunal do júri, aqui face à transferência de competência do Supremo Tribunal de Justiça para a Relação, quando presentes penas de prisão iguais ou inferiores a cinco anos, atenta a nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP.

No que respeita às questões suscitadas com a transferência de competência nos casos de recurso directo e face à nova redacção da alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP, foi entendido que o direito ao recurso rege-se pela lei vigente à data em que a decisão é proferida, aplicando-se o novo regime nos recursos directos de decisões proferidas depois de 15-09-2007.

Estando em causa recurso de acórdão final proferido por tribunal colectivo, visando apenas o reexame da matéria de direito, foi questão controvertida a de saber se cabia ao interessado a opção de interposição do recurso para o Tribunal da Relação ou directamente para o Supremo Tribunal de Justiça. Por outras palavras, colocava-se a questão de saber se ficava na disponibilidade do recorrente interpor recurso prévio para o Tribunal da Relação.

Relativamente a esta questão, que no domínio do regime anterior à reforma do Verão de 2007 era controversa (estabelecia então o artigo 432.º, alínea d), do CPP, que se recorria para o STJ «De acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito»), foi fixada jurisprudência no acórdão uniformizador de 14 de Março de 2007 – Acórdão n.º 8/2007, proferido no processo n.º 2792/06 da 5.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série, n.º 107, de 4 de Junho de 2007 – que, com um voto de vencido, fixou a seguinte jurisprudência:

«Do disposto nos artigos 427.º e 432.º, alínea d), do Código de Processo Penal, este último na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, decorre que os recursos dos acórdãos finais do tribunal colectivo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito devem ser interpostos directamente para o Supremo Tribunal de Justiça».

Abordando esta questão a nível de direito intertemporal, por o acórdão recorrido no caso então em apreciação datar de 13 de Dezembro de 2006 (o arguido fora julgado na ausência, declarado contumaz em 18-05-2009 e notificado do acórdão condenatório em 30-01-2014, quando se encontrava preso) e o recorrente ter optado por dirigir o recurso ao Tribunal da Relação de …, não obstante a dimensão da pena única – 8 anos e 6 meses de prisão – pode ver-se o acórdão de 15 de Outubro de 2014, por nós proferido no processo n.º 79/14.8YFLSB.S1-3.ª, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191 a 199. (Esta numeração não respeita o número do processo, como facilmente se retira da data do acórdão recorrido, o qual foi proferido no processo comum colectivo n.º 15/03.7GJCTB, do então 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de …).

Actualmente dúvidas não se colocam, face à alteração introduzida na redacção do artigo 432.º do CPP pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que operou a 15.ª alteração do CPP, entrada em vigor em 15 de Setembro de 2007 (preceito inalterado nas subsequentes modificações do Código de Processo Penal, operadas pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, pela Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 115/09, de 12 de Outubro, pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto, pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, pela Lei Orgânica n.º 2/2014, de 6 de Agosto, pela Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril, pela Lei n.º 58/2015, de 23 de Junho, pela Lei n.º 130/2015, de 4 de Setembro, que procedeu à 23.ª alteração ao CPP e aprovou o Estatuto da Vítima e pela Lei n.º 1/2016, de 25 de Fevereiro - 25.ª alteração ao Código de Processo Penal).

O artigo 432.º do Código de Processo Penal, com a epígrafe “Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” passou a estabelecer:

«1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito».

Estabelece o n.º 2 do mesmo preceito, introduzido na revisão de 2007:

«2 – Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a Relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º».

Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 107, de 04-06-2007.   

Sobre o ponto pode ver-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 4.ª edição, Abril de 2011, pág. 1186, nota 5, onde refere:

“Os acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo admitiam, desde a Lei n.º 59/98, de 25.8, recurso para o TR e para o STJ, sendo o recurso interposto directamente para o STJ quando visasse exclusivamente o reexame da matéria de direito, isto é, não sendo admissível nesse caso recurso prévio para o TR. Esta opinião, que fez vencimento no acórdão de fixação de jurisprudência do STJ n.º 8/2007, fica agora consagrada pela Lei n.º 48/2007, no artigo 432.º, n.º 2”.

Pereira Madeira, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, a págs. 1528/9, em comentário ao artigo 432.º, afirma, na nota 4: “o n.º 2 eliminou a dúvida (…) sobre a eventual possibilidade de opção entre um e outro dos tribunais de recurso. O recurso segue, nesse caso [restrito a matéria de direito e pena aplicada superior a 5 anos de prisão], directo para o Supremo”.

No Código de Processo Penal Comentado, 2.ª edição revista, Almedina, 2016, igualmente na nota 4, pág. 1407, afirma: “Quando o recurso se cinja à matéria de direito e a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão, embora a relação tenha competência para o seu conhecimento quando o recurso seja também de facto, o n.º 2 eliminou a dúvida de que se falou anteriormente sobre a eventual possibilidade de opção entre um e outro dos tribunais de recurso. O recurso segue, nesse caso, directo para o Supremo”.

A partir da revisão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que o recorrente tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.

Assim foi decidido nos acórdãos de 04-12-2008, de 4-11-2009 (dois), de 23-02-2011, de 31-03-2011, de 15-12-2011, de 30-05-2012, de 17-04-2013, de 22-05-2013, de 5-06-2013, de 15-10-2014, de 3-06-2015, de 09-09-2015, de 28-04-2016, de 07-07-2016 (dois), de 7-09-2016, de 16-11-2016, de 30-11-2016, de 7-12-2016, de 14-12-2016, de 4-01-2017, nos processos n.º 2507/08, n.º 97/06.0JRLSB.S1 e n.º 619/07.9PARGR.L1.S1, n.º 250/10.1PDAMA.S1, n.º 169/09.9SYLSB.S1, n.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1, n.º 21/10.5GATVR.E1.S1, n.º 237/11.7JASTB.L1.S1, n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, n.º 7/11.2GAADV.E1.S1, in CJSTJ 2013, tomo 2, págs. 210 a 225, n.º 79/14.0JAFAR.S1, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191/9, n.º 336/09.5GGSTB.E1.S1, n.º 2361/09.7PAPTM.E1.S1, n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1, n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1 e n.º 541/09.4PDLRS.-A.L1.S1, n.º 232/14.4JABRG.P1.S1, n.º 747/10.3GAVNG-B. P1.S1, n.º 804/08.6PCCSC.L1.S1, n.º 137/08.8SWLSB-H.L1.S1, n.º 952/14.3PHLRS.L1.S1, n.º 6547/06.8SWLSB-H.L1.S1, todos por nós relatados.

No acórdão de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, consta: “No presente recurso cabe apreciar apenas a confecção da decisão cumulatória, a sua validade, a sua suficiente ou insuficiente fundamentação de facto e ausência de exame crítico do conjunto das condutas e ainda a dimensão da pena única aplicada, estando em causa apenas a pena de síntese aplicada em função do concurso de crimes e não as penas parcelares, cujo conhecimento não é possível em caso de cúmulo por conhecimento superveniente, como é o caso, em que as decisões que fixaram tais penas transitaram em julgado, sendo definitivas. 

Objecto do recurso é apenas a pena conjunta e apenas à respectiva dimensão se deve atender para definir a competência.

O processo foi remetido directamente a este Supremo Tribunal e não como promovido fora enviado ao tribunal de 1.ª instância para que este, por sua vez, o encaminhasse para este STJ. (…)

Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do recurso interposto pelo arguido”.

No acórdão de 3-06-2015, processo n.º 336/14.3T2SNT.E1.S1,foi afirmado: “No caso presente objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta e apenas à respectiva dimensão se deve atender para definir a competência, pelo que cabe ao STJ conhecer o recurso”.

No acórdão de 9-07-2015, proferido no processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1 e no acórdão de 4-11-2015, por nós igualmente relatado no processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, foram versados, respectivamente, acórdão do Tribunal da Relação de … e acórdão do Tribunal da Relação de …, que haviam conhecido de recursos em que tinham sido fixadas penas únicas de 8 anos e 6 meses de prisão no primeiro caso e de 11 anos de prisão, no segundo, negando provimento num e noutro caso, tendo sido ambos anulados, por verificação de nulidade insanável, nos termos dos artigos 119.º, alínea e) e 122.º, n.º 1 e 2, do CPP, atenta a incompetência material do Tribunal da Relação, após o que se conheceu dos recursos.                   

Como se referiu no acórdão de 4-11-2015, processo n.º 303/08.6GABNV-B.E1.S1, “No caso presente, objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, e a essa dimensão se deve atender para definir a competência, pelo que, estando em equação uma deliberação de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita a medida da pena), cabia ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.

Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do primeiro recurso interposto pelo arguido”.

Como se disse no acórdão de 28-04-2016, processo n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1: “Pese embora a clareza da lei, a verdade é que são vários os casos em que, estando em causa acórdãos finais de tribunal colectivo, aplicando pena de prisão superior a 5 anos e visando o recurso exclusivamente matéria de direito, os recursos, como no caso presente, são dirigidos ao Tribunal da Relação, com todas as conhecidas nefastas consequências”. 

No acórdão de 7-07-2016, processo n.º 23/14.2GBLSB.L1.S1, consta: “Esta solução legislativa, com o aditamento do n.º 2 do artigo 432.º, veio ao encontro da solução jurisprudencial traçada no referido acórdão de uniformização de jurisprudência de 14 de Março de 2007 (Acórdão n.º 8/2007), publicado no Diário da República, I.ª Série, n.º 107, de 04-06-2007.   

A partir da revisão de 2007, e em função do estabelecido no n.º 2 do citado preceito, ficou clara a obrigatoriedade do recurso per saltum, desde que se tenha em vista a reapreciação de pena aplicada em medida superior a cinco anos de prisão e que o impugnante vise exclusivamente a reapreciação da matéria de direito.

Sendo assim, a recorrente dirigiu correctamente o recurso a este Supremo Tribunal, contribuindo a remessa para a Relação apenas para o atraso do andamento do processo e a despesas evitáveis”.

E no acórdão de 7-07-2016, processo n.º 541/09.4PDLRS.-A.L1.S1: “No caso presente, objecto do recurso é uma decisão cumulatória, estando em causa a aplicação de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão – 18 anos de prisão – e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita a medida da pena), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.

Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do presente recurso”.

No mesmo sentido se pronunciou o acórdão de 06-10-2011, processo n.º 550/10.0GEGMR.G1.S1, da 5.ª Secção, em caso em que se discutia somente a medida das penas, parcelares e única, ponderando que o critério definidor da competência do STJ é a gravidade da pena única, independentemente da gravidade de cada uma daquelas a partir da qual é formada.

Do mesmo modo o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 714/12.2JABRG.S1, igualmente da 5.ª Secção, onde se conclui “assim, quando a pena é superior a 5 anos (pena de um só crime ou pena única de um concurso de crimes, independentemente das penas parcelares) e o recurso é só de direito, este necessariamente tem que ir para o STJ, pois não pode haver recurso prévio exclusivamente de direito para a Relação”.

Revertendo ao caso concreto

  

No caso presente, objecto do recurso é um acórdão condenatório, estando em causa, para além do mais, a aplicação de pena única superior a 5 anos de prisão – concretamente 8 anos e 6 meses de prisão – sendo de 7 anos de prisão uma das penas parcelares e a essa dimensão se deve atender para definir a competência material, pelo que, estando em equação uma deliberação final de um tribunal colectivo, visando o recurso apenas reexame de matéria de direito (circunscrita à discussão da pretendida redução da medida das penas parcelares e da pena conjunta), cabe ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer o recurso.

Conclui-se assim ser o Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer do presente recurso.

Poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça na apreciação de acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo, no que respeita às penas parcelares aplicadas em medida igual ou inferior a 5 anos de prisão, suposta medida superior em pena(s) parcelar(es) e/ou na pena única.

No caso em apreciação foram fixadas as penas parcelares de 7, 3 e 2 anos de prisão e a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão.

Como o recorrente não cinge o recurso à medida da pena única, há que ter em consideração as penas parcelares aplicadas, que no caso concreto, vão de dois a sete anos de prisão, sendo duas das penas aplicadas inferiores a 5 anos de prisão.

Conexionada com a anterior coloca-se a questão de saber se dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo apenas é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, visando exclusivamente o reexame de direito, desde que tenha sido aplicada pena de prisão superior a 5 anos.

No caso concreto, a apreciação do Supremo Tribunal de Justiça incidirá apenas na medida da pena única e da pena parcelar aplicada pelo tráfico, fixadas em medida superior a 5 anos de prisão, ou abrangerá também a apreciação das outras duas penas parcelares aplicadas pelos crimes de branqueamento e de resistência e coacção sobre funcionário, ambas inferiores ao patamar de recorribilidade?

A resposta é que o STJ conhece de todas as penas.

Nestes casos o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para conhecer das questões colocadas relativamente aos crimes punidos com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão, sendo tal posição correspondente ao que é assumido em termos largamente maioritários em ambas as Secções Criminais deste Supremo Tribunal de Justiça.

O que se discute neste plano é a questão de saber se em situação em que um arguido tenha sido condenado numa mesma decisão em várias penas de prisão, todas elas, ou algumas, em medidas iguais ou inferiores a 5 anos, e apenas alguma ou algumas daquelas e a pena única ultrapassando aquele limite, o Supremo Tribunal, sabido que terá óbvia competência para conhecer de penas parcelares superiores a 5 anos de prisão, bem como da pena conjunta com tal conformação, tem ou não competência para apreciar também as penas parcelares, mesmo que aplicadas em medida inferior àquele patamar, erigido em condição de recorribilidade/cognoscibilidade em sede de recurso.

Numa orientação que colheu numa fase inicial defensores em ambas as Secções Criminais deste Supremo Tribunal, foi defendido que, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, condenado o arguido por vários crimes, o recurso para o STJ ficava limitado aos crimes punidos com pena de prisão superior a 5 anos, ou então, cingir-se-ia à pena única, caso esta ultrapassasse o referido limite de 5 anos de prisão.  

 

De acordo com tal orientação as penas parcelares englobadas numa pena conjunta só podiam ser objecto de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, desde que aplicadas em medida superior a 5 anos de prisão.

Neste sentido podem ver-se os acórdãos de 26-03-2008, proferido no processo n.º 444/08 (defendendo que face à redacção do artigo 432.º, alínea c), do CPP, dada pela reforma de 2007, apenas a pena conjunta seria susceptível de apreciação pelo STJ, procedendo, no entanto, no caso concreto, à sindicância das penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão, por a redacção anterior do artigo 432.º permitir objecto de recurso mais amplo); de 02-04-2008, proferido no processo n.º 415/08, in CJSTJ 2008, tomo 2, pág. 183 (conhecendo apenas do tráfico de estupefacientes, por que foi aplicada pena de 6 anos de prisão e da pena única de 7 anos, mas não do crime de detenção de arma proibida, por que foi aplicada a pena de 1 ano e 6 meses de prisão) e de 19-11-2008, no processo n.º 3776/08 (as penas parcelares englobadas numa pena conjunta só podem ser objecto de recurso para este STJ desde que superiores a 5 anos de prisão), todos da 3.ª Secção e do mesmo relator (mas, em sentido oposto, cfr. infra – acórdão de 4-11-2009); de 08-01-2009, no processo n.º 2153/08, da 5.ª Secção (as relações, com a nova reforma, conhecem também de recursos de decisões do tribunal colectivo ou de júri que visem exclusivamente matéria de direito, se as penas aplicadas em concreto não foram superiores a 5 anos de prisão, citando os acórdãos de 2-04-2008 e de 19-11-2008; da mesma forma, no acórdão de 15-07-2008, processo n.º 816/08-5.ª, do mesmo relator, mas com concreta aplicação da lei antiga); do mesmo relator, o acórdão de 7-05-2009, processo n.º 108/09-5.ª (citando o acórdão de 2-04-2008, processo n.º 415/08 da 3.ª Secção) e ainda do mesmo relator, o acórdão de 14-01-2010, processo n.º 548/06.3PTLSB.L1.S1-5.ª (Não sendo embora jurisprudência dominante, mas constituindo uma corrente significativa, tem-se entendido que, quando se impugnam as penas parcelares aplicadas pelo tribunal colectivo em 1.ª instância, o recurso é para a Relação, se tais penas não estiverem, elas próprias, nas condições exigidas pelo art. 432.º, al. c), do CPP, nomeadamente no que se refere ao seu quantum, ou seja, não tiverem sido fixadas em medida superior a 5 anos de prisão).

Ainda neste sentido se pronunciou o acórdão de 14-01-2010, com outro Relator no processo n.º 269/09.0GAMCD.P1.S1-5.ª Secção, in CJSTJ 2010, tomo 1, págs. 189/191, com o entendimento, então predominante na 5.ª Secção de que “tendo o recurso como objecto um concurso de crimes punidos com penas de prisão não superiores a 5 anos, mas cuja pena única seja de duração superior, se o recorrente puser em causa as penas parcelares a competência para conhecer do recurso em matéria de direito é da relação, podendo vir a ser interposto recurso para o Supremo do acórdão da 2.ª instância se a pena única for superior a 8 anos de prisão, ou a 5 anos e não se verificar situação de dupla conforme”. O acórdão afasta a aplicação do AUJ n.º 8/2007, de 14-03-2007, por serem diferentes os pressupostosdo caso em análise e demarca-se da posição do acórdão de 7-10-2009, processo n.º 611/07.3GFLLE da 3.ª Secção, que cita por duas vezes (pág. 190).

Neste mesmo sentido da atribuição de competência ao Tribunal da Relação, pronunciaram-se os acórdãos da 5.ª Secção e da mesma Exma. Relatora:

de 12-11-2009, no processo n.º 19/06.8JAFAR.S1, onde se pode ler: “Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, a recorribilidade, per saltum, para o STJ, dos acórdãos finais do tribunal do júri ou do tribunal colectivo é determinada pela pena concreta de prisão aplicada (superior a 5 anos), pelo que, se a pena aplicada for igual ou inferior a 5 anos, e mesmo que o recurso seja interposto de acórdão final do tribunal colectivo e verse exclusivamente matéria de direito, a competência para conhecer do recurso é da Relação, segundo a regra geral contida no art. 427.º do CPP.

Quando, num acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo seja aplicada mais do que uma pena de prisão, sendo uma (ou mais do que uma) delas, de medida igual ou inferior a 5 anos e sendo uma (ou mais do que uma) delas, e tanto pena parcelar como pena única, de medida superior a 5 anos de prisão, levanta-se a questão de saber qual é o tribunal competente para conhecer do recurso que vise exclusivamente o reexame de matéria de direito.

A questão tem sido decidida uniformemente, nesta 5.ª Secção Criminal, no sentido de que, nesses casos, a competência do STJ é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior (es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão” (sublinhado nosso);

de 26-11-2009, proferido no processo n.º 1387/08.8JDLSB.L1.S1, este com voto de vencido do Exmo. Adjunto do anterior;

de 27-01-2010, no processo n.º 293/08.5GAVLG.P1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, págs. 206/9, citando o acórdão de 2-04-2008, proferido no processo n.º 415/08-3.ª “A questão tem sido decidida, maioritariamente, (sublinhado nosso) nesta 5.ª Secção Criminal, no sentido de que, nesses casos, a competência do STJ é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior (es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão”.(Com concordância do Exmo. Adjunto com a decisão de incompetência do STJ, mas apenas pelo 1.º fundamento);

 de 14-07-2010, proferido no processo n.º 270/09.9JAFAR.E1.S1, da mesma Relatora e com voto de vencido, pode ler-se: “Após as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, a recorribilidade, per saltum, para o STJ, dos acórdãos finais do tribunal de júri ou do tribunal colectivo é determinada pela pena concreta de prisão aplicada (superior a 5 anos), pelo que, se a pena aplicada for igual ou inferior a 5 anos, e mesmo que o recurso seja interposto de acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo e verse exclusivamente matéria de direito, a competência para conhecer do recurso é da Relação.

Quando, num acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo seja aplicada mais do que uma pena de prisão, sendo uma (ou mais do que uma) delas, de medida igual ou inferior a 5 anos e sendo uma (ou mais do que uma) delas, e tanto pena parcelar como pena única, de medida superior a 5 anos de prisão, levanta-se a questão de saber qual é o tribunal competente para conhecer do recurso que vise exclusivamente o reexame de matéria de direito”.

E repristinando texto do acórdão de 27-01-2010 já citado “A questão tem sido decidida, maioritariamente, nesta 5.ª Secção Criminal, no sentido de que, nesses casos, a competência do STJ é restrita às questões de direito relacionadas com o crime por que foi aplicada a pena (ou penas) superior (es) a 5 anos de prisão e à pena única, também ela superior a 5 anos de prisão”;

de 21-09-2011, proferido no processo n.º 7406/04.4TDPRT.P1.S1, sendo aqui Relatora por vencimento, com voto de vencido de outro Adjunto, publicado na CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 183, constando do sumário: “É ao tribunal da Relação que compete conhecer o recurso da decisão que aplica penas de prisão inferiores a cinco anos, ainda que, no cúmulo, a pena única seja superior a cinco anos”, reproduzindo-se como consta do texto, no essencial, a fundamentação dos acórdãos relatados pela Relatora, de 25-03-2010, processo n.º 70/09.6JAPRT.P1.S1 (aqui repetindo o constante do acórdão de 27-01-2010, com voto de vencido), de 14-07-2010, processo n.º 270/09.9JAFAR.E1.S1, já citado, de 16-09-2010, processo n.º 971/06.3GBLLE.S1 (neste repetindo o constante dos acórdãos de 27-01-2010 e de 14-07-2010, com voto de vencido do mesmo Adjunto), e de 21-10-2010, processo n.º 39/09.0PJSNT.S1 (nas mesmas condições e com o mesmo voto de vencido), bem como das decisões sumárias da mesma Relatora de 11-11-2010, de 17-11-2010 e de 15-04-2011, proferidas nos processos n.º 415/05.8GTCSC.S1, 367/09.5GFVFX.S1 e 33/10.9GDSNT.S1.

Consta da declaração de desempate proferida pelo Presidente da Secção: “O STJ só seria hierarquicamente competente para julgar o recurso se este se tivesse limitado à pena única - superior a 5 anos de prisão - decorrente das penas parcelares emergentes da 1.ª instância”.

de 10-05-2012, proferido no processo n.º 356/10.7PBEVR.E1.S1, - igualmente Relatora por vencimento, com voto de vencido do Adjunto do anterior, publicado na CJSTJ 2012, tomo 2, pág. 191, reproduzindo-se como consta do texto, no essencial, a fundamentação dos acórdãos relatados pela Relatora, já mencionados no acórdão de 21-09-2011, que não é citado, mas aditando o acórdão de 5-01-2012, proferido no processo n.º 62/11.5JACBR.S1, onde se pode ler: “O STJ não é competente para conhecer do recurso interposto, na medida em que uma das questões postas no recurso se reporta a uma das penas parcelares, em que o recorrente foi condenado, de medida inferior a 5 anos de prisão”.

Tal aconteceu num recurso em que estavam em causa dois homicídios, punidos com as penas parcelares de 15 e 18 anos de prisão e um crime de detenção de arma proibida, punido com a pena de 2 anos de prisão.

No mesmo sentido o acórdão de 21-11-2012, processo n.º 256/11.3JDLSB.S1, da 5.ª Secção, com Relatora por vencimento, voto de vencido e desempate pelo Presidente da Secção.

(No acórdão de 14-10-2015, proferido no processo n.º 41/13.8GGVNG.S1, da 3.ª Secção, com vista a fixação de jurisprudência, foi reconhecido haver oposição de julgados entre esse acórdão recorrido e o acabado de citar acórdão de 21-11-2012, proferido no processo n.º 256/11.3JDLSB.S1, da 5.ª Secção, apontado como acórdão - fundamento).

 

Nesta orientação entende-se que se uma das penas de prisão aplicadas for igual ou inferior a 5 anos, em concurso com outras penas superiores a tal limite, igualmente ultrapassado na pena única, e mesmo que o recurso seja interposto de acórdão final do tribunal do júri ou do tribunal colectivo e verse exclusivamente matéria de direito, a competência para conhecer do recurso é do Tribunal da Relação.

Em sentido oposto, pronunciaram-se vários acórdãos.

Referir-se-á, desde logo, o acórdão de 17-09-2009, proferido no processo n.º 207/08.2GDGMR.S1, da 3.ª Secção [com um voto de vencido, considerando competente o Tribunal da Relação (cfr. infra – acórdão de 4-11-2009)], em que o arguido foi condenado pela prática de 10 crimes de roubo qualificado, um tentado e um simples, quatro crimes de furto simples, todos em co-autoria, e um de condução sem habilitação legal, e em que se diz “… não exigindo o legislador que as penas parcelares, por não distinguir, sejam superiores a 5 anos, o que reduziria de forma drástica o acesso ao STJ, bastando que no caso de pena conjunta, tida como referência na lei nova, como pressuposto de recorribilidade, se alcance tal patamar”.

E acrescenta: “Sempre que o arguido queira recorrer de forma directa, de acórdão condenatório de 1.ª instância, a pena concretamente aplicada em cúmulo exceda 5 anos - como é o caso vertente - e intente rediscutir a matéria de direito aplicada, só lhe resta interpor recurso para o STJ, face à clareza do texto legal, obediente à vontade do legislador da Proposta, não sendo visível qualquer imperfeição linguística de corrigir, passando a conhecer-se do recurso”.    

No acórdão de 07-10-2009, proferido no processo n.º 611/07.3GFLLE.S1-3.ª, (citado nos supra referidos acórdãos de 14 e de 27 de Janeiro de 2010 publicados na CJSTJ 2010, tomo 1, págs. 189 e 206), defende-se que o “alargamento” da competência do STJ à apreciação das penas parcelares não superiores a 5 anos de prisão nada tem de incongruente, pois se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida na questão mais geral da fixação da pena conjunta, a qual, nos termos do art. 77.º do CP, deve considerar globalmente os factos e a personalidade do agente. Interpreta-se a alínea c) do n.º 1 do artigo 432.º do CPP como atribuindo competência ao STJ para, em recurso de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, apreciar também as penas parcelares integrantes daquela pena conjunta não superiores a essa medida, quando elas sejam impugnadas.

Na mesma linha e do mesmo relator, o acórdão de 21-10-2009, proferido no processo n.º 33/08.9TAMRA.E1.S1, onde se pode ler: “Devendo o recurso ser dirigido ao Supremo, este não poderá deixar de ter competência para apreciar as penas inferiores a 5 anos de prisão, pois, de outra forma, seria sonegado ao recorrente o direito ao recurso da condenação relativamente a essas penas; a competência abrange a impugnação não só da pena conjunta como de todas as penas parcelares, ainda que inferiores àquela medida, assim se cumprindo o “desígnio” do legislador (celeridade e economia processual), sem prejuízo, antes pelo contrário, das garantias processuais”. 

Ainda do mesmo relator, o acórdão de 18-11-2009, proferido no processo n.º 280/04.2GALNH.L1.S1-3.ª, onde se refere que “sendo a pena única aplicada ao arguido superior a 5 anos de prisão, e visando o recurso apenas matéria de direito, o STJ tem exclusiva competência para apreciar essa pena e, por arrastamento, para conhecer as penas parcelares, se elas forem impugnadas, ainda que estas sejam inferiores a 5 anos”. 

No acórdão de 04-11-2009, proferido no processo n.º 137/07.5GDPTM.E1.S1, da 3.ª Secção, o respectivo Relator, “revendo posição assumida em relação à questão prévia”, maxime, nos três acórdãos de 2008 supra referidos, de 26 de Março, de 2 de Abril e de 19 de Novembro (processos n.º 444/08, 415/08 e 3776/08) e no voto de vencido no acórdão de 17-09-2009, no processo n.º 207/08.2GDGMR.S1 (cfr. supra), afirma que o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para o conhecimento das penas parcelares (não superiores a 5 anos de prisão), na medida em que se trata de questão exclusivamente de direito, compreendida na questão mais geral de fixação de pena conjunta, pronunciando-se no mesmo preciso sentido no subsequente acórdão de 18-11-2009, proferido no processo n.º 947/06.0GCALM.S1, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 228, convocando o acórdão de 7-10-2009, processo n.º 611/07.3GFLLE.S1 (em causa dois crimes de roubo agravado, um crime de burla informática e um crime de detenção ilegal de arma de defesa, punidos com 3 anos e 8 meses de prisão, por duas vezes, e 6 meses de prisão, por duas vezes e na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, defendendo-se que o STJ pode, e deve, proceder à sindicância de penas parcelares e da pena conjunta aplicada e abordando a questão da eventual consumpção do crime de burla informática pelo crime de roubo).

Neste sentido, podem ver-se ainda os acórdãos de 30-06-2010, processo n.º 99/09.4GGSNT.S1-3.ª (debitando sobre penas parcelares inferiores a 5 anos de prisão) e de 14-07-2010, processo n.º 364/09.0GESLV.E1.S1-3.ª (reduzindo penas parcelares).

 

Fora deste quadro, há que assinalar os vários casos de ampla apreciação, à luz da redacção da alínea d) do artigo 432.º do CPP na versão de 1998, por força do artigo 5.º do mesmo CPP, atendendo ao facto de a decisão recorrida ter sido proferida em data anterior a 15-09-2007, e fazendo aplicação da doutrina do AUJ n.º 8/2007, como ocorreu nos acórdãos de 12-09-2007, nos processos n.º 2587/07, n.º 2601/07, n.º 2583/07 (após passagem pelo TRL que se declarou incompetente e com invocação do AUJ n.º 8/2007) e ainda n.º 2702/07 (com invocação no tribunal recorrido do AUJ n.º 8/2007), de 19-09-2007, processo n.º 2806/07, de 3-10-2007, processo n.º 2576/07 (CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198), de 24-10-2007, processo n.º 3238/07, de 7-11-2007, processo n.º 3225/07, de 28-11-2007, processos n.º 3294/07 e n.º 3253/07, de 13-12-2007, processo n.º 3210/07 (com invocação do AUJ n.º 8/2007), de 19-12-2007, processo n.º 4275/07, com voto de vencido, de 9-01-2008, processo n.º 3485/07, de 6-02-2008, processo n.º 3991/07, de 20-02-2008, processo n.º 4639/07 (aqui convocando o AUJ n.º 8/2007) e de 10-07-2008, processo n.º 3490/07.

Como exemplos de concretizações da tese da ampla recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça e alargada competência cognitiva, atento já o disposto no actual artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, podem ver-se os seguintes acórdãos igualmente relatados pelo ora relator, em que foram apreciadas, para além do mais, as medidas das penas parcelares, iguais e inferiores a 5 anos de prisão, e questões conexas, conhecendo-se do recurso na sua globalidade.

No acórdão de 26-03-2008, proferido no processo n.º 4833/07, estando em causa as penas de 6 anos de prisão por homicídio qualificado tentado, três penas de 18 meses, duas por coacção grave e outra por detenção de arma proibida e pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, foi declarada a nulidade por falta de fundamentação quanto a reincidência.

No acórdão de 27-01-2009, proferido no processo n.º 3853/08, em caso de assaltos a táxis, estavam em causa penas aplicadas por roubo agravado e por roubo simples - penas de prisão de 5 anos por aquele, de 2 anos e 6 meses por este, e pena única de 6 anos, sendo conhecidas todas. 

No acórdão de 21-10-2009, proferido no processo n.º 360/08.5GEPTM, em causa, a prática pelo arguido, como reincidente, de dois crimes de furto qualificado, por que foram aplicadas as penas de 3 anos e de 3 anos e 6 meses de prisão, e de dois crimes de furto qualificado, na forma tentada, com as penas de 10 e de 20 meses de prisão, e sendo condenado na pena única de 6 anos de prisão, foram conhecidas as penas parcelares e única.

No acórdão de 25-11-2009, proferido no processo n.º 490/07.0TAVVD, estando em causa a prática de três crimes de abuso sexual de crianças, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 171.º, n.º 2 e 30.º, n.º 2, do Código Penal, com as penas parcelares de 4 anos e 6 meses, 4 anos e 4 anos e 6 meses de prisão, e pena única de 7 anos de prisão, foram conhecidas as questões de unificação como único crime continuado de dois crimes praticados na mesma vítima, bem como atenuação especial e a medida das penas parcelares e única. 

No acórdão de 20-10-2010, proferido no processo n.º 845/09.6JDLSB, em que estavam em causa a prática por cada um dos dois arguidos de um crime de roubo qualificado e um outro de sequestro, pelos quais haviam sido condenados, cada um, nas penas de 5 anos e de 10 meses de prisão, e na pena única de 5 anos e 3 meses de prisão, foram apreciadas a medida da pena do roubo (5 anos de prisão), única impugnada pelos recorrentes, e a pena única.

No acórdão de 10-11-2010, proferido no processo n.º 145/10.9JAPRT - em causa estando um crime de roubo agravado, pelo qual um dos arguidos foi condenado na pena de 6 anos e o outro de 5 anos de prisão, e um crime de detenção de arma proibida, por que aquele foi condenado na pena de 18 meses e este de 15 meses de prisão, e nas penas únicas de 6 anos e 6 meses de prisão e de 5 anos e 6 meses de prisão, tendo-se conhecido da questão de eventual opção por pena de multa quanto ao segundo crime, conheceu-se ainda da medida da pena aplicada ao segundo arguido pelo crime de roubo.

No acórdão de 23-02-2011, processo n.º 250/10.1PDAMD.S1, estando em causa as penas aplicadas por um crime de furto simples e seis crimes de roubo simples, sendo dois tentados, em medidas que variavam entre o mínimo de 10 meses de prisão pelo crime de furto e o máximo de 2 anos e 3 meses, por um dos roubos, e a pena única de 7 anos de prisão, conheceu-se da questão de opção por pena de multa ou prisão quanto ao furto, reduzindo-se as penas parcelares dos dois roubos tentados e de um dos roubos consumados. 

No acórdão de 31-03-2011, processo n.º 169/09.9SYLSB.S1, estando em causa quatro roubos qualificados, sancionados cada um com 3 anos e 6 meses de prisão e três roubos simples, punidos com 1 ano e 6 meses de prisão, cada um deles, e pena única de 10 anos e 6 meses de prisão, foi apreciada a pretensão de atenuação especial por aplicação do regime especial penal para jovens adultos.

No acórdão de 15-12-2011, processo n.º 41/10.0GCOAZ.P2.S1, em caso de recurso directo, pese a referência “P2”, a questão colocava-se relativamente às cinco penas parcelares aplicadas ao recorrente, todas inferiores a 5 anos de prisão, em medidas concretas que variam entre a mais baixa de 6 meses, pelo crime de furto simples (aqui discutindo-se a tentativa impossível), e a mais elevada de 2 anos e 3 meses, pelo crime continuado de falsificação de documento. 

No acórdão de 31-01-2012, proferido no processo n.º 2381/07.6 PAPTM.E1.S1, em caso de recurso directo, pese embora a sigla “E1”, vindo o arguido condenado por roubo qualificado na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, e por extorsão, na pena de 2 anos, e pena única de oito anos, são apreciadas todas as penas, aí podendo ler-se: 

«Antes do mais, porém, dir-se-á que se considera que o presente recurso é admissível, mesmo em relação à pena aplicada pelo crime de extorsão, muito embora a aplicada medida concreta seja inferior a cinco anos, que constitui o patamar de recorribilidade definido no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP, o que se faz pelas razões expostas nos acórdãos de 23-02-2011, no processo n.º 250/10.1PDAMD.S1 e de 15-12-2011, no processo n.º 41/10.0GCAZ.P2.S1, por nós relatados. 

Aí se concluiu que em caso de recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de decisão que tenha aplicado penas parcelares em medida inferior ou igual a cinco anos e pena conjunta a ultrapassar esse limite, visando-se apenas o reexame de matéria de direito, o conhecimento do objecto do recurso abrange as medidas das penas parcelares, por ser essa a solução que compense a falta de possibilidade de recurso para a Relação.

Sabido que por força do n.º 2 do artigo 432.º, visando-se apenas reapreciação de matéria de direito, não é possível recurso prévio para a Relação, a não cognição de tais penas redundaria na denegação de um único grau de recurso, contrariando a garantia de defesa estabelecida a partir da quarta revisão constitucional - Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro - com a introdução na parte final do n.º 1 do artigo 32.º da locução “incluindo o recurso”, abrangendo nas garantias de defesa o direito ao recurso, correspondendo a densificação do direito à protecção judicial efectiva e significando que o direito de defesa pressupõe a existência de um duplo grau de jurisdição».   

No acórdão de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1 – em concurso real, crime de homicídio qualificado, punido com 18 anos de prisão, e crime de ameaça agravada, conhecendo quanto a este, o preenchimento do tipo, a escolha da espécie da pena prevista em alternativa e respectiva medida da pena de prisão – 10 meses.

No acórdão de 17-04-2013, processo n.º 237/11.7JASTB.S1, em caso de concurso de homicídio com profanação de cadáver, punidos com penas de 7 anos e 6 meses e de 10 meses de prisão e pena única de 8 anos, conhecendo de ambos os crimes, incluindo a afastada atenuação especial por força de aplicação do regime dos jovens adultos.

No acórdão de 15-10-2014, proferido no processo n.º 79/14.8YFLSB.S1, estando em causa treze crimes sancionados com penas parcelares entre os 3 meses e 3 anos de prisão apenas vinha impugnada a pena única de 8 anos e 6 meses de prisão, o que não impediu se conhecesse da questão prévia colocada pelo Exmo. PGA, tendo sido declarado extinto o procedimento criminal pelo crime de desobediência simples, entretanto descriminalizado, desconsiderando-se no cúmulo a pena de 3 meses de prisão.   

No acórdão de 17-12-2014, processo n.º 1055/13.3PBFAR.S1, em caso de concurso de roubo qualificado (7 anos de prisão), receptação (2 meses) e dois crimes de condução ilegal (1 ano e 8 meses) conhecidas as penas parcelares e única, tendo sido reduzida a pena aplicada por um dos dois últimos, por não se verificar reincidência.

Não se tratando de recurso directo, no acórdão de 12-09-2012, processo n.º 2745/09.0DLSB.L1.S1, estavam em causa treze penas de 1 ano e 6 meses de prisão, por tantos outros crimes de abuso sexual de criança, e pena única de seis anos de prisão, aplicadas em primeira via pela Relação, que revogara a pena de 4 anos e 6 meses de prisão aplicada por um crime único e suspensa na execução, tendo sido mantida a qualificação jurídica operada pela Relação, reduzindo-se o número de crimes para 12, mantendo-se as penas parcelares e única.    

Não foram apreciadas as penas parcelares, por vir impugnada apenas a pena única superior a 5 anos de prisão, no caso do acórdão de 10-12-2014, processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1, com pena única de 6 anos de prisão, estando em causa dois crimes de roubo, punidos com 3 anos e 6 meses de prisão cada, e dois crimes de coacção grave, sancionados, cada um, com 2 anos de prisão.

Podem ver-se ainda no mesmo sentido os seguintes acórdãos mais recentes:

 

de 21-09-2011, processo n.º 95/10.9PGAMD.L1.S1-3.ª - Face ao actual sistema dos recursos penais, o conflito suscitado tem de ser decidido a favor da competência do STJ; o alargamento da competência do STJ nada tem de incongruente, uma vez que se trata de uma questão exclusivamente de direito, compreendida (isto é, integrada) na questão mais geral da fixação da pena conjunta;

de 06-10-2011, processo n.º 550/10.0GEGMR.G1.S1-5.ª, CJSTJ 2011, tomo 3, pág. 193, em caso em que se discutia somente a medida das penas, parcelares e única, ponderando que o critério definidor da competência do STJ é a gravidade da pena única, independentemente da gravidade de cada uma daquelas a partir da qual é formada;

de 12-07-2012, processo n.º 2/09.1PAETZ.S1-3.ª, CJSTJ 2012, tomo 2, pág. 238 (O STJ ao ter competência para conhecer da pena única tem também competência para conhecer das penas parcelares que a integram, ainda que estas não sejam superiores a 5 anos de prisão);

de 6-02-2013, processo n.º 94/12.6GAVGS.S1-3.ª – em presença de três penas parcelares de 3 anos e 6 meses, por furto qualificado, de outras duas, por furto qualificado tentado, de 2 anos e 6 meses e de 2 anos e 4 meses de prisão, pugnando o recorrente pela redução à unidade da pluralidade de crimes por que foi condenado e da pena única, fixada em 6 anos e 6 meses de prisão, afirma mostrar-se verificado o pressuposto específico de recorribilidade para este STJ determinado na al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP, abrangendo o recurso, também, a impugnação das penas parcelares, ainda que com penas inferiores a 5 anos, porquanto a pena única resulta do englobamento de tais penas, devendo ser concedido ao arguido um grau de recurso;

de 20-02-2013, processo n.º 29/11.3GALLE.S1-5.ª - “A al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP deve ser interpretada no sentido de que é suficiente para que o STJ cobre competência para conhecer de todas as penas de cuja medida se recorreu, que uma pena (conjunta) aplicada e que o arguido vai ter de cumprir, de acordo com a decisão recorrida, seja superior a 5 anos de prisão (com voto de vencida, relativamente à questão prévia da competência para o conhecimento do recurso, que caberá ao Tribunal da Relação); no mesmo sentido, do mesmo relator, e com idêntico voto, o acórdão de 28-02-2013, processo n.º 293/11.8JAFUN.L1.S1, acrescentando: “Opta-se por atribuir a competência ao STJ por ser o tribunal vocacionado para o conhecimento das penas mais graves, podendo obviamente conhecer das menos graves, aplicadas por crimes em concurso”;

de 14-03-2013, do mesmo relator e com voto de vencida, proferido no processo n.º 149/10.1TAFND.C1.S1-5.ª (pondo enfoque na aferição da gravidade da situação pela pena que o condenado vai ter efectivamente de cumprir e não por questões técnicas de direito);

de 21-03-2013, processo n.º 267/11.9JELSB.L1.S1-3.ª, negando redução das penas parcelares fixadas na 1.ª instância: 5 anos e 6 meses de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes e 1 ano e 6 meses de prisão pela prática do crime de falsificação; 

de 13-04-2013, processo n.º 700/01.8JFLSB.C1.S1, da 3.ª Secção - “No caso de o recurso ser dirigido directamente ao STJ, visando o conhecimento em termos de direito, de uma pena conjunta superior a 5 anos de prisão, bem como de penas parcelares inferiores a tal limite inscrito no art. 432.º, al. c), do CPP, entende-se que ocorre um «alargamento» da competência do STJ à apreciação das penas parcelares.

Esta posição está em coerente coordenação com a natureza e finalidades processuais do recuso directo para o STJ, bem como com o princípio do conhecimento unitário do recurso, que supõe que a instância competente para decidir parte das questões (no caso, a pena parcelar superior a 5 anos e a pena única), assume a competência para conhecer todas as questões de que depende o exercício da competência da instância superior, ou seja, no caso, a medida das penas parcelares e da pena única”.

de 29-10-2013, processo n.º 188/12.8JAPDL.L1.S1-5.ª, com voto de vencida - O STJ cobra competência para apreciar o recurso que incida sobre acórdão de tribunal de júri ou tribunal colectivo que tenha condenado o arguido em pena única superior a 5 anos, resultante de cúmulo jurídico de penas parcelares iguais ou inferiores a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito; 

de 8-01-2014, processo n.º 1096/12.8GCVIS.C1.S1-5.ª - “Interposto recurso que verse exclusivamente matéria de direito, designadamente a medida das penas (parcelar e única), face ao disposto nos arts. 432.º, n.º 1, al. c) e 2, e 400.º n.º 1, al. f), do CPP, o STJ é competente para conhecer da pena única superior a 5 anos de prisão e das respectivas penas parcelares, que vão de 4 meses de prisão a 2 anos e 8 meses de prisão”;

de 6-02-2014, processo n.º 1805/12.5PCCBR.S1-3.ª - O STJ é o único competente para apreciar a pena conjunta, cabendo-lhe igualmente competência para conhecer das penas parcelares, pois não se verifica a hipótese do n.º 8 do art. 414.º (a impugnação das penas inferiores versar matéria de facto);

de 26-02-2014, processo n.º 29/03.3GACNF.S1-3.ª – No caso de condenação em pena conjunta o STJ conhece de todas as penas singulares que integram aquela, sob pena de o condenado ver precludido o direito, a pelo menos, um grau de recurso no que àquelas penas concerne, direito que a Constituição da República lhe garante (n.º 1 do artigo 32.º);

de 12-03-2014, processo n.º 1027/12.5GCTVD.S1-3.ª, onde a apreciação do recurso abrange penas aplicadas por crimes de condução perigosa de veículo rodoviário, furto, ameaças, homicídio tentado, detenção de arma proibida;

de 23-04-2014, processo n.º 1603/09.3JAPRT.P1.S1-3.ª, onde consta: “Uma interpretação extensiva do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 432.º do CPP, conduz a que seja admissível recurso para o STJ da pena parcelar de 2 anos de prisão aplicada pela prática de um crime de associação criminosa, quando as demais penas parcelares sejam todas elas excedentes a 5 anos de prisão”.

de 09-07-2014, proferido no processo n.º 95/10.9GGODM.S1-5.ª, com voto de vencida;

de 10-09-2014, proferido no processo n.º 440/13.5POLSB.L1.S1-5.ª, in CJSTJ 2014, tomo 3, pág. 169 (O STJ tem competência para conhecer da condenação de todas as penas parcelares se a subsequente pena única for superior a cinco anos de prisão), com declaração de voto no sentido de a competência pertencer à Relação;

de 10-09-2014, proferido no processo n.º 714/12.2JABRG.S1-5.ª, in CJSTJ 2014, tomo 3, pág. 180, com voto de vencido, que teria decidido pela competência da Relação.

Neste sentido pode ver-se o acórdão de 21 de Janeiro de 2015, por nós relatado no processo n.º 12/09.9GDODM.S1, que seguimos aqui de perto, com admissibilidade de recurso directo para o STJ, onde referindo-se variadíssimos acórdãos assumindo a mesma posição, se concluiu no sentido de optar pela solução de ampla recorribilidade, cabendo ao STJ, reunidos os demais pressupostos [tratar-se de acórdão final de colectivo ou tribunal de júri e visar apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena de prisão superior a 5 anos – pena única ou única e parcelar(es)], apreciar as questões relativas a crimes punidos com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão. Assim, no concreto caso, em que a arguida fora condenada pela prática de um crime de peculato, na forma continuada, na pena de 4 anos e 4 meses de prisão e de crime de falsificação de documento, na forma continuada, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão, e na pena única de 5 anos e 10 meses de prisão, foram reduzidas as penas parcelares, fixando-se a pena única em 5 anos de prisão, suspensa na execução, com sujeição a regime de prova e pagamento de determinada quantia.

Entende-se, assim, ser o Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer de todas as questões suscitadas, incluindo as referentes aos crimes a que couberam penas inferiores a cinco anos de prisão. 

No acórdão de 23 de Setembro de 2015, processo n.º 318/11.7GFVFX.L1.S1-3.ª, em que interviemos como adjunto, é reduzida a pena do crime de homicídio de 14 para 12 anos de prisão e na fundamentação e dispositivo diz-se manter a pena de um ano de prisão aplicada pelo crime de profanação de cadáver.

No acórdão de 30 de Setembro de 2015, por nós relatado no processo n.º 2430/13.9JAPRT.P1.S1, estavam em causa 6 crimes de abuso sexual de criança, sendo um sancionado com 8 anos de prisão, outro com a pena de 5 anos e 2 meses de prisão e os restantes com penas entre 1 ano e 6 meses e 4 anos de prisão e ainda um crime de actos sexuais com adolescente, sancionado com 2 anos de prisão, sendo a pena única de 14 anos de prisão. Foi apreciada a questão da alegada ilegitimidade do Ministério Público em relação aos dois tipos de crime, que foi afastada, a questão da determinação do número de crimes (concurso real ou crime único de trato sucessivo), que foi mantido, e a medida das penas parcelares, sendo fixada pena única de 12 anos de prisão.

E ainda o acórdão de 28 de Outubro de 2015, por nós relatado no processo n.º 735/14.0JAPRT.S1, sendo que no caso então em apreciação, a pena conjunta aplicada ao recorrente era de 9 anos e 6 meses de prisão. O recorrente cingia o pedido de reapreciação aos dois crimes de abuso sexual de criança, agravado, de trato sucessivo, pretendendo a unificação, tendo sido aplicada a pena de 6 anos de prisão pela prática de um deles e a pena de 3 anos e 6 meses de prisão pela prática do outro, defendendo haver uma ligação inextricável entre eles. Na sequência defendia abaixamento da medida da pena única.

Concluiu-se então: “Entende-se, assim, ser o Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer das questões suscitadas a propósito dos dois crimes de abuso sexual de crianças, agravado, de trato sucessivo, incluindo as referentes ao crime a que coube pena inferior a cinco anos de prisão, acrescendo a requalificação jurídica do crime de violação, agravada, na forma tentada, em que o recorrente foi condenado na pena de 3 anos de prisão”.

Foi julgado improcedente o recurso no que toca à pretendida unificação dos dois crimes de abuso sexual de criança, mas revogada a condenação pelo crime de violação, agravada, na forma tentada, convolado para crime de actos sexuais com adolescente agravado, na forma tentada, sendo o recorrente condenado na pena de 1 ano de prisão, com reflexo na pena única.

Ainda do dia 28 de Outubro de 2015, no acórdão por nós relatado no processo n.º 10/13.8GAAMT.P1.S1, estava em causa apreciação de recurso de um arguido condenado por tráfico de estupefacientes agravado e detenção de arma proibida, sancionado com 10 anos e 2 anos e 8 meses de prisão e pena única de 11 anos e 4 meses de prisão e recurso de um outro arguido condenado por tráfico simples na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa na execução, dirigido ao Tribunal da Relação do Porto.

O primeiro pretendia a desqualificação e o segundo a convolação para tráfico de menor gravidade e em ambos os casos redução das penas.

Foi considerada patente a conexão de condutas de ambos, tendo-se apreciado as questões colocadas nos dois recursos.

No acórdão de 25 de Novembro de 2015, processo n.º 455/13.3PLSNT.L1.S1-3.ª, seguindo de perto o acórdão de 21-01-2015, processo n.º 12/09.9GDODM.S1, supra citado, para além da pena conjunta de 7 anos de prisão, foram apreciadas as questões colocadas quanto a crime de tráfico de estupefacientes punido com 4 anos e 6 meses de prisão, de roubo consumado, punido com 5 anos de prisão e de roubo tentado, sancionado com 2 anos, apreciando aqui a tentativa impossível.

No acórdão de 2 de Março de 2016, por nós relatado no processo n.º 8/08.8GALNH.L1.S1, estavam em causa um crime de sequestro, sancionado com a pena de 1 ano e 3 meses de prisão, um crime de roubo agravado, sancionado com a pena de 4 anos e 6 meses de prisão e um crime de burla informática, na forma tentada, punido com a pena de 6 meses de prisão, e um crime de condução de veículo sem habilitação legal, punido com 4 meses (este não questionado), sendo a pena única de 5 anos e 9 meses de prisão.

Os arguidos foram absolvidos do crime de burla informática tentada (com extensão do julgado a arguida não recorrente, nos termos do artigo 402.º, n.º 2, alínea a), do CPP), tendo sido reduzida a pena do roubo e a pena única e suspensas as penas aplicadas.

No acórdão de 9 de Março de 2016, processo n.º 50/12.4SMLSB.L1.S1, por nós relatado, o recorrente pretendia redução das penas aplicadas pelo crime de tráfico de estupefacientes (6 anos) e pelo crime de detenção de arma proibida (1 ano e 6 meses), para níveis próximos dos mínimos legais. Foi apreciada a medida da pena que puniu a detenção de arma proibida, a qual foi mantida. 

No acórdão de 17 de Março de 2016, por nós relatado no processo n.º 77/14.1P6PRT.S1, estavam em reapreciação várias penas inferiores a 5 anos de prisão por furtos qualificados.   

No acórdão de 28 de Abril de 2016, por nós relatado no processo n.º 2377/13.9GBABF.E1.S1, versando crimes de homicídio qualificado na forma tentada e de violência doméstica, vinha o arguido condenado, respectivamente, nas penas de 6 anos e 6 meses de prisão e 3 anos e 3 meses de prisão e na pena única de 8 anos, tendo-se conhecido igualmente da pena inferior, que foi reduzida para 2 anos de prisão, passando a pena única a 7 anos de prisão.

No acórdão de 28 de Abril de 2016, processo n.º 252/14.9JACBR.S1 - 3.ª Secção - foi apreciada a matéria relativa à prática de 5 crimes de abuso sexual de crianças, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1 e 2 do CP, cada um deles na pena de 4 anos e 6 meses de prisão; 1 crime de coacção agravada, na forma tentada, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão e um crime de ameaça agravada, na forma continuada, na pena de 10 meses de prisão e pena única de 9 anos de prisão.

No acórdão de 23 de Junho de 2016, por nós relatado no processo n.º 181/15.9JAFAR.S1, estavam em causa crimes de violação agravada e de ameaça agravada, sendo apreciadas e mantidas as penas de 7 anos e de 1 ano de prisão, e pena única de 7 anos e 6 meses de prisão, conhecendo-se da opção por pena de prisão, em detrimento de multa – artigo 70.º do Código Penal -, quanto à ameaça agravada. 

No acórdão de 7 de Julho de 2016, por nós relatado no processo n.º 444/14.0PBEVR.S1, em causa a reapreciação das penas de 5 anos de prisão aplicada por violação tentada e de 9 meses de prisão por violação de domicílio e pena única de 5 anos e 6 meses, com escolha de espécie de pena quanto ao segundo, sendo reduzidas as penas parcelares para 3 anos e 10 meses de prisão e 6 meses de prisão e a pena única para 4 anos de prisão efectiva.

No acórdão de 7 de Setembro de 2016, por nós relatado no processo n.º 232/14.4JABRG.P1.S1, em recurso dirigido por ambos os arguidos ao Tribunal da Relação do Porto, estando em causa a reapreciação de duas penas de homicídio qualificado e de duas penas pelo crime de roubo agravado, de 5 anos e 4 anos e 6 meses de prisão, estas foram igualmente reapreciadas e mantidas.

No acórdão de 26 de Outubro de 2016, processo n.º 3367/15.2JAPRTS1-3.ª, em que interviemos como adjunto, o arguido foi condenado pela autoria de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelo artigo 132.º, n.º 1 e 2, alíneas b) e j), do Código Penal, na pena de 16 anos de prisão e de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

Contrariando a posição da Exma. Procuradora-Geral Adjunta, que defendia a incompetência do STJ e a remessa dos autos para o Tribunal da Relação do Porto, foi declarada a competência do STJ, citando-se:

“Como salienta Pereira Madeira, Código de Processo Penal comentado, 2016, 2.ª edição revista, Almedina, p. 1508, nota 5 (3.º parágrafo):

A jurisprudência largamente maioritária, porém, assente em boas razões, mormente a necessidade de dar corpo ao inegável direito, ao menos, a um grau de recurso por banda do recorrente, vem entendendo que, em tais casos, o Supremo deve conhecer de todas as penas aplicadas, mesmo que alguma ou algumas delas sejam inferiores aos falados cinco anos de prisão. Aliás, como o postulado pelo artigo 402.º, n.º 1.”

No acórdão de 14 de Dezembro de 2016, por nós relatado no processo n.º 952/14.3PHLRS.L1.S1, estavam em causa cinco crimes de violência doméstica, um sobre companheira e sobre quatro filhos, sancionados com as penas de 4 anos e 3 meses de prisão, 2 anos e 9 meses, 2 anos e 3 meses, 2 anos e 3 meses e 2 anos, e pena única de 7 anos, tendo sido apreciadas as penas parcelares e pena única, que foram mantidas, bem como foi mantida a duração do período marcado na pena acessória de proibição de contacto com a vítima ex-companheira. 

Concluindo.

Optamos pela solução de ampla recorribilidade e competência alargada de cognição, cabendo ao Supremo Tribunal de Justiça, reunidos os demais pressupostos [tratar-se de acórdão final de tribunal colectivo ou de tribunal de júri e visar o recurso apenas o reexame da matéria de direito, vindo aplicada pena de prisão superior a 5 anos – seja pena única, ou pena única/e alguma (s) pena (s) parcelar (es)], apreciar as questões relativas a crimes punidos efectivamente com penas iguais ou inferiores a cinco anos de prisão.

Tal posição corresponde, como resulta do exposto, ao que é assumido em termos largamente maioritários, em ambas as Secções Criminais deste Supremo Tribunal.


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Passando à análise das questões propostas no recurso.

 

Questão I – Medida das penas parcelares

Como natural decorrência da posição assumida quanto à cognoscibilidade das penas parcelares, temos para além do crime de tráfico de estupefacientes, punido com pena de 7 anos de prisão, as outras duas penas de dimensão inferior a 5 anos de prisão, sancionatórias do crime de branqueamento e do crime de resistência e coacção sobre funcionário.

Passando à determinação concreta da medida das penas, vejamos a moldura abstracta penal cabível a cada um dos crimes em presença e assim temos:

- Tráfico de estupefacientes – (Artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro) – 4 anos a 12 anos de prisão.

- Branqueamento – (Artigo 368.º-A, do Código Penal) – 2 a 12 anos de prisão.

- Resistência e coacção sobre funcionário – (Artigo 347.º, n.º 1, do Código Penal) – 1 a 5 anos de prisão.

Dentro destas molduras funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente:

- O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

- A intensidade do dolo ou da negligência;

- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

- As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

- A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

- A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.


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No domínio da versão originária do Código Penal de 1982, alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição os acórdãos de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 19-12-1994, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 38627- 3.ª, Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401-3.ª, Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42.

Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 277, págs. 210/211.

A refutação de tal critério foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e Alfredo Gaspar, em anotação ao acórdão de 2 de Maio de 1985, in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 09-11-1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73.

Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos. Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255. E no acórdão de 27-02-1991, in A. J., n.º 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar.

Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g.,  os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de  17-10-1991, BMJ n.º 410, pág. 360.

Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.

Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).

 

A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.

A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40.º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado.

Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».

Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1 do CPP, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).

 

Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da CRP, (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:

1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.

2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.

3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.

4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

No dizer de Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição 1998, AAFDL, pág. 25, «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».

Américo Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, no Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.

Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.

Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.

Como se refere no acórdão de 28-09-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.

O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo - total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.

Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.

Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 218 (e pág. 224 na 4.ª edição actualizada de Abril de 2011), defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.

    

Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.

Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, a págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

Ainda de acordo com o mesmo Professor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e repetido nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»).

As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».

Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.

Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:

Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais.

Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.

E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão de 10 de Abril de 1996, proferido no processo n.º 12/96, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa (juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito) a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva.

Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”.

Ainda do mesmo relator, e a propósito de um caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, proferido no processo n.º 356/97-3.ª, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social” - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».

Uma outra formulação, em síntese, na esteira da posição de Figueiredo Dias, em As consequências jurídicas do crime, 1993, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do STJ de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos publicados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”.

No sentido deste último segmento, ver do mesmo relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.   

A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada” - cfr. neste sentido, acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1; de 10-11-2010, processo n.º 145/10.9JAPRT.P1.S1-3.ª; de 29-06-2011, processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3.ª; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1; de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALRA.E1.S1; de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1; de 5-06-2013, processo n.º 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 213; de 11-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1; de 15-10-2014, processo n.º 353/13.0JAFAR.S1; de 12-11-2014, processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1; de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1; de 25-11-2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1.

Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.

O limite mínimo da pena a aplicar é determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e seguintes.

Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou, como diz o acórdão de 22-09-2004, proferido no processo n.º 1636/04-3.ª, in SASTJ, n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.

Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste STJ de 16-01-2008, processo n.º 4565/07, da 3.ª Secção: «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.

O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.

O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente».

Como salientou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Dezembro de 1998, relatado por Leonardo Dias, no processo n.º 1155/98, publicado no BMJ n.º 482, págs. 77/84, após citar o artigo 40.º do Código Penal: “Do nosso ponto de vista deve entender-se que, sempre e tanto quanto for possível, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa - nulla poena sine culpa - a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos.

A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda, realiza, eficazmente, aquela protecção.

Enfim, devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal (sem, todavia, sob pena de violação intolerável da sua dignidade, lhe impor a interiorização de um determinado sistema de valores), a pena tem de responder, sempre, positivamente, às exigências de prevenção geral de integração.

[Poderia objectar-se que esta concepção abre, perigosamente, caminho ao terror penal. Uma tal objecção, porém, ignoraria, para além do papel decisivo reservado à culpa, que, do que se trata, é do direito penal de um estado de direito social e democrático, onde quer a limitação do jus puniendi estatal, por efeito da missão de exclusiva protecção de bens jurídicos, àquele atribuída (a determinação do conceito material de bem jurídico capaz de se opor à vocação totalitária do Estado continua sendo uma das preocupações prioritárias da doutrina; entre nós Figueiredo Dias que, como outros prestigiados autores, entende que na delimitação dos bens jurídicos carecidos de tutela penal haverá que tomar-se, como referência, apropria Lei Fundamental — propõe a seguinte definição: «unidade de aspectos ônticos e axiológicos, através da qual se exprime o interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso valioso», cfr. «Os novos rumos da política criminal», Revista da Ordem dos Advogados, ano 43", 1983, pag. IS) e os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de direito são garantias de que, enquanto de direito, social e democrático, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer, da pena, uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia, do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade. Depois, prevenção geral, no Estado de que falamos, não é a prevenção estritamente negativa ou depura intimidação. Um direito penal democrático que, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, tem de, pela mesma razão, colocar a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Assim, subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum].

Ora, se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que - dentro, claro está, da moldura geral - a moldura penal aplicável ao caso concreto («moldura de prevenção») há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social”.

Revertendo ao caso concreto.

Como se alcança das conclusões b), c), d), e), f), g), h), i), j), l) e n), o recorrente defende que as penas aplicadas foram demasiado severas, pretendendo a fixação das penas parcelares próximo dos limites mínimos.

Neste particular, ter-se-ão em conta as concretizações dos critérios legais estabelecidas pela decisão recorrida, que recolheu, em directo, em registo de oralidade e imediação, os elementos necessários/bastantes e suficientes para o efeito, e teve em vista, de forma explanada, os parâmetros legais a observar, bem como o contexto de actuação do ora recorrente no concreto caso, em conjunção com os co-arguidos.

Sobre a questão da determinação da medida concreta das penas aplicadas pelos crimes em causa, discorreu o acórdão recorrido, no segmento “2.4.2 Da pena a aplicar a cada um dos arguidos AA (…)”, de fls. 4047 a 4054, da forma que segue (sendo os realces do texto):

“Importa agora determinar a medida concreta da pena a aplicar a cada um dos identificados arguidos, penas essas que são limitadas pela sua culpa revelada nos factos (cfr. art. 40º, n.º 2 do C.P.), e terão de se mostrar adequadas a assegurar exigências de prevenção geral e especial, nos termos do disposto nos artºs. 40º, n.º 1 e 71º, n.º 1, ambos do C.P., havendo que ponderar na determinação daquela medida, todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra os arguidos, nomeadamente, as enumeradas no citado artº. 71º, nº 2.

Assim, há que ponderar:

O grau de ilicitude dos factos, que se nos afigura:

 - Quanto ao(s) crime(s) de tráfico (obviamente com referência ao tipo de crime que respetivamente perpetraram):

. Elevado em relação ao arguido AA e medianamente acentuado no referente ao arguido EE, atendendo, designadamente, ao período de tempo em que, respetivamente, desenvolveram a atividade de venda de estupefacientes a terceiros, fazendo-o o arguido AA desde 2007 até 12/04/2014, com interregnos até ao ano de 2012 e a partir de, então, com regularidade, passando, pelo menos, a partir de final do ano de 2013, a contar com a colaboração do arguido EE, na venda direta dos estupefacientes aos consumidores, sendo que também substituía o arguido AA, em situações em que este se ausentava de S… e do país, tendo os arguidos AA e EE residência na zona de L…, e permanecendo em S…, onde habitavam um apartamento arrendado em S… e ocupavam, com a única finalidade de vender estupefacientes, um anexo, no “Monte PP”, deslocando-se, no desenvolvimento da atividade de tráfico, de veículo automóvel, o que lhes permitia uma maior mobilidade, vivendo exclusivamente da atividade de tráfico, conseguindo o arguido AA amealhar algumas quantias provenientes da atividade de tráfico a que se vinha dedicando, sendo apreendido ao arguido AA, na data em que foi detido, no veículo automóvel em que se fazia transportar, 299,057 gramas de heroína (suficiente para 1.821 doses médias individuais diárias) e 145,255 gramas de cocaína (suficiente para 426 doses médias individuais diárias), que destinava à venda a terceiros;

(…)

havendo, ainda, que considerar, em qualquer dos casos, a natureza dos produtos estupefacientes a cuja venda os mesmos arguidos se dedicaram, heroína e cocaína, substâncias altamente tóxicas, tratando-se de duas das drogas que mais rápida habituação produzem, causando fortíssima dependência psicológica e, no caso da heroína, também física, sendo as consequências do seu consumo altamente perniciosas, tanto para o consumidor como para a sociedade.

. Abaixo da média em relação ao crime de branqueamento cometido pelos arguidos AA e DD, atendendo, por um lado, a que as operações bancárias realizadas se revelam pouco elaboradas e, por outro lado, aos valores envolvidos;

 - Mediano no atinente ao crime de resistência e coação sobre funcionário perpetrado pelo arguido AA atendendo à circunstância de serem dois os guardas da GNR ofendidos e às lesões sofridas pelos mesmos, em consequência das agressões perpetradas pelo arguido;

 - O dolo dos arguidos, que reveste, em qualquer dos casos, a modalidade de dolo direto, cuja intensidade se revela acentuada, particularmente, no que tange ao crime de tráfico de estupefacientes, sendo em relação aos arguidos AA e EE, sobretudo quanto ao primeiro, mais elevada, dada a persistência da resolução criminosa durante o período de tempo em que praticaram os factos; (…) visando, qualquer dos identificados arguidos, através da atividade de tráfico, a obtenção de proventos económicos;

As condições pessoais e a situação económica dos identificados arguidos, que resultaram provadas e que aqui se dão por reproduzidas.

Depõe a favor dos arguidos AA, DD e FF a circunstância de não terem antecedentes criminais registados. E a favor do arguido AA milita, ainda, o ter confessado, no que concerne ao crime de tráfico, os factos na sua materialidade, colaborando com o Tribunal na descoberta da verdade. (…).

Há que ponderar, ainda, as exigências de prevenção geral e especial, sendo indubitavelmente elevadas as necessidades de prevenção geral, relativamente a qualquer dos crimes que estão em causa nos autos:

 - Numa sociedade em que se assiste a um constante aumento do tráfico e consumo de estupefacientes, com todas as consequências e sequelas incalculavelmente graves daí decorrentes, designadamente ao nível da saúde pública e do aumento da criminalidade, podendo tal fenómeno ser hoje considerado uma verdadeira chaga social, sendo que o Relatório Europeu sobre Drogas 2016: Tendências e Evoluções” apresentado no passado dia 31 de Maio, destaca que estão a aumentar as mortes por overdose associados sobretudo à heroína e outros opiáceos e destacando novos riscos para a saúde devido à mudança dos produtos e dos padrões de consumo;

  - Face à proliferação de crimes de branqueamento de capitais e de crimes contra as forças de segurança e agentes da autoridade que se vêm registando;

e sendo as necessidades de prevenção especial, à partida, medianas, em relação à arguida DD, tendo a mesma hábitos de trabalho e sendo primária; medianamente acentuadas em relação aos arguidos AA, EE, JJ e FF, tendo em conta a conduta que, respetivamente, assumiram, ainda que o primeiro e o último não registem condenações penais (…).

Tudo visto e ponderado, consideram-se adequadas a aplicar:

. Ao arguido AA, as seguintes penas:

 - 7 (sete) anos de prisão, pelo crime de tráfico de estupefacientes;

 - 3 (três) anos pelo crime de branqueamento;

 - 2 (dois) anos de prisão pelo crime de resistência e coação sobre funcionário (…)”.

Nota - Anota-se que a referência a “até 12/04/2014”, que sublinhámos no texto, como termo final da actividade do recorrente se deve a mero lapso de escrita, pois que terminou no dia em que o arguido foi detido, o que ocorreu um ano mais tarde, ou seja, em 12-04-2015, como se evidencia nos FP 5 e 8, em conexão com os FP 31 e 32.

***

Vejamos se no caso em reapreciação são de reduzir as penas aplicadas pelos crimes de tráfico de estupefacientes, de branqueamento e de resistência e coacção sobre funcionário, como vem peticionado pelo recorrente.

       

Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal – definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado nos tipos legais em causa.

Começando pelo tráfico de estupefacientes.

O crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é punível com uma pena de prisão de 4 a 12 anos.

Trata-se de crime que cada vez prolifera mais, quer no âmbito nacional, quer a nível internacional, de efeitos terríveis na sociedade e que permite auferir, para os “donos do negócio” enormes proventos ilícitos, sendo, pois, imperioso e urgente, combatê-lo.

Isto mesmo era expressamente referido no preâmbulo da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, adoptada em Viena, na conferência realizada entre 25 de Novembro e 20 de Dezembro desse ano, que “sucedeu” a outros instrumentos, por onde passam as orientações políticas prosseguidas nesta matéria, como a Convenção Única sobre Estupefacientes de 1961, concluída em Nova Iorque, em 31 de Março de 1961 (Convenção Única sobre Entorpecentes, reconhecendo que «a toxicomania é um grave mal para o indivíduo e constitui um perigo social e económico para a humanidade», e a necessidade de uma actuação conjunta e universal, exigindo uma cooperação internacional), aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 435/70, de 12/09, publicado no BMJ n.º 200, págs. 348 e ss. e ratificada em 30 de Dezembro de 1971, modificada pelo Protocolo de 1972, e a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, feita em Viena, em 21 de Fevereiro de 1971, aprovada para adesão pelo Decreto n.º 10/79, de 30 de Janeiro e ratificada por Portugal em 24 de Abril de 1979, estando em causa nestas convenções assegurar o controlo de um mercado lícito de drogas.

É a partir desta Convenção que surgirá, no plano interno, o Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro.

Com a referida Convenção de 1988, aprovada na sequência do despacho do Ministro da Justiça n.º 132/90, de 5 de Dezembro de 1990, publicado no Diário da República, II Série, n.º 7, de 9 de Janeiro, pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91 e Decreto do Presidente da República n.º 45/91, publicados no Diário da República, de 6 de Setembro de 1991, pretende-se controlar o acesso aos chamados «precursores», colmatar as lacunas das convenções anteriores e, sobretudo, reforçar o combate ao tráfico ilícito e ao branqueamento de capitais, sendo a razão determinante do Decreto - Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Aí se pode ler que “… o tráfico ilícito de estupefacientes … representa(m) uma grave ameaça para a saúde e bem estar dos indivíduos e provoca(m) efeitos nocivos nas bases económicas, culturais e políticas da sociedade; preocupadas … com o crescente efeito devastador do tráfico ilícito de estupefacientes …nos diversos grupos sociais …; reconhecendo a relação existente entre o tráfico ilícito e outras actividades criminosas com ele conexas que minam as bases de uma economia legítima e ameaçam a estabilidade, a segurança e a soberania dos Estados; reconhecendo igualmente que o tráfico ilícito é uma actividade criminosa internacional cuja eliminação exige uma atenção urgente e a maior prioridade; conscientes de que o tráfico ilícito é fonte de rendimentos e fortunas consideráveis que permitem à organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas do Estado, as actividades comerciais e financeiras legítimas a todos os seus níveis; decididas a privar as pessoas que se dedicam ao tráfico dos produtos das suas actividades criminosas e a eliminar, assim o seu principal incentivo para tal actividade; desejando eliminar … os enormes lucros resultantes do tráfico ilícito; … reconhecendo que a erradicação do tráfico ilícito é da responsabilidade colectiva de todos os Estados e que nesse sentido é necessária uma acção coordenada no âmbito da cooperação internacional; … reconhecendo igualmente que é necessário reforçar e intensificar os meios jurídicos eficazes de cooperação internacional em matéria penal para eliminar as actividades criminosas internacionais de tráfico ilícito; …”.

Trata-se, pois, de um problema universal, de dimensão mundial, que, obviamente, atinge também o nosso País.

No plano interno, releva neste domínio a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 22 de Abril de 1999, publicada no Diário da República, I Série - B, n.º 122, de 26 de Maio de 1999, e em edição da «Presidência do Conselho de Ministros – Programa de Prevenção da Toxicodependência – Projecto Vida», com o depósito legal 140101/99 e com prefácio do então Ministro Adjunto do Primeiro Ministro.

Partindo do reconhecimento da dimensão planetária do problema da droga, que em termos de tratamento jurídico, a nível internacional data desde 1912, com a Convenção da Haia, ou Convenção Internacional sobre o Ópio, elaborada na sequência da primeira conferência internacional sobre drogas ocorrida em Xangai, em 1909, a estratégia nacional de luta contra a droga assentava em oito princípios estruturantes, a saber: 1 – Princípio da cooperação internacional; 2 – Princípio da prevenção; 3 – Princípio humanista; 4 – Princípio do pragmatismo; 5 – Princípio da segurança; 6 - Princípio da coordenação e da racionalização de meios; 7 - Princípio da subsidiariedade; e 8 - Princípio da participação.

Sublinhando a estratégia da cooperação internacional, estabeleceu o documento como um dos seus objectivos principais o reforço do combate ao tráfico ilícito e ao branqueamento de capitais, como opção estratégica fundamental para o nosso País, a partir de seis objectivos gerais e de treze opções estratégicas individualizadas – cfr. Capítulo II – estratégia nacional: princípios, objectivos gerais e opções estratégicas – pontos 8, 9 e 10 (págs. 2980/3 do Diário da República e págs. 45 a 47 da referida edição).

A última disposição estabelecia a revisão da estratégia nacional de luta contra a droga, preconizando a sua revisão obrigatória, pelo menos, dentro de cinco anos, ou seja, no ano de 2004.

Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2001, de 22 de Fevereiro de 2001, publicada no Diário da República, I Série – B, n.º 61, de 13-03-2001, foram fixados os 30 objectivos da luta contra a droga e a toxicodependência no horizonte 2004, o que foi feito em Anexo, nomeadamente, o combate ao tráfico ilícito de drogas e ao branqueamento de capitais (objectivos 24, 25 e 26). 

Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2001, de 30 de Março de 2001, publicada no Diário da República, I Série – B, n.º 84, de 09-04-2001, foi aprovado o Plano de Acção Nacional de Luta contra a Droga e a Toxicodependência – Horizonte 2004, constante do Anexo integrante da Resolução.

Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 115/2006, de 24 de Agosto de 2006, publicada no Diário da República, I série, n.º 180, de 18-09-2006, foi aprovado o Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências no médio prazo até 2012, constituindo o Anexo I, integrante da Resolução - Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências 2005-2012 - (págs. 6835 a 6857) e o Plano de Acção contra as Drogas e as Toxicodependências Horizonte no curto prazo até 2008 - Plano de Acção contra as Drogas e as Toxicodependências Horizonte 2008 -, constituindo o Anexo II, integrante da Resolução, o qual operacionalizou o Plano Nacional contra a Droga e a Toxicodependência 2005-2012 (págs. 6857 a 6881).

Este Plano de Acção contra as Drogas e as Toxicodependências Horizonte 2008, anexo II à Resolução 115/2006, por ter saído com várias inexactidões, foi republicado na Declaração de Rectificação n.º 79/2006, publicada no Diário da República, 1.ª  série, n.º 222, de 17 de Novembro de 2006.

Seguiu-se o Plano de Acção Contra as Drogas e as Toxicodependências 2009-2012, IDT - Instituto da Droga e da Toxicodependência, IP.

Actualmente está em vigor o Plano Nacional para a Redução dos Comportamento Aditivos e das Dependências 2013-2020, que mantém os princípios consagrados no anterior ciclo estratégico, prevendo a sua operacionalização através de dois Planos de Acção de 4 anos, designadamente, 2013-2016 e 2017-2020.

A produção, tráfego e consumo de certas substâncias consideradas como prejudiciais à saúde física e moral dos indivíduos passou a ser punida após a publicação do Decreto n.º 12.210, de 24 de Agosto de 1926.

A este diploma, seguiram-se os Decretos-Lei n.º 420/70, de 3 de Setembro, n.º 430/83, de 13 de Dezembro e n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

O tráfico de estupefacientes é um crime de consequências gravíssimas para a sociedade e por isso o legislador o sancionou com penas pesadas.

No que toca ao bem jurídico protegido, como é consabido, para além de estarmos perante um crime de perigo abstracto, noutra perspectiva, estamos face a um crime pluriofensivo.

Com efeito, o normativo incriminador do tráfico de estupefacientes tutela uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal - a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores - visando ainda a protecção da vida em sociedade, o bem-estar da sociedade, a saúde da comunidade (na medida em que o tráfico dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos), embora todos eles se possam reconduzir a um bem geral - a saúde pública - pressupondo apenas a perigosidade da acção para tais bens, não se exigindo a verificação concreta desse perigo - ver acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 6 de Novembro de 1991, in Diário da República, II Série, n.º 78, de 2 de Abril de 1992 e BMJ n.º 411, pág. 56 (seguido de perto pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 441/94, de 7 de Junho de 1994, in Diário da República, II Série, nº 249, de 27 de Outubro de 1994), onde se afirma: “O escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia” – cfr. ainda sobre o tema, a propósito do concurso - real - do crime de tráfico e de associação criminosa, seguindo o citado acórdão n.º 426/91, o acórdão do mesmo Tribunal, n.º 102/99, de 10 de Fevereiro de 1999, processo n.º 1103/98-3.ª Secção, publicado in Diário da República, II Série, n.º 77, de 1 de Abril de 1999, pág. 4843 e no BMJ n.º 484, pág. 119.

Já no preâmbulo da Convenção Única de 1961 Sobre os Estupefacientes se referia a preocupação com a saúde física e moral da humanidade, reconhecendo a toxicomania como um grave mal para o indivíduo, constituindo um perigo social e económico para a humanidade.

No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 420/70, de 3 de Setembro, referia-se terem-se presentes os perigos que o consumo de estupefacientes comportava para a saúde física e moral dos indivíduos e a sua não rara interpenetração com fenómenos de delinquência.

E no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, que efectuou a adaptação do direito interno ao constante daquela Convenção de 1961 e da Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971, fazia-se referência a um relatório recente de um organismo especializado das Nações Unidas, onde se dizia: “A luta contra o abuso de drogas é antes de mais e sobretudo um combate contra a degradação e a destruição de seres humanos. A toxicomania priva ainda a sociedade do contributo que os consumidores de drogas poderiam trazer à comunidade de que fazem parte. O custo social e económico do abuso das drogas é, pois, exorbitante, em particular se se atentar nos crimes e violências que origina e na erosão de valores que provoca”.

E no mesmo preâmbulo assinalava-se ainda, que “Na verdade, também pelo lado do consumo, isto é, da prática cada vez mais frequente de delitos por consumidores de droga, se vem notando outro elo de ligação com a criminalidade em geral”.

Concretizando.

Vejamos os índices de actuação do recorrente no plano do tráfico de estupefacientes.

    

Período temporal

No que respeita ao período temporal, a actividade do recorrente desenvolveu-se, de acordo com o dado por provado no FP 8, desde o ano de 2007 (não se esclarecendo se no início, meio ou fim) a 12 de Abril de 2015 (dia em que foi detido), com alguns períodos de interregno, mais frequentes até ao ano de 2012, e conforme o FP 9, a partir de 2012, de forma mais regular, deslocava-se, com frequência bissemanal, à Área Metropolitana de Lisboa, para abastecimento, passando a contar com a colaboração do co-arguido EE a partir de finais de 2013, conforme FP 10.

Não há concretização de quaisquer actos de comercialização até 2012, ano em que se dá por provado que o recorrente adquiria os produtos estupefacientes na zona de Lisboa, desconhecendo-se por completo o que se terá passado ao longo de 2008, de 2009, de 2010 e de 2011, quatro anos em que há um deserto de informação, o que conduz a que estejamos perante uma imputação genérica, sendo de notar que os depósitos e movimentações de dinheiro que surgem a jusante do precedente tráfico, sua fonte, têm lugar apenas em 2013, concretamente, desde 24 de Junho, como consta do FP 57, com nova referência a Junho de 2013 no FP 62, com a subscrição de Fundos de Investimento.

   

Zona de actuação

A actuação do recorrente na venda de heroína e cocaína restringia-se ao “Monte PP” e zona da B…, em ambos os casos, em barracas, perto da cidade de S…, onde residia, como resulta dos Factos Provados 1, alíneas a) e c), 2, 3, 4, 8, 10, 14, 17, 18, 28, 29 e 30.

Os abastecimentos eram feitos pelo recorrente na zona da Área Metropolitana de Lisboa, na Amadora, como decorre dos FP 9 e 31.

    

Modo de actuação

Quanto a este ponto há a considerar que estamos perante uma actuação do recorrente traduzida no abastecimento na Amadora e venda directa, a retalho, em S….  

Era privilegiado o contacto presencial e telefónico - FP 12 -, com utilização de cartões e equipamentos telefónicos - FP 13, 15, 36, alínea d) e 37.

O recorrente passou a ser coadjuvado pelo co-arguido EE, sobrinho da companheira e co-arguida DD, o que aconteceu a partir de finais de 2013, conforme FP 3, 10, 17, com concretizações nos FP 12, 13, 15, 17 (agindo como homem de confiança), 18, 19, 28 e 38 e ainda FP 65 (actuando por conta do recorrente).

As vendas eram feitas nas referidas barracas, à noite e durante a madrugada, sendo no período diurno apenas a clientes/consumidores que conhecessem bem, como consta dos FP 3 e 14.

Como vendas concretizadas pelo recorrente temos as constantes do FP 16, feitas “por diversas vezes” a oito consumidores identificados, do FP 29, no dia 10-04-2015 vendeu um pacote de cocaína ou de heroína a um consumidor identificado e do FP 30, no dia 11-04-2015, a um outro indivíduo identificado um pacote de cocaína ou de heroína, constando do FP 19 vendas feitas pelo co-arguido EE a seis compradores identificados.

       

Logística

Neste segmento, como decorre do modo de actuação enunciado, a organização era simples.

Utilização de veículos  

    

Foram utilizados dois automóveis, sendo um, com a matrícula …-…-FZ, propriedade do recorrente, que veio a ser declarado perdido a favor do Estado (alínea m), in fine, do dispositivo do acórdão recorrido, a fls. 4073), e outro da companheira (no dia 12-12-2013), para deslocações da cidade de Sines às barracas onde o recorrente e EE procediam às vendas - FP 14 e 20 - e para deslocação do recorrente à A... para a aquisição de produto, conforme FP 31, 32 e 36.

Telemóveis

 

Como referido, para além do contacto presencial era usado o telefónico - FP 12 -, com utilização de cartões e equipamentos telefónicos - FP 13, alínea a), 36, alínea d) - 3 telemóveis - e 37, § 3.º.

Os três telemóveis descritos na alínea d) do FP 36 foram declarados perdidos a favor do Estado - alínea m) do dispositivo do acórdão recorrido, a fls. 4072, com nova referência (devida certamente a lapso) a fls. 4073.

Natureza e qualidade dos estupefacientes

No que respeita à natureza e qualidade dos estupefacientes em causa, os produtos comercializados eram heroína e cocaína.

Quanto a esta, trata-se de substância que se encontra prevista na Tabela I-B, anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, considerada droga dura, com elevado grau de danosidade, sendo, pois, a qualidade da substância reveladora de considerável ilicitude dentro daquelas que caracterizam o tipo legal.

No que toca à heroína, trata-se de substância prevista na Tabela I-A, anexa ao mesmo Decreto-Lei, considerada droga ultra dura.

Sendo certo que o Decreto-Lei n.º 15/93 não adere totalmente à distinção entre drogas duras e drogas leves, não deixa de no preâmbulo referir uma certa gradação de perigosidade das substâncias, dando um passo nesse sentido com o reordenamento em novas tabelas e daí extraindo efeitos no tocante às sanções, e de afirmar que “A gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respectivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade”, havendo, pois, que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respectiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social.

Por outro lado, de acordo com Relatório de 11 de Maio de 1992, aprovado pela Comissão de Inquérito, criada por decisão do Parlamento Europeu de 24 de Janeiro de 1991, sobre a proliferação, nos países da Comunidade Europeia, do crime organizado ligado ao tráfico de droga, in Sub Judice, n.º 3, 1992, pág. 95, a heroína é classificada como droga ultra dura e a cocaína como droga dura.

Sobre a distinção entre drogas leves e duras referia a citada Estratégia Nacional de 1999, a págs. 88: «É hoje evidente que as drogas não são todas iguais nos seus efeitos para a saúde e nas consequências sociais do seu consumo (…), devendo ter-se em atenção o grau de perigosidade inerente ao consumo das diferentes drogas, sem prejuízo do reconhecimento e divulgação dos efeitos nefastos de todas as drogas».

No Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências 2013-2020, pág. 106, pode ler-se: “As tabelas de substâncias abrangidas pelas Convenções das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988, sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971 e Única de 1961 foram adaptadas no sentido de incluir uma certa gradação da sua perigosidade, daí extraindo efeitos no tocante às sanções penais, de acordo com o princípio da proporcionalidade, sem referências à distinção entre drogas duras e leves”.

 

Quantidades apreendidas      

Será de atender às quantidades de heroína e cocaína apreendidas no dia da detenção do recorrente, que teve lugar em 12-04-2015 (FP 8, 31 e 32).

Nesta referência, constante do FP 36, vai incluído o produto de corte.

Assim, a droga apreendida tinha o seguinte peso líquido: 

Heroína – 299,057 gramas (suficiente para 1.821 doses médias individuais diárias)

Cocaína – 145,255 gramas (suficiente para 426 doses médias individuais diárias)

Uma embalagem contendo 53, 710 gramas de fenacetina, substância utilizada para misturar na cocaína, de modo a obter maior quantidade de doses para venda (FP 36, alínea a) e 37). 

Grau de pureza do estupefaciente

  

Heroína – 60,9%

Cocaína – 58,7%

 

Preço de custo/grama dos estupefacientes comercializados

Heroína – € 15,00/ €25,00

Cocaína – € 35,00/€45,00

Preços de revenda

Heroína – € 20,00 / € 30,00

Cocaína – € 40,00 / € 50,00

Dinheiro apreendido - Vantagens

   

Foram apreendidas ao recorrente as seguintes quantias:

FP 36 b) – 20,00 € (no dia da detenção)

FP 39-2 – 80,00 € (dentro de um casaco no anexo do Monte PP).

    

As vantagens vão descritas no segmento que aborda o branqueamento.

Passando ao branqueamento.

O branqueamento como pós delito (qualificação que igualmente está presente nos crimes de receptação – artigo 231.º do Código Penal – e de favorecimento pessoal – artigos 367.º e 368.º do mesmo Código) tem como necessário pressuposto um crime, um facto precedente.       

A designação de “Branqueamento”, sem mais, é nomem assumido com a codificação em 2004, presente na epígrafe do artigo 368.º-A, do Código Penal, aditado pela Lei n.º 11/2004, de 27 de Março (Diário da República, I Série-A, n.º 74, de 27 de Março de 2004, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 45/2004, Diário da República, I Série-A, n.º 132, de 5 de Junho de 2004, com relevo assinalado infra quanto ao teor do n.º 2 do artigo 368.º-A do Código Penal), a qual estabeleceu o regime de prevenção e repressão do branqueamento de vantagens de proveniência ilícita, transpondo a Directiva n.º 2001/97/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Dezembro de 2001, que alterou a Directiva n.º 91/308/CEE, do Conselho, de 10 de Junho, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais, procedendo à 16.ª alteração ao Código Penal e à 11.ª alteração ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, revogando pelo artigo 55.º, n.º 1, alínea a), o artigo 23.º deste DL, que estabelecia sobre conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos.

Com a referida rectificação passou a estabelecer o n.º 2, clarificando a questão da punição do auto branqueamento:

2 – Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas (inclusão feita em rectificação operada pela Declaração de Rectificação n.º 45/2004, publicada no Diário da República, I Série - A, n.º 132, de 5 de Junho de 2004) por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal, é punido com pena de prisão de 2 a 12 anos.

A Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, operou a 23.ª alteração do Código Penal e procedeu a republicação do mesmo, alterando pelo seu artigo 1.º a redacção do n.º 5 do artigo 368.º-A, que passou a estabelecer:

5 – O facto não é punível quando o procedimento criminal relativo aos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens depender de queixa e a queixa não tenha sido tempestivamente apresentada.

(A alteração consistiu em eliminar a parte final “salvo se as vantagens forem provenientes dos factos ilícitos típicos previstos nos artigos 172.º e 173.º”).

O crime de branqueamento pressupõe, actualmente, um facto ilícito típico (dantes, um crime em sentido técnico) anterior, que tenha produzido vantagens (com a definição do texto explicativo do n.º 1 [Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens (…)], com a inclusão dos producta sceleris e ainda dos bens que com eles - factos ilícitos típicos - se venham a obter).

Como se referiu no acórdão de 11 de Junho de 2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1, por nós relatado, “Há que ter em conta que a declaração de perda de bens a favor do Estado, ou o confisco, na via alargada ou não, e a punição do branqueamento, nos termos sobreditos, servem, por vias diversas, o mesmo desiderato: a pretensão estadual de atacar as vantagens do crime.       

A juzante, o branqueamento das vantagens. A montante, o crime prévio, de onde aquelas provêm”.

    

O branqueamento de dinheiro, para utilizar uma fórmula simplificada, supõe uma infracção principal (predicated offence), com outras, variadas designações, ao nível do direito europeu e internacional, como crime prévio, crime originário, delito pressuposto, crime-base, crime primário, crime antecedente, crime precedente, facto referencial, crime designado na incriminação (assim Germano Marques da Silva), infracção subjacente, facto ilícito típico (designação presente nos n.º 1, 5, 7, 9 e 10 do artigo 368.º-A do Código Penal, embora com simultânea referência, no n.º 1, a “infracções” referidas no n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 36/94, estando o termo “infracções” igualmente presente no n.º 2, e ainda a expressão “infracção subjacente” no n.º 4), todas a significar a actividade criminosa (ou ilícita típica) de origem dos bens, a infracção cuja receita está na origem do branqueamento, e a juzante, uma infracção criminal secundária, um pós delito, propriamente, o branqueamento.

Este crime de branqueamento vem no caso presente “associado” ao antecedente crime de tráfico de estupefacientes, tendo sido cometido pelo recorrente e pela companheira co-arguida DD.

Durante muito tempo foi colocada a questão da punição do auto branqueamento, ou seja, colocava-se a questão de saber se haveria concurso real com o crime precedente no caso de o branqueamento ser praticado pelo autor do crime base.   

Na doutrina a impunidade do crime de branqueamento quando cometido pelo mesmo autor do crime precedente era defendida por Jorge Godinho e Oliveira Ascensão.

A querela a dilucidar foi então enunciada deste modo: o autor do facto precedente (no caso, o crime de tráfico de estupefacientes) pode ser autor do crime de branqueamento?

E, sendo a resposta positiva, se praticar factos típicos que o concretizam, pode ser punido pela prática de ambos, em concurso real, efectivo?

A resposta foi dada pelo Acórdão n.º 13/2007, de 22 de Março de 2007, proferido no processo n.º 220/05, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 420, de 13 de Dezembro de 2007, págs. 8903/8914, tendo o Supremo Tribunal de Justiça fixado a seguinte jurisprudência: «Na vigência do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o agente do crime previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do mesmo diploma, cuja conduta posterior preenchesse o tipo de ilícito da alínea a) do seu n.º 1, cometeria os dois crimes, em concurso real».

A Lei n.º 11/2004, de 27 de Março, resolveu em definitivo a questão da punição do branqueamento pelo próprio autor do crime precedente, como se evidencia pelo n.º 2 do artigo 368.º-A do Código Penal: “Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, directa ou indirectamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita (…)”.

Como se viu, o vocábulo “obtidas” foi incluído em rectificação àquela Lei operada pela Declaração de Rectificação n.º 45/2004, publicada no Diário da República, I Série - A, n.º 132, de 5 de Junho de 2004.

Passando ao bem jurídico tutelado.

 

Como se assinalou no citado acórdão de 11-06-2014, sobretudo em resultado de o crime ter passado a incidir sobre espectro criminal mais abrangente, com o sucessivo alargamento do leque dos crimes precedentes, dos factos ilícitos típicos antecedentes, a identificação do bem jurídico protegido pelo branqueamento está longe de ser inequívoca ou mesmo conseguir algum consenso, como se verá de seguida.   

A definição do bem jurídico protegido com a incriminação começou a ser feita à luz do disposto no artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

Na altura em que o crime de branqueamento de capitais/vantagens (então, literalmente, de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos) era previsto no artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, discutia-se se o bem jurídico tutelado era o mesmo que o do tráfico de estupefacientes, por ser esse o paradigma, e mais do que isso, o núcleo, então único, de referência, ou se era antes o património em geral, ou antes a concorrência, ou mais amplamente, a circulação de bens, ou antes, a administração da justiça.

Começar-se-á por analisar as posições da Doutrina a esse tempo e depois chamar a terreiro as posteriores, quando o branqueamento passou a incidir sobre espectro criminal mais abrangente, salientando-se que a identificação do bem jurídico protegido está longe de ser inequívoca ou mesmo conseguir algum consenso.

Assim:

Rodrigo Santiago, O «Branqueamento» de capitais e outros produtos do crime: Contributos para o estudo do art. 23.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e do regime da prevenção da utilização do sistema financeiro no «branqueamento» (Decreto-Lei n.º 313/93, de 15 de Setembro). 1.ª Parte: O Branqueamento de capitais e outros produtos do crime, face ao disposto no artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, trabalho publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 4, 4.º, Outubro-Dezembro 1994, págs. 497 a 560, e mais tarde inserto em Direito Penal Económico e Europeu, Textos Doutrinários, Volume II, Problemas Especiais, Coimbra Editora, 1999, págs. 363 a 409.

A págs. 529/531 na primeira publicação (e págs. 386/8 na segunda) – ponto 5.2.1. –, após referir que a saúde pública tutelada pela incriminação do consumo e tráfico de estupefacientes é bem jurídico que releva a montante da conduta objecto de proibição, afirma que o bem jurídico tutelado pelos três tipos de crime do n.º 1 do artigo 23.º do Decreto-Lei 15/93, é, ao menos de forma imediata, a prevenção do tráfico e do consumo, ou seja, a respectiva dissuasão.

Mais à frente, ponto 5.2.2., págs. 532/389, adianta que “releva também nestas incriminações, se bem que de forma mediata ou consequencial, o valor tutelado pelo facto prévio, a saber, o perigo que lhe anda conexo para a saúde pública. Assim, a tutela da saúde pública, bem jurídico tutelado pelas incriminações de consumo e tráfico de estupefacientes, sempre, da referida forma mediata, indirecta ou consequencial será posta também em causa pelas actividades branqueadoras”.

Lourenço Martins, Droga e Direito. Legislação. Jurisprudência. Direito comparado. Comentários, Colecção Commentarium, Aequitas, Editorial Notícias, Lisboa, 1994, pág. 137, ao comentar o artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 15/93, defendeu que na nova incriminação era protegido um bem jurídico com autonomia em relação ao tráfico, no qual o interesse prevalecente é o da protecção da saúde pública, enquanto agora se visa a protecção da economia e das estruturas financeiras, onde é fundamental preservar a confiança dos cidadãos na idoneidade dos procedimentos.

Mais tarde, em Branqueamento de capitais: Contra-medidas a nível internacional e nacional (Texto baseado em intervenção proferida no Colóquio Parlamentar sobre o Tráfico de Droga e Branqueamento de Capitais, que teve lugar na Assembleia da República em 8 e 9 de Fevereiro de 1999, repetindo o que o Autor dissera em Coimbra em palestra de 6 de Março de 1998), publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 9, Fasc. 3, Julho-Setembro 1999, Coimbra Editora, págs. 449 a 487, reportando-se o texto ainda ao artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 15/93, o Autor, a págs. 453, na procura de definição do bem jurídico que a incriminação visava tutelar, afasta a protecção da saúde pública, como se ainda se prolongasse a actividade de tráfico de droga, face à ampliação da punição do branqueamento de dinheiro ou valores provenientes de outros crimes considerados suficientemente graves, sendo que, por outro lado, não se está perante um mero atentado ao património em geral, um qualquer crime patrimonial e daí a distinção da simples receptação.

Dando conta de que para uns estaria em primeira linha a protecção da administração da justiça, colocando outros o acento na protecção da ordem sócio-económica, um interesse de natureza supranacional, ou antes, segundo outros, mais precisamente, na circulação lícita dos bens do mercado, no tráfico lícito dos bens no comércio, defende o Autor, a págs. 453 (repetido a págs. 475), que, ao crime de branqueamento de capitais “subjaz essencialmente a protecção de interesses económicos e financeiros nos quais sobrelevam a preservação de uma sadia concorrência entre empresas e pessoas singulares, que sairia de todo desvirtuada pela circulação de capitais ilícitos, assim como a não contaminação das instituições financeiras que em qualquer Estado se querem credíveis e sólidas”, acrescentando, a págs. 454, que a administração da justiça aparece aqui na segunda linha da protecção.

António Henriques Gaspar, Branqueamento de capitais, in Droga e Sociedade - O Novo Enquadramento Legal, Seminário realizado no Centro de Estudos Judiciários em Março de 1993, edição do Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, Ministério da Justiça, 1994, pág. 132, afirma: «O novo tipo é estruturalmente autónomo, mas materialmente relacionado com os crimes subjacentes.

O bem jurídico protegido, com efeito, é diverso do que é protegido na incriminação do tráfico. Enquanto com a punição do tráfico se pretende proteger a sociedade, a saúde física e psíquica e a liberdade dos virtuais consumidores, afectada pelo resultado da actuação dos que fomentam o consumo e traficam droga, no branqueamento, para além de certa finalidade pragmática, perspectiva-se a protecção da sociedade e do Estado e das suas instituições contra o uso das fortunas ilicitamente acumuladas e que podem corromper e contaminar as próprias estruturas do Estado e as actividades comerciais e financeiras legítimas.

Mas é materialmente relacionado porque, na definição da lei, apenas se pune o branqueamento de bens ou produtos provenientes de infracções qualificadas como tráfico ilícito de substâncias estupefacientes».

O mesmo António Henriques Gaspar em comentário ao acórdão de 11 de Novembro de 1996, da 3.ª Vara Criminal do Porto, processo n.º 27/96, publicado em Droga - Decisões de Tribunais de 1.ª Instância - 1996, Comentários, edição da Presidência do Conselho de Ministros - Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga, 1998, pág. 194, a propósito do crime de conversão ou dissimulação de bens ou produtos (branqueamento), previsto no art. 23.º, n.º 1, do DL 15/93, afirma que uma das componentes do bem jurídico protegido é a salvaguarda de economia e das actividades lícitas contra a contaminação por capitais contaminados e de ilícita proveniência.

Miguel Pedrosa Machado, Decisões de Tribunais de 1.ª Instância, 1994, Comentários, publicação do GPCCD, 1997, Ministério da Justiça, em comentário elaborado em Set./Out. 1996, referia que “a nova legislação da droga, através da incriminação do denominado branqueamento de capitais (art. 23.º do Decreto-Lei n.º 15/93), procede como que a uma reunião dos aspectos real e pessoal do encobrimento, unificando a tutela dupla (respectivamente entre os crimes contra o património e os crimes contra a realização da justiça) que a sua autonomização típica veio significar. Permitindo (ou mesmo sugerindo) que se venha a propor um tratamento dogmático unitário de questões de encobrimento – não já como a velha figura, vencida em 1982, da comparticipação geral por aderência, mas como a conjunção (de enormes vantagens no plano probatório e do acompanhamento da aplicação prática do Direito) de incriminações especiais separadas pelos bens jurídicos imediatamente protegidos, mas institucionalizáveis em torno de bens jurídicos, do modo de acção e da própria motivação dos agentes”.

Para Juana Del Carpio Delgado, El Delito de Blanqueo de Biens en el Nuevo Código Penal, 1997, págs. 81 e ss., apud Pedro Caeiro, A Decisão-quadro do conselho (…), págs. 1084/391, o bem jurídico a proteger residiria na circulação lícita dos bens no mercado, no tráfico lícito dos bens no comércio, na “licitude dos bens que circulam no mercado”.

José de Oliveira Ascensão, Branqueamento de capitais: Reacção criminal, Estudos de direito bancário, Coimbra Editora, Agosto de 1999, começa por afirmar que o combate ao branqueamento de capitais é um meio complementar do combate a certas formas particularmente gravosas de criminalidade, não sendo o branqueamento de capitais o crime que se pretende atingir primacialmente, mas um crime teleologicamente subordinado a outras finalidades.

A págs. 338, após dizer que o branqueamento de capitais é um mal por si, afirma:

“O combate ao branqueamento de capitais é decisivo, porque previne o envenenamento de todo o sistema económico-financeiro.

Numa altura em que está à vista a vulnerabilidade dos políticos, mesmo perante quantias pequenas,

a fome insaciável dos governos, esses mendicantes-ricos da era neo-liberal

e o apetite dos partidos, por mais nobres que sejam as causas que geram esse apetite

- os milhões da droga, que levam a potentados financeiros que ultrapassam muito os orçamentos de muitos países,

trazem o espectro da subordinação geral de um país ao domínio de organizações criminosas e à sua corrupção.

Conclui - pág. 341 - que a “defesa contra o «envenenamento da vida financeira»” dá por si base substancial para justificar a repressão penal.

Jorge Manuel Vaz Monteiro Dias Duarte, Branqueamento de capitais. O regime do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, e a Normativa Internacional, Publicações Universidade Católica (Porto), edição de Fevereiro de 2002. (Porém, como se colhe do texto, maxime, da nota de rodapé 94, de pág. 54 e do § 3.º de pág. 55, o trabalho – Dissertação de Mestrado – foi realizado até Junho de 2000).

Após citar as três posições anteriores, começando por focar a finalidade pragmática de perda de bens, afirma que com a tipificação do crime de branqueamento o legislador de 1993 visou assegurar a defesa das estruturas do próprio Estado, assim como as actividades comerciais e financeiras legítimas e a própria sociedade a todos os seus níveis, acrescendo que com tal criminalização se tutela também, ainda que de forma mediata, a administração de justiça, na medida em que visa pôr cobro a condutas de ocultação, transformação ou transferência de bens praticadas com o objectivo de ocultar a respectiva proveniência criminosa, e consequentemente permitir a respectiva incorporação no normal circuito económico. Tais condutas são susceptíveis de entorpecerem a actividade da administração da justiça na investigação, identificação e punição dos agentes do respectivo crime-base, ou seja, do narcotráfico.

Conclui por o branqueamento se caracterizar por ser um delito pluriofensivo, mas sobrelevando como bem jurídico protegido a própria ordem económica e social no seu todo, assim como, mais mediatamente, a própria protecção das diversas instituições do Estado (págs. 91 a 98, 106 e 109 – com realces do texto).

Esta posição é repetida mais tarde pelo mesmo Jorge Dias Duarte em Branqueamento de Capitais e Favorecimento Pessoal, in Revista do Ministério Público, Ano 23, Abril /Junho 2002, n.º 90, págs. 167 a 177, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Outubro de 1997, proferido no processo n.º 356/97 da 3. ª Secção.

Jorge Alexandre Fernandes Godinho, Do Crime de «Branqueamento» de Capitais. Introdução e Tipicidade, Almedina, Maio de 2001 (com nota prévia datada de Florença em 6 de Novembro de 2000, tratando-se de Dissertação de Mestrado em Direito defendida em 3 de Novembro de 1999).

A este Autor se deve, segundo Pedro Caeiro (A Decisão – Quadro do Conselho, de 26 de Junho de 2001…, pág. 1082/389, nota 46), a análise mais aturada do problema – como, aliás, de outros aspectos da punição do branqueamento – na doutrina portuguesa. 

Ao que interessa, em vigor estava ao tempo o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 325/95, de 2 de Dezembro, criminalizando o branqueamento de capitais para além dos provenientes do tráfico de drogas, com a alteração introduzida pela Lei n.º 65/98. 

Como o Autor refere na nota prévia, na discussão da tese a questão central no debate era saber qual o bem jurídico protegido pela incriminação.

Após afastar as soluções da tutela do bem jurídico protegido pelo crime precedente, e da ordem sócio económica, a págs. 125 e seguintes, afirma a pág. 141, que a criminalização do branqueamento de capitais é um novo meio de atingir o fim que é o confisco dos lucros do crime, ou na expressão de pág. 152 “visa conferir eficácia à pretensão estadual de confiscar os bens de origem ilícita”, insistindo a pág. 145, em que “a criminalização baseia-se na consideração de que, em face da sofisticação da economia moderna, é fácil dissimular a origem ilícita de quaisquer fundos e assim iludir a actuação das autoridades, tornado extremamente difícil a sua detecção, apreensão e confisco”.

Mais à frente, pág. 146, acentua: “A nosso ver, a criminalização do branqueamento de capitais desempenha um papel instrumental em face das regras sobre confisco dos lucros do crime constantes da parte geral, que constituem a sua conexão ou filiação material mais estreita. Trata-se de uma matéria que – sobretudo se o branqueamento de capitais se referir a toda e qualquer infracção – se coloca no desenvolvimento lógico e consequente das regras sobre confisco de bens resultantes do crime, em termos de constituir uma tutela complementar”.

E nas conclusões, pág. 253, sintetiza: “O bem jurídico protegido é a pretensão estadual de confiscar os bens de origem ilícita, um interesse supra-individual, de realização da justiça, que é posto em perigo pelas condutas de branqueamento de capitais, na medida em que estas dissimulam a origem ilícita de um bem – de cuja prova depende a possibilidade de o confiscar e, como tal, de fazer valer o princípio segundo o qual «o crime não deve compensar».

Ao abordar a solução da administração da justiça, defende na nota 338, pág. 147, que a matéria do branqueamento de capitais deve ser reconduzida à problemática do direito penal clássico, ou “de justiça” e não à do direito penal económico, adiantando que a filiação de tal matéria na regra «o crime não compensa», que é claramente parte do direito penal clássico justifica a sua integração no Código Penal, onde deveria estar integrado no capítulo dos crimes contra a administração da justiça como sucede na Suíça.

Mais à frente, nas sugestões de lege ferenda, a págs. 257, quanto a inserção sistemática, defende que a mais adequada visão do bem jurídico é a de que se trata de um crime contra a realização da justiça, que coloca o branqueamento de capitais em paralelo com o favorecimento pessoal, adiantando a inserção do tipo no capítulo respectivo (v.g., como artigo 368.º-A), seguindo-se o exemplo do Código Penal Suíço, como veio efectivamente a suceder em Março de 2004, com a Lei n.º 11/2004.

Mais tarde, já perante a formulação do artigo 368.º-A do Código Penal (introduzido pela Lei n.º 11/2004, de 27 de Março), o mesmo Jorge Alexandre Fernandes Godinho aborda o tema em Sobre a punibilidade do autor de um crime pelo branqueamento das vantagens dele resultantes, trabalho de Fevereiro de 2009, incluído em Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, STVDIA IVRIDICA, 100, Ad Honorem -5, Coimbra Editora, 2010, volume III, págs. 363 a 399.

No que respeita ao concreto ponto do bem jurídico, respiga-se do ponto 5. A questão da diversidade de bens jurídicos, págs. 380 a 384, o seguinte trecho, a págs. 382: A convocação do bem jurídico interesse na realização ou actuação da justiça penal, “no contexto das condutas criminalizadas a título de branqueamento de capitais, pressupõe, por definição, a verificação anterior de um outro ilícito-típico constante do «catálogo» fixado pela lei, de cuja prática foram obtidos proventos, cuja origem ilícita se procura encobrir. É devido a esta dependência genética desse outro ilícito que, neste sentido, o bem jurídico protegido pelo branqueamento de capitais se configura como secundário, subsequente ou instrumental, porque colocado ao serviço da actuação prática do monopólio estatal do ius puniendi, visando o efectivo confisco das vantagens ilícitas – e que, por isso, surge em termos temporais num estádio posterior à consumação, caso os pressupostos de facto se verifiquem. Assim se explica que o bem jurídico realização da justiça, no sentido específico que vive no branqueamento de capitais, não seja directamente equiparável ou comparável aos bens jurídicos «primários» ou «principais» hoc sensu (vida, integridade física, património, etc.), visando apenas assegurar a aplicação da reacção penal que é o confisco das vantagens do crime”.  

Nuno Brandão, Branqueamento de Capitais: O sistema comunitário de prevenção, Argumentum 11, Coimbra Editora, Julho de 2002, a pág. 71, refere que “ (…) o branqueamento de capitais, só por si, independentemente dos crimes que lhe estão subjacentes, é idóneo a ameaçar e lesar seriamente um conjunto significativo de bens jurídico-penais. (…) A definição limitada e casuística dos crimes subjacentes ao branqueamento ignora a tendência das organizações criminosas para diversificar as actividades delituosas em busca de tudo aquilo que possa gerar avultados lucros e propicia a existência de situações de branqueamento fortemente lesivas de bens jurídicos-penais que não são penalmente tuteladas”.

Jorge Almeida Cabral, O Crime de Branqueamento de Capitais, na colectânea Blanqueo de dinero y Corrupción en el sistema bancário, Vol. II, Ediciones Universidad de Salamanca, Novembro de 2002, pág. 79, inclina-se para a defesa da ordem económica-social na sua globalidade, acompanhando a posição de Lourenço Martins em Branqueamento de capitais: Contra – medidas…, RPCC 1999, Fasc. 3.º, supra citada.    

José de Faria Costa, em Direito Penal Económico, edição de Quarteto Editora, Coimbra, Setembro de 2003 (correspondendo a trabalho escrito em Julho de 2002, conforme nota 30, na pág. 67), afirma a págs. 36: “Quando, por força de convenção internacional, os Estados se comprometeram a lutar contra o tráfico de droga foi-se afirmando como comportamento altamente desvalioso o chamado “branqueamento de capitais”. Assim, este tipo legal de crime que está geneticamente ligado ao tráfico de droga - e por isso distante, à primeira vista, do direito penal económico por mais lato que este se apresente, a não ser que se queira enfileirar, o que rejeitamos de imediato, pela ideia ingénua de que à economia tudo pertence - é chamado para a zona de influência do direito penal económico. De tal forma que a doutrina não se coíbe de afirmar que o bem jurídico tutelado pelo crime de branqueamento de capitais é nada mais nada menos que o bom funcionamento das regras do mercado”.

Mais à frente, págs. 41/2, afirma que comportamentos há que, não obstante não prejudicarem ou ofenderem directamente uma concreta pessoa, lesam indiscriminadamente todos os membros da comunidade económica, merecendo nesse caso a ordenação dominial tutela penal de matriz supra-individual, dando como exemplos o branqueamento de capitais e o abuso de informação privilegiada.

Pedro Caeiro, A Decisão-Quadro do Conselho, de 26 de Junho de 2001, e a relação entre a punição do branqueamento e o facto precedente: necessidade e oportunidade de uma reforma legislativa, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, págs. 1067 a 1132, e mais tarde republicado em Direito Penal Económico e Europeu, Textos Doutrinários, Volume III, Coimbra Editora, 2009, págs. 377 a 431.

Como decorre do próprio título, o trabalho desenvolve-se após a Decisão-quadro de 26 de Junho de 2001, estando então em vigor na ordem interna, quanto a branqueamento de capitais, o regime composto pelo artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 15/93 e do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 325/95 (este na redacção dada pela Lei n.º 10/2002, de 11 de Fevereiro), regime duplo extinto em 2004.

O Autor “coloca o dedo na ferida” ao referir uma verdade incontornável no segmento “B) Análise - II - A oportunidade da reforma: para uma racionalização da punição do branqueamento, equilibrando acessoriedade e autonomia”, afirmando a págs. 1081-2/388-9 (primeira e segunda publicação, respectivamente), que “a repressão deste crime denota uma tendência expansiva na história recente das leis europeias, numa relação de mútua referência com a desorientação legislativa, jurisprudencial e doutrinal acerca do bem jurídico que assim se visa proteger. Por outras palavras: a ausência de um bem jurídico claramente identificado foi permitindo a dilatação do tipo, que, por sua vez, torna cada vez mais difícil a dilucidação daquela questão”.

Esta indefinição teleológica da incriminação do branqueamento, a seu ver, impossibilitava uma concatenação racional das opções que era necessário tomar a propósito de pontos concretos do regime, elencando os seguintes tópicos:

- punição do branqueamento das vantagens provenientes de qualquer crime ou limitação do tipo através da selecção de factos precedentes relevantes (e inerentes critérios: catálogo, ou gravidade dos factos, ou ambos);

- modo de relevância típica das vantagens provenientes de factos cometidos fora do território nacional;

 - caracterização do facto precedente como ilícito típico ou como crime (stricto sensu);

 - punição ou impunidade do autor do (e/ou do participante no) facto precedente; 

- configuração do tipo subjectivo, nomeadamente no que diz respeito à exigência de um dolo específico relativo à proveniência das vantagens e ao regime do erro;

 - relevância da prescrição e das condições de procedibilidade do facto precedente;

 - e limitação da pena concretamente aplicável ao branqueador pela moldura penal prevista para o facto precedente.

Na nota de abertura, págs. 1067/377 (idem), destaca a possibilidade de um instituto pertinente às consequências jurídicas do crime se tornar socialmente tão relevante que mereça um lugar na constelação dos bens jurídico-penais protegidos pelo ordenamento português.    

A propósito da definição do bem jurídico protegido pela punição do branqueamento, o Autor segue a posição de Jorge Fernandes Godinho.

Afasta a possibilidade de o bem jurídico protegido ser o mesmo que o atingido pelo facto precedente, acrescentando, a págs. 1083-4/390 (idem), não valer aqui o paralelo com a receptação, por duas razões básicas: em primeiro lugar, porque a ofensa ao património provocada pela receptação constitui, primacialmente, uma nova e autónoma ofensa (perpetuação da situação patrimonial antijurídica) ao bem jurídico concretamente atingido pelo facto referencial, e não uma protecção instrumental, a jusante, contra esse facto; depois por isso que o eventual efeito preventivo da punição da receptação sobre a prática, a montante, de crimes patrimoniais (“le réceleur fait le voleur”) – invocado por vezes para justificar a punição do branqueamento à luz da protecção do bem jurídico ofendido pelo facto precedente – não pode ser levado à conta da protecção do património, mas antes de um bem jurídico supra individual (a segurança da comunidade na esfera dominial) que não é o bem jurídico ofendido pelo facto referencial.

Afasta igualmente, a págs. 1084/391, a concorrência como objecto de protecção, ficando como hipóteses de trabalho a “pureza da circulação dos bens”, tese afastada igualmente (págs. 1084-5/391) e a administração da justiça.

Acolhe a tese sustentada por Günther Arzt acompanhada, entre nós, por Jorge Fernandes Godinho, segundo a qual «a punição do branqueamento visa tutelar a “pretensão estadual ao confisco das vantagens do crime”, ou mais especificamente, o interesse do aparelho judiciário na detecção e perda das vantagens de certos crimes» (realce no original), mais dizendo ser a concepção que melhor se adapta ao quadro desenhado pelas obrigações internacionais assumidas pelo Estado português e ao sentido da evolução recente das leis europeias (ponto 1.5, págs. 1086-7/393).

A págs. 1107 - ponto 5.3 - refere: “… de acordo com a concepção que vimos desenvolvendo acerca do interesse protegido (que corresponde até, no essencial, ao pensamento de Jorge Fernandes Godinho), a repressão do branqueamento justifica-se, não pelo fim visado com as condutas – a conservação das vantagens ilicitamente obtidas, em detrimento da pretensão estadual – mas sim, e apenas, pelo modo particularmente eficiente (e, portanto, perigoso) de o atingir, ínsito nas condutas branqueadoras”, afirmando que só este especial grau de perigosidade legitima a punição do branqueamento.

E no ponto 5.4, pág. 1108, afirma “Desde logo, não acompanhamos a ideia segundo a qual as condutas de branqueamento não ofendem um bem jurídico diverso do atingido no facto precedente” aqui invocando o acórdão de 20 de Junho de 2002, que referiremos de seguida; “ao invés, cremos que só a autonomia do interesse protegido permite legitimar, tanto quanto possível, a punição do branqueamento”.

E mais à frente – ponto 9.2, págs. 1030/429 – ao referir-se à teleologia da punição do branqueamento, afirma: “trata-se de proteger um bem jurídico instrumental (a pretensão estadual à perda de vantagens)”.  

Luís Goes Pinheiro, O Branqueamento de capitais e a globalização, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, N.º 4. Outubro-Dezembro 2002, págs. 603 a 648, aborda o tema do bem jurídico protegido a propósito da definição das fronteiras do crime de receptação face ao de branqueamento de capitais, dizendo a págs. 642/3, tratar-se de um crime lesivo de múltiplos bens jurídicos, sendo em primeira linha um crime contra a administração da justiça, pois visa dificultar a actuação sobre o agente do crime subjacente, pretendendo-se a protecção da administração da justiça, que se torna incapaz de perseguir os responsáveis pelos crimes subjacentes em virtude da actuação do branqueador, sendo tutelada igualmente a segurança geral da comunidade, pois de forma mediata, desincentiva-se a prática dos crimes primários, acabando por, em última análise, tutelar todos os bens jurídicos defendidos pelas proibições dos crimes subjacentes, embora de forma mediata, sendo ainda um crime que lesa a livre concorrência entre os agentes económicos e a economia em geral.

Conforme se consigna na nota de rodapé, a pág. 607, para Roberto Podval “O bem jurídico do delito de lavagem de dinheiro”, Revista Brasileira de Ciências Criminais n.º 24, 1998, págs. 210-222, o bem jurídico protegido pela criminalização do branqueamento é, exclusivamente, a administração da justiça.

João Davin, O Branqueamento de capitais, Breves notas, in Revista do Ministério Público, Ano 23, Julho/Setembro 2002, n.º 91, a págs. 110/112, afirma:

 “Paulatinamente, ao longo do séc. XX, veio a reconhecer-se que a utilização/introdução do dinheiro “sujo” na economia (lícita) podia acarretar estrangulamentos, desvios e factores condicionantes que, em certos casos extremos, colocavam em crise a estabilidade económica, política e social.

A progressiva liberalização dos mercados financeiros criada (e pensada) para fomentar a liberdade de movimentos de capitais e, dessa forma, potenciar o desenvolvimento económico-social mundial foi rapidamente utilizada pela criminalidade organizada para potenciar os lucros obtidos com as suas actividades ilícitas.

Traçado este quadro de fundo pode concluir-se com apreciável segurança que no caso do branqueamento o bem jurídico tutelado não é a concorrência ou a credibilidade e confiança nas instituições financeiras, mas a protecção da transparência e a integridade do sistema económico-financeiro numa dupla vertente, nacional e internacional.

Assim sendo, a conduta de branqueamento de capitais lesa um outro bem jurídico autónomo e diverso daquele que é protegido pelo crime precedente, pelo que se justifica, desta forma, a sua punibilidade em concurso efectivo”.

Vitalino Canas, O crime de branqueamento: regime de prevenção e de repressão, Almedina, Junho 2004, obra escrita já na vigência do artigo 368.º -A do Código Penal introduzido com a Lei n.º 11/2004, conclui na pág. 19 que o branqueamento de capitais é um crime pluriofensivo (tal como Jorge Duarte), cuja tipificação visa a tutela de uma multiplicidade de bens.

Pela natureza transnacional, volumosa e altamente organizada que o fenómeno de branqueamento adquiriu, pode dizer-se que os bens protegidos são, à cabeça, o funcionamento dos sistemas políticos e dos sistemas económico-financeiros global e de cada Estado.

Mas o bem jurídico da boa administração da justiça não se tornou irrelevante neste contexto, sendo também mediata ou imediatamente tutelado. Por isso, o branqueamento realizado de forma esporádica e irrepetida por indivíduos isolados (o pequeno traficante de droga, o traficante de influências por conta própria, o funcionário corrupto) também é típico e ilícito, porque aí, mesmo que não se pretenda uma posterior utilização perversa dos recursos financeiros, pretende-se esconder a sua origem, dificultando o funcionamento da justiça.

E não é de excluir que a tipificação do branqueamento possa ainda ostentar um ou outro traço que visa, através da perseguição deste crime, tutelar também, mediatamente, os bens jurídicos tutelados pela tipificação dos crimes subjacentes.

Adianta que esta multiplicidade de bens jurídicos tem alguma expressão no actual artigo 368.º -A, nos n.ºs 2 e 3.

Günter Stratenwerth, A luta contra o branqueamento de capitais por meio do direito penal: o exemplo da Suíça, Lusíada. Direito. Lisboa. Série II, n.º 3, 2005, págs. 85 a 93 (comunicação apresentada no Colóquio Internacional de Direito Penal da Universidade Lusíada, Lisboa, 2002, tradução de Augusto Silva Dias), afirma: “Um tipo de crime de branqueamento de capitais não protege nenhum bem jurídico tangível. Ele dirige-se contra uma forma especialmente perigosa de criminalidade, mesmo contra a sua organização e aproveitamento através de associações criminosas, mas também contra um simples fenómeno concomitante: a tentativa de encobrir com os meios do mercado financeiro valores patrimoniais obtidos de forma criminosa, para os subtrair à intervenção das autoridades de investigação criminal”.

O Autor considera errado o caminho seguido de conceber o branqueamento como crime contra a realização da justiça (o art. 305.º bis do Código Penal suíço descreve o comportamento punível como realização de uma acção que é adequada para impedir a apreensão de valores patrimoniais que procedem de um crime), afirmando que a aplicação da disposição pela jurisprudência é prova disso mesmo. 

Gonçalo Sopas de Melo Bandeira, «O crime de “branqueamento” e a criminalidade organizada no ordenamento jurídico português», Ciências Jurídicas, Almedina, 2005, págs. 278 a 291, partindo de uma aproximação ao crime de associação criminosa e o ponto de encontro que tal crime tem com o branqueamento na criminalidade altamente organizada, defende que o principal bem jurídico tutelado pela criminalização do branqueamento é o sufragado pela doutrina alemã e por Figueiredo Dias no Comentário Conimbricense do Código Penal em anotação ao artigo 299.º, ou seja, a paz pública será o interesse subjacente à punição do branqueamento.

Vicente Greco Filho, Tipicidade, bem jurídico e lavagem de valores, Direito Penal Especial, Processo Penal e Direitos Fundamentais, Visão Luso-Brasileira, Editora Quartier Latin do Brasil, São Paulo, Outono de 2006, págs.147 a 169, após versar as quatro alternativas (crime contra o património, contra o sistema económico e financeiro, contra administração da justiça e da mesma natureza do crime antecedente), afirma que a existência do crime de lavagem tem razão de ser na tutela do bem jurídico do crime que gerou os recursos ilícitos; o crime de lavagem tem como bem jurídico nuclear o do crime antecedente e, portanto, participa de sua natureza jurídica – pág. 164 –, concluindo: “O crime de lavagem de valores comporta diversas interpretações quanto ao bem jurídico tutelado, mas a sua relação de complementaridade ao crime antecedente o torna crime de conteúdo variável à sua natureza, porque acompanha a tutela jurídica do crime antecedente, pois é esse que a lei visa coibir. O bem jurídico tutelado pelo crime de lavagem de valores, portanto, é o mesmo do crime antecedente sendo este periférico do anterior que é nuclear”.

E remata: “Em sendo assim, não há como imputar a quem pratica o crime antecedente também o crime de lavagem”. Por outras palavras, o crime de lavagem de valores, quando praticado pela pessoa que praticou o crime antecedente é exaurimento deste.

Germano Marques da Silva, Notas sobre branqueamento de capitais em especial das vantagens provenientes da fraude fiscal, Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles: 90 anos /Homenagem da Faculdade de Direito de Lisboa, Almedina, 2007.

Como refere a pág. 452 (e repete a págs. 454 e 455), na lei portuguesa o bem jurídico tutelado pelo crime de branqueamento é a realização da justiça, conclusão que resulta não apenas da inserção sistemática do artigo 368.º - A no Capítulo III, do Título V, do Livro II do Código Penal, mas também da análise dos próprios termos da incriminação. Mediatamente há outros bens jurídicos tutelados, desde logo os mesmos bens protegidos pelas incriminações designadas na norma incriminadora do branqueamento, que constituem co-fundamento da punição, mas o cerne da tutela do branqueamento é a realização da justiça.

Em geral, apontam-se como bens jurídicos protegidos pela incriminação do branqueamento os mesmos bens tutelados pelos crimes designados na incriminação, os chamados crimes antecedentes, a ordem económico-financeira e a realização da justiça. 

Mais adiante, a págs. 456, afirma: o crime de branqueamento acompanha o crime designado, dificultando a actuação da justiça, quer na sua descoberta e punição, quer na perda das vantagens do crime que é consequência da condenação (artigo 111.º do CP).

Mas o branqueamento não consiste simplesmente no aproveitamento das vantagens adquiridas com a prática do crime, é mais do que isso, é um facto praticado com o fim de dissimular a origem ilícita das vantagens ou de evitar que os agentes sejam perseguidos ou submetidos a uma reacção criminal, é, enfim, um facto praticado com o fim específico de dificultar a acção da justiça.

O simples aproveitamento das vantagens do crime não constitui ainda branqueamento, só o sendo quando os factos típicos são praticados com aquela intenção específica. Por isso que pode existir concurso real de crimes entre o crime designado e o crime de branqueamento, quando praticados pelo mesmo agente, porque são diversos os factos e diversos são os bens jurídicos protegidos pelas incriminações.

Mais à frente, pág. 459, reafirma que o crime de branqueamento é um crime contra a realização da justiça, na medida em que através da sua prática o agente persegue o fim de dissimular a origem ilícita dos bens a branquear ou «evitar que o autor ou participante dessas infracções seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reacção criminal», sendo que dissimular a origem ilícita dos bens é uma forma de evitar a perseguição criminal.

O crime de branqueamento é praticado para ocultar ou garantir o proveito do crime antecedente, havendo entre eles uma conexão material de tal modo que o crime subjacente compõe a própria estrutura do branqueamento; no plano ontológico o crime de branqueamento é mais um elo na cadeia do crime subjacente e, por isso, que alguns entendem que ambos têm a mesma natureza.

Pela inserção sistemática Capítulo III (Dos crimes contra a realização da justiça) do Título V (Dos crimes contra o Estado) do Livro II (da Parte especial), o crime de branqueamento é crime contra administração da justiça.

Para Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2010, na nota prévia ao artigo 368.º-A, n.º 4, pág. 951, o bem jurídico protegido pelo crime de branqueamento de capitais, nas suas diversas alíneas, é o da administração da justiça, o da perseguição e confisco pelos tribunais dos proventos da actividade criminosa, repetindo agora na nota 2 ao artigo, na pág. 955, que o bem jurídico protegido pela incriminação é a realização da justiça, na sua particular vertente da perseguição e do confisco pelos tribunais dos proventos da actividade criminosa.

M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal. Parte geral e especial, Almedina, 2014, em comentário ao artigo 368.º-A, referem, a págs. 1215: “O bem jurídico protegido pela incriminação é a realização da justiça quanto à adoção das medidas necessárias à perseguição e à eliminação dos efeitos de determinadas atividades criminosas – de modo diferente, o crime de recetação do art. 231º, por ser crime patrimonial. “O peso e as densidades normativas, quer do desvalor de intenção, quer do desvalor de resultado que acompanham as duas práticas, apresentam-se de jeito tão diferenciado que tudo aponta para que também se verifique uma diferenciação ao nível do tipo legal. Porque, convenhamos, em termos político-criminais, não é a mesma coisa ser receptador de rádios de automóveis ou ser branqueador de capitais”, Faria Costa, BFD da UC, vol. LXVIII, 1992, p. 65 ss.”.

O bem jurídico tutelado no crime branqueamento de capitais/vantagens na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça

A definição dos contornos do bem jurídico tutelado pela punição do branqueamento foi versada a propósito da questão de saber se haveria concurso real com o crime precedente no caso de o branqueamento ser praticado pelo autor do crime base. 

Assim, no acórdão de 30 de Maio de 1996, proferido no processo n.º 35/96, em caso em que na primeira instância a arguida M L foi condenada pela autoria de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. p. pelos artigos 21.º e 24.º, alíneas b), c) e g) e um outro de conversão ou dissimulação de bens, p. p. pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea a), como aqueles do Decreto-Lei n.º 15/93, e o tema do recurso era saber se havia concurso real ou aparente entre os dois crimes, a resposta foi no sentido de ser efectivo, por serem diferentes os bens jurídicos protegidos pelas duas incriminações, defendendo que enquanto no tráfico é protegida a saúde pública, no branqueamento protege-se a “legalidade económica e financeira”.

No acórdão de 8 de Outubro de 1997, proferido no processo n.º 356/97 da 3.ª Secção, o arguido JACB fora condenado por tráfico agravado, p. p. pelos artigos 21.º e 24.º, alíneas b), c) e j) e por branqueamento agravado, p. p. pelos artigos 23.º, n.º 1, alínea a) e 24.º, alíneas b), c) e j), como aquele do Decreto-Lei n.º 15/93.

O arguido em causa alegou violação do princípio ne bis in idem quanto à dupla agravação da alínea j) do artigo 24.º nas duas punições.

O acórdão colocou a questão de saber se o autor do crime de branqueamento pode ou não ter sido também autor ou cúmplice do delito de tráfico que ficou a montante, incorrendo em acumulação de infracções, a qual mereceu resposta afirmativa, com apoio na posição assumida por Lourenço Martins em Droga e Direito, págs. 136/8, concluindo pela existência de concurso real e mantendo o decidido.

Noutra perspectiva, relativamente ao arguido JAOC, avô de JACB, condenado por branqueamento agravado, p. p. pelos artigos 23.º, n.º 1, alínea a) e 24.º, alínea j), do Decreto-Lei n.º 15/93, discutindo-se a subsunção da conduta no artigo 367.º, n.º 5, alínea b), do Código Penal, foi dada resposta afirmativa, “contornando” o disposto no artigo 48.º do DL 15/93, que apenas permite a aplicação subsidiária das disposições da Parte Geral do Código Penal, concluindo pela não punibilidade e absolvição do arguido.

(A mesma solução quanto a tal crime foi dada relativamente aos arguidos CAB, MFC e JC, aquele pai e estes tios de JACB).

Sobre a posição tomada relativamente ao arguido JAOC (avô de JACB) e relevância da respectiva relação familiar com o autor do crime-base, pronunciou-se, criticamente, Jorge Dias Duarte em Branqueamento de Capitais e Favorecimento Pessoal, Revista do Ministério Público, Ano 23.º, Abril/Junho 2002, n.º 90, págs. 167 a 177, concluindo pela verificação de lacuna jurídica na inexistência no Decreto-Lei n.º 325/95 de norma semelhante à do artigo 48.º do Decreto-Lei n.º 15/93.  

No acórdão de 24 de Junho de 1998, proferido no processo n.º 543/98, da 3.ª Secção (cuja doutrina foi invocada no acórdão da primeira instância que constituiu a decisão recorrida no acórdão de 23 de Março de 2000 a seguir mencionado), o arguido MM na primeira instância foi condenado por tráfico agravado e por crime do artigo 23.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, sendo por este na pena de 6 anos de prisão.

O condenado interpôs recurso para o STJ, invocando no fundo uma repetição de condenação, defendendo bastar a condenação pelo tráfico de estupefacientes para punir sem por em causa os fins das penas.

O Supremo entendeu assistir razão ao recorrente, alinhando os seguintes argumentos:

“Entendemos que agentes deste crime têm de ser pessoas diferentes dos traficantes e que sabendo que os bens ou produtos são provenientes da prática do crime de tráfico de estupefacientes praticam qualquer dos actos das alíneas a), b) e c) em seu proveito próprio ou em benefício do próprio traficante”.

“Se correcta fosse a incriminação assumida pelo Tribunal Colectivo todos os traficantes de estupefacientes incorriam na prática do crime do art. 23.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, pois de um modo geral com a venda de estupefacientes o agente consegue proventos económicos, proventos esses que não guarda intactos para serem apreendidos e declarados perdidos a favor do Estado, antes os gasta no seu sustento e na aquisição de bens e em depósitos bancários, muitas vezes uns e outros em nome de familiares ou terceiras pessoas, o que não impede a sanção respectiva, ou seja, a sua perda para o Estado nos termos do art. 36.º do DL 15/93”. 

E finaliza: “Em nosso entendimento o recorrente não cometeu o crime em causa, pois envolvidos estavam só os proventos económicos, aliás avultados, que conseguiu com o tráfico de estupefacientes, impondo-se a sua absolvição”, em consequência do que ficou sem efeito a pena única aplicada por deixar de haver concurso real.   

No acórdão de 8 de Julho de 1998, processo n.º 344/98, da 3.ª Secção, por vezes citado como exemplo de opção por concurso efectivo em caso de auto branqueamento, não se colocou na realidade tal controvérsia, pois os arguidos CC e JM foram condenados por um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelos artigos 21.º e 24.º, alínea c), do DL 15/93 e um crime de conversão e dissimulação de bens, p. p. pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea a) do mesmo diploma, ambos sob a forma continuada, em concurso real, nas penas únicas de 9 anos e 6 meses de prisão e de 12 anos de prisão, mas nos recursos interpostos os condenados limitaram-se a suscitar questões processuais e a impugnar a medida das penas, não suscitando a questão do concurso real de tais crimes.

O acórdão negou provimento aos recursos, mas embora como se viu, a questão não integrasse o objecto do recurso, o terceiro subscritor, por sinal, relator do acórdão de 24 de Junho de 1998, votou “vencido quanto à condenação do arguido JM como autor do crime do art. 23.º, n.º 1 do DL 15/93, de 22 de Janeiro, pois entendo que tal crime não pode ser praticado pelo próprio traficante em relação aos dinheiros e sua aplicação resultantes do tráfico; a sanção está no art. 36.º do mesmo DL).

O acórdão de 23 de Março de 2000, processo n.º 972/99, da 3.ª Secção, CJSTJ 2000, tomo 1, pág. 227, confirmou deliberação de primeira instância que absolvera do crime de conversão os arguidos condenados por tráfico agravado, afirmando que os agentes do crime do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 15/93 – conversão de bens provenientes da prática de crimes de tráfico de estupefacientes – não podem ser os próprios traficantes, mas aqueles que, com os propósitos normativamente definidos, convertem, transferem ou dissimulam bens ou produtos provenientes da prática de tráfico, o que envolve, a bem dizer, uma conivência ou um aproveitamento a posteriori, sendo, afinal, este prolongar de incidências do tráfico, mediante a acção de agentes que, directa e originariamente, não traficaram, que se visa com a incriminação.

Este acórdão adopta o entendimento de ser o mesmo o bem jurídico tutelado pelo crime precedente e pelo crime de branqueamento, defendendo que o agente do crime subjacente não deveria ser punível pelo branqueamento.

Nesta posição entendia-se que o bem jurídico tutelado pelo crime de branqueamento e pelo crime subjacente eram um só e o mesmo.

No acórdão de 20 de Junho de 2002, proferido no processo n.º 472/02, da 5.ª Secção, in CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 225, entende-se que no branqueamento (no concreto caso o previsto no artigo 23.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei 15/93) é protegida a ordem jurídica no seu todo, designadamente na perspectiva de que as enormes fortunas geradas pela criminalidade subjacente podem, se inseridas no circuito económico e financeiro «regular», corromper e contaminar toda a estrutura comercial e financeira legítimas, pondo em causa as próprias estruturas do Estado, e gerar novos fundos que, afinal, irão refinanciar as estruturas criminosas, dessa forma reforçando a respectiva capacidade de actuação, concluindo que o autor de um crime de tráfico de estupefacientes pode cometer, em concurso efectivo ou real com esse crime base, também um crime de branqueamento de capitais, obtidos em consequência daquela actividade.

Aí se afirma ainda: “ Sem esquecer que a tese contrária deixaria o sistema indefeso perante a colocação nos circuitos económico-financeiros de dinheiro sujo, desde que tal feito lograsse a autoria singular do autor do crime-base.

O que, reconheça-se, constituiria um rombo de vulto na sua estrutura, que, assim, seria permissiva com o usufruto das vantagens do branqueamento pelos que, afinal, constituem o centro das preocupações legais.

Para além de que, ressalvado o devido respeito, parece difícil conceber e sustentar, com base nos princípios gerais referidos, e da própria finalidade essencial de aplicação das penas «protecção de bens jurídicos» - art. 40.º n.º 1 do Código Penal - a tese algo artificiosa, aliás não suficientemente demonstrada, segundo a qual, «uma vez consumada a lesão do bem jurídico tutelado pelo crime precedente, surge em seu lugar o bem jurídico que é a realização da justiça».  

No caso do acórdão de 13 de Maio de 2004, processo n.º 1408/04, igualmente da 5.ª Secção, a arguida M G fora absolvida na primeira instância do crime de conversão, transferência ou dissimulação de bens ou produtos, p. p. pelo artigo 23.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, por ali se ter sido entendido, tal como no acórdão de 23 de Março de 2000 que convoca, “não ser punível o branqueamento de capitais obtidos pelos próprios através das infracções precedentes”. (Como resulta da leitura da matéria de facto dada por provada - § 3.º - a arguida fora condenada anteriormente pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. p. pelo artigo 24.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93. A anterior condenação por tráfico é igualmente referida na conclusão 4.ª do recurso do M.º P.º, embora se refira o artigo 21.º).

O M.º P.º interpôs recurso, colocando-se a questão de saber se havia concurso real entre os crimes dos artigos 21.º (aliás, 24.º) e 23.º do Decreto-Lei n.º 15/93.

Sufragando por completo o exposto no acórdão de 20 de Junho de 2002, foi declarada a existência de concurso real entre ambos os crimes, sendo os autos devolvidos à primeira instância para em audiência complementar se pronunciar sobre a medida da pena.

Deste acórdão foi interposto pela arguida recurso para o Tribunal Constitucional, invocando a inconstitucionalidade do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 15/93, na interpretação dada pelo STJ, por violação do princípio “ne bis in idem”.

No processo n.º 675/04, da 1.ª Secção, foi proferida decisão sumária em 28 de Junho de 2004, que convocou o acórdão n.º 102/99, de 10 de Fevereiro de 1999, in Diário da República, II Série, n.º 77, de 01-04-1999 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 42.º, pág. 457, que apreciou a constitucionalidade dos artigos 21.º, 24.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, interpretados em termos de entre eles se verificar uma relação de concurso real, considerando-o inteiramente transponível para o caso, apesar de, então, se pôr em causa um concurso do crime de tráfico de estupefacientes com outro crime, que não o de branqueamento, sendo certo que o acórdão recorrido assentava o fundamental da sua argumentação na circunstância de os bens jurídicos tutelados serem distintos nos crimes em presença, sendo inquestionável que eles são executados por actos também diversos, não tendo sido violado o princípio “ne bis in idem”.

A decisão sumária decidiu negar provimento ao recurso.  

A recorrente reclamou desta decisão e pelo acórdão n.º 566/04, de 22 de Setembro de 2004, foi decidido indeferir a reclamação.

No acórdão de 20 de Abril de 2005, proferido no processo n.º 461/05, da 3.ª Secção, na primeira instância os arguidos EC, VF, AM, AC, LC e ST foram absolvidos da prática dos crimes de branqueamento de capitais, o arguido EC foi condenado por tráfico agravado, tendo sido decretada a reversão a favor do Estado do imóvel apreendido a EC e ST.

Interposto recurso pelo M.º P.º e pela arguida ST, o Tribunal da Relação de Lisboa nega provimento ao recurso da arguida ST e concede parcial provimento ao recurso do MP, condenando o arguido EC como autor de um crime de branqueamento de capitais, p. p. pelo artigo 368.º-A, n.º 2, do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, refazendo o cúmulo com penas pré existentes de tráfico e de detenção de arma proibida.

Apenas a arguida ST recorreu para o STJ, estando em causa a declaração de perda do imóvel, colocando-se, i. a., a questão da prova de que o imóvel declarado perdido não fora adquirido com dinheiro proveniente do narcotráfico.

Improcedendo a pretensão de ser revogada essa parte da decisão, foi rejeitado o recurso.

No acórdão de 31 de Maio de 2007, proferido no processo n.º 1413/07, da 5.ª Secção, na primeira instância o arguido LX foi condenado, por acórdão de 14 de Junho de 2006, pela co-autoria de um crime de branqueamento de capitais, p. p. pelo artigo 368.º-A, n.º 2, do Código Penal e de outros três crimes (dois relacionados com posse de arma e um outro de condução intitulada) e a arguida MM foi condenada por tráfico de estupefacientes agravado e por crime de branqueamento de capitais, p. p. pelo citado artigo 368.º-A, n.º 2, do Código Penal. 

Interposto recurso pelos arguidos, o Tribunal da Relação do Porto concedeu parcial provimento, reduzindo as penas impostas pelo crime de branqueamento, e, na sequência, reduziu as penas únicas.

Os arguidos interpuseram recurso para o STJ colocando em causa no fundamental a condenação pelo crime de branqueamento de capitais; o acórdão, louvando-se no exposto no acórdão recorrido, opinou pela correcta qualificação, negando provimento ao recurso da arguida MM e concedendo parcial provimento ao recurso do arguido LX, reduziu a pena única.

No acórdão de 2 de Outubro de 2008, proferido no processo n.º 1608/08, da 5.ª Secção, o arguido fora condenado pela autoria de um crime de peculato, p. p. pelo artigo 375.º, n.º 1, do Código Penal, e outro de branqueamento de capitais, p. p. pelo artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 325/95, e interposto recurso foi entendido rejeitar a consunção do facto posterior do branqueamento pela incriminação do facto subjacente, afirmando-se a correcção da decisão recorrida, no que respeita ao questionado concurso real, ao proceder à qualificação autónoma do crime de branqueamento de capitais.

No acórdão de 6 de Maio de 2010, proferido no processo n.º 156/00.2IDBRG.S1, da 5.ª Secção, na primeira instância o arguido AA foi condenado por acórdão de 6 de Outubro de 2006, pela autoria de, para além do mais, um crime continuado de fraude fiscal e de um crime continuado de branqueamento de capitais, p. p. pelo artigo 368.º-A, n.º 2, do Código Penal.

O arguido AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação de …, tendo sido negado provimento ao recurso.

O arguido interpôs novo recurso para o STJ, alegando que quanto a tempo de execução do crime de branqueamento deveriam ser considerados apenas os que foram praticados depois de 11 de Fevereiro de 2002, com o consequente ajustamento na respectiva pena, sendo igualmente colocada a questão de saber se poderia ser condenado por branqueamento e fraude fiscal, ou seja, se o crime de branqueamento pode ser imputado ao próprio gente do «crime-base», o que mereceu resposta positiva com aplicação da orientação do acórdão uniformizador n.º 13/2007, e portanto, considerar que na altura dos factos imputados ao recorrente em 2002 e 2003, o autor do crime de branqueamento de capitais poderia ser também o autor do crime de fraude fiscal de onde ilicitamente vieram os proventos económicos «branqueados».

O recurso foi provido apenas na questão da pena relativa ao crime de branqueamento que foi reduzida e por essa via reduzida foi a pena única. 

A fixação de jurisprudência

    

A controvérsia acerca da existência de concurso efectivo ou não, quando o autor de crime de tráfico de estupefacientes pratica, com os bens ou produtos provenientes dessa conduta, algum dos factos incriminados no artigo 23.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, veio a ser objecto de uniformização de jurisprudência, sendo acórdão recorrido o acórdão de 13 de Maio de 2004, proferido no processo n.º 1408/04, da 5.ª Secção, defensor da tese do concurso real, tendo sido invocado como acórdão fundamento o acórdão de 23 de Março de 2000, publicado na CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 227, o qual defendia a tese contrária.

A querela a dilucidar foi enunciada deste modo: o autor do facto precedente (no caso, o crime de tráfico de estupefacientes) pode ser autor do crime de branqueamento?

E, sendo a resposta positiva, se praticar factos típicos que o concretizam, pode ser punido pela prática de ambos, em concurso real, efectivo?

A resposta foi dada pelo Acórdão n.º 13/2007, de 22 de Março de 2007, proferido no processo n.º 220/05, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 420, de 13 de Dezembro de 2007, págs. 8903/8914, tendo o Supremo Tribunal de Justiça fixado a seguinte jurisprudência: «Na vigência do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, o agente do crime previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do mesmo diploma, cuja conduta posterior preenchesse o tipo de ilícito da alínea a) do seu n.º 1, cometeria os dois crimes, em concurso real».

[Este AUJ já foi referido acima, a fls. 90].

Segundo Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, 2010, nota 23, a págs. 959/960, o acórdão decidiu no sentido correcto, mais afirmando: “Esta solução constitui até a regra em face do direito convencional, como resulta claramente do disposto no artigo 6.º, n.º 2, al.ª b) da convenção de Estrasburgo e, de novo, no artigo 9.º, n.º 1, al.ª b) da convenção de Varsóvia e no artigo 23.º, parágrafo 2.º, al.ª e) da convenção das Nações Unidas contra a corrupção”.

Pedro Caeiro comenta este Acórdão Uniformizador de Jurisprudência em A Consunção do branqueamento pelo facto precedente (Em especial: (i) as implicações do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2007, de 22 de Março; (ii) a punição da consunção impura), in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Boletim da Faculdade de Direito - Universidade de Coimbra, STVDIA IVRIDICA, 100, Ad Honorem -5, Coimbra Editora, 2010, volume III, págs. 187 a 222.  

Tendo a questão da delimitação da autoria no crime de branqueamento perdido interesse com a introdução do artigo 368.º-A no Código Penal, decidindo o legislador que o autor do facto precedente também podia ser autor do crime de branqueamento, mas não resolvendo, por si só, o problema do concurso de infracções, a jurisprudência fixada pelo STJ mantém o seu valor normativo, dado que a modificação legislativa ocorrida não parece de molde a torná-la “ultrapassada”, sendo susceptível de ser estendido à questão do concurso do branqueamento, nas suas várias modalidades, com factos precedentes de outra natureza, valendo também para o direito vigente.

O Autor revisita o problema, aplicando-lhe a teoria do concurso entretanto apresentada pelo homenageado na segunda edição do seu Direito Penal – Parte Geral (2007) e dando particular atenção ao tópico da consunção.

Coloca a questão de saber se o “concurso real” estabelecido pelo STJ se identifica com a noção de “concurso de crimes efectivo”, sc., vários crimes punidos nos termos do art. 77.º do CP, ou se significa apenas que o branqueamento concorre com o tráfico de estupefacientes, deixando aberta a possibilidade de um concurso aparente (consunção) entre os dois crimes quando o agente branqueie as vantagens que obteve, ele próprio, com o facto precedente (pág. 197).

Conclui que a jurisprudência não pode ser entendida no sentido de que o branqueamento se encontra sempre numa relação de concurso efectivo com o facto precedente, sujeito ao regime do art. 77.º do CP; diversamente, ela deve ser interpretada no sentido de que existe aí um “concurso de crimes” (e não um fenómeno de “unidade de lei”), cabendo sempre ao juiz do caso avaliar se se trata, em concreto, de um “concurso de crimes efectivo”, punível segundo as regras do art. 77.º, ou de um “concurso de crimes aparente”, por força de uma relação de consunção que leva à condenação por um único crime (o crime dominante), servindo o crime dominado como factor de agravação da pena concreta (pág. 221).

Concretizando.

 

Vejamos em que consistiu o branqueamento.

Neste plano há que olhar o conjunto de condutas narradas nos FP 55 a 63 e 66 e 67, actuando o recorrente em conjunção com a companheira DD, sendo efectuados depósitos desde 24 de Junho de 2013 até 6 de Abril de 2015, para além de transferências e aplicações financeiras.

Depósitos

Desde 24 de Junho de 2013 a 6 de Abril de 2015  

FP 57 - Total de 7.330,00 €

Desde 12 de Agosto de 2013 a 12 de Fevereiro de 2014

FP 58 – Total de 2.410,00 €

Desde 26 de Setembro de 2013 a 23 de Março de 2015

FP 59 – Total de 5.600,00 €

Em 15 e 24 de Outubro de 2014

FP 60 – Total de 2.550,00 €

Há ainda a ter em conta os movimentos bancários descritos no FP 61 e as aplicações financeiras desde Junho de 2013 descritas no FP 62, subscrição de fundos de investimento com o valor em 6-05-2015, de 1.503,10 €, uma conta poupança com o valor em 7-04-2015, de 102,93 € e outra conta poupança com o valor em 24-04-2015 de 1674,43 €, encontrando-se arrestados à ordem dos autos os 1.º e 3.º produtos financeiros assinalados.   

 

Estes actos de branqueamento não são tão minimalistas como os primeiros julgados por este Supremo Tribunal de Justiça, com descrição das condutas no mencionado acórdão de 11-06-2014.

Referimo-nos aos acórdãos de 15 de Janeiro, de 2 de Julho e de 17 de Setembro de 1997, proferidos, respectivamente, nos processos n.º 936/96, 420/97 e 447/97, todos se pronunciando sobre o crime de branqueamento de capitais/vantagens, mas sem estar em causa a definição do bem jurídico tutelado pela incriminação e tendo presente como crime base o tráfico de estupefacientes e sendo o branqueador pessoa diversa do autor do crime principal.

Como assinala o acórdão recorrido, a fls. 4051, o grau de ilicitude dos factos é de considerar abaixo da média “atendendo, por um lado, a que as operações bancárias realizadas se revelam pouco elaboradas e, por outro lado, aos valores envolvidos”.

Acresce que o período temporal da comissão do crime não é de todo coincidente com a prática do tráfico, estando documentado e perfeitamente balizado entre 24 de Junho de 2013 e 6 de Abril de 2015.

Passando ao crime de resistência e coacção sobre funcionário

Integrado no Título V do Código Penal - Dos crimes contra o Estado - Capítulo II - Dos crimes contra a autoridade pública e Secção I - Da resistência e desobediência e falsas declarações à autoridade pública (redacção dada pela Lei n.º 19/2013, de 21-02) o artigo 347.º prevê o crime de resistência e coacção sobre funcionário.

Para Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, UCE, 2010, pág. 822, o bem jurídico protegido pela incriminação é a autonomia intencional do funcionário (ao invés do que pretende Cristina Monteiro, anotação 1.ª ao artigo 347.º, in CCCP, 2001, não se tutela apenas a autonomia intencional do Estado, uma vez que o conceito de funcionário inclui os gestores e trabalhadores das empresas privadas concessionárias de serviços públicos). Só acessoriamente se protege a integridade física do funcionário.

M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal. Parte geral e especial, Almedina, 2014, em comentário ao artigo 347.º, referem, a págs. 1167: “O preceito tutela um duplo objectivo: por um lado assegurar o valor da autoridade pública; por outro, também, assegurar a atuação funcional de funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança. O bem ou interesse protegido só coincide circunstancialmente com a pessoa do próprio funcionário (também Lopes da Mota, 1998, p. 413 ss). A norma representa uma forma específica do ilícito de coação”.     

 

Com interesse para o preenchimento do crime e percepção do modo de actuação e consequência da conduta ter-se-á em vista o narrado nos FP 32 a 35, tendo os factos ocorrido no dia 12-04-2015 em que foi detido, sendo a violência exercida sobre os dois militares da GNR através de ofensas à integridade física.

O acórdão recorrido a fls. 4051, considerou o grau de ilicitude como “mediano” atendendo à circunstância de serem dois os guardas da GNR ofendidos e às lesões sofridas pelos mesmos, em consequência das agressões perpetradas pelo arguido”.

     


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O dolo do arguido foi directo e intenso, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, mas, não obstante, quis a realização do facto típico - a efectivação de comercialização de estupefacientes e a posterior dissimulação das vantagens obtidas com aquele.

A ter em conta as condições pessoais, familiares e sócio-económicas do recorrente, expressas nos FP 75 a 86, destacando-se a aquisição de competências e o acompanhamento de familiares e amigos.   

No que toca aos antecedentes criminais, conforme FP 217, nada a assinalar.

Como acentuou o acórdão recorrido, o recorrente confessou quanto ao crime de tráfico os factos na sua materialidade, colaborando com o Tribunal na descoberta da verdade.

No que tange a motivações da conduta, tem-se por certo estar presente a obtenção de vantagem patrimonial, que foi dissimulada, sendo que como ficou provado no FP 52 o único meio de sustento do recorrente, como de outros co-arguidos, provinha da actividade de venda de estupefacientes a terceiros, pois que na altura não desenvolvia actividade profissional remunerada.

As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são elevadas, fazendo-se especialmente sentir no tráfico, tendo em conta o bem jurídico violado no crime em questão – a saúde pública – e impostas pela frequência do fenómeno e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam e das conhecidas consequências para a comunidade a nível de saúde pública e efeitos colaterais, justificando resposta punitiva firme.

Na verdade, há que ter em atenção as grandes necessidades de prevenção geral numa sociedade assolada pelo fenómeno do tráfico de droga, que a juzante gera outro tipo de criminalidade.

Como se pode ler no referido Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências 2013-2020, pág. 45, “As infrações à legislação nacional em matéria de drogas ilícitas, constituem apenas uma parte da “criminalidade associada à droga”, denominada, segundo uma proposta de tipologia apresentada pela Comissão Europeia ao Conselho da UE (OEDT, 2007), de crimes sistémicos (no contexto do funcionamento dos mercados de substâncias ilícitas), existindo também outros tipos de crimes como os psicofarmacológicos (cometidos sob a influência de substâncias psicoativas), os económicos compulsivos (cometidos para obter dinheiro ou drogas para o consumo), ainda pouco documentados a nível nacional e europeu”.

Neste segmento, em sede de prevenção, procura-se alcançar a neutralização dos efeitos negativos da prática do crime.

A considerar que os tipos legais de tráfico de estupefacientes e de branqueamento integram o conceito de «Criminalidade altamente organizada», na definição da alínea m) do artigo 1.º do CPP, com a redacção dada pela Lei n.º 26/2010, de 30 de Agosto.

Como expende Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.   

Como se expressou o acórdão do STJ de 4 de Julho de 1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 225, com o recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.

Como assinala o acórdão do STJ de 25-02-2009 “As necessidades de prevenção geral são prementes, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num significativo aumento da criminalidade e na degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade”.

As necessidades de prevenção especial avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência.

Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.

Por todo o exposto, tendo em conta a moldura penal cabível de 4 a 12 anos de prisão, no que tange ao crime de tráfico de estupefacientes, ponderando todos os elementos enunciados, nomeadamente, o encurtamento do período temporal em que surgem concretizadas as condutas de tráfico, entende-se justificar-se intervenção correctiva, afigurando-se equilibrada e adequada a pena de 6 anos de prisão.

No que concerne ao crime de branqueamento, considera-se ser igualmente de justificar-se intervenção correctiva, reduzindo-se a pena para 2 anos e 8 meses de prisão.

No que respeita ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, considera-se não se justificar intervenção correctiva.

Questão II – Medida da pena única

      

O recorrente nas conclusões b), k), m) e n) pugna por redução da medida da pena única, entendendo que deve ser condenado em pena que não exceda os 6 anos e 6 meses de prisão.

Face às reduções operadas, reflexamente, há que fixar nova pena única, cuja moldura vai de 6 a 10 anos e 8 meses de prisão.

Estabelece, quanto a regras de punição do concurso de crimes, o artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, que operou a terceira alteração ao Código Penal, em vigor desde 1 de Outubro de 1995 (e inalterado pelas subsequentes trinta e sete modificações legislativas supra referidas), que:

“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

E nos termos do n.º 2, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Segundo o n.º 3 “Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores”.

Estabelece o n.º 4: As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis.

      

Resulta do disposto no artigo 77.º, n.º 2, que no caso presente, a moldura penal do concurso se situa entre 6 anos de prisão (pena aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes) e 10 anos e 8 meses de prisão.   

A medida da pena unitária a atribuir em sede de cúmulo jurídico reveste-se de uma especificidade própria.

Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal, mais ampla, abrangente, com maior latitude da atribuída a cada um dos crimes.

Por outro, tem lugar, porque se trata de uma nova pena, final, de síntese, correspondente a um novo ilícito e a uma nova culpa (agora culpa pelos factos em relação), uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71.º do Código Penal.

Constitui posição sedimentada e segura neste Supremo Tribunal de Justiça a de nestes casos estarmos perante uma especial necessidade de fundamentação, na decorrência do que dispõem o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, e os artigos 97.º, n.º 5 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, em aplicação do comando constitucional ínsito no artigo 205.º, n.º 1, da CRP, onde se proclama que “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.

Como estabelece o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, “Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”, decorrendo, por seu turno, do artigo 97.º, n.º 5, do Código de Processo Penal, que os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão, e do disposto no artigo 375.º, n.º 1, do mesmo Código, que a sentença condenatória deve especificar os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada.

Maia Gonçalves, in Código Penal Português Anotado e Comentado, 15.ª edição, pág. 277 (e a págs. 275 da 16.ª edição, de 2004 e pág. 295 da 18.ª edição, de 2007), a propósito do artigo 77.º, salientava que “na fixação da pena correspondente ao concurso entra como factor a personalidade do agente, a qual deve ser objecto de especial fundamentação na sentença. Ela é mesmo o aglutinador da pena aplicável aos vários crimes e tem, por força das coisas, carácter unitário”.

A punição do concurso efectivo de crimes funda as suas raízes na concepção da culpa como pressuposto da punição – não como reflexo do livre arbítrio ou decisão consciente da vontade pelo ilícito. Mas antes como censura ao agente pela não adequação da sua personalidade ao dever - ser jurídico penal.

Como acentua Figueiredo Dias em Liberdade, Culpa e Direito Penal, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1983, págs. 183 a 185, “ (…) o substracto da culpa (…) não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (…). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a “atitude” da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena”.


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No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 420, págs. 290/1, estabelecida a moldura penal do concurso, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72.º-1 (actual 71.º-1), um critério especial: o do artigo 78.º (actual 77.º), n.º 1, 2.ª parte, segundo o qual na determinação concreta da pena do concurso serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

E no § 421, págs. 291/2, acentua o mesmo Autor que na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

Acrescenta ainda: “De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

 

Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Maio de 2004, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 191, a propósito dos critérios a atender na fundamentação da pena única, nesta operação o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente, de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, a dar indícios de projecto de uma carreira, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido, mas antes numa conjunção de factores ocasionais, sem repercussão no futuro – cfr. na esteira da posição do citado Autor, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-07-1998, in CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 246; de 24-02-1999, processo n.º 23/99-3.ª; de 12-05-1999, processo n.º 406/99-3.ª; de 27-10-2004, processo n.º 1409/04-3.ª; de 20-01-2005, processo n.º 4322/04-5.ª, in CJSTJ 2005, tomo I, pág. 178; de 17-03-2005, no processo n.º 754/05-5.ª; de 16-11-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 210; de 12-01-2006, no processo n.º 3202/05-5.ª; de 08-02-2006, no processo n.º 3794/05-3.ª; de 15-02-2006, no processo n.º 116/06-3.ª; de 22-02-2006, no processo n.º 112/06-3.ª; de 22-03-2006, no processo n.º 364/06-3.ª; de 04-10-2006, no processo n.º 2157/06-3.ª; de 21-11-2006, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228; de 24-01-2007, no processo n.º 3508/06-3.ª; de 25-01-2007, nos processos n.ºs 4338/06-5.ª e 4807/06-5.ª; de 28-02-2007, no processo n.º 3382/06-3.ª; de 01-03-2007, no processo n.º 11/07-5.ª; de 07-03-2007, no processo n.º 1928/07-3.ª; de 14-03-2007, no processo n.º 343/07-3.ª; de 28-03-2007, no processo n.º 333/07-3.ª; de 09-05-2007, nos processos n.ºs 1121/07-3.ª e 899/07-3.ª; de 24-05-2007, no processo n.º 1897/07-5.ª; de 29-05-2007, no processo n.º 1582/07-3.ª; de 12-09-2007, no processo n.º 2583/07-3.ª; de 03-10-2007, no processo n.º 2576/07-3.ª; de 24-10-2007, no processo nº 3238/07-3.ª; de 31-10-2007, no processo n.º 3280/07-3.ª; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na valoração da personalidade deve atender-se a se os factos são a expressão de uma inclinação, tendência ou mesmo carreira criminosa, ou delitos ocasionais, sem relação entre si. A autoria em série é factor de agravação dentro da moldura penal conjunta, enquanto a pluriocasionalidade, que não radica na personalidade, não tem esse efeito agravante); de 09-04-2008, no processo n.º 686/08-3.ª (o acórdão ao efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares não elucida, porque não descreve, o raciocínio dos julgadores que orientou e decidiu a determinação da medida da pena do cúmulo); de 25-06-2008, no processo n.º 1774/08-3.ª; de 02-04-2009, processo n.º 581/09-3.ª, por nós relatado, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 187; de 21-05-2009, processo n.º 2218/05.0GBABF.S1-3.ª; de 29-10-2009, no processo n.º 18/06.0PELRA.C1.S1-5.ª, in CJSTJ 2009, tomo 3, pág. 224 (227); de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.S1-5.ª; de 10-11-2010, no processo n.º 23/08.1GAPTM-3.ª.

Na expressão dos acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20-02-2008, proferido no processo n.º 4733/07 e de 8-10-2008, no processo n.º 2858/08, desta 3.ª Secção, na formulação do cúmulo jurídico, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude; já a personalidade revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade.


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Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, unificado, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso - cfr., neste sentido, inter altera, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-03-2004, proferido no processo n.º 4431/03; de 20-01-2005, in CJSTJ 2005, tomo 1, pág. 178; de 08-06-2006, processo n.º 1613/06 – 5.ª; de 07-12-2006, processo n.º 3191/06 – 5.ª; de 20-12-2006, processo n.º 3379/06-3.ª; de 18-04-2007, processo n.º 1032/07 – 3.ª; de 03-10-2007, processo n.º 2576/07-3.ª, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 198; de 09-01-2008, processo n.º 3177/07-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181 (Na formação da pena conjunta é fundamental uma visão e valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares de modo a que a pena global reflicta a personalidade do autor e os factos individuais); de 06-02-2008, processo n.º 129/08-3.ª e da mesma data no processo n.º 3991/07-3.ª, este in CJSTJ 2008, tomo I, pág. 221; de 06-03-2008, processo n.º 2428/07 – 5.ª; de 13-03-2008, processo n.º 1016/07 – 5.ª; de 02-04-2008, processos n.º s 302/08-3.ª e 427/08-3.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1011/08 – 5.ª; de 07-05-2008, processo n.º 294/08 – 3.ª; de 21-05-2008, processo n.º 414/08 – 5.ª; de 04-06-2008, processo n.º 1305/08 – 3.ª; de 25-09-2008, processo n.º 2891/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08 – 3.ª; de 27-01-2009, processo n.º 4032/08 – 3.ª; de 29-04-2009, processo n.º 391/09 – 3.ª; de 14-05-2009, processo n.º 170/04.9PBVCT.S1 – 3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 50/06.3GAVFR.C1.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 577/06.7PCMTS.S1 – 3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8253/06.1TDLSB-3.ª; de 25-06-2009, processo n.º 274/07-3.ª, in CJSTJ 2009, tomo 2, pág. 251 (a decisão que efectiva o cúmulo jurídico das penas parcelares necessariamente que terá de demonstrar fundamentando que foram avaliados o conjunto dos factos e a interacção destes com a personalidade); de 21-10-2009, processo n.º 360/08.5GEPTM.S1-3.ª; de 04-11-2009, processo n.º 296/08.0SYLSB.S1-3.ª; de 18-11-2009, processo n.º 702/08.3GDGDM.P1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 490/07.0TAVVD-3.ª; de 10-12-2009, processo n.º 496/08.2GTABF.E1.S1-3.ª (citado no acórdão de 23-06-2010, processo n.º 862/04.2PBMAI.S1-5.ª), ali se referindo: “Na determinação da pena única do concurso, o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global, sendo decisiva a avaliação e conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos concorrentes. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente importa, sobretudo, verificar se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira» criminosa), ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”; de 04-03-2010, no processo n.º 1757/08.6JDLSB.L1.S1-5.ª; de 10-03-2010, no processo n.º 492/07.7PBBJA.E1.S1-3.ª; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 28-04-2010, no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª; de 05-05-2010, no processo n.º 386/06.3SLSB.S1-3.ª; de 12-05-2010, no processo n.º 4/05.7TDACDV.S1-5.ª; de 27-05-2010, no processo n.º 708/05.4PCOER.L1.S1-5.ª; de 09-06-2010, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª; de 23-06-2010, no processo n.º 666/06.8TABGC-K.S1-3.ª; de 20-10-2010, processo n.º 400/08.8SZLB.L1-3.ª; de 03-11-2010, no processo n.º 60/09.9JAAVR.C1.S1-3.ª; de 16-12-2010, processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª; de 19-01-2011, processo n.º 6034/08.0TDPRT.P1.S1-3.ª; de 02-02-2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1-3.ª; de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 06-02-2013, processo n.º 639/10.6PBVIS.S1-3.ª; de 14-03-2013, processo n.º 224/09.5PAOLH.S1 e n.º 13/12.0SOLSB.S1, ambos desta Secção e do mesmo relator; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 04-06-2014, processo n.º 186/13.4GBETR.P1.S1-3.ª; de 17-12-2014, processo n.º 512/13.3PGLRS.L1.S1-3.ª.

Como refere Cristina Líbano Monteiro, A Pena «Unitária» do Concurso de Crimes, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 16, n.º 1, págs. 151 a 166, o Código rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente, estando em causa a avaliação de uma «unidade relacional de ilícito», portadora de um significado global próprio, a censurar de uma vez só a um mesmo agente.

A pena conjunta tenderá a ser uma pena voltada para ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.


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Como referimos nos acórdãos de 20 de Janeiro de 2010, de 24 de Fevereiro de 2010, de 9 de Junho de 2010, de 10 de Novembro de 2010, de 2 de Fevereiro de 2011, de 18 de Janeiro de 2012, de 5 de Julho de 2012, de 12 de Setembro de 2012 (dois), de 22 de Maio de 2013, de 1 de Outubro de 2014 (dois), de 15 de Outubro de 2014, de 17 de Dezembro de 2014, de 29 de Abril de 2015, de 27 de Maio de 2015, de 9 de Julho de 2015, de 25 de Maio de 2016, de 16 de Junho de 2016, de 23 de Junho de 2016, de 7 e de 13 de Julho de 2016, proferidos no processo n.º 392/02.7PFLRS.L1.S1, in CJSTJ 2010, tomo 1, pág. 191, processo n.º 655/02.1JAPRT.S1, processo n.º 493/07.5PRLSB-3.ª, processo n.º 23/08.1GAPTM.S1, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1-3.ª, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, in CJSTJ 2012, tomo 1, pág. 209, processo n.º 246/11.6SAGRD, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1, processo n.º 11/11.0GCVVC.S1 e processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2, processo n.º 79/14.0JAFAR.S1, in CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 191 a 199, processo n.º 512/13.6PGLRS.L1.S1, processo n.º 791/12.6GAALQ.L2.S1, processo n.º 173/08.4PFSNT-C.S1, processo n.º 19/07.0GAMNC.G2.S1, processo n.º 610/11.0GCPTM.E1.S1, processo n.º 2137/15.2T8EVR.S1, processo n.º 2361/09.7PAPTM.E3.S2, processo n.º 541/09.4PDLRS-A.L1.S1 e processo n.º 101/12.2SVLSB.S1:

“Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projecção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de protecção de bens jurídicos.

Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais”.


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Por outro lado, na confecção da pena conjunta, há que ter presentes os princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso.                                                 

Cremos que nesta abordagem, há que ter em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no artigo 71.º do Código Penal – exigências gerais de culpa e prevenção – em conjugação, a partir de 1 de Outubro de 1995, com a proclamação de princípios ínsita no artigo 40.º, atenta a necessidade de tutela dos bens jurídicos ofendidos e das finalidades das penas, incluída a conjunta, aqui acrescendo o critério especial fornecido pelo artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal - o que significa que este específico dever de fundamentação de uma pena conjunta, não pode estar dissociado da questão da adequação da pena à culpa concreta global, tendo em consideração por outra via, pontos de vista preventivos, sendo que, in casu, a ordem de grandeza de lesão dos bens jurídicos tutelados e sua extensão não fica demonstrada pela simples enunciação, sem mais, do tipo legal violado, o que passa pela sindicância do efectivo respeito pelo princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, tornando-se fundamental a necessidade de ponderação entre a gravidade do facto global e a gravidade da pena conjunta.

Neste sentido, podem ver-se aplicações concretas nos acórdãos de 21-11-2006, proferido no processo n.º 3126/06-3.ª, CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 228 (a decisão que efectue o cúmulo jurídico não pode resumir-se à invocação de fórmulas genéricas; tem de demonstrar a relação de proporcionalidade entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação dos factos e a personalidade do arguido); de 14-05-2009, no processo n.º 170/04.9PBVCT.S1-3.ª; de 10-09-2009, no processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1-5.ª, seguido de perto pelo acórdão de 09-06-2010, no processo n.º 493/07.5PRLSB.S1-3.ª, ali se referindo que “Importa também referir que a preocupação de proporcionalidade a que importa atender, resulta ainda do limite intransponível absoluto, dos 25 anos de prisão, estabelecido no n.º 2 do art. 77.º do CP. É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras”; de 18-03-2010, no processo n.º 160/06. 7GBBCL.G2.S1-5.ª, onde se afirma, para além da necessidade de uma especial fundamentação, que “no sistema de pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo - e para além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade - o tribunal deve atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos”; de 15-04-2010, no processo n.º 134/05.5PBVLG.S1-3.ª; de 21-04-2010, no processo n.º 223/09.7TCLSB.L1.S1-3.ª; e do mesmo relator, de 28-04-2010, no processo n.º 4/06.0GACCH.E1.S1-3.ª.

Com interesse para o caso, veja-se o acórdão de 28-04-2010, proferido no processo n.º 260/07.6GEGMR.S1-3.ª, relativamente a onze crimes de roubo simples a agências bancárias.

Como se refere no acórdão de 10-09-2009, processo n.º 26/05.8SOLSB-A.S1, da 5.ª Secção “a pena conjunta situar-se-á até onde a empurrar o efeito “expansivo” sobre a parcelar mais grave, das outras penas, e um efeito “repulsivo” que se faz sentir a partir do limite da soma aritmética de todas as penas. Ora, esse efeito “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da personalidade do arguido. Proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar, em relação ao conjunto de todas elas.

Se a pena parcelar é uma entre muitas outras semelhantes, o peso relativo do crime que traduz é diminuto em relação ao ilícito global, e portanto, só uma fracção menor dessa pena parcelar deverá contar para a pena conjunta. (Asserção repetida no acórdão do mesmo relator, de 23-09-2009, no processo n.º 210/05.4GEPNF.S2 -5.ª).

A preocupação de proporcionalidade a que importa atender resulta do limite intransponível absoluto dos 25 anos de prisão estabelecido no n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal.

É aqui que deve continuar a aflorar uma abordagem diferente da pequena e média criminalidade, face à grande criminalidade, para efeitos de determinação da pena conjunta, e que se traduzirá, na prática, no acrescentamento à parcelar mais grave de uma fracção menor das outras.

Como referimos nos acórdãos de 23-11-2010, processo n.º 93/10.2TCPRT.S1, de 2-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, de 24-03-2011, processo n.º 322/08.2TARGR.L1.S1, de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1 e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1, de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1, de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1, de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2 e de 27-05-2015, processo n.º 173/08.48FSNT-C.S1: “A determinação da pena do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor, de forma a alcançar-se a valoração do ilícito global e entender-se a personalidade neles manifestada, de modo a concluir-se pela motivação que lhe subjaz, se emergente de uma tendência para delinquir, ou se se trata de mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade não fundamentada na personalidade, tudo em ordem a demonstrar a adequação, justeza, e sobretudo, a proporcionalidade, entre a avaliação conjunta daqueles dois factores e a pena conjunta a aplicar e tendo em conta os princípios da necessidade da pena e da proibição de excesso.

Importará indagar se a repetição operou num quadro de execução homogéneo ou diferenciado, quais os modos de actuação, de modo a concluir se estamos face a indícios desvaliosos de tendência criminosa, ou se estamos no domínio de uma mera ocasionalidade ou pluriocasionalidade, tendo em vista configurar uma pena que seja proporcional à dimensão do crime global, pois ao novo ilícito global, a que corresponde uma nova culpa, caberá uma nova, outra, pena.

Com a fixação da pena conjunta não se visa re-sancionar o agente pelos factos de per si considerados, isoladamente, mas antes procurar uma “sanção de síntese”, na perspectiva da avaliação da conduta total, na sua dimensão, gravidade e sentido global, da sua inserção no pleno da conformação das circunstâncias reais, concretas, vivenciadas e específicas de determinado ciclo de vida do(a) arguido(a) em que foram cometidos vários crimes”.

Como se extrai dos acórdãos de 12-05-2010, processo n.º 4/05.7TACDV.S1-5.ª e de 16-12-2010, no processo n.º 893/05.5GASXL.L1.S1-3.ª, a pena única deve reflectir a razão de proporcionalidade entre as penas parcelares e a dimensão global do ilícito, na ponderação e valoração comparativas com outras situações objecto de apreciação, em que a dimensão global do ilícito se apresenta mais intensa.

Reportam ainda a ideia de proporcionalidade os acórdãos de 11-01-2012, processo n.º 131/09.1JBLSB.L1.-A.S1-3.ª; de 18-01-2012, processo n.º 34/05.9PAVNG.S1-3.ª (CJSTJ 2012, tomo 1, págs. 209 a 227); de 31-01-2012, processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1-3.ª; de 05-07-2012, processo n.º 246/11.6SAGRD.S1-3.ª e os supra referidos de 12-09-2012, processos n.º 223/07.1GCVIS.C1.S1-3.ª e n.º 2745/09.0TDLSB.L1.S1-3.ª; de 22-01-2013, processo n.º 651/04.4GAFLTG.S1-3.ª; de 27-02-2013, processo n.º 455/08.5GDPTM.S1-3.ª; de 22-05-2013, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S1-3.ª; de 19-06-2013, processo n.º 515/06.7GBLLE.S1-3.ª; de 10-07-2013, processo n.º 413/06.4JAFAR.E2.S1-3.ª; de 12-09-2013, processo n.º 1445/09.6JAPRT.P1.S1-3.ª; de 26-09-2013, processo n.º 138/10.6GDPTM.S2-5.ª e de 3-10-2013, processo n.º 522/01.6TACBR.C3.S1-5.ª, onde pode ler-se: «O equilíbrio entre os efeitos “expansivo” e “repulsivo” prende-se necessariamente com uma preocupação de proporcionalidade, que surge como variante com alguma autonomia, em relação aos critérios da “imagem global do ilícito” e da “personalidade do arguido”»; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 1-10-2014, processo n.º 344/11.6PCBRG.G1.S2-3.ª.

Como se refere no acórdão de 2 de Maio de 2012, processo n.º 218/03.4JASTB.S1-3.ª, a formação da pena conjunta é uma solução para o problema de proporção resultante da integração das penas singulares numa única punição e o «restabelecimento do equilíbrio» entre crime isolado e pena singular, pelo que deve procurar-se que nas sucessivas operações de realização de cúmulo jurídico superveniente exista um critério uniforme de avaliação de tal proporcionalidade”.

Como se pode ler no acórdão de 21 de Junho de 2012, processo n.º 38/08.0GASLV.S1, “numa situação de concurso entre uma pena de grande gravidade e diversas penas de média e curta duração, este conjunto de penas tem de ser objecto de uma especial compressão para evitar uma pena excessiva e garantir uma proporcionalidade entre penas que correspondem a crimes de gravidade muito díspar; doutro modo, corre-se o risco de facilmente se poder atingir a pena máxima, a qual deverá ser reservada para as situações de concurso de várias penas muito graves”.

Focando a proporcionalidade na perspectiva das finalidades da pena, pode ver-se o acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, onde consta: “A medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”. (Sublinhados nossos).

Sobre os princípios da proporcionalidade, da proibição de excesso e da legalidade na elaboração de pena única pode ver-se o acórdão de 10-09-2014, processo n.º 455/08-3.ª, por nós citado no acórdão de 24-09-2014, proferido no processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª.

      

Analisando.

Como se viu, a moldura penal do concurso é de 6 anos de prisão a 10 anos e 8 meses de prisão.

A pena conjunta visa corresponder ao sancionamento de um determinado trecho de vida do arguido condenado por pluralidade de infracções.

Há que valorar o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com a personalidade do ora recorrente, em todas as suas facetas.

Na elaboração da pena conjunta impõe-se fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que nos factos se revelou.

Importa ter em conta a natureza e a diversidade ou igualdade/similitude dos bens jurídicos tutelados, ou seja, a dimensão de lesividade da actuação global do arguido.

Como se extrai dos acórdãos de 9-01-2008, processo n.º 3177/07, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 181, de 25-09-2008, processo n.º 2288/08 (a proporcionalidade da pena única, em função do ponto de vista preventivo geral e especial, é avaliada em função do bem jurídico protegido e violado; as penas têm de ser proporcionadas à transcendência social – mais que ao dano social – que assume a violação do bem jurídico cuja tutela interessa prever. O critério principal para valorar a proporção da intervenção penal é o da importância do bem jurídico protegido, porquanto a sua garantia é o principal fundamento daquela intervenção), de 22-01-2013, processo n.º 650/04.6GISNT.L1.S1, de 26-06-2013, processo n.º 267/06.0GAFZZ.S1 (e de novo acórdão de 10-09-2014 proferido no mesmo processo) e de 1-10-2014, processo n.º 471/11.0GAVNF.P1.S1, todos da 3.ª Secção, um dos critérios fundamentais em sede do sentido de culpa em relação ao conjunto dos factos, numa perspectiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, assumindo significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais.

E como referiu o supra citado acórdão de 27 de Junho de 2012, processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1-3.ª, na pena única não pode deixar de ser perspectivado o efeito da pena sobre o comportamento futuro do agente em função da sua maior ou menor duração.

No mesmo sentido podem ver-se os acórdãos de 22 de Janeiro de 2013, processo n.º 651/04.4GAFLG.S1-3.ª e de 4 de Julho de 2013, processo n.º 39/10.8JBLSB.L1.S1-3.ª sobre o ponto e, citando neste particular os acórdãos do mesmo relator, de 9 de Fevereiro de 2011, processo n.º 19/05.5GAVNG.S1-3.ª e de 23 de Fevereiro de 2011, processo n.º 429/03. 2PALGS.S1-3.ª Secção.

No mesmo sentido ainda, o acórdão de 2 de Fevereiro de 2011, processo n.º 217/08.0JELSB.S1, igualmente da 3.ª Secção, citando expressamente Figueiredo Dias no passo assinalado supra (Consequências…, § 421, págs. 291/2).

E mais recentemente, os acórdãos de 08-01-2014, processo n.º 154/12.3GASSB.L1.S1, de 29-01-2014, processo n.º 629/12.4JACBR.C1.S1 e de 26-03-2014, processo n.º 316/09.0PGOER.S1, todos da 3.ª Secção.

Concretizando.

Vejamos se no caso em reapreciação, como pretende o recorrente, é de reduzir a pena única aplicada na sequência da confluência dos três crimes já assinalados.

Sendo uma das finalidades das penas, incluindo a unitária, segundo o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, na versão da terceira alteração, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a tutela dos bens jurídicos, definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que, necessariamente, ter em atenção os bens jurídicos tutelados nos tipos legais ora em causa, já assinalados supra.

O acórdão recorrido, a fls. 4055, sobre a determinação da medida da pena única, discorreu da seguinte forma:

“Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido AA, sendo a moldura penal abstrata correspondente aos crimes em concurso a de prisão de 7 (sete) anos a 12 (doze) anos e, ponderando, em conjunto, os factos – cuja gravidade se mostra acentuada, sobretudo no que tange ao crime de tráfico – e a personalidade do arguido (cf. artº. 77º, nºs. 1 e 2, do C.P.) – revelando indiferença perante os malefícios causados pelo tráfico de estupefacientes, visando, o arguido, exclusivamente, ao desenvolver tal atividade, a obtenção de proveitos económicos –, decidem os juízes que compõem este tribunal coletivo, condená-lo na pena unitária de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão”.

 

  

    Sendo diferentes os bens jurídicos protegidos pelas normas incriminadoras ressalta como evidente a estreita conexão entre o crime de tráfico de estupefacientes e o branqueamento, sendo aquele o facto precedente que originou a produção das vantagens que são dissimuladas pelo pós delito que é o branqueamento, com depósitos e movimentações de dinheiros, entre 24-06-2013 e 6-04-2015.

    Completamente diferente e autónomo o crime de resistência, se bem que ocorrido ainda em conexão com a actividade de tráfico, pois que é cometido na sequência de voz de prisão dada por militares da GNR que procuravam proceder a buscas relacionadas com aquela actividade.  

Há que atender às condições pessoais dadas por provadas, incluídas as pertinentes à vida actual.

O recorrente nasceu em 4-07-1975, o que significa que à data da prática dos factos tinha entre 32 e 39 anos de idade, contando actualmente 41 anos de idade.

Ponderando todos os elementos disponíveis e concluindo.

Concatenados todos estes elementos, há que indagar se a facticidade dada por provada no seu conjunto permite formular um juízo específico sobre a personalidade do recorrente que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, evidenciando-se alguma tendência radicada na personalidade, ou seja, que o ilícito global, seja produto de tendência criminosa, ou antes correspondendo no singular contexto ora apreciado, a um conjunto de factos praticados em determinado período temporal, restando a expressão de uma mera ocasionalidade procurada pelo arguido.

A facticidade provada não permite, no presente caso, formular um juízo específico sobre a personalidade do recorrente que ultrapasse a avaliação que se manifesta pela própria natureza dos factos praticados, atenta a natureza e grau de gravidade das infracções por que responde, não se mostrando provada personalidade por tendência, ou seja, que o ilícito global seja produto de tendência criminosa do arguido.

Em suma: A pena unitária tem de responder à valoração, no seu conjunto e inter conexão, dos factos e personalidade do arguido.

Ponderando o modo de execução, a intensidade do dolo, directo, as necessidades de prevenção geral e especial, a idade do arguido, o período temporal da prática dos crimes em causa, sendo de ter em conta quanto ao tráfico de estupefacientes, os termos explanados a fls. 82 supra, afigura-se-nos ser de aplicar um factor de compressão (situado entre 1/3 e ¼), já usado pela primeira instância, fixando a pena única em 7 anos e 4 meses de prisão, a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da CRP –, nem as regras da experiência, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa do recorrente.

  

Decisão

Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, na apreciação do recurso interposto pelo arguido AA, em:

  – Julgar o recurso parcialmente procedente, quer no que toca às medidas das penas parcelares, sendo fixada a pena de sete anos de prisão para o crime de tráfico de estupefacientes e a pena de dois anos e oito meses de prisão para o crime de branqueamento, mantendo-se a pena aplicada pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário, quer da pena única, que se fixa em sete anos e quatro meses de prisão.

Sem custas, nos termos dos artigos 374.º, n.º 4, 513.º, n.º s 1, 2 e 3 e 514.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril, e com as alterações introduzidas pela Lei n.º 43/2008, de 27 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28 de Agosto, pelo artigo 156.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro (Suplemento n.º 252), pelo artigo 163.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril e pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, rectificada com a Rectificação n.º 16/2012, de 26 de Março, pela Lei n.º 66-B/2012, de 31de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 126/2013, de 30 de Agosto, e pela Lei n.º 72/2014, de 2 de Setembro, o qual aprovou – artigo 18.º – o Regulamento das Custas Processuais, publicado no anexo III do mesmo diploma legal).

Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, 18 de Janeiro de 2017

Raul Borges (Relator)

Manuel Augusto Matos