I. Em sede de acção em que se quer ver declarada a acessão imobiliária sobre um determinado imóvel, o reconhecimento judicial da propriedade deste, pode ficar condicionado ao pagamento pelo adquirente da indemnização que constitui a contrapartida daquele direito.
II. O estabelecimento do prazo de trinta dias para o efeito é adequado e advém da aplicação, mutatis mutandis, do prazo concedido pela Lei nas acções de preferência para o depósito do preço.
III. A condição de falida da Autora, não lhe confere qualquer estatuto especial em termos de pagamentos devidos por benesses obtidas durante a situação de falência, máxime a adveniente da procedência da presente acção, nem lhe permite poder exigir um qualquer prazo, mais ou menos alargado, diverso daquele que é conferido pela Lei aos demais utentes processuais.
IV. Sendo o pedido formulado pela Autora a declaração da acessão industrial imobiliária, nos termos do artigo 1340º do CCivil, este direito pressupõe a aquisição da propriedade mediante o pagamento do valor que o prédio tinha antes da incorporação.
V. Tal significa que, o pagamento do valor do prédio está subjacente ao pedido da aquisição da propriedade, independentemente do quantitativo que o interessado lhe atribua.
VI. Tal valor, indicado pela Autora, contrariado pelos Réus, constitui matéria alegada pelas partes, que fazia parte, como faz, do objecto do processo, sujeita por isso ao princípio do contraditório e porque parte integrante do direito que a Autora pretendia fazer valer - direito de propriedade por aquisição através de acessão imobiliária – e condição sine qua non do mesmo direito, o valor a pagar não poderá estar na disponibilidade daquele que o vai adquirir, sob pena de se criarem situações de enriquecimento sem causa.
(APB)
6ª SECÇÃO
ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
I MASSA FALIDA DE C, LDA, instaurou por apenso aos autos principais de falência (em setembro de 2006) e ao abrigo do disposto no artigo 134º n.º 4 al. a) do CPEREF ação declarativa de condenação que seguiu a forma de processo comum ordinária, contra HERANÇA ILÍQUIDA E INDIVISA ABERTA POR ÓBITO DE J (representada pela Cabeça de Casal A entretanto falecida), A V (entretanto falecida) em que são intervenientes e herdeiros habilitados J S, J e R, pedindo a sua condenação a:
a) Reconhecer o direito de propriedade da A. sobre o prédio/pavilhão industrial e armazém identificado no artigo 2.° da petição inicial, e bem assim sobre o muro divisório que delimita a propriedade;
b) Reconhecer que o imóvel/pavilhão industrial e de armazém e bem assim o muro que rodeia a propriedade detém um valor de, pelo menos, € 400.000,00 em contraste com € 25.000,00 que constituía o valor do prédio rustico à data da incorporação;
c) Ver declarada a acessão industrial imobiliária, indissociável, do supra referido edifício e muro de vedação relativamente ao prédio rústico de sua propriedade;
d) Recebendo, enquanto justa indemnização, o valor de € 25.000,00 que constituía o valor do prédio rústico à data da incorporação.
Para o efeito alegou a Autora em síntese:
Ter sido apreendido para o acervo da massa falida o prédio urbano identificado em 3º da Petição Inicial, o qual teve origem em prédio rústico anteriormente adquirido pela A. à 2ª R. em 1997 através de escritura pública celebrada em 09/06/1997.
Escritura esta que viria a ser anulada por sentença proferida no processo identificado em 7º da Petição Inicial em 27/12/2005, na qual foi autora a aqui 2ª R. com fundamento em e como esta ali alegou não ser a proprietária do imóvel vendido.
Desde a data da escritura de 1997 e agindo na presunção de ser proprietária do prédio objeto da escritura de C/V requereu a ora A. a alteração da natureza do prédio de rústico para urbano e nele implantou imóvel industrial atuando de boa fé e com a autorização nomeadamente da 2ª Ré CC da herança indivisa 1ª Ré.
Boa-fé que se manteve desde a celebração da referida escritura e pelo menos até à data da prolação da sentença de dezembro de 2005, período durante o qual atuou a A. como proprietária do imóvel.
Atento o valor substancialmente superior do pavilhão instalado em tal imóvel em relação ao imóvel rústico que anteriormente à sua construção existia e porque a separação da edificação em relação ao prédio é impossível, invoca a Autora o direito à acessão imobiliária nos termos do pedido já supra referido.
Os Réus foram citados e apenas a então 3ª Ré contestou invocando:
- A ilegitimidade passiva dos Réus por as 2ª e 3º Rés não serem as únicas herdeiras da 1ª Ré;
- Impugnou o valor atribuído à causa;
- Pronunciou-se pela não verificação dos requisitos da invocada acessão imobiliária;
- Impugnou o valor dado à construção edificada pela autora que disse ser na data atual não superior a € 125.000,00; bem como o valor do terreno que disse ser à data da construção, tal como no presente de valor superior a € 150.000,00.
Na pendência da ação veio a falecer a 2ª R. A V (antes ainda do oferecimento de contestação), tendo sido habilitada a sua única herdeira M F.
Houve réplica, tendo a Autora concluído como na Petição Inicial.
A Autora requereu a intervenção dos demais herdeiros testamentários J S, J e R, o que foi admitido.
Citados os chamados, veio o Interveniente R oferecer contestação onde e em suma se pronunciou pela não verificação dos requisitos da acessão imobiliária; atribuiu à construção levada a cabo pela sociedade da ora massa falida valor inferior a € 30.000,00; no mais fazendo seus o articulado da 3ª Ré.
Replicou a Autora, concluindo como na Petição Inicial.
No despacho saneador foi decidida a excepção de ilegitimidade pela sua improcedência.
Falecida na pendência da ação a Ré M F em 19 de Janeiro de 2013, vieram a ser habilitados os seus herdeiros J S, J e R, Intervenientes principais nos autos.
Foi produzida sentença a julgar a acção procedente na qual se decidiu:
“a) Reconhecer que a A. é titular do direito de propriedade por virtude de acessão industrial imobiliária sobre o prédio urbano, sito em …, destinado a armazém de vinhos composto por um único pavimento e com a área coberta de oitocentos (800) m2. e descoberta de doze mil, seiscentos e trinta e sete (12.637) m2., a confrontar, do norte e poente com … e a sul e nascente com estrada municipal, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … e ao qual se encontra atribuído o valor patrimonial de oitenta e sete mil quinhentos e doze euros e dez cêntimos (87.512,10).
b) Condicionar o reconhecimento do direito identificado na al. a) ao pagamento à primeira Ré, Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de J, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença/acórdão, da quantia de € setenta e três mil (73.000,00) devidamente atualizada, em função da inflação (Índice de Preços do Consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística) verificada e contada a partir do ano de mil novecentos e noventa e oito (1998), inclusive, até ao momento do efetivo pagamento”.
Deste Acórdão recorreu a Autora, tendo a Apelação vindo a ser julgada improcedente, com a confirmação da sentença recorrida.
Irresignada com tal desfecho, vem agora a Autora recorrer de Revista, apresentando as seguintes conclusões:
- O reconhecimento do direito de propriedade a favor da A./recorrente sobre a integralidade do imóvel não poderá, em função das condicionantes legais resultantes do CPEREF, ficar condicionado ao pagamento da quantia fixada e no prazo de trinta (30) dias a contar do trânsito em julgado da sentença proferida.
- Sob pena de criar um óbice à A./recorrente, na medida em que se trata de uma Massa Falida.
- Ora, a aqui massa falida não é a empresa falida, antes se posicionando legalmente ao lado/nível/equiparação a um PATRIMÓNIO AUTÓNOMO nos termos da alínea a) do art.° 6o do CPCivil, pois se trata aqui, fora de quaisquer dúvidas, de um património autónomo que, na perspectiva dos seus credores, que é a quem se destina, ainda não tem titular determinado.
- Tanto é que, a MASSA FALIDA, representada pela Liquidatária Judicial limita-se à apreensão e liquidação do património da falida, com vista à sua repartição pelos credores do mesmo, nos termos do CPEREF.
- De tal forma que, nos termos dos art.°s 175.° e 176.° do CPEREF, incumbe à Liquidatária Judicial proceder à apreensão dos bens, prosseguindo ulteriormente com a respectiva Liquidação do Activo.
- Apenas neste âmbito é possível à Massa Falida obter propostas que legitimem, pelo menos, o recebimento do sinal e, aí sim, o pagamento do montante pecuniário fixado.
- De outra forma, a Massa Falida não tem disponibilidade financeira para pagar no hiato temporal fixado o valor constante da sentença ora recorrida.
- Por outro lado, ainda que se entendesse ser o pagamento condição suspensiva do reconhecimento do direito de propriedade, acresce que o prazo fixado é manifestamente exíguo, considerando as circunstâncias atinentes ao facto de se tratar de uma Massa Falida.
- Devendo ser fixado como prazo aquele que corresponde ao da disponibilidade económica da A./Massa Falida, em função da assinatura de um contrato promessa de compra e venda, no âmbito da obtenção de propostas e liquidação daquele activo no processo de falência, que permita o recebimento de sinal, que passaria a ser entregue à R./recorrida.
- É caso para se perguntar, se o reconhecimento do direito identificado na al. a) fica condicionado ao pagamento à primeira Ré, Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de José Ferraz, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença/acórdão o que acontece se a A./recorrente pagasse no 31.°, 60.° ou 90.° dia ? Não veria reconhecido o seu direito de propriedade? Nesse caso, a R./recorrida manteria o direito de propriedade sobre o imóvel e ainda veria incorporadas na sua esfera patrimonial as benfeitorias realizadas, porque decorrido o prazo? NÃO PODE SER !!! NÃO FAZ SENTIDO !!! Sob pena de enriquecimento sem causa e de se colocar a A./recorrente numa posição pior do que aquela em que estava quando iniciou a acção que, relembre-se, encontrou vencimento !
- A admitir-se, por cautela de patrocínio, que o reconhecimento do direito de propriedade fosse subordinado à condição suspensiva de pagamento, deverá sê-lo tout court, sem definição de prazo;
Em última instância e cautelarmente,
- Sendo de aplicar analogicamente o disposto nos artigos 89.° e 102.° e ss. do CIRE, ou ainda sob os critérios da equidade, razoabilidade e proporcionalidade, em função do que resulta supra exposto, tal prazo nunca deveria ser inferior a três (3) meses.
Cumulativamente,
- Entende a recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal a quo, com o devido respeito, peca por insuficiência na adopção da solução condicionante do reconhecimento do direito de propriedade.
- Assim, poderia e deveria o Tribunal a quo ter determinado o reconhecimento do direito de propriedade a favor da A./recorrente do imóvel objecto dos presentes autos, onerando o mesmo com hipoteca a favor da R./recorrida, pelo valor do pagamento judicialmente ordenado, ou concedendo tal faculdade à A./Massa Falida, o que igualmente se invoca.
- Tais contingências deverão determinar a revogação da sentença recorrida, devendo ser substituída por outra que declare o reconhecimento do direito de propriedade a favor da A./recorrente sobre a integralidade do imóvel sem subordinação a qualquer condição de pagamento, ainda que se reconheça tal obrigação, a liquidar no âmbito do processo de falência; ou caso assim não se entenda, existindo subordinação a condição do pagamento, sem subordinação a qualquer prazo de pagamento ou; cautelarmente, devendo ser fixado como prazo aquele que corresponde ao da disponibilidade económica da A./Massa Falida, em função da assinatura de um contrato promessa de compra e venda, no âmbito da obtenção de propostas e liquidação daquele activo no processo de falência ou; em última instância, sendo de aplicar analogicamente o disposto nos art.°s 89.° e 102.° e ss. do CIRE e ainda em função dos critérios da equidade, razoabilidade e proporcionalidade, ser fixado prazo nunca inferior a três (3) meses ou; ser determinado o reconhecimento do direito de propriedade a favor da A./recorrente do imóvel objecto dos presentes autos, onerando o mesmo com hipoteca a favor da R./recorrida, pelo valor do pagamento judicialmente ordenado, como forma de garantia do pagamento e de transmissão do direito de propriedade.
da actualização
- Refere o art.° 609.° do n.° 1 do CPCivil que "a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir", sob pena de se tornar nula, de harmonia com o disposto no art.° 615.° n.° 1, alínea e) do mesmo diploma.
- Nos presentes autos, não tendo os RR./recorridos formulado pedido reconvencional no sentido de lhes ser concedida a actualização monetária do valor do terreno desde a data da incorporação, não podia o Tribunal a quo substituir-se à vontade dos RR. e condenar a A. no valor actualizado do terreno, penalizando-a com uma compensação que os próprios RR. deram provas de não querer.
- A simples alegação de que "o valor do terreno à data da construção era superior a 150.000,00 €", não corresponde a um pedido, ainda que tácito, de condenação em actualização do valor que viesse a ser dirimido, mas antes à contraposição, na discussão do valor do imóvel à data da incorporação, do valor indicado pela A./recorrente de 25.000,00 €.
- A actualização indicada sequer se reporta à reposição "do valor do terreno à data da construção", mas antes - no entendimento jurispridencial que não se comunga e sem prejuízo do que infra se alegará - à reposição do valor que o terreno onde houve incorporação teria à data da transmissão/pagamento. Deste modo;
- A sentença, ao assim proceder, violou o princípio dispositivo e o princípio do contraditório, surpreendendo a A. com uma decisão sobre a aplicação monetária do valor do terreno, sem que tal tema tenha sido objecto de invocação e discussão nos articulados, extravasando o objecto do processo, o que determina a nulidade da decisão recorrida, nos termos do art.° 615.° n.°1, alínea d) do CPCivil, o que deverá ser declarado.
Mas ainda que assim não se entendesse,
- A actualização do valor do terreno, não tem qualquer apoio legal, sendo que a lei é peremptória e clara a determinar que o autor da incorporação adquire o terreno pagando o valor que este tinha antes ou ao tempo da incorporação, não permitindo ou prevendo, por qualquer forma ou meio, a actualização deste valor.
- Ponderados os factos em causa e o comportamento conhecido dos RR., mais a mais, considerando que a A./recorrente se trata de uma Massa Falida, constituiria, à luz da ponderação dos interesses e dos valores em presença, uma tremenda injustiça e penalização da A. no pagamento de uma actualização compensatória a que não deu causa.
- Aliás, o de cujus , agora colocados os seus herdeiros na posição processual de RR., foi sócio da sociedade agora falida, beneficiando, ele e os seus sucessores, do prédio em causa, dos rendimentos gerados por este e inclusivamente das valências e benefícios das benfeitorias realizadas pela falida.
- Os eventuais danos moratórios que possam ter resultado da falta de execução daquele compromisso e pois, possam ter resultado num retardamento do pagamento aos RR. do valor do terreno, só aportaram benefício ao RR.. Tal dito;
- A lei resolve a questão de forma terminante, pois é clara a dizer que o valor a pagar será aquele que o prédio tinha anteriormente às obras.
- Nessa esteira, o n.° 3 do art.° 1340.° do CCivil, no que concerne à hipótese de o valor acrescentado ser menor ao do terreno, concede ao dono deste, a propriedade das obras, mas obriga-o "a indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação".
- Assim sendo, é a própria lei que determina que o autor da incorporação pagará ao dono do prédio o valor que este tinha antes da realização das obras, não sendo de actualizar o valor do prédio urbano a pagar pelo autor da obra. A quantia que a A./recorrente tem a pagar aos RR./recorridos consiste no valor que o prédio tinha antes da realização das obras, sem mais.
Cumulativamente,
- Salvo melhor opinião, a indemnização em causa não é passível de actualização ainda por outro factor.
- A constituição de tal condição indemnizatória trata-se de uma obrigação pecuniária.
- Ora, nos termos do art.° 550.° do CCivil, as obrigações pecuniárias encontram-se subordinadas ao princípio nominalista, segundo o qual "o cumprimento das obrigações
pecuniárias faz-se (...) pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário";
- O que significa que, nesta modalidade de obrigações, é o credor quem suporta o risco da desvalorização da moeda, sendo inaplicável, no caso concreto, qualquer actualização monetária.
Cautelar e finalmente,
- Das teses em discussão quanto ao momento a atender no hiato temporal da fixação do cálculo da indemnização, nomeadamente para efeitos de actualização, salvo melhor opinião e com o devido respeito, a opção pelo hiato temporal mais dilatado, considerando as condicionantes supra transcritas é prejudicial para a A./Massa Falida;
- Impondo-se que aquela se fixe, sem conceder, no mínimo.
II As questões decidendas em sede de Revista são as seguintes (já colocadas em sede de recurso de Apelação): i) validade da condição suspensiva do reconhecimento do direito de propriedade por via da acessão industrial imobiliária ao pagamento da quantia fixada pelo Tribunal; ii) inadequação do prazo de 30 dias fixado para o efeito à aqui Autora/Recorrente e aplicação analógica do prazo previsto nos artigos 89º e 102º do CIRE; iii) oneração do imóvel com hipoteca a favor da Recorrida pelo valor do pagamento ordenado como forma de garantia de pagamento e de transmissão da propriedade; iv) violação do princípio do dispositivo e do contraditório ao condenar a Autora no pagamento do valor atualizado do terreno, sem tal ter sido peticionado pela Ré em sede reconvencional, determinante de nulidade do Acórdão impugnando; v) falta de fundamento legal para a atualização operada e natureza da obrigação indemnizatória, mormente obrigação pecuniária e sua subordinação ao princípio nominalista e momento a atender na fixação do cálculo indemnizatório.
As instâncias deram como assente a seguinte factualidade:
1. A sociedade C, Lda. foi declarada falida, por sentença transitada em julgado, em 29 de Setembro de 2004 (cfr. al. A) dos Factos Assentes).
2. No âmbito do processo de falência de que os presentes autos constituem apenso, foi apreendido a favor da massa falida o prédio urbano sito em …, destinada a armazém de vinhos, composto por um único pavimento, com a área coberta de 800 m2. e descoberta de 12.637 m2, a confrontar do norte e poente com …, do sul e nascente com estrada municipal, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego sob o…, com o valor patrimonial de € 87.512,10 (cfr. al. B) dos Factos Assentes).
3. O prédio descrito em 2., na sua estrutura física de armazém encontra-se implantado no anteriormente registado prédio rústico sito no …, inscrito na matriz sob o artigo…, com a área global de 13.437 m2. e posteriormente atualizado enquanto urbano, parcela de terreno destinado a construção urbana com a mesma área (cfr. al. C) dos Factos Assentes).
4. Por escritura pública de 9-06-1997 A V declarou vender, pelo preço de 2.500.000$00, que declarou ter recebido, à sociedade “C, Lda.”, representada por Y, uma parcela de terreno para construção com a área de 13.437 m2., sita na freguesia de …, a confrontar de norte e poente com … e do nascente e sul com Estrada Pública, omissa na matriz (…) e Que a referida parcela de terreno faz parte prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de …. Por seu turno, por Y foi declarado que “(…) aceita para a sua representada a presente venda nos termos exarados” (cfr. documento de fls. 386 e ss. cujo teor se dá aqui por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos).
5. Por sentença transitada em julgado em 19-06-2006, proferida no processo 210/2001 que correu termos no 1.º Juízo do Tribunal de …, foi declarada nula a escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de …, em 09-06- 1997, entre a aqui R. A V, como vendedora e a sociedade C, Lda., como compradora, referente ao prédio aludido em 2. (cfr. al. D) dos Factos Assentes).
6. Após a celebração da escritura mencionada em 5., a Sociedade C, Lda. edificou o prédio urbano descrito em 2., constituído por unidade industrial e armazém destinado a vinhos (cfr. al. E) dos Factos Assentes).
7. Após a celebração da escritura pública mencionada em 5., a sociedade C, Lda. procedeu ao registo de alteração da natureza rústica do imóvel identificado em 2., registando a alteração no averbamento 1, pela apresentação … (cfr. artigo 1.º da B.I.).
8. Com a autorização da R. A V, na qualidade de representante legal da 1.ª Ré, a A. edificou o imóvel industrial e de armazenamento vínico referido em 2., sendo que tal construção terá sido edificada por volta de 1997 (cfr. artigo 2.º da B.I.)…
9. ...bem como um muro a ele circundante na sua confrontação com a estrada que o percorre a sul e nascente, sendo que tal muro foi construído em momento imediatamente posterior à construção do imóvel industrial e de armazenamento vínico referido em 8. (cfr. artigo 3.º da B.I.).
10. Para o efeito a A. despendeu a quantia equivalente a € 105.000,00 (cfr. artigo 4.º da B.I.).
11. Desde Junho de 1997 até Dezembro de 2005, a A. utilizou o imóvel referido em 1., nele exercendo a sua atividade industrial, engarrafando vinho, armazenando em depósitos/cubas, situadas no interior do estabelecimento industrial e no seu exterior/logradouro, depósitos/cubas que se encontravam na área adjacente à edificação mencionada em 2., não ocupando a parte do prédio composta por vinha a que se alude em 21. (cfr. artigo 5.º da B.I.).
12. …Aí recebendo os seus fornecedores e clientes e o trabalho dos seus funcionários (cfr. artigo 6.º da B.I.).
13. Sempre actuando de forma pública e pacífica e na convicção de ser proprietária do imóvel onde se insere o pavilhão industrial (cfr. artigo 7.º da B.I.).
14. …Como, aliás, constava do Registo Predial (cfr. artigo 8. º da B.I.).
15. O terreno rústico aludido em 3., em 1997, data da sua alteração para urbano, valia € 73.000,00 (cfr. artigo 9.º da B.I.).
16. O prédio urbano nele implantado e descrito em 1., com a sua vedação e muro, à data da sua construção, valia € 280.000,00 (cfr. artigo 10.º da B.I.).
17. J foi sócio minoritário da A., sendo o outro sócio J S, que foi genro de J (cfr. artigo 13.º da B.I.).
18. A construção realizada configura uma unidade industrial com paredes de bloco e metal, telhado com estrutura e cobertura metálica (cfr. artigo 15.º da B.I.).
19. O valor atual das paredes construídas em blocos de cimento e do muro de vedação é de € 25.000,00 (cfr. artigo 17.º da B.I.).
20. As construções referidas em 9. e 10., atualmente, não valem no mercado mais de € 170.000,00 (cfr. artigo 19.º da B.I.).
21. A área descoberta do prédio identificado em 1. que é composta por vinha nunca foi granjeada nem aproveitada pela A. (cfr. artigo 21.º da B.I.).
A Recorrente continua, agora em sede de Revista, a discordar da decisão obtida no Tribunal da Relação incidente sobre o seu recurso de Apelação, nos precisos termos em que impugnou a sentença de primeira instância.
1.Da validade da condição suspensiva e razoabilidade do prazo de 30 dias fixado para o pagamento.
Começa a Autora/Recorrente por atacar o Aresto, porquanto no mesmo se condicionou o reconhecimento do direito de propriedade a favor da mesma sobre a integralidade do imóvel ao pagamento da quantia fixada e no prazo de trinta (30) dias a contar do trânsito em julgado da sentença proferida, na medida em que se trata de uma Massa Falida.
Na fundamentação do Acórdão da Relação, no que tange a estas problemáticas suscitadas pela Recorrente, pode ler-se:
«(…) cumpre em primeiro lugar apreciar a questionada validade da condição suspensiva do reconhecimento do direito de propriedade por via da acessão industrial imobiliária a favor da A. sobre o prédio identificado em a) da decisão condenatória ao pagamento da quantia à 1ª R. Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de J, de que os demais RR. são os atuais únicos herdeiros, da quantia de € 73.000,00 devidamente atualizada nos termos referidos em b) da mesma decisão condenatória.
Para tal importa efetuar o enquadramento legal da acessão industrial imobiliária que diga-se, aliás, tão bem foi delineada na sentença de 1ª instância.
A acessão - causa de aquisição originária da propriedade (vide 1316º do CC/ Código Civil) – dá-se quando à coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia (artigo 1325º do CC).
Quando por facto do homem ocorre a confusão entre objetos de natureza imobiliária pertencentes a diversos donos, designa-se à faculdade de resolver o conflito entre estes através da aquisição da propriedade nos termos e com os requisitos previstos nos artigos 1339º e segs. do CC “acessão industrial imobiliária” (vide artigo 1326º do CC).
Ou dito de outro modo, “perante a ocorrência de uma sobreposição de duas propriedades distintas, não suportada por um direito de superfície validamente constituído (nem em nenhuma outra situação legalmente admitida de sobreposição de propriedades), a lei vem arbitrar o possível conflito daí emergente, mediante a fixação abstrata de um critério de prevalência.”.
Envolvendo “a resolução do conflito de propriedades sobrepostas (…) a extinção de uma delas: no caso da norma em apreciação, a que incide sobre o solo.” [cfr. Ac. T. Constit. n.º 205/2000 de 04/04/2000, onde foi apreciada a constitucionalidade da norma inserida no artigo 1340ºn.º 1 do CC no confronto com a figura da expropriação particular].
No que para os autos releva está em causa a situação prevista no artigo 1340º n.º 1 do CC o qual dispõe “1. Se alguém, de boa-fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras sementeiras ou plantações tiver trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações.
(…).”.
Fez assim o legislador depender, nesta situação em concreto, o direito à aquisição do direito de propriedade do prédio no qual foi construída obra por terceiro não proprietário do mesmo dos seguintes requisitos substantivos e de forma cumulativa:
- da boa-fé daquele que constrói em terreno alheio;
- do valor da obra realizada, com materiais do seu autor, que terá de trazer à totalidade do prédio valor superior àquele que era o seu valor antes de tal obra;
- da incorporação da obra no terreno alheio.
É ainda pressuposto da acessão imobiliária industrial o pagamento do valor que o prédio tinha antes da obra.
Quanto ao momento da aquisição dispõe o artigo 1317º al. d) do CC que este ocorre aquando da verificação dos factos respetivos, que é como quem diz dos requisitos acima elencados.
Não obstante, e aderindo ao entendimento maioritário de que em causa está uma aquisição potestativa [entendimento este defendido desde logo por Oliveira Ascenção in “Direito Civil Reais”, Coimbra Editora, 4ª ed. refundida de 1983, p. 401 a 403; Menezes Cordeiro in Direitos Reais, ed. 1993 (Reprint 1979) p. 503; Rui Pinto Duarte in “A Jurisprudência Portuguesa Sobre Acessão Industrial Imobiliária – Algumas Observações” in Themis, Ano III, n.º 5, 2002, págs. 255 a 264 e Quirino Soares in “Acessão e Benfeitorias” in ACSTJ / CJ Ano IV / TI – 1996, p. 11 e segs.. Por contraposição aos que defendem ser esta aquisição automática, nomeadamente Pires de Lima e A. Varela] a sua concretização está dependente da manifestação de vontade do autor da obra em adquirir a propriedade.
A favor da posição a que assim aderimos, milita desde logo a necessidade de ser pago o valor do prédio, evidenciando ser este pagamento uma condição daquela aquisição que assim pressupõe a respetiva manifestação de uma vontade.
Caso contrário o proprietário ver-se-ia na contingência de perder o domínio do seu prédio sem a contrapartida simultânea do pagamento devido por tal situação e correndo o risco de o autor da obra não ter sequer condições para satisfazer tal pagamento de forma imediata.
Tal como realçado por Quirino Soares no artigo acima citado, importa distinguir o momento da aquisição dos pressupostos da aquisição.
Os pressupostos da aquisição correspondem ao momento em que se verificam os factos respetivos – tal como expresso no artigo 1317º al. d) do CC – que levam à incorporação da obra no imóvel de acordo com o elencado no artigo 1340º.
O momento depende da declaração por parte do dono da obra perante o dono do prédio quanto à sua intenção aquisitiva, cujos efeitos retroagem à data da incorporação.
Sendo todavia potestativo o direito de aquisição “e constituindo o pagamento da correspondente indemnização a contrapartida sinalagmática do reconhecimento daquele direito, deve concluir-se que o juiz tem de condicionar a procedência do pedido ao referido pagamento” (vide Quirino Soares no artigo citado e Ac. STJ de 22/06/2005 in http://www.dgsi.pt/jstj; Ac. RG de 08/05/2014 in http://www.dgsi.pt/jtrg e Ac. RC de 22/11/2005 inhttp://www.dgsi.pt/jtrc ).
Conclui-se do supra exposto que o reconhecimento da propriedade do acedente pressupõe o pagamento do valor devido. (…)».
Efectivamente, não se vislumbram quaisquer razões, ex adverso do decidido, que possam por em causa a validade do condicionamento do reconhecimento do direito de propriedade da Autora sobre o imóvel ao pagamento por esta da indemnização que constitui a contrapartida daquele direito.
De outra banda, também não se percebe, ou mal se compreende, onde reside a inadequação do prazo de trinta dias, fixado na sentença e no Acórdão que sobre a mesma recaiu, para que a Autora proceda ao pagamento ordenado, sendo certo que esta bem sabia que se a acção fosse julgada procedente teria forçosamente de pagar uma indemnização nos termos do artigo 1340º, nº1 do CCivil, uma vez que esta constitui a contrapartida legal do direito que se arrogava, tanto assim que foi por si considerado aquando do pedido formulado, cfr a propósito desta problemática Quirino Soares, Acessão e Benfeitorias, CJ (STJ), Ano IV (1996), Tomo 1, 20 e 21; José Oliveira Ascensão, Estudos sobre a superfície e a Acessão, Colecção Scientia Iuridica, 1973, 50/64, Direitos Reais, 438/441; Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 331, Aquisição do Direito de Propriedade na Acessão Industrial Imobiliária, em Estudos em Honra do Professor José Oliveira Ascensão, Vol. I, Almedina, 2008, 645; Menezes Cordeiro, Direitos Reais, 503; inter alia os Acórdão do STJ de 22 de Maio de 2005 (Relator Oliveira Barros), de 7 de Abril de 2011 (Relator Moreira Alves) e de 9 de Fevereiro de 2012 (Gabriel Catarino), in www.dgsi.pt.
A sua condição de falida não lhe confere qualquer estatuto especial em termos de pagamentos devidos por benesses obtidas durante a situação de falência, nem lhe permite poder exigir um qualquer prazo, mais ou menos alargado, diverso daquele que é conferido pela Lei aos demais utentes processuais, sendo certo que a questão do prazo para cumprir a obrigação adveniente do pagamento da indemnização fixada, nem sequer foi por si colocada ao primeiro grau o qual concluiu por trinta dias, fazendo aplicar o prazo concedido pela Lei nas acções de preferência para o depósito do preço, daí estarmos perante uma questão nova que transcendia o objecto do recurso de Apelação, como transcende o objecto deste recurso de Revista.
Improcedem por aqui as conclusões de recurso, no que tange a estes dois pontos.
2. Oneração do imóvel com hipoteca a favor da Recorrida pelo valor do pagamento ordenado como forma de garantia de pagamento e de transmissão da propriedade.
Esta problemática nunca foi suscitada perante o Tribunal de primeira instância, isto é, a Autora, aqui Recorrente, aquando da formulação da sua pretensão judicial jamais solicitou que fosse equacionada esta solução.
Ora, os recursos destinam-se a ver apreciadas as questões colocadas na oportunidade e sobre as quais o Tribunal se pronunciou e não para apreciar quaisquer outras que se suscitem às partes mormente em sede de recurso e que transcendam aqueloutras.
Estamos assim em face de questão nova, insusceptível de ser apreciada por este Supremo Tribunal.
Soçobram também, neste ponto, as conclusões de recurso.
3. Da violação do princípio do dispositivo e do contraditório
Insurge-se ainda a Autora/Recorrente contra o Aresto sob censura, uma vez que na sua tese dispondo o artigo 609º, do nº1 do mesmo diploma que «a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir», sob pena de se tornar nula, de harmonia com o disposto no artigo 615º, nº1, alínea e) do mesmo diploma, não tendo os Réus/Recorridos formulado pedido reconvencional no sentido de lhes ser concedida a actualização monetária do valor do terreno desde a data da incorporação, não podia o Tribunal substituir-se à vontade dos Réus e condenar a Autora no valor actualizado do terreno, penalizando-a com uma compensação que os próprios Réus deram provas de não querer, sendo certo que a simples alegação de que «o valor do terreno à data da construção era superior a 150.000,00 €», não corresponde a um pedido, ainda que tácito, de condenação em actualização do valor que viesse a ser dirimido, mas antes à contraposição, na discussão do valor do imóvel à data da incorporação, do valor indicado pela Autora/Recorrente de 25.000,00 €.
Vejamos.
Dispõe o normativo inserto na alínea e) do nº1 do artigo 615º do CPCivil que a decisão é nula quando o Tribunal condene «em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido».
O pedido formulado pela Autora, aqui Recorrente, ao Tribunal, traduziu-se na declaração da acessão industrial imobiliária, nos termos do artigo 1340º do CCivil, direito este que pressupõe a aquisição da propriedade mediante o pagamento do valor que o prédio tinha antes da incorporação.
Quer dizer, o pagamento do valor do prédio está inerente ao pedido da aquisição da propriedade, independentemente do quantitativo que o interessado lhe atribua.
In casu a Autora atribuiu o valor de € 25.000,00 ao prédio rústico à data da incorporação, valor esse que constituiu mera indicação, contrariado que foi pelos Réus, que contrapuseram, aquando da contestação, que o mesmo era superior a € 150.000,00, sendo que tais valores foram levados à base instrutória e sobre os mesmos incidiu prova, tendo ficado apurado que «o terreno rústico aludido em 3., em 1997, data da sua alteração para urbano, valia € 73.000,00», ponto 15 da factualidade assente supra enunciada.
Tratou-se, assim, de matéria alegada pelas partes, que fazia parte, como faz, do objecto do processo, sujeita por isso ao princípio do contraditório e porque parte integrante do direito que a Autora pretendia fazer valer - direito de propriedade por aquisição através de acessão imobiliária – e condição sine qua non do mesmo direito, o valor a pagar não poderá estar na disponibilidade daquele que o vai adquirir, sob pena de se criarem situações de enriquecimento sem causa.
É que, «não se trata aqui de quantificar uma indemnização devida em função do prévio reconhecimento de um direito, trata-se, sim, de apurar valores que funcionam como condição necessária do reconhecimento do próprio direito.», apud Ac STJ de 7 de Abril de 2011 (Relator Moreira Alves), ibidem.
Não se mostram, pois, violados os princípios do dispositivo e do contraditório, como aventado pela Autora, nem se antolha qualquer nulidade no Acórdão impugnado.
4.Da actualização da indemnização e natureza da mesma.
A finalizar a sua senda recursiva, insurge-se a Autora contra a actualização do montante indemnizatório porquanto a lei resolve a questão de forma terminante, pois é clara a dizer que o valor a pagar será aquele que o prédio tinha anteriormente às obras, nos termos do artigo 1340º, nº3 do CCivil, determinando que o autor da incorporação pagará ao dono do prédio o valor que este tinha antes da realização das obras, não sendo de actualizar o valor do prédio urbano a pagar pelo autor da obra e assim sendo a quantia que a Autora/Recorrente tem a pagar aos Réus/Recorridos consiste no valor que o prédio tinha antes da realização das obras, sem mais.
Acerca desta questão lê-se no Acórdão recorrido:
«(…) Começando pela natureza da obrigação, entende-se ao contrário do que defende a A. estar em causa uma dívida de valor expressa em montante pecuniário e não uma obrigação pecuniária como tal sujeita ao princípio nominalista do artigo 550º do CC.
Na verdade o que está em causa é o valor de certa coisa – in casu do valor do terreno sobre o qual é reconhecido ao autor da obra o direito de aceder em detrimento do proprietário do bem no qual foi incorporada a obra - que na impossibilidade de ser entregue em espécie é liquidada no correspondente valor monetário.
E a ser assim manifestamente não está em causa uma obrigação originariamente pecuniária, mas antes uma obrigação de valor traduzida em montante pecuniário.
Assente este ponto, importa ainda apreciar a questão da atualização.
Defende a autora que a atualização do valor do terreno não tem qualquer apoio legal, face ao que dispõe o artigo 1340º n.º 1 do CC., o qual não prevê qualquer forma ou meio de atualização do valor.
Mais alegando ser de uma tremenda injustiça ser penalizada no pagamento de uma atualização compensatória a que não deu causa.
Cautelarmente defendeu ainda a A., face às diferentes teses mencionadas na sentença, que o momento temporal a atender para a fixação do cálculo deverá ser fixado no mínimo.
Dispõe o artigo 1340º n.º 1 do CC “ Se alguém de boa-fé, construir em terreno alheio (…) e o valor que as obras (…) tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras (…).
A interpretação deste preceito tem levado tanto a doutrina como a jurisprudência a assumir primordialmente 2 posições
(…)
1- o valor a considerar é o do terreno à data da incorporação sem qualquer atualização (posição tradicionalmente defendida por P. Lima e Antunes Varela, de forma coerente dizemos nós com o seu entendimento de que a acessão tem caráter automático e Ac STJ de 17/03/1998 in CJ ACSTJ, ANO 1998, TI p. 134 e segs. e Ac. RL de 21/01/2003 in CJ ANO 2003, Ti p. 64 e segs.);
2- o valor a considerar é o do terreno à data da incorporação com atualização – neste sentido vide Quirino Soares e Rui Pinto Duarte acima já citados; bem como Ac. da RC de 08/02/2011 igualmente acima citado e jurisprudência ali referida.
Neste último caso sendo ainda divergentes os entendimentos quanto ao momento a que se deverá reportar a atualização: se ao momento em que é manifestada a intenção de aquisição (vide Ac. STJ de 05/03/96 in CJ ACSTJ ANO IV, TI p. 129 e segs. e Ac. RC de 22/11/2005 in http://www.dgsi.pt/jtrc;); se o momento em que é proferida sentença (cfr. Ac. RP de 15/05/2014 in http://www.dgsi.pt/jtrp) ou finalmente o momento do pagamento e por referência aos índices de inflação (vide Ac. RP 27/11/2008 in http://www.dgsi.pt/jtrp e Ac. STJ de 06/07/2006 in http://www.dgsi.pt/jstj). Sendo este entendimento último o seguido na sentença recorrida.
A 1ª posição tem como grave inconveniente desde logo não garantir a obediência ao critério da indemnização justa assinalado no Ac. do T. Constitucional 205/2000 e que a 2ª posição garante. Ou como diz Rui Pinto “só por ela se pode alcançar que o valor monetário a pagar corresponda ao valor substancial do terreno da data relevante”. Assim se reconstituindo a situação que existia antes da incorporação [Quirino Soares].
A adesão à 2ª posição que assim temos como correta, implica por último definir o momento a atender para a atualização.
Também neste ponto concordamos com a sentença recorrida.
Tendo presente o entendimento por nós já manifestado de que a transmissão da propriedade está condicionada ao pagamento por parte do acedente, afigura-se-nos consentâneo com aquele que a atualização deva ser reportada ao momento do pagamento.
Atualização esta a efetuar de acordo com os índices de preços do consumidor publicados pelo INE desde o ano de 1998 – atenta a data da edificação indicada em 8) dos factos provados e sobre o valor do terreno anterior a tal construção e referido em 15) dos factos provados - € 73.000,00.
Só desta forma se garantindo a justa indemnização que é pressuposto do direito reconhecido ao acedente.(…)»
Não existem quaisquer razões, nem a Recorrente invoca outras melhores, que abalem o raciocínio assim expendido no que tange às temáticas impugnadas, pelo que, também aqui naufragam as conclusões de recurso.
III Destarte, nega-se a Revista, confirmando-se a decisão ínsita no Acórdão recorrido.
Custas pela Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
Lisboa, 31 de Janeiro de 2017
Ana Paula Boularot - Relatora
Pinto de Almeida
Júlio Gomes