I - Não incumbe ao STJ na apreciação do pedido de indemnização civil, deduzido em processo penal, conhecer da existência ou não de litisconsórcio necessário ou da necessidade de intervirem na lide outros intervenientes. A instância submete-se às regras de processo penal e apenas a indemnização, à dimensão quantitativa e respectivos pressupostos, à lei civil.
II - Os pareceres não têm força vinculativa, pois não se tratam de documentos autênticos ou autenticados, nos termos do art. 169.º, do CPP. Não estamos perante provas, ou meios de prova, mas meras opiniões técnicas a serem valoradas em sede própria.
III - A norma do art. 616.º, do CPC, sobre a reforma da sentença, não é aplicável em processo penal, pois que nesta sede vigora o art. 380.º, do CPP. Mas mesmo que se entendesse ser de aplicar o art. 616.º, do CPC, por aplicação subsidiária do art. 4.º, do CPP, não seria caso de reforma, porque em nada alterava a decisão, pois que foi a conduta civilmente ilícita e culposa do demandado geradora/causal dos danos, que, por via disso, é obrigado a indemnizar, nos termos do art. 486.º, do CC.
IV - O acórdão impetrado ateve-se ao objecto do recurso, e sobre ele debruçou-se analiticamente, e de forma perceptível, tendo proferido a decisão em conformidade, e de harmonia com a configuração desse objecto. O requerente entendeu o conteúdo da decisão. Não formulou qualquer pedido de esclarecimento mas reforma da decisão. A pretensão do recorrente constitui repristinação do thema decidendum já decidido, ficando assim, esgotado, o poder jurisdicional do tribunal sobre o objecto do recurso, e, não é caso de reforma da decisão.
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
“Em conclusão:
(i) A absolvição criminal fez caso julgado na necessária extensão compreensiva do dispositivo, solidamente soldado ao argumento de exercício de um direito.
(ii) E de tal forma que não há espaço para uma crítica de negligência, expressivamente elidida a partir dos pressupostos que levaram, directo, à imediata exclusão da ilicitude.
(iii) A desconsideração do parecer de linguística que concluiu não poder retirar-se do texto, segundo o uso da língua, a ocorrência de uma ofensa à Mma. Juíza representa, em si mesma, ou uma nulidade por omissão de pronúncia, ou a “continuidade” de um erro evidente desse mesmo julgamento.
(iv) Assim porque, ao serem invocadas as conclusões, não contrariadas – das cientistas –, está nas contra-alegações uma manifesta crítica da incompletude ou erro do julgamento da matéria de facto.
(v) De qualquer modo, no douto acórdão do STJ, que aqui está em questão, identifica-se o erro de incontornável e patente de não ter devolvido a causa ao Tribunal da Relação de Évora, para ser tomado conhecimento do recurso intercalar, que o recorrido interpôs do despacho de indeferimento do chamamento à lide da seguradora de riscos de advocacia.
(vi) Com efeito, este recurso só não foi conhecido na 2.ª Instância, por motivo de a absolvição criminal e cível o tornar inútil.
(vii) Já não será assim no cenário de o STJ ter decidido devida a indemnização conexa.
(viii) Porém, o seguro de responsabilidade profissional forense é seguro obrigatório, por razões de ordem pública, segundo a lei aplicável - (art.º 99.º do EOA e art.ºs 13.º/1 1 46.º/1 da Lei 72/2008, de 16/04).
(ix) Dá lugar, por conseguinte, a litisconsórcio necessário, situação processual que o douto acórdão do STJ, de 26/10/2016, em boa verdade, acaba por rasurar.
(x) Por fim, este douto acórdão comete porventura o erro saliente de ter considerado a responsabilidade profissional do advogado como decorrente e reparadora imediata do dano final, quando a rege o conceito das responsabilidades civis fundadas no dano causado pelo não cumprimento das leges artis.
(xi) Ora, o trânsito da sentença final tal como ficou consignado na conclusão I, abrange in casu o tópico levado à expressividade do acórdão da Relação de Évora: “[requerimento de suspeição -] o advogado dirigiu-o à obra e não ao seu autor…: não poderá ter-se por excessivo o limite da actuação, mostrando-se justificado pelo Estatuto”.
Vossas Excelências, tendo em conta, com douto suprimento, estas conclusões, notificada a recorrente para responder, querendo, reformarão, nos termos do disposto no art.º 616.º/2/a/b do CPC, o acórdão reclamado, ou (i) no sentido de concederem a absolvição do pedido cível ao recorrido, ou (ii) no sentido, sem conceder, de devolverem o julgamento ao Venerando Tribunal da Relação de Évora, para conhecimento do recurso intercalar sobre o chamamento à lide, ou não, da seguradora BB Lda., como transmissária da responsabilidade pelo pagamento de uma indemnização, no regime do seguro obrigatório.”
Disse o Ministério Público:
“O requerimento apresentado pelo demandado AA, junto a fls. 4544 e segs., sob a designação de arguição de erro patente de facto e de direito do Acórdão proferido por este Venerando Tribunal, a fls. 4477, não é mais do que um requerimento de interposição de recurso inadmissível.
O acórdão, aliás douto, ora contestado é claro, não padece de quaisquer vícios, nulidades, erros ou obscuridades.
Promovo se indefira o requerido com condenação em custas pelo incidente.”
E expendeu a Demandante, em conclusão:
“O requerimento visa atacar um acórdão irrecorrível, não tendo qualquer fundamento jurídico, devendo, consequentemente, ser liminarmente rejeitado
2. Em resultado exclusivo da falta de prudência ou diligência do recorrente, o requerimento não visa discutir o mérito da causa, revela-se meramente dilatório e manifestamente infundado (art 447º- B, al. a) do CPC.
3 O requerente deve assim ser condenado em taxa sancionatória especial, nos termos dos artigos 521º, nº 1 do CPP, 447º-B, do CPC, e 10º do Regulamento das Custas Judiciais.”
Colhidos os vistos, cumpre decidir:
Como se disse no acórdão impetrado
“Por força do princípio da adesão, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei (artº 71º do C.P.P. quer antes, quer depois, da revisão operada pela Lei nº 59/98 de 25 de Agosto).
A dedução do pedido cível em processo penal é pois, a regra, e a dedução em separado a excepção (v. artºs 71º, 72 e 75 do C. Processo Penal), sem prejuízo de, quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal, o tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis. – nº 3 do artº 72º.
Embora o processo civil defina vários aspectos do regime da acção enxertada, como da definição da legitimidade das partes, é a acção penal que verdadeiramente suporta, orienta e conforma todo o rito processual, marcando definitivamente a cadência de intervenção dos demandantes civis na causa e os principais aspectos de forma a observar no seu desenrolar, sem esquecer a diligência para que conflui todo o processo: a audiência de julgamento.
[…]
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Como se sabe, o artº 129º do C. Penal, ao referir-se à responsabilidade civil emergente de crime, dispõe: “A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
Isto significa que a indemnização é regulada, quantitativamente e nos seus pressupostos, pela lei civil, mas não tratando de questões processuais, que são reguladas na lei adjectiva, isto é, embora deduzida em processo penal, de harmonia com o princípio da adesão (artºs 71º e segs do CPP), subordina-se, porém, na dimensão quantitativa e respectivos pressupostos, à lei civil.”
Não incumbe ao Supremo na apreciação do pedido de indemnização civil deduzido em processo penal conhecer da existência ou não, de litisconsórcio necessário ou da necessidade de intervirem na lide outros intervenientes..
Na verdade, como supra se referiu, a instância submete-se às regras de processo penal e apenas a indemnização à “dimensão quantitativa e respectivos pressupostos, à lei civil.”
Em processo penal, como salienta Henriques Gaspar, Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª edição revista, -Almedina, p. 240, nota 8, a propósito de anotação ao artº 72º:
“A adesão justifica-se pela economia de tempos e actos permitida pelo aproveitamento do processo penal, contrariando a finalidade da adesão acrescentar complexidade dos meios de processo civil que seja exclusivamente causada pelo pedido cível; a adesão tem como finalidade auxiliar a reparação dos danos do lesado pelo crime e não dificultar ou adensar a complexidade do processo penal. A alínea f) não impõe a adesão nos casos de haver responsáveis meramente civis[…]”
Por isso, o artº 73.º do CPP, ao versar sobre “Pessoas com responsabilidade meramente civil” considera que:
1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil e estas podem intervir voluntariamente no processo penal.
2 - A intervenção voluntária impede as pessoas com responsabilidade meramente civil de praticarem actos que o arguido tiver perdido o direito de praticar.
Nesta ordem de ideias se compreende que “A intervenção processual do lesado restringe-se à sustentação e à prova do pedido de indemnização civil, competindo-lhe, correspondentemente, os direitos que a lei confere aos assistentes. “ e que “Os demandados e os intervenientes têm posição processual idêntica à do arguido quanto à sustentação e à prova das questões civis julgadas no processo, sendo independente cada uma das defesas” – nºs 2 e 3 , do artº 74º do CPP.
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Com referência a pareceres e como elucida Santos Cabral, (idem, pág. 645, nota 7), na anotação ao artº 165º “[…] importa salientar que não estamos perante provas, ou meios de prova, mas meras opiniões técnicas a serem valoradas em sede própria.”
1 - A parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do disposto no n.º 3.
2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:
a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;
b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida
[…]
Tal norma processual civil não é aplicável em processo penal, pois que aqui, vigora o disposto no artº 380º do CPP, que dispõe.
“Correcção da sentença
1 - O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando:
a) Fora dos casos previstos no artigo anterior, não tiver sido observado ou não tiver sido integralmente observado o disposto no artigo 374.º;
b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial.
[…]”
Mesmo que se entendesse ser de aplicar a supra referida norma do processo civil, por aplicação subsidiária ex vi do artº 4º do CPP, não seria caso de reforma, porque em nada alterava a decisão, pois que foi a conduta civilmente ilícita e culposa do demandado geradora causal dos danos, que, por via disso, é obrigado a indemnizar – artº 486º do Código Civil ,
O acórdão impetrado ateve-se ao objecto do recurso, e sobre ele debruçou-se analiticamente, e de forma perceptível, tendo proferido a decisão em conformidade, e de harmonia com a configuração desse objecto.
Como refere Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado – Legislação Complementar, 17ª edição – 2009, p. 879, nota 3: “O inconformismo do requerente com o decidido, cujo sentido compreendeu, não constitui fundamento para pedido de esclarecimento, pois que a aclaração tem como limite que dela não resulta modificação essencial.”
O requerente entendeu o conteúdo da decisão. Não formulou qualquer pedido de esclarecimento, mas reforma da decisão
A pretensão do recorrente constitui repristinação do thema decidendum, já decidido, ficando assim, esgotado, o poder jurisdicional do tribunal sobre o objecto do recurso, e, não é caso de reforma da decisão.
Acordam os deste Supremo – 3ª Secção – em indeferir a requerida reforma da decisão, por falta de fundamento legal.
Tributam o recorrente em 2 Ucs de taxa de justiça, pelo incidente.
Supremo Tribunal de Justiça, 7 de Dezembro de 2016
Elaborado e revisto pelo relator
Pires da Graça
Raul Borges