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COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
PAGAMENTO DE QUANTIA RELATIVA A ALIMENTOS
RESIDENTE NO ESTRANGEIRO
Sumário
I - As regras de competência internacional dos tribunais portugueses não se esgotam na previsão dos artigos 65.° e 65.° A, CPC, pois sobre estas normas prevalece o que estiver estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, como resulta da parte inicial do artigo 65.°. II - Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para execução de sentença que condenou residente na Suíça a pagar alimentos a filho menor, pretendendo o exequente a penhora de 1/3 do respectivo vencimento. III - Os Estados português e suíço estão vinculados pela Convenção Sobre a Cobrança de Alimentos no Estrangeiro, concluída em Nova Iorque em 20 de Junho de 1956, e aprovada, para adesão, pelo artigo único do Decreto-Lei 45942, de 28 de Setembro de 1964, devendo a cobrança de alimentos observar o que se encontra aí previsto.
Texto Integral
Apelação 1777/04.0TBVFR-B.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório
B… intentou acção executiva para pagamento da quantia de € € 6.351,07, a que acrescerão as que entretanto se forem vencendo, no montante mensal actualizado de € 112,46 contra C…, pedindo a penhora a penhora de 1/3 do seu salário como trabalhador da empresa D…, SA, com morada na Rue …, n.º ., … , Suíça.
Alegou para tanto, e em síntese, que por sentença datada de 04 de Outubro de 2004,devidamente notificada e transitada em julgado, foi o executado condenado a contribuir com cem euros mensais, a título de alimentos para o menor seu filho, E…, nada tendo pago.
Por sentença datada de 16 de Dezembro de 2011 a M.ª Juiz a quo entendeu que o Tribunal Português não era competente para a execução, julgando o Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira internacionalmente incompetente e, em consequência, indeferiu liminarmente o requerimento executivo “.
Inconformada recorreu a exequente, apresentando as seguintes conclusões:
«1. A execução que a recorrente deu entrada em 31/10/2011 visa o pagamento de prestações alimentares a filho menor, tendo como título executivo a sentença proferida a 04/10/2006 nos autos principais onde foi decidido fixar-se em cem euros o valor da prestação alimentar devida ao filho menor do casal;
2. O despacho recorrido violou o disposto nos artigos 65º e 90º ambos do CPC e, por erro de interpretação, o disposto no artigo 65º-A, alínea e), do Código de Processo Civil, pelo que deve ser revogado, julgando-se competente para prosseguir a presente execução o Tribunal de Comarca de Santa Maria da Feira e ordenando-se o prosseguimento da execução, com a penhora de 1/3 do salário que o executado aufere na entidade patronal devidamente identificada no requerimento executivo.
Nestes termos e melhores de Direito que V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores, sabiamente suprirão, deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, como se espera e é apanágio de V. Exas. inteira
JUSTIÇA» 2. Do mérito do recurso
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684.º, n.º 3, e 685.º A, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 660.º, n.º 2, in fine, e 684.º, n.º 4, CPC), consubstancia-se em saber se deve prosseguir uma execução para pagamento de quantia relativa a alimentos devidos a menor cujo obrigado reside na Suíça, pretendendo-se a penhora de 1/3 do respectivo vencimento.
A questão foi equacionada como sendo de incompetência internacional dos tribunais portugueses, sendo nessa óptica que se insere o recurso.
O título executivo que suporta a execução é a sentença proferida no apenso B, transitada em julgado.
Esgrime a apelante com o artigo 90.º, n.º 1, CPC, que dispõe que para a execução que se funde em decisão proferida por tribunais portugueses, é competente o tribunal do lugar em que a causa tenha sido julgada, e com o n.º 3 do mesmo preceito que dispõe que a execução corre por apenso .
Por outro lado dispõe o artigo 65º, nº 1, que, sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, a competência internacional dos tribunais portugueses depende da verificação de alguma das seguintes circunstâncias:
a) dever a acção ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa e
(…)
d) não poder o direito invocado tornar-se efectivo senão por meio de acção proposta em território português, ou constituir para o autor dificuldades apreciável a sua propositura no estrangeiro, desde que entre o objecto do litigio e a ordem jurídica nacional haja algum elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real “.
A sentença recorrida entendeu que
«…. os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes em todas as situações previstas no art. 90º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
A circunstância de a execução se basear numa decisão proferida por um tribunal português não é suficiente para justificar sempre a competência internacional dos tribunais portugueses.
É o que acontece no caso em apreço, em que a obrigação em que o executado foi condenado naquela sentença se encontra garantida por bens situados no estrangeiro. Tal situação não mostra uma conexão relevante com a ordem jurídica portuguesa para justificar a competência internacional do tribunal de primeira instância que julgou a causa.
A competência internacional dos tribunais portugueses para as acções executivas baseadas em sentenças deve ser restrita aos casos em que os bens a executar se encontrem em Portugal».
Na óptica da apelante, ao considerar o Tribunal Português territorialmente incompetente para prosseguir com a execução de alimentos, implicitamente o M. Juiz a quo decidiu que tem que recorrer aos tribunais suíços para instaurar a execução e, para que isso suceda, necessário se torna intentar, previamente, uma revisão de sentença estrangeira e, posteriormente, uma execução de alimentos.
Apreciando:
A competência internacional dos tribunais portugueses afere-se pelo conjunto de normas que lhes atribuem competência para julgar litígios transnacionais, isto é, em conexão com outra(s) ordem(s) jurídica(s) para além da nossa.
Nas palavras de Batista Machado, La competence internationale en droit portugais, Obra Dispersa, vol. I, Scientia Iuridica, pg. 711,
«litígios procedentes de relações jurídicas privadas que se prendem de algum modo à ordem jurídica de vários Estados ou que são pelo menos estranhos à ordem jurídica do Estado do foro» (na tradução do acórdão do STJ, de 97.06.12, Almeida e Silva, BMJ 468/328).
As regras de competência internacional dos tribunais portugueses não se esgotam na previsão dos artigos 65.º e 65.º A, CPC, pois sobre estas normas prevalece o que estiver estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, como resulta da parte inicial do artigo 65.º.
Constitui entendimento corrente da doutrina e da jurisprudência que a competência do tribunal, como pressuposto processual que é, determina-se pelos termos em o autor estruturou o pedido e a causa de pedir.
Nas palavras de Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, pg. 90-1, acerca dos critérios determinativos da competência dos tribunais,
«São vários esses elementos também chamados índices de competência (CALAMANDREI). Constam das várias normas que provêem a tal respeito. Para decidir qual dessas normas corresponde a cada um, deve olhar-se aos termos em que foi posta a acção — seja quanto aos seus elementos objectivos (natureza da providência solicitada ou do direito para o qual se pretende a tutela judiciária, facto ou acto donde teria resultado esse direito, bens pleiteados, etc.), seja quanto aos seus elementos subjectivos (identidade das partes). A competência do tribunal – ensina REDENTI (1), afere-se pelo “quid disputatum” (quid decidendum, em antítese com aquilo que será mais tarde o quid decisum); é o que tradicionalmente se costuma exprimir dizendo que a competência se determina pelo pedido do Autor. E o que está certo para os elementos da acção está certo ainda para a pessoa dos litigantes».
A causa de pedir na execução em causa é o incumprimento da obrigação de alimentos em que o executado foi condenando a favor de seu filho menor, representado pela exequente.
Assim, afigura-se que a questão em apreço não deve ser equacionada nos termos das regras do CPC, por este ser afastado por convenção internacional.
Com efeito, os Estados português e suíço estão vinculados pela Convenção Sobre a Cobrança de Alimentos no Estrangeiro, concluída em Nova Iorque em 20 de Junho de 1956, e aprovada, para adesão, pelo artigo único do Decreto-Lei 45942, de 28 de Setembro de 1964.
Como se lê no preâmbulo do diploma
«Considerando a urgência de uma solução para o problema humanitário surgido pela situação das pessoas sem recursos que dependem, para o seu sustento, de pessoas no estrangeiro;
Considerando que, no estrangeiro, a execução de ações sobre prestação de alimentos ou o cumprimento de decisões relativas ao assunto suscita sérias dificuldades legais e práticas;
Dispostos a prover os meios que permitam resolver estes problemas e vencer estas dificuldades; [...]»
Nos termos do artigo 1.º, n.º 1, a Convenção tem por objecto facilitar a uma pessoa, designada aqui como credora, que se encontra no território de uma das Partes Contratantes, a prestação de alimentos a que se julgue com direito em relação a outra, designada aqui como devedora, que está sob a jurisdição de outra Parte Contratante. Os organismos que serão utilizados para este efeito são designados por autoridades expedidoras e instituições intermediárias.
Nos termos do artigo 6.º, n.º 1, agindo dentro dos limites dos poderes conferidos pelo credor, a instituição intermediária toma, em nome deste, todas as medidas adequadas a assegurar a cobrança de alimentos.
A autoridade nacional competente é a Direcção–Geral da Administração da Justiça, que sucedeu, nos termos do artigo 31.º, n.º 4, do Decreto-Lei 146/2000, de 18 de Julho, à Direcção-Geral dos Serviços Judiciários, que foi a entidade indicada como autoridade central em Portugal, conforme aviso publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 16, de 19 de Janeiro de 1985.
No sítio da DGAJ (www.dgaj.pt) encontram-se indicados os documentos necessários à instrução de pedido de cobrança de alimentos e modelo de procuração.
Face ao exposto, os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para a execução em causa.
No entanto, a exequente não terá que intentar execução nos tribunais suíços, tendo à sua disposição um meio expedito para o efeito.
A incompetência internacional é uma excepção dilatória de conhecimento oficioso e que gera a absolvição da instância (artigos 101.º, 102.º, n.º 1, 288.º, alínea a), 493.º, n.º 2, 494.º, n.º 1, alínea a), e 495.º CPC).
A sentença recorrida não merece censura. 3. Decisão
Termos em que, julgando a apelação improcedente, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
Porto, 19 de Junho de 2012
Márcia Portela
Manuel Pinto dos Santos
Ondina de Oliveira Carmo Alves
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Sumário
1. As regras de competência internacional dos tribunais portugueses não se esgotam na previsão dos artigos 65.º e 65.º A, CPC, pois sobre estas normas prevalece o que estiver estabelecido em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais, como resulta da parte inicial do artigo 65.º.
2. Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para execução de sentença que condenou residente na Suíça a pagar alimentos a filho menor, pretendendo o exequente a penhora de 1/3 do respectivo vencimento.
3. Os Estados português e suíço estão vinculados pela Convenção Sobre a Cobrança de Alimentos no Estrangeiro, concluída em Nova Iorque em 20 de Junho de 1956, e aprovada, para adesão, pelo artigo único do Decreto-Lei 45942, de 28 de Setembro de 1964, devendo a cobrança de alimentos observar o que se encontra aí previsto.