HABEAS CORPUS
MANDADO DE DETENÇÃO
PRISÃO ILEGAL
TRÂNSITO EM JULGADO
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
PRAZO
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário

I ­- Cumpre em primeiro lugar averiguar se a decisão que condenou o requerente em 9 anos de prisão já transitou em julgado (ou não).
II - o Tribunal Constitucional, por considerar que o recorrente, com os sucessivos pedidos formulados, mais não quis do que obstar à baixa do processo, usou da faculdade prevista nos arts. 84.º nº 8 da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15.11, e posteriores alterações) e 670. ° do Código de Processo Civil.
III – E assim ordenou a baixa do processo a 16.11.2016, tendo sido o despacho notificado a 17.11.2016. Pelo que, por força do disposto no art. 69.º, da LTC é aplicável à tramitação dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade o disposto no Código de Processo Civil, isto é, o art. 248.º, do CPC, segundo o qual se presume que a notificação foi realizada “no 3.º dia posterior ao da elaboração da notificação ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja”.
IV - O 3.º dia foi a 20.11.2016, e sendo este último domingo, considera-se que a notificação foi realizada a 21.11.2016. Ocorreu assim nesta data o trânsito em julgado dos acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 525/2016 e 636/2016, e por isso o processo baixou à 1.ª instância na altura certa.
V – Os autos baixaram à 1.ª instância por se considerar que houve trânsito em julgado, e, atento o disposto no art. 670.º, n.º 5, do CPC, havia que executar a sentença condenatória através da detenção do arguido. Por isso foram emitidos os respetivos mandatos de detenção em data bastante posterior àquele trânsito em julgado, isto é, a 13. 12.2016.
VI – Não tem, pois, razão o requerente quando invoca os prazos do CPP, pois, na verdade, tratando-se de uma decisão do Tribunal Constitucional, os prazos são os do CPC, tal como determina a Lei do Tribunal Constitucional.
VII - Além disto, não constitui motivo, por força do disposto no art. 670.º, do CPC, a invocação de qualquer nulidade, aclaração ou reclamação que obste a este trânsito em julgado provisório.
VIII - Consequentemente não tem razão o requerente quando considera que a prisão não foi determinada pela autoridade competente por os mandatos de detenção terem sido emitidos pelo juiz de 1.ª instância e não pelo Tribunal Constitucional. Não só a decisão tinha transitado em julgado, como é aquele o competente, nos termos do art. 470.º, do CPP.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I Relatório

1. AA, arguido no processo n.º 31/12.8JACRB (Comarca de Coimbra — Instância Central — Secção Criminal — J3), preso no Estabelecimento Prisional de Coimbra à ordem do processo referido desde 14.12.2016, vem, por intermédio de advogado, requerer a providência de habeas corpus por prisão ilegal, com base no disposto no art. 222.º, n.ºs 2, als. b) e c), do Código de Processo Penal (CPP) e com os seguintes fundamentos:

«Pese embora o arguido/peticionante se tenha entregue, voluntariamente, no Estabelecimento Prisional de Coimbra no dia 14 de Dezembro de 2016, o certo é que

Optou por fazê-lo - a fim de evitar que a autoridade policial da área da sua residência o detivesse e conduzisse ao estabelecimento prisional, com todo o alarido social que se gera no seio de uma pequena comunidade como é o caso de ..., com consequências desastrosas para si e restante família.

Assim dir-se-á que,

Após notificação do acórdão do STJ, o arguido interpôs recurso junto do TC, ao qual foi atribuído efeito suspensivo.

Tendo esta instância entendido que, após reclamações, nulidades e aclarações, deveria proferir decisão final com aplicação das disposições conjugadas previstas nos art.ºs  84º nº 8 da LTC e 670º do CPC, aplicável ao processo penal por força do disposto no artº. 4º do CPP.

A decisão do TC foi proferida no dia 16 de Novembro de 2016 conforme acórdão que se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Tendo aquela instância entendido que - a data do trânsito em julgado - seria fixável em 17 de Novembro de 2016, com extração do translado a fim de se poder efetivar a detenção do arguido e a sua condução ao estabelecimento prisional, a fim de cumprir a pena de prisão em que foi condenado.

Discorda-se, porém, da tese sufragada e da decisão que ordenou a baixa do processo ao tribunal de 1ª instância já que consideramos, salvo melhor entendimento, que a decisão ainda não transitou em julgado e portanto a detenção do arguido é manifestamente ilegal.

 Senão vejamos,

Após ter sido notificado sobre a aplicabilidade do disposto nos art.  84º n.º 8 da LTC e 670º do CPC, aplicável ao caso em apreço, por força do art.º 4º do CPP, o recorrente não deixou a decisão transitar em julgado, tendo-se pronunciado sobre a decisão e suas omissões de pronúncia, sem discutir a aplicação dos artigos referidos.

Ou seja,

O TC só poderia ordenar a baixa dos autos, à 1.ª instância, após decorridos dez dias sobre a data da notificação do acórdão proferido e então é que se justificaria, no caso, a eventual emissão de mandatos de detenção para efetivo cumprimento de pena, sendo certo que

Se consideraria que estaria esgotado o poder jurisdicional apenas no tocante aos recursos ordinários - e não em relação aos recursos para instâncias internacionais e aos recursos extraordinários.

Pese embora tenha decidido aplicar os artº s 84° nº 8 da LTC e 670° do CPC, o certo é que

Teria de aguardar o trânsito em julgado desta decisão conforme resulta dos acórdãos que se juntaram aquando da nulidade invocada junto do TC no dia 05 de Dezembro de 2016.

Se o arguido, depois de devidamente notificado, ainda tinha o direito ao contraditório e a pronunciar-se sobre questões legítimas que não se prendem com incidentes ou com outras matérias que seguirão para apreciação pelas instâncias competentes, o certo é que

Se impunha, antes de mais, deixar a respetiva decisão transitar em julgado ...

O que não sucedeu, conforme se teve oportunidade de referir.

O prazo dos dez dias terminava a dia 02 de Dezembro de 2016, tendo o recorrente praticado o ato no primeiro dia útil após o decurso do prazo perentório. Conforme resulta do requerimento que se junta, mediante a liquidação imediata da multa prevista no art.º 107° -A do CPP.

Importa, aqui, considerar e chamar à colação que o arguido foi notificado através da sua mandatária, para liquidar multa diversa da autoliquidação conforme resulta do fax remetido pelo TC, tendo sido paga e enviado o respetivo comprovativo conforme doc. que se junta.

A extração do translado e seus efeitos reais só poderiam operar, eventualmente se falecesse o argumento suscitado, após o conhecimento da nulidade invocada no dia 06 de Dezembro de 2016, nos termos supra descritos.

Se decidissem que não assistia razão ao arguido/recorrente teriam de o notificar e aí, sim, ordenar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância a fim de poder ser emitido mandato de detenção e sua condução ao estabelecimento prisional da área sua residência.

Tal não sucedeu. O trânsito em julgado só se efetiva dez dias após a notificação da decisão, se nada se disser ou invocar.

Não foi o caso, tudo se fez de molde a poder agir e intervir com respeito pela justiça e estrita legalidade.

Vide a propósito o sumário e fundamentação do ac. proferido no âmbito do proc n.º 350/08.8 TYLSB.L2 do Tribunal da Relação de Lisboa.

Em suma: tendo o TC uma nulidade por apreciar, dentro dos próprios autos e não a título incidental, afigura-se-nos que a decisão condenatória não transitou ainda em julgado e, por tal razão, não se poderia ordenar a baixa dos autos, com a extração do translado, para emissão dos mandatos de detenção e condução ao estabelecimento prisional.

Diga-se, em abono da verdade, que o arguido se entregou voluntariamente nos termos que se descreveram, sem sequer ter sido notificado da decisão sobre os mandatos de detenção.

A sua mandatária esteve sempre em contato com o tribunal e soube, via telefone, que foi ordenada a emissão dos mandatos, após despacho proferido no dia 09 de Dezembro de 2016 pelo

Digno magistrado de ..., decisão essa que foi devidamente notificada ao MP - e não ao arguido conforme "print" que se junta e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

Existe uma dupla ilegalidade: a ordem de detenção foi ordenada fora do âmbito normativo previsto no art.º 222 n.º 2 alíneas b e c) do CPP, tendo sido proferida por entidade sem competência.

Se o processo ainda não havia transitado em julgado, teria de ser o TC a emitir mandatos de detenção - fora de qualquer questões incidental ou para apreciar à posteriori.

Acresce que,

Depois da questão sobre o não trânsito em julgado da decisão - ter sido suscitada junto do TC e do tribunal de 1.ª instância - o juiz “a quo” proferiu decisão a ordenar a emissão de mandatos de detenção e que o arguido deveria ser conduzido ao estabelecimento prisional.

Embora a mandatária e seu constituinte tivessem visualizado no "Citius" - informação respeitante aos mandatos e ao facto de serem remetidos para a autoridade policial da área da residência do arguido, o certo é que

Este, a fim de evitar alarido social e um mal estar genérico da sua família e grupo de amigos, apresentou-se voluntariamente no Estabelecimento Prisional de ....

Sabendo, como sabia, que o despacho datado de 09 de Dezembro de 2016, nem sequer lhe foi notificado, como exige a lei penal e processual penal, bem como a Lei Fundamental da Nação - no que respeita à garantia dos seus direitos e liberdades individuais, devendo ser notificadas todas as decisões que lhe digam respeito e que contendam com a privação da sua liberdade.

Certo é que,

Poderão argumentar que o tribunal de 1ª. Instância, ou seja ..., poderia após a extracção do translado, emitir mandatos de detenção pois é o titular do processo.

No entanto: havia sido remetido ao proc. 31/13 a informação que obstava a que o tribunal tivesse ordenado a emissão de mandatos, com a junção do expediente remetido ao TC no dia 05 de Dezembro de 2016.

Competia, face a esta informação, remeter os autos ao TC para emitirem, caso assim entendessem, os competentes mandatos de detenção já que ainda não se havia operado o trânsito em julgado do acórdão proferido no dia 16 Novembro de 2016

 Termos em que,

Face a todo o circunstancialismo supra descrito requer a imediata libertação do arguido e restituição à liberdade por a sua prisão ser manifestamente ilegal.»

2. Foi prestada informação, de acordo com o disposto no art. 223.º, n.º 1, do CPP, nos seguintes termos:

«Conforme resulta da decisão do Tribunal Constitucional a decisão condenatória transitou em julgado com a extracção do traslado, o que esteve base da emissão dos competentes mandados de detenção e condução do arguido ao E.P. competente para cumprimento da pena de prisão que lhe foi aplicada.

Aliás, o STJ por decisão anterior já havia considerado transitado em julgado o Acórdão condenatório, sendo certo que este tribunal não emitiu nessa data os competentes mandados por ter entrado entretanto um recurso para o TC ao qual o STJ deu efeito suspensivo.

Atenta a decisão do Acórdão do Tribunal Constitucional entendeu este tribunal que nada obstava à emissão de tais mandados, tanto mais que a reclamação existente no Tribunal Constitucional não havia sido entendida por este Tribunal como impeditiva de tal trânsito (e por isso ordenou a extracção do traslado e remessa ao tribunal de 1ª instância com expressa indicação do referido trânsito em julgado).

Por informação obtida junto da autoridade policial competente que recebeu os mencionados mandados de detenção os mesmos não foram cumpridos. Por sua vez, foi este tribunal informado que o arguido se apresentou voluntariamente no E.P. de ... com uma cópia dos referidos mandados entregue pela secção de Tribunal à ilustre mandatária do arguido (para seu conhecimento), a qual foi certificada pelo E.P. aquando da apresentação do arguido naquele estabelecimento.

Nenhum outro elemento temos, nesta fase, quanto à situação pressuposta pelo ofício do STJ, designadamente, não deu entrada neste tribunal qualquer expediente remetido pelo arguido.

Junta-se cópia dos Acórdãos do STJ e do Tribunal Constitucional, do despacho a ordenar a emissão dos mencionados mandados de detenção e condução do arguido ao E.P. competente para cumprimento da pena de prisão aplicada, bem como da cota com a informação obtida junto da autoridade policial competente e do E.P. onde se encontra o arguido.»

3. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, teve lugar a audiência pública, nos termos dos arts. 223.º, n.º 3, e 435.º, do CPP.

Há agora que tornar pública a respetiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu.

II Fundamentação

1. Nos termos do art. 31.º, n.º 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa, o interessado pode requerer, perante o tribunal competente, a providência de habeas corpus em virtude de detenção ou prisão ilegal. “Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade” constituindo uma “garantia privilegiada” daquele direito (cf. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa — Anotada, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 20074, anotação ao art. 31.º/ I, p. 508).

Exigem-se cumulativamente dois requisitos: 1) abuso de poder, lesivo do direito à liberdade, enquanto liberdade física e liberdade de movimentos e, 2) detenção ou prisão ilegal (cf. neste sentido, ibidem, anotação ao art. 31.º/ II, p. 508). Nos termos do art. 222.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), a ilegalidade da prisão deve ser proveniente de aquela prisão “a) ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial”.

2. Compulsados os elementos existentes nestes autos, verificamos que:

- o requerente foi condenado, no processo n.º 31/12.8JACBR, por acórdão de 22.01.2015, transitado em julgado a 17.11.2016 (cf. fls. 245), pela prática de diversos crimes ­­– um crime de recurso à prostituição de menores na forma tentada, 5 crimes de recurso à prostituição de menores na forma consumada, 1 crime de abuso sexual de crianças e 1 crime de tráfico de estupefacientes -  na pena única de 9 anos de prisão; desta decisão recorreu para o Tribunal da Relação de ... que, por acórdão de 01.07.2015, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida; veio depois recorrer novamente para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 10.12.2015, rejeitou o recurso “quer quanto à inadmissibilidade do recurso sobre as penas parcelares, quer sobre a inexistência de fundamentos de recurso quanto à pena única – art. 414.º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. B), do CPP” (cf. fls. 260 e ss); após esta decisão, requereu a sua aclaração, que foi indeferida, por acórdão do STJ, de 09.03.2016 (cf. fls. 287 e ss); seguiu-se novo pedido de “aclaração com base na nulidade do mesmo”, tendo sido este incidente considerado, por acórdão do STJ, de 20.04.2016, como “manifestamente infundado” apresentando-se com “meio  dilatório de obstar à baixa do processo e cumprimento do julgado, havendo pois que ordenar seja extraído translado do acórdão deste Supremo Tribunal que conheceu do recurso, e do acórdão posterior, e do presente, e do requerimento da requerente, translado em que será esta decisão notificada, sendo os autos remetidos imediatamente, ao tribunal recorrido, nos termos do art. 670.º do CPC, aplicável por força do art. 4.º do CPP, considerando-se para todos os efeitos transitado em julgado o acórdão de 9 de Março de 2016, que rejeitou o recurso”;

- o requerente prosseguiu depois para o Tribunal Constitucional onde foi proferida a decisão sumária n.º 446/2016 que deliberou não conhecer o recurso; desta, o agora requerente reclamou tendo sido proferido, pelo Tribunal Constitucional, o acórdão n.º 449/2016 que novamente indeferiu o pedido; seguiu-se arguição de nulidade deste último acórdão que foi julgada improcedente por acórdão n.º 525/2016; notificado deste último, o agora requerente veio requerer a correção daquele, tendo o Tribunal Constitucional decidido, por acórdão n.º 636/2016, de 16.11.2016:

“8.Através do presente pedido de «correcção» do Acórdão n.º 525/2016, o recorrente pretende pôr em causa este Acórdão, tal como fizera em relação à Decisão Sumária e, posteriormente, em relação ao Acórdão n.º 449/2016, que decidiu a reclamação dirigida contra aquela Decisão Sumária, e cuja nulidade arguiu - e tal como fizera nas instâncias, em que deduziu incidentes pós-decisórios dirigidos aos acórdãos Supremo Tribunal de Justiça que culminaram com a decisão do mesmo STJ de extracção de traslado, ora recorrida para este Tribunal (cfr. Decisão Sumária n.º 446/2016, 1).

É, pois, evidente que com a dedução do presente novo incidente pós-decisório, ao abrigo de meio processual previsto no Código de Processo Penal - não previsto na Lei aplicável aos processos de fiscalização concreta de constitucionalidade (Lei n.º 28/82, de  15 de novembro (LTC)) - pretende o recorrente obstar ao cumprimento da decisão condenatória proferida nos autos, impondo-se desde já, em face do caráter manifestamente infundado do incidente pós­ decisório ora suscitado, se faça uso dos poderes conferidos pelas disposições conjugadas dos artigos 84.º, n.º 8, da LTC e 670.º n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável nos termos do artigo 69.º da mesma LTC.

III -Decisão

9. Pelo exposto, decide-se:

a)extrair traslado das seguintes peças processuais, para nele serem processados  os   termos posteriores do recurso:

- acórdãos do STJ de 10/12/2015, de 9/3/2016 e de 20/4/2016, ora recorrido para este Tribunal;

- requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 937-942);

- despacho de admissão do recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 949);

- Decisão Sumária n.º 446/2016  (fls. 955- 957) e termos processuais  posteriores, de fls. 958 ess.

b) Determinar que o processo seja imediatamente remetido ao tribunal recorrido, nos termos do n.º 2 do artigo 670.º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 84.º n.º 4, da LTC,  considerando-se  o Acórdão  n.º   525/2016,  impugnado  através  do  presente  incidente, bem  como o presente  Acórdão,  transitados  com a extração  do  traslado.

Após, e beneficiando o requerente de apoio judiciário, abra conclusão a fim de ser proferida decisão.” (cf. fls. 301 e ss, em especial fls. 305-6)

- o agora requerente foi notificado desta última decisão a 17.11.2016 (cf. fls.  12 e 30).

Entende agora o requerente que a decisão condenatória ainda não transitou em julgado dado que se terá apresentado incidente contra a última decisão do Tribunal Constitucional, considerando que esta padece de nulidade por omissões de pronúncia, pelo que a última decisão não terá transitado em julgado. E assim sendo, ainda que se tivesse entregado voluntariamente no estabelecimento prisional (para evitar alarme social), a sua prisão é ilegal não só por os mandatos de detenção terem sido emitidos pelo juiz de 1.ª instância e não pelo Tribunal Constitucional, como ainda por a decisão não ter transitado em julgado (e consequentemente não se poderia ter mandado baixar os autos, com extração do traslado, nem se poderia ter emitido mandatos de detenção – estes foram emitidos a 13.12.2016 (cf. fls. 248 e 259), onde se afirma expressamente que a decisão transitou em julgado a 17.11.2016.

Cumpre apreciar, mas esclarecendo desde já que consideramos que o requerente não tem razão. Não só a decisão transitou em julgado, como a prisão foi determinada por pessoa competente, estando o requerente em cumprimento de prisão legal após sentença condenatória.

2.1. Cumpre em primeiro lugar averiguar se a decisão que condenou o requerente em 9 anos de prisão já transitou em julgado (ou não). Apenas no caso de a decisão não ter transitado em julgado poderemos considerar a prisão ilegal;  porque o requerente se apresentou voluntariamente no estabelecimento prisional, e a considerar que a privação da liberdade se fundamenta em decisão condenatória transitada em julgado, isto é o bastante para que se possa considerar a legalidade da prisão – na verdade, ainda que consideremos, por absurdo, que a prisão foi ordenada por entidade incompetente, como pretende o requerente, o certo é que o requerente não entrou no estabelecimento prisional por força daquele mandato de detenção, mas voluntariamente.

Para saber se houve ou não trânsito em julgado da decisão condenatória cumpre esclarecer o seguinte:

«[O] o Tribunal Constitucional, por considerar que o recorrente, com os seus sucessivos pedidos de esclarecimento, mais não quis do que obstar à baixa do processo, usou da faculdade prevista nos arts. 84.º nº 8 da Lei do Tribunal Constitucional e 720° do Código de Processo Civil [dispositivo idêntico ao atual art. 670.º, do CPC], tendo determinado a "imediata remessa do processo ao tribunal recorrido para aí prosseguir seus regulares termos, precedido de extracção de traslado, onde será processado o incidente agora deduzido, uma vez pagas as custas que estejam em dívida".

Aplicável ex vi do art. 84° nº 8 da Lei do Tribunal Constitucional, estabelece o art. 720° do Código de Processo Civil, segundo a redacção do Decreto-Lei n.º 329-A/95, por a vigente, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, não se aplicar aos processos que se encontrassem pendentes:

1. Se ao relator parecer manifesto que a parte pretende, com determinado requerimento, obstar ao cumprimento do julgado ou à baixa do processo ou à sua remessa para o tribunal competente, levará o requerimento à conferência, podendo esta ordenar, sem prejuízo do disposto no artigo 456.º, que o respectivo incidente se processe em separado.

2. O disposto no número anterior é também aplicável aos casos em que a parte procure obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes, a ela posteriores, manifestamente infundados; neste caso, os autos prosseguirão os seus termos no tribunal recorrido, anulando-se o processado, se a decisão vier a ser modificada.

Trata-se duma norma que visa evitar o obstrucionismo à decisão. Conforme referem José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes (Código de Processo  Civil - Anotado 1, vol. 3 - tomo I, pág. 109, ), "este artigo visa sancionar as partes que procuram, através da apresentação de sucessivos requerimentos, antes e após o trânsito em julgado do acórdão final do tribunal de recurso, obstar ao cumprimento ou ao trânsito em julgado do mesmo acórdão". E acrescentam: "O nº 2 visa sancionar a parte que procurar obstar ao trânsito em julgado da decisão, através da suscitação de incidentes manifestamente infundados, posteriores ao acórdão final (por exemplo: pedidos de aclaração ou arguição de nulidades; pedidos de apoio judiciário; suscitação duma questão de inconstitucionalidade pretensamente relacionada com qualquer aspecto da causa)"

Sendo uma decisão de carácter sancionatório da iniciativa do relator do processo, visando obstar a um comportamento de chicana processual, ela não incide sobre nenhuma questão que tenha sido colocada ao tribunal pelas partes. Por força dela opera-se o trânsito em julgado do acórdão que conheceu do objecto da causa - o que o art. 720º, na sua actual redacção expressamente reconhece - e é ordenada a baixa do processo a fim de poder ser dada execução ao decidido, prosseguindo o suscitado incidente no traslado, onde deverá ser apreciado   qualquer outro eventual incidente que o recorrente venha a suscitar.

Mesmo a entender-se que o acórdão fundado no disposto no  art.  720°  do Código de Processo Penal é susceptível de recurso ou a  que  dele  pode  haver reclamação ou pedido de aclaração, a interposição de tal  recurso  ou  a  apresentação dessa reclamação não surtirão reflexo na  decisão  final,  cujo  trânsito  em  julgado,  ainda que provisório, resulta directa  e  imediatamente  da  decisão  anti-obstrucionista, sem necessidade de se aguardar o decurso  de  qualquer  prazo  após  o  conhecimento dado às partes por meio da notificação.  Essa situação de trânsito em julgado mantém­-se rebus sic stantibus, pois se o tribunal vier a conceder provimento à pretensão do requerente, anular-se-á a decisão, conforme se estabelece  na  parte  final  do  nº  2 do art. 720º, na redacção aplicável. Aliás, a nova redacção deste  artigo  reforça  e amplia este entendimento ao determinar, no nº 5, que "a decisão  impugnada  através  de incidente manifestamente infundado  considera-se,  para  todos  os  efeitos,  transitada  em julgado", contendo o nº 6 preceito equivalente ao do nº 2 parte final da redacção modificada, pois ali  se determina  que "sendo  o processado  anulado  em  consequência de provimento na decisão a proferir no traslado, não se aplica o disposto no número anterior". (ac. Do STJ, de 18.02.2010, relator: Cons. Arménio Sottomayor).

Tendo em conta o exposto, verificamos que a decisão do Tribunal Constitucional que, nos autos referentes ao agora requerente, ordenou a baixa do processo é de 16.11.2016, tendo sido notificada a 17.11.2016. Assim sendo, por força do disposto no art. 69.º, da Lei do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82, de 15.11, e posteriores alterações) é aplicável à tramitação dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade o disposto no Código de Processo Civil, isto é, o art. 248.º, do CPC, segundo o qual se presume que a notificação foi realizada “no 3.º dia posterior ao da elaboração da notificação ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja”. Pelo que, o 3.º dia seria 20.11.2016, e sendo este último domingo, considera-se a notificação realizada a 21.11.2016. Ocorreu assim nesta data o trânsito em julgado dos acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 525/2016 e 636/2016 (cf. fls. 307), e por isso o processo baixou à 1.ª instância na altura certa. Tendo baixado à 1.ª instância por se considerar que houve trânsito em julgado, tanto mais que o disposto no art. 670.º, n.º 5, do CPC, determina que “a decisão impugnada através de incidente manifestamente infundado considera-se, para todos os efeitos, transitada em julgado”, havia que executar a sentença condenatória através da detenção do arguido. Por isso foram emitidos os respetivos mandatos de detenção em data bastante posterior àquele trânsito em julgado, isto é, a 13. 12.2016.

Não tem, pois, razão o requerente quando invoca os prazos do CPP, pois, na verdade, tratando-se de uma decisão do Tribunal Constitucional, os prazos são os do CPC, tal como determina a Lei do Tribunal Constitucional.

Além disto, não constitui motivo, por força do disposto no art. 670.º, do CPC, a invocação de qualquer nulidade, aclaração ou reclamação que obste a este trânsito em julgado provisório.

Assim sendo, o requerente está em prisão, em cumprimento de pena aplicada pela autoridade competente, por decisão transitada em julgado.

2.2. E consequentemente não tem razão o requerente quando considera que a prisão não foi determinada pela autoridade competente por os mandatos de detenção terem sido emitidos pelo juiz de 1.ª instância e não pelo Tribunal Constitucional. Não só a decisão tinha transitado em julgado, como é aquele o competente, nos termos do art. 470.º, do CPP. Acresce que o mandato de detenção emitido nem sequer foi cumprido, dada a apresentação voluntária do requerente antes da autoridade policial o executar.

De tudo o exposto, consideramos que o requerente está, atualmente, por vontade própria, em cumprimento de pena, e a sua prisão foi ordenada por autoridade competente, por facto que a lei permite e por decisão judicial, não estando preso ilegalmente. Assim se indeferindo esta petição de habeas corpus.

III Decisão

1. Termos em que acordam os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a manifestamente infundada providência de habeas corpus requerida por AA por falta fundamento (art. 223.º, n.º 4, al. a), do CPP).

Condena-se o requerente no pagamento de 8 UC, nos termos do art. 223.º, n.º 6, do CPP.

Custas pelo requerente, com 5 UC de taxa de justiça, sem prejuízo de apoio judiciário devido.

Supremo Tribunal de Justiça, 23 de dezembro de 2016

Os Juízes Conselheiros,

Helena Moniz

Manuel Augusto Matos

Nuno Gomes da Silva