ABUSO DO DIREITO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
BOA FÉ
OBRAS
DEMOLIÇÃO DE OBRAS
PROPRIEDADE HORIZONTAL
FRACÇÃO AUTÓNOMA
FRAÇÃO AUTÓNOMA
Sumário

I - Para que ocorra o abuso do direito, é necessário que o titular do direito o exerça de forma clamorosamente ofensiva da justiça e dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito. Não é necessária a consciência de que se excederam os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. É suficiente que esses limites sejam ultrapassados. O excesso deve ser manifesto.
II - Como modalidade do abuso do direito, a doutrina e a jurisprudência, apontam o venire contra factum proprium, abuso que ocorre quando o exercício do agente contradiz uma conduta antes presumida ou proclamada pelo mesmo.
III - No caso vertente, dada a evidente diversidade dos projetos, não se vê que os autores tenham agido com abuso do direito ao pretenderem a demolição das obras em causa, já que não é aceitável que a autorização concedida para a realização do 1.º projecto (com as características, formato e especificidades aí mencionadas) possa ser usada para afirmar a concordância dos autores (ou, pelo menos, a sua anuência tácita) para a edificação constante do 2.º projecto, com características claramente diversas e com incidência na qualidade de vida, de descanso e de privacidade dos condóminos habitacionais.
IV - De forma alguma se poderá defender que a anterior conduta dos condóminos habitacionais (conformação com o primitivo projecto de obras) possa ter levado os réus a criarem a convicção de que a construção empreendida não teria a sua reprovação, dada a evidente e acentuada divergência do segundo em relação ao projecto anterior. A autorização para realizar determinada obra (com determinadas características) não pode servir para sustentar que os visados concordariam com a efectivação de uma qualquer outra obra com particularidades claramente distintas. Por isso nos parece que estão ausentes do caso os elementos que poderiam conduzir ao abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium.



*Sumário elaborado pelo relator

Texto Integral

       

                                               

                Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                        I- Relatório:

  1-1- AA, BB, CC, propuseram contra DD e EE, a presente acção declarativa sob a forma ordinária, pedindo se declare a ilegalidade da totalidade das obras que os RR. efectuaram na fracção a eles pertencente designada pela letra “A” do prédio urbano sito na Rua d..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o nº 31 da freguesia de ..., correspondentes ao projecto que apresentaram na Câmara Municipal de Lisboa e a que coube o nº 7272/OTR/2008, nomeadamente a construção edificada no logradouro bem como a abertura de porta na fachada a tardoz e, em consequência, sejam os RR. condenados a demolir as referidas obras, reconstituindo a situação anterior à respectiva execução, bem como no ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais causados com a execução e manutenção da mesma obra, em valor a apurar em execução de sentença.

                        Fundamentam este pedido, em síntese, dizendo que são, respectivamente, proprietários das fracções autónomas “B” (1º andar), “C” (2º andar) e “D” (3º andar) do referido prédio e que os RR., donos da dita fracção “A” respeitante ao r/c, levaram a cabo no logradouro do edifício afecto ao uso da sua fracção uma construção correspondente em altura a, pelo menos, um 2º andar, e alteraram a fachada tardoz, sem a prévia autorização dos AA., uma vez que apenas a haviam obtido para realizar no local obra de diferentes características. Mais referem que as ditas obras constituem inovação e não se mostram aprovadas pela maioria dos condóminos, pelo que são ilegais devendo ser demolidas, tanto mais que a referida construção prejudica a entrada de luz e ar nas restantes fracções bem como as vistas das casas da 2ª A. e do 3º A., desvalorizando as mesmas, para além de afectar a qualidade de vida dos demandantes, causando-lhes danos patrimoniais e não patrimoniais.

                       Contestaram os RR., excepcionando a incompetência material do tribunal e impugnando a factualidade alegada. Sustentam, no essencial, que no título constitutivo da propriedade horizontal do prédio a fracção “A” consta como composta por um compartimento amplo, com instalação sanitária, um anexo para armazém e um quintal com a área de trinta e cinco metros seiscentos e setenta centímetros quadrados, pelo que as obras realizadas pelos RR. foram-no no anexo para armazém que é parte integrante dessa fracção “A”, e não parte comum do prédio. Mais referem que tais obras, devidamente licenciadas, foram realizadas com o conhecimento de todos os condóminos, pois os RR. sempre os informaram dos seus planos para a reabilitação daquele r/c, pelo que os AA. agem agora em manifesto abuso de direito.

                       Concluem pela procedência da excepção e pela improcedência da causa, pedindo a condenação dos AA. em multa e indemnização por litigância de má fé.

                       Os AA. apresentaram réplica, defendendo a improcedência das excepções, contestando a má fé invocada e requerendo, por seu turno, a condenação dos RR. a esse título, em multa e indemnização.

                        Os RR. ofereceram tréplica.

                        O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de incompetência material e se conferiu, no mais, a validade formal da instância, procedendo-se à selecção da matéria de facto e organização de base instrutória.

                       Em 23.1.2014, a fls. 372 e ss., apresentaram os AA. articulado superveniente em que invocam danos acrescidos emergentes da obra já concluída pelos RR., tendo em vista, designadamente, o acesso que passou a haver de várias pessoas ao topo da referida construção, denominada pelos RR. como “área técnica”, mas que constitui um verdadeiro terraço panorâmico onde estes organizam festas, inaugurações e visitas, de modo que os AA. deixaram de ter privacidade nas suas casas, permanentemente sujeitas aos olhares de quem ali sobe.

                      Os RR. responderam, a fls. 443 e ss., sendo o referido articulado superveniente admitido por despacho de fls. 532 e ss. que, em consequência, determinou o aditamento da base instrutória.

                       Realizada a audiência de discussão e julgamento, e produzida prova pericial, foi proferida sentença nos seguintes termos: “(…) o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e consequentemente:

1. Declara a ilegalidade das obras realizadas pelos Réus e correspondentes ao projecto que aqueles apresentaram na Câmara Municipal de Lisboa e a que coube o n.º 7272/OTR/2008, concretamente, a construção que realizaram no logradouro do prédio urbano sito na Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º 31 da freguesia de Santo Estevão e abertura de uma segunda porta na fachada a tardoz do supra referido prédio;

2. Condena os Réus DD e EE a demolirem as obras supra referidas;

3. Absolve os Réus DD e EE do pedido de indemnização.

4. Absolve os Autores e os Réus, respectivamente, dos pedidos de condenação por litigância de má-fé.

As custas são da responsabilidade dos Réus (cfr. art. 527.º, do Código de Processo Civil).(…).”

                         

 1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os RR. e os AA., estes subordinadamente, de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí julgado parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida no ponto 2 do segmento decisório e condenando-se os RR. a eliminar, na construção por si edificada no logradouro do prédio dos autos, a altura superior à cota máxima de 41,03 metros e a estrutura em vidro que resguarda a denominada “área técnica”, procedendo às correcções inerentes e necessárias e a eliminar a segunda porta por si aberta do rés-do-chão do edifício para o logradouro, repondo a situação anterior. Mais se julgou improcedente a apelação dos AA., mantendo-se a sentença recorrida no ponto 3 do segmento decisório e a absolvição do RR. quanto ao pedido indemnizatório.                 

                       

                        1-3- Irresignados com este acórdão, dele recorreram os RR. e os AA., estes subordinadamente, para este Supremo Tribunal, recursos que foram admitidos como revista e com efeito devolutivo.

                       

  Os recorrentes principais alegaram, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

   1. O presente recurso de revista vem interposto pelos RR Requerentes na acção declarativa com processo comum sob a forma ordinária, que corre os seus termos na Comarca de Lisboa - Lisboa - Inst. Central - 1ª Secção Cível - J18, sob o nº 1192/12.1TVLSB, tem por objecto o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou apenas parcialmente procedente a Apelação e, em consequência:

- Revogou a sentença recorrida no ponto 2 do segmento decisório e, consequentemente, condenou os RR., ora Requerentes, a eliminar, na construção por si edificada no logradouro do prédio dos autos, a altura superior à cota máxima de 41,03 metros e a estrutura em vidro que resguarda a denominada "área técnica", procedendo às correcções inerentes e necessárias e a eliminar a segunda porta por si aberta do rés-do-chão do edifício para o logradouro, repondo a situação anterior.

                        2. No caso trazido à apreciação superior, existe violação de lei substantiva, que consiste no erro de interpretação ou de aplicação da norma aplicável bem como violação ou errada aplicação da lei de processo (artigo 674º, nº1 alínea a) e b) do CPC).

      3. Salvo o devido respeito, que muito é, não obstante a procedência parcial da apelação dos RR, consideram estes que continua a verificar-se um erro lógico na elaboração do acórdão na medida em que o julgador, seguindo determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, em vez de a tirar, decide em sentido oposto ou divergente.

         4. As normas legais devem ser interpretadas de acordo com a sua razão de ser, com equilíbrio, bom senso e lógica (Supremo Tribunal de Justiça, Secção Cível, Acórdão de 29 Set. 2009, Processo 328/09 Relator: António Manuel Machado Moreira Alves, Processo: 328/09).

        5. A "propriedade horizontal é um complexo de propriedade singular e de compropriedade: propriedade singular de cada condómino quanto à sua fracção e com propriedade quanto às partes comuns. Tais direitos são incindíveis (art. 1420º do CC). Portanto, são dois direitos que se entrecruzam.

    6. As obras em causa não afectam a segurança, o arranjo estético ou a linha arquitectónica do prédio, não fazem com que a fracção se destine a usos ofensivos dos bons costumes, não são susceptíveis de causar prejuízo a quem quer que seja, razão porque a sua realização não dependia do consentimento do condomínio - artºs. 1422º, nº. 2, e 1425º, nº. 2, do C.Civil;

   7. Nem toda a modificação prejudica a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício sendo que intervenções prejudiciais para o arranjo estético serão aquelas que afectam a beleza ou que prejudicam a unidade sistemática do imóvel: deverá tratar-se de obras visíveis de exterior, ao contrário das anteriores, que não carecem de o ser.

                        8. Só a modificação que produz desarmonia no conjunto do edifício constitui uma alteração das suas características e da sua estética.

                        9. Relembre-se que no domínio do direito privado vigora o primado da liberdade, sendo as proibições uma excepção a esta regra geral. Portanto, o alcance restritivo desta Lei é apenas o de proibir as alterações -inovações que alterem o decoro arquitectónico do edifício (V.g., M. Dogliotti - A. Figone, 11 Condomínio, p. 201, quanto ao art. 1120º do Codice Civile) em regime de propriedade horizontal, o que não se verificou no caso vertente.

         10. Conforme escreve Abílio Neto (in "Manual da Propriedade Horizontal", 3ª ed., pág. 183) «a linha arquitectónica será ... o produto individualizado que resultou do exercício daquela arte (arquitectura), e que lhe confere, em maior ou menor grau, um cunho de identidade, ao passo que o arranjo estético terá a ver prevalentemente com a imagem de arte e beleza que liberta, ou, para usarmos a formulação adoptada pela jurisprudência, a primeira "significa o conjunto dos elementos estruturais da construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica", enquanto que o segundo "tem a ver com o conjunto de características visuais que conferem harmonia ao conjunto". Em suma, no primeiro caso, há uma alteração física ou volumétrica do edifício, ao passo que no segundo há uma alteração estética.»

       11. Salvo o devido respeito por melhor entendimento, a obra realizada pelos Réus (obra de reconstrução imposta face ao estado deplorável em que se encontrava a construção antiga) não alterou muito significativamente a traça do edifício, nem modificou esteticamente in pejus a sua fachada traseira.

          12. Com efeito, a obra realizada consistiu numa benfeitoria útil, na medida em que o que existia anteriormente era uma ruína, pelo que em nada destoa da sua traça geral.

          13. A defesa da tese de ordenação de demolição de obra inovadora, ou que altere a linha arquitectónica ou o arranjo estético do prédio enquanto sanção para a falta de preenchimento dos pressupostos legais (na peugada de Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. III, pág. 435 e de Aragão Seia, in «Propriedade Horizontal», 2ª ed, pág. 143) sem recurso à substituição por indemnização, não deverá ser aplicada quando a reconstituição natural traduza um retrocesso civilizacional arquitectónico, um regresso à ruína e á precariedade urbanística. Efectivamente, mais vale uma má obra nova que uma boa ruína.

       14. A obra realizada foi meritória, constituindo um progresso, quer para os condóminos, quer para o próprio bairro de Alfama, na medida em que veio substituir um prédio degradado -ruinoso por um edifício novo.

     15. Uma ruína não consubstancia uma linha arquitectónica ou arranjo estético dignos de protecção legal, para efeitos de aplicação do art.º 1422.º/2 aI. a) do CC

         16. Mostra-se pois violado o art. 334º do C. Civil ao aplicar-se a norma do art. 1422.º/2 aI. a) do CC para tutela de interesses que não são, visivelmente, aqueles que a norma visa tutelar. A douta sentença recorrida violou por isso os artºs. 1422.º/2 aI. a) e 334º do C. Civil.

                        17. O bem jurídico-civil protegido pelos artºs. 1422.º/3 e 1425º do C. Civil não é a tutela de caprichos de condóminos com "hiper-sensibilidade-estética” em face de benfeitorias necessárias ou úteis que são insusceptíveis de causar prejuízo algum.

     18. Nos termos da norma em causa, o que é especialmente vedado aos condóminos é prejudicar. Se a modificação for claramente para melhorar a coisa, daí não vem certamente mal ao mundo, pelo que a lei não censura tais dignas iniciativas.

       19. Acresce que, considerado o edifício como era originalmente, mantiveram-se quer o conjunto dos elementos estruturais que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica, quer o conjunto das características visuais que conferem unidade sistemática ao conjunto.

         20. O edifício em causa continua a ter o mesmo equilíbrio estético, pois as suas características visuais não foram alteradas forçosamente. Demais, a fachada principal do imóvel manteve-se intocável. As alterações foram, portanto, nas traseiras, pelo que as benfeitorias realizadas são invisíveis do espaço público exterior, pois o edifício em causa está a tardoz rodeado de paredes de outros edifícios vizinhos. Nem o vizinho das traseiras, nem dos prédios contíguos conseguem ver estas alterações porque as altas paredes divisórias das propriedades o impedem.

                        21. Constitui um facto público e notório que o chamado "gabinete de Alfama" é particularmente exigente no que toca á aprovação de obras naquele bairro histórico de Lisboa. Além de normas de edificação particulares existe uma vigilância constante e um rigor absoluto na apreciação das alterações arquitectónicas no local. Neste quadro, o gabinete de Alfama da Câmara Municipal de Lisboa, não encontrou na obra edificada pelos Réus qualquer censura, nomeadamente, no que diz respeito à linha arquitectónica do edifício, a tardoz.

     22. A inexistência de qualquer reprovação à obra realizada pela edilidade indicia um juízo de harmonia arquitectónica. Com efeito, e sem por em causa que a aprovação da obra pela Câmara Municipal competente não prejudica os direitos dos condóminos ou de terceiros ilicitamente praticados, dúvidas não haverão de que Câmara Municipal é um órgão com, diríamos, competência especializada, para aferir sobre a ocorrência, ou não, de derrogações da linha arquitectónica dum imóvel, maximen, em zonas de arquitectura protegida, como é o caso de Alfama.

                        23. O não exercício dum direito durante um longo prazo paralisa o seu exercício futuro, à luz da boa fé. Assim, se três condóminos assistem impávidos e serenos à feitura de uma obra nova por outros condóminos, durante ano e meio, não é justo, segundo a boa fé (artºs 762.º/2 do CC), que depois venham dizer que a obra é ilegal por não ter dado o seu consentimento por escrito em assembleia de condomínio, querendo, sem que nada de sério o justifique, mandar partir ou estragar a benfeitoria bem feita com um esforço económico e humano de tal modo relevantes que merecem a tutela do direito.

                        24. Os A.A. deixaram o edifício (dos RR) ser construído sem terem reagido judicialmente contra a obra realizada, nomeadamente através duma providência cautelar de embargo de obra nova, bem sabendo ou não podendo ignorar, sem culpa, que quanto mais tarde reagissem mais agravariam as custas das obras de demolição e reedificação necessários para fazer valer aquilo que consideram ser os seus interesses, o que implicaria uma remodelação total do edifício; se os A.A. tivessem reagido prontamente contra a edificação em crise, não poderiam os RR, agora invocar que a demolição trazia custas insuportáveis.

         25. A sentença recorrida deveria negar aos A.A., por abuso de direito, o exercício do alegado direito de demolição, por alegadamente não terem reagido contra a edificação do prédio dos RR que estes mesmos AA agora, e só agora, consideraram violar as normas legais em vigor, e nada fizeram quando aqueles mesmos RR começaram a levantá-lo, isto é por não terem embargado a obra em tempo oportuno.

  26. A demolição das obras ilegais deve apenas suceder em última instância, ou seja, deve pressupor a certeza de que as obras são insusceptíveis de receber alterações ou correcções que as ajustariam ao regime jurídico aplicável (Supremo Tribunal Administrativo, Acórdão de 10 Set. 2009, Processo 0685/09 Relator: Jorge Artur Madeira dos Santos Processo: 0685/09)

         27. Decorre do art. 562º do CC., o princípio geral da obrigação de indemnizar é o da reposição natural, isto é, o de que a reparação de um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Mas, excepcionalmente, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 566º do CC., quando não for possível a reconstituição natural, quando não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor é que a indemnização é fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atribuída pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos.

                        28. o Artigo 829º do CC, que permite a substituição da demolição da obra por indemnização em dinheiro, preceitua o seguinte: 1 - Se o devedor estiver obrigado a não praticar algum acto e vier a praticá-lo, tem o credor o direito de exigir que a obra, se obra feita houver, seja demolida à custa do que se obrigou a não a fazer. 2 - Cessa o direito conferido no número anterior, havendo apenas lugar à indemnização, nos termos gerais, se o prejuízo da demolição para o devedor for consideravelmente superior ao prejuízo sofrido pelo credor.

         29. A excessiva onerosidade para o devedor da reconstituição natural verifica-se quando houver evidente desproporção entre o interesse do lesado, que importa salvaguardar, e o custo que essa reconstituição natural envolve para o responsável.

                        30. A reconstituição natural será excessivamente onerosa para o devedor "quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável", conforme sublinham Pires de Lima e Antunes Varela, que exemplificam: "Imaginemos um caso: inutilizou-se um automóvel velho que vale 100 e são precisos 200 para o substituir por um novo. Seria injusto a substituição, onerando o devedor com um encargo superior ao prejuízo e beneficiando o credor com a substituição dum automóvel velho para um novo", cfr. Código Civil anotado volume 1,4ª edição, 582.

      31. Nesta linha de pensamento está Menezes Cordeiro quando diz; - "Recorrendo aos princípios gerais, diremos que uma indemnização específica é excessivamente onerosa quando a sua exigência atente gravemente contra os princípios da boa fé", cfr. Direito das Obrigações, 2º volume, 401.

                        32. Ou seja, caso o Douto Tribunal a quo considerasse a existência de violação das normas legais, ou por dever de patrocínio se aceita, sem conceder, então em alternativa à demolição ainda que parcial, poderia e devia esse mesmo douto tribunal a quo ter, quando muito, condenado os réus, a indemnizar os Autores nos montantes e prejuízos que se viessem a apurar, a final, em liquidação de sentença, acrescidos de juros legais, vencidos e vincendos, a contar da ocorrência dos factos, até integral pagamento.

             33. O Senhor Conselheiro Aragão Sei a (ob. Cit.) defendia que a sanção correspondente à realização de obras que se traduzam em inovação é a destruição delas, «isto é, a reconstituição natural, que não pode ser substituída por indemnização em dinheiro, ao abrigo do princípio da equidade estabelecido nos artigos 566º, nº 1, «in fine», e 829º, nº 2, porque este princípio só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto real do condomínio, em que estão em jogo regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, que bolem com os interesses de todos os condóminos do prédio» (sic). Salvo o elevadíssimo respeito pela memória de tão insigne jurista, é difícil constatar "regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade" quando estas podem conviver com discricionariedades estético-urbanísticas diversas e metamorfoseáveis face ao sabor e às "sensibilidades" dos vários cidadãos que ao longo do tempo constituem o colégio dos condóminos.

        34. Uma autorização escrita ou tácita dos condóminos quanto à feitura de obra a realizar, como aconteceu aqui, considerando-a respeitadora da linha arquitectónica e do arranjo estético do prédio preserva o mesmo bem jurídico-civilmente protegido que a assembleia de condóminos prevista no art.º 1422.º/3 do CC, pelo que deverá ter o mesmo efeito jurídico.

   35. Com efeito, se ocorresse uma autorização formal, emanada duma assembleia de condóminos, já o alegado ilícito estaria sanado. Destarte, bom é de ver que os interesses aqui em jogo são essencialmente de cariz particular e notoriamente subjectivos.

        36. É costume defender-se que a autorização das obras pela Câmara Municipal em nada obstará à sanção demolidora, considerando que as autorizações ou licenciamentos camarários apenas terão que obedecer a princípios ou finalidades de natureza administrativo/urbanística - salubridade, ordenamento do território, estética das povoações e polícia das construções (segurança) - que não a velar pela observância das normas atinentes ao direito de propriedade (conf., neste sentido, vg. o Ac do STJ de 4- 10-95, in BMJ nº. 450, pág. 492 e demais jurisprudência ali citada).

      37. A definição da linha arquitectónica e do arranjo estético do prédio não são direitos exclusivos dos condóminos, uma vez que as autoridades autárquicas têm uma palavra a dizer sobre essas situações, atendendo à inegável conexão com o interesse público da harmonia estético-urbanística, sobretudo em zonas de ambiente cultural e histórico protegidas, como é o caso de sítios considerados património da humanidade. Ou o caso do bairro típico de Alfama, em Lisboa. Neste quadro, não parece justo uma edilidade, pela mão dos seus técnicos, considerar, licenciando, uma determinada obra de construção civil como válida, e ulteriormente os condóminos não técnicos em assembleia, por hipótese, por razões que a razão desconhece, ou seja, sem motivo justificativo, julgarem ferinamente o seu contrário.

    38. O imóvel em causa é dedicado à cultura, trata-se duma galeria de arte, ou seja, o imóvel cuja destruição se pretende tem exercido um papel meritório na divulgação da arte em Portugal, pelo que, também por esse motivo tal acto não deveria ser praticado com ligeireza.

      39. É notório que a transformação duma ruína nauseabunda num espólio artístico num bairro histórico duma capital é um acto que valoriza o ambiente local e atrai visitantes valorizando aquele espaço.

                        40. Atendendo á função social do direito de propriedade importa respeitar o interesse meta-privado do bem.

                        41.In casu, existe uma falta séria de interesse por parte dos AA. na demolição ainda que parcial da obra. Com efeito, ao autorizarem a primeira versão do projecto, já estava permitida a edificação do edifício agora em crise.

          42. Ou seja, no caso vertente, o interesse dos AA. em ver demolida a obra terá de ser apreciado objectivamente. Como escreve De Martino, citado no "Código Civil Anotado", voI. 3º, p. 157, de Pires de Lima e Antunes Varela, " o interesse do proprietário deve ser considerado como categoria objectiva ou económico-social, e não meramente subjectiva; o interesse abstracto, potencial e eventual não pode excluir a actividade de outrem que seja economicamente relevante. Mas, se posteriormente, o interesse potencial se tornar efectivo, não poderá impedir-se o proprietário de fazer valer o seu direito de propriedade". Aliás, seria inconcebível outra apreciação do interesse do proprietário em tal caso, designadamente meramente subjectiva ou egoística, à luz da função social dos direitos reais. Ac, TRC de 18-01-2005 Proc:4027/04 Rel: FERREIRA DE BARROS.

    43. Importa, uma vez mais, destacar a importância do projecto cultural que acontece no espaço da Casa Liberdade - Mário Cesariny que, como está profusamente documentado, espaço este que trouxe uma elevada valorização para o espaço urbano de Alfama e para a cidade de Lisboa, não só na sua valorização patrimonial mas também o seu impacto na comunidade, em sentido estrito, e fundamentalmente na comunidade em sentido lato, na medida em que para além do impacto mediático que tem na comunidade, criou um fluxo de deslocações, com o intuito de visita às exposições e iniciativas do qual não existe qualquer paralelo no bairro de Alfama.

      44. O Douto Acórdão do qual se recorre, ao decidir a demolição de cerca de 1,50 cm (de 42,58 metros para 41,03 metros), com tudo o que essa demolição irá acarretar, põem em causa no curto prazo a continuidade do projecto supra referido, dado que essas obras vão implicar a paragem total da actividade.

         45. O custo dessa demolição provocará uma descapitalização da entidade gestora do equipamento, a FF Lda., retirando lhe os recursos para a sua actividade principal que é a dinamização artística e cultural, podendo mesmo ditar o fim da organização que, de facto, dinamiza o espaço, a saber, a associação sem fins lucrativos, fundada em 1997, Colectivo GG.

                        46. Com a decisão proclamada no Acórdão de que ora se recorre, verificamos, salvo melhor e mais douto entendimento, que se origina uma prevalência do direito privado dos A.A. sobre o interesse da comunidade, sendo que, não sendo imputado valor indemnizatório é, contudo, ditada decisão de demolição parcial passível de causar prejuízo substancial aos RR e em muito superior ao dano causado.

       47. Neste particular, importar destacar que, face ao valor da acção indicado na petição inicial pelos A.A. (€ 30.000,00), entendido como a utilidade económica do pedido, o valor da demolição até à cota de 41,03 m será em tudo superior a esse valor.

       48. A estimativa que os RR. Requerentes entendem ser de ponderar com relevância para a apreciação superior deste Venerando Tribunal é a seguinte:

a) Custos directos da Demolição até à cota de 41,03m: € 45.000,00

b) Novo processo de arquitectura e especialidades na CML: € 5.000,00

c) Honorários projectos Arquitecto e Engenheiro: € 3.000,00

d) Custo de reconstrução e acabamento: € 20.000,00

e) Custos com paragem da actividade: € 30.000,00

f) Mudança temporária de instalações/Armazenamento do Recheio/Reinstalação: € 10.000,00

g) Valor total estimado: € 113.000,00

              49. Isto equivale a dizer que o custo da demolição ordenada de cerca de 1,50 m aproximadamente do edifício e a sua reconstrução é quase tão onerosa quanto a totalidade da demolição do edifício, o que subverte totalmente o sentido da decisão constante no Douto Acórdão Tribunal da Relação bem como o sentido da lei substantiva aplicável.

       50. Por outro lado, é importante salientar que a demolição até à cota de 41,03 metros, não vem alterar as condições e pré requisitos que foram exigidos no processo de licenciamento pela Câmara Municipal de Lisboa. Assim:

       - A entrada da luz resultante dessa alteração só irá favorecer a fracção A dos RR., dado que os restantes condóminos ficam, como antes, com a mesma exposição solar.

                        - Colocará o piso da área técnica ao nível do primeiro andar ficando o autor da fracção B, com vista directa para esse piso e vice versa, nada beneficiando portanto.

                        - A autora da fracção C, não ficará beneficiada das suas vistas da parte tradoz, dado que a construção actual não a prejudica de todo.

                               51. Acresce que, certamente por mero lapso, consta da decisão de que ora se recorre que a guarda em vidro deverá ser igualmente demolida. Não obstante, semelhante guarda foi substituída em obra, tal como consta do processo, pelo que a sua demolição não se pode sequer aplicar por ser inexequível a esta mesma data.

     52. Mais, a 2ª porta do tardoz não sendo visível para qualquer um dos condóminos, nem o uso do logradouro lhes sendo de direito, não traz qualquer benefício aos AA e apenas traz prejuízo aos RR. Essa obra sempre terá um custo estimado de € 10.000,00, sendo que implicará igualmente paragem no funcionamento da organização sem que repetimos, isso traga qualquer benefício aos AA (nem estes possam ver o seu resultado dado que, como se prova no processo e na presente sentença} não têm acesso visual dos seus imóveis à dita porta).

       53. Também se deve acrescentar que, tendo sido aceite como válido o argumento de que todos os AA aprovaram pelo menos o 1º projecto, nesse já constava, no lugar da porta, uma janela com as mesmas dimensões que a referida porta tem. Na verdade, já no 1º projecto existia uma janela com idêntica dimensão da porta (e que a porta em causa, é, ela mesma, constituída por vidro, como uma janela, apenas acrescentando a possibilidade de abertura, como porta).

      54. Pelo exposto, salvo o devido respeito por opinião contrária que muito é, a decisão constante do Douto Acórdão de que ora se recorre, não traz qualquer equilíbrio do ponto de vista da justiça à decisão em 1ª instância, pois mantém o acto da demolição, como um potenciador desse equilíbrio, quando no entender dos RR. Requerentes não é isso que sucede pois os custos dessa demolição continuam a prejudicar enormemente os R.R., sem que os AA tenham disso qualquer benefício tangível.

       55. O que equivale a dizer que existe, salvo o devido respeito, a violação de lei substantiva que, no caso presente, consiste no erro de interpretação / aplicação das normas aplicáveis e supra referidas.

         Os recorrentes subordinados alegaram formulando as seguintes conclusões:

                        A) Os AA. nunca agiram em abuso de direito.

    B) Em primeiro lugar, desde que os recorrentes se aperceberam de que nova construção não poderia ser a correspondente ao projecto que haviam concordado, o que ocorreu em Agosto de 2011 (cfr. facto provado sob o número 54), logo reagiram contra a referida obra.

    C) Tendo, ato contínuo, agendado uma reunião com o Arqº ... do Gabinete de Alfama que só pode realizar-se em finais de 2011 (cfr. facto provado sob o número 55).

 D) E, de seguida, enviaram, conforme factos provados sob os números 56 e 57, emails enviados à Câmara Municipal de Lisboa, datados de 03-11-­2011 e de 12-04-2012, juntos como doc. nº 37 e 38 com a p.i,

                        E) Apresentaram queixa, conforme facto provado sob o número 58, aos 02­-11-2011, à Provedoria de Justiça face à realização das obras ilegais por parte dos RR., junta como documento nº 39 com a p.i.,

           F) E, ainda, conforme facto provado sob o número 59, enviaram carta aos RR. aos 27 de Fevereiro de 2012, solicitando que estes cessassem as obras que estavam a realizar e a reconstituir a situação anteriormente existente (documento nº 41 junto com a p.i)

          G) Nessa fase as obras estavam longe de estar concluídas (cfr. facto provado sob o número 86 - "As obras de construção terminaram em Outubro de 2013".

   H) Estando a construção em vigas conforme fotografias juntas como doc. 17 a 35-A com a p.i.

                        I) Não tendo os AA. obtido qualquer resposta por parte dos RR., os quais continuam a ignorar a existência de tal carta e a posição manifestada pelos AA., intentaram a presente acção aos 4-6-2012, tendo os RR. sido citados a 20-06-2012;

       J) Por outros lado os 1° e 2° AA. autorizaram especificamente que os RR. procedessem à execução do projecto nº 1344/EDI/2007 e não de qualquer outro;

        K) O 3° A. nem sequer assinou qualquer autorização (factos provados sob os números 15 e 16)

                        L) Não tendo sido o tal projecto - o projecto autorizado - a ser executado pelos RR. mas um outro, substancialmente diferente do original, salvo melhor entendimento, não actuam com abuso de direito os AA. aqui recorridos, ao exigirem a demolição total das obras construídas ilicitamente.

                        M) Os AA. autorizaram aquele projecto específico, com aquelas dimensões, com aquelas características, com aqueles formatos e especificidades, um projecto que se caracterizara por um conjunto de particularidades, que vão muito além da cota máxima de 41,03 metros, particularidades essas que, por uma razão ou outra, formaram a vontade dos AA. no sentido de autorizarem a execução do mesmo pelos RR.:

                        N) Assim:

    - com o projecto edificado pelos RR. e não autorizado pelos AA., há uma utilização frequente do terraço por visitantes da galeria;

       - no projecto autorizado pelos AA., a construção e utilização do edificado seria, quase na sua totalidade, subterrâneo, enquanto que no segundo projecto, pelo contrário, toda a actividade passaria a desenvolver-se num bloco erigido à frente do edifício habitado pelos AA., em que até na área técnica as pessoas andam;

           - no projecto autorizado, o edificado estaria fechado ao nível do topo do R/C, ao contrário do que acontece actualmente, que está ao nível de um segundo andar;

           - o projecto autorizado pelos AA. contemplava zonas ajardinadas com árvores, ao contrário do edificado pelos RR. que não tem nenhuns elementos naturais.

                        O) A autorização para erigir uma determinada obra, com as características supra referidas, entre as quais, mas não só, as de uma determinada altura da edificação a construir, não é impeditiva dos AA. não concordarem com a realização de uma nova obra, com características distintas:

                        P) E se assim é genericamente, também não deixa de ser verdade que a autorização para erigir uma obra cuja cota máxima foi fixada em 41,03 m, não é impeditiva dos AA. não aprovarem uma obra com uma cota máxima de 42,58m, correspondente a um aumento de um piso que retira incidência da luz solar directa à fracção do 1° A., diminui a incidência da luz solar da fracção da 2ª A., e provoca reflexões da luz solar quer ao 2°, quer ao 3° AA., para além de eliminarem a privacidade e descanso que sempre tiveram (conforme factos provados sob os números 31° a 39°, 43°, 44°. 64° a 68°);

                        Q. Os AA. não agiram, assim, em abuso do direito, pelo que, em rigor, o mui douto Acórdão recorrido, violou, nessa medida, o artigo 334° do C.C.;

Os recorridos do recurso principal contra-alegaram, pronunciando-se pela improcedência do recurso interposto pela parte contrária.

                       

    Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

                        II- Fundamentação:

     2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 639º nºs 1 e 2 do C.P.Civil).

                        Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:

                        A) Quanto ao recurso principal:

                        Demolição, ou não, das obras realizadas pelos RR.

                        B) Quanto ao recurso subordinado:

                        Se os AA. agiram com abuso de direito.

           

      2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:

                        1) A constituição da propriedade horizontal relativa ao prédio sito na Rua ..., inscrito na matriz sob o artigo 482.º, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 31, encontra-se registada através da Apresentação 12 de 2000/11/10, conforme documento nº1 anexo à PI; (al. B) dos Factos Assentes)

                        2) O Autor AA é o proprietário da fracção autónoma, designada pela letra “B”, a que corresponde o 1º andar do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua ..., inscrito na matriz sob o artigo 482.º, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 31, conforme documentos nºs 1 e 2 anexos à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. A) dos Factos Assentes)

               3) A supra referida propriedade encontra-se registada a favor do 1º Autor através da apresentação 40 de 2001/01/26, convertida em definitiva pela apresentação 1 de 2001/07/24, conforme documento nº1 anexo à PI; (al. C) dos Factos Assentes)

             4) A Autora BB é proprietária da fracção autónoma designada pela letra “C”, a que corresponde o 2º Andar do aludido prédio urbano sito na Rua ..., inscrito na matriz sob o artigo 482, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 31, conforme documentos n.ºs 3 e 4 anexos à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. D) dos Factos Assentes)

      5) A propriedade da fracção encontra-se registada a favor da 2ª Autora através da apresentação 9 de 2007/01/22, convertida em definitiva pela apresentação 34 de 2007/03/23, conforme documento nº3 anexo à PI; (al. E) dos Factos Assentes)

  6) O Autor CC é proprietário da fracção autónoma designada pela letra “D”, a que corresponde o 3º andar do aludido prédio urbano sito na Rua ..., inscrito na matriz sob o artigo 482, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 31, conforme documentos n.ºs 5 e 6 anexos à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. F) dos Factos Assentes)

   7) A propriedade da fracção encontra-se registada a favor do 3º Autor através da apresentação 9 de 2008/02/18, convertida em definitiva pela apresentação 15 de 2008/03/05, conforme documento nº3 anexo à PI; (al. G) dos Factos Assentes)

         8) Os Réus DD e EE são proprietários, nas proporções de 65/100 e 35/100, respectivamente, da fracção autónoma designada pela letra “A”, a que corresponde o r/c do aludido prédio urbano sito na Rua ..., inscrito na matriz sob o artigo 482, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número 31, conforme documentos n.ºs 7 e 8 anexos à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. H) dos Factos Assentes)

      9) A propriedade da fracção encontra-se registada a favor dos Réus através da apresentação 62 de 2004/09/21, conforme documento nº7 anexo à PI; (al. I) dos Factos Assentes)

       10) Na escritura de constituição de propriedade horizontal outorgada em 20 de Outubro de 2000, no 15.º Cartório Notarial de Lisboa, a fracção autónoma designada pela letra “A” está descrita da seguinte forma:

«FRACÇÃO AUTÓNOMA DESIGNADA PELA LETRA “A” – rés-do-chão com acesso pelo número treze da Rua ..., destinada a comércio, composta por um compartimento amplo, uma instalação sanitária, um anexo para armazém e um quintal com a área de trinta e cinco metros quadrados e seiscentos e setenta centímetros quadrados (…)»; (al. J) dos Factos Assentes)

      11) Na descrição do prédio supra referido junta da Conservatória de Registo Predial competente, consta que aquele tem:

- uma área total de 148,569m2;

- uma área coberta de 113,502m2;

- uma área descoberta de 35,067m2;

E na descrição da sua composição: edifício de loja, 2 andares e mansarda, anexo para armazém com a área de 36,502m2 e quintal; (al. L) dos Factos Assentes)

       12) Os Réus pediram aos condóminos das outras três fracções, separadamente, que prestassem a sua autorização à realização das obras que pretendiam levar a cabo na fracção “A”, tendo, para o efeito, mostrado aos 1.º e 2.º Autores a planta do projecto que viria a ser apresentada no processo de arquitectura 1344/EDI/2007; (al. P) dos Factos Assentes)

     13) Em 30 de Julho de 2006, o Autor AA, proprietário da fracção “B”, assinou uma declaração pré-elaborada pelos Réus, nos seguintes termos:

«Eu, AA com BI nº ..., proprietário da Fracção ... andar do prédio situado na Rua ..., venho para os devidos efeitos, autorizar a realização de obras no logradouro, nomeadamente a construção de pisos cave e edificação bem piso cave no interior, a realizar na Fracção ..., cujos proprietários são EE, com BI nº ... e DD, com BI nº ...», conforme documento n.º 11 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. Q) dos Factos Assentes)

          14) Em 1 de Agosto de 2007[1], a Autora BB, proprietária da fracção C, assinou uma declaração pré-elaborada pelos Réus e preencheu-a com o seu nome e número de bilhete de identidade, nos seguintes termos:

«Eu, BB com BI nº ..., proprietária da Fracção ... andar do prédio situado na Rua ... Lisboa, venho para os devidos efeitos, autorizar a realização de obras, conforme projecto de arquitectura, no logradouro nomeadamente a construção de pisos cave e edificação, bem como piso cave no interior, a realizar na Fracção ..., cujos proprietários são EE, com BI nº ... e DD, com BI nº ...», conforme documento n.º 12 anexo à PI e cujo teor aqui se dão por integralmente reproduzido; (al. R) dos Factos Assentes)

  15) Em 30 de Novembro de 2008, o Autor CC, proprietário da fracção “D”, preencheu com o seu nome e bilhete de identidade uma declaração pré-elaborada pelos Réus nos seguintes termos:

«Eu CC, com BI nº ..., proprietário da Fracção ... andar do prédio situado na Rua ...Lisboa, venho para os devidos efeitos, autorizar a realização de obras requalificação do espaço, conforme projecto de arquitectura, nomeadamente construção no logradouro, a realizar na Fracção ..., cujos proprietários são EE, com BI nº ... e DD, com BI nº ....», conforme documento nº 13 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. S) dos Factos Assentes)

     16) O Autor CC não chegou a assinar a declaração supra referida; (al. T) dos Factos Assentes)

      17) As autorizações referidas na al. P) dos Factos Assentes foram solicitadas pelos Réus em momentos diferentes; (art. 2.º da BI) 

   18) No dia 07.08.2007, deu entrada na Câmara Municipal de Lisboa um projecto de ampliação para a fracção “..., requerido pelo Réu DD, ao qual foi dado o nº de processo 1344/EDI/2007, conforme informação n.º 25520/INF/UPA/GESTURBE/2008 junta como documento n.º 9 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. M) dos Factos Assentes)

                        19) O projecto supra referido previa:

                        - A demolição integral do interior da fracção; 

   - A escavação de uma cave com a dimensão total do lote;

   - A criação de um espaço que ocuparia o nível do rés-do-chão e da cave;

    - No logradouro: demolição da ocupação existente e criação de um volume, ligado ao edifício principal por uma plataforma, bem como a construção de uma cave;

                        - Ao nível da cave: além desse volume e da ocupação do espaço correspondente ao edifício, existiria uma área ajardinada; (al. N) dos Factos Assentes)

                        20) O projecto supra referido foi indeferido; (al. O) dos Factos Assentes)

                        21) Quando o projecto de arquitectura a que alude a al. M) dos Factos Assentes foi indeferido, os Réus não o comunicaram aos 1.º e 2.º Autores; (art. 3.º da BI)

     22) Em data não apurada, mas posteriormente a 6 de Agosto de 2008, os arquitectos autores do projecto reuniram-se com os arquitectos HH, director da unidade de projecto de Alfama, e com II, director municipal, tendo chegado a um compromisso em que abandonariam a realização das caves; (art. 42.º da BI)

           23) O Réu DD deu entrada, na Câmara Municipal de Lisboa, de um processo de arquitectura para ampliação da fracção “...., ao qual foi dado o nº 7272/OTR/2008, conforme documento n.º 14 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. U) dos Factos Assentes)

     24) O (novo) projecto supra referido não contempla cave; (art. 53.º da BI)

                        25) A data de conclusão das plantas que instruíram o projecto n.º 7272/ORT/2008 é de 12 de Dezembro de 2008; (al. Z) dos Factos Assentes)

                        26) O prédio em causa nos autos está em zona de área histórica e o projecto n.º 7272/OTR/2008 teve a apreciação positiva do IGESPAR; (al. LL dos Factos Assentes)

                        27) O projecto supra referido foi deferido pelo Director Municipal de Conservação e Reabilitação Urbana, JJ, em 06.02.2009, conforme documento n.º 14 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. V) dos Factos Assentes)

    28) A Câmara Municipal de Lisboa emitiu em 31.08.2010 um alvará de licença de construção com o nº 405/EO/2010, tendo os RR. dado início à realização das referidas obras; (al. X) dos Factos Assentes)

      29) O projecto inicial de ampliação da fracção “A” contemplava uma cota máxima da construção que os Réus se propunham edificar no quintal da fracção de 41,03 metros e o projecto de arquitectura aprovado prevê uma cota 42,58 metros; (al. HH dos Factos Assentes)

                        30) O novo projecto prevê ainda uma estrutura de vidro de guarda da área técnica, com um metro de altura; (al. II dos Factos Assentes)

      31) A obra construída pelos Réus passou a ter uma altura correspondente a um 2º andar, sem contar com o gradeamento existente no terraço; (art. 7.º da PI) 

                        32) O gradeamento supra referido é de aço inoxidável, provocando reflexos com a incidência da luz solar; (arts. 65.º e 66.º da BI) 

                        33) Uma parte da cobertura do terraço (clarabóias) e da cobertura de acesso ao piso do terraço são em policarbonato translúcido, o qual reflecte a luz solar incidente; (arts. 65.º e 66.º da PI)

                        34) O índice de reflexão do policarbonato é moderado; (art. 84.º da BI)

                        35) O reflexo da luz solar incidente sobre o gradeamento em aço inoxidável e sobre o policarbonato translúcido causa incómodos aos moradores da fracção “D”; (art. 67.º da BI)

   36) A altura da edificação construída pelos Réus ultrapassa, em muito, o limite definido pela linha recta a 45º traçada em cada um dos planos perpendiculares à fachada a partir do alinhamento da edificação fronteira, definido pela intersecção do seu plano com o terreno exterior; (art. 13.º da PI)

                        37) E, ao fazê-lo, não permite a exposição solar directa da fracção dos Réus; (art. 14.º da BI)

      38) O logradouro não tem, em todos os seus pontos, profundidade não inferior a metade da altura correspondente da fachada adjacente, medida na perpendicular a esta fachada no ponto mais desfavorável, com o mínimo de 6 metros e sem que a área livre e descoberta seja inferior a 40 metros quadrados; (art. 15.º da PI)

                        39) O novo projecto passou a contemplar a abertura de uma segunda porta do rés-do-chão para o logradouro e que não estava prevista no projecto inicial; (al. AA dos Factos Assentes)

           40) A abertura de uma porta na fachada tardoz do edifício altera a imagem da mesma; (al. JJ dos Factos Assentes)

          41) A exposição solar é um factor de salubridade de uma fracção, contendendo com a qualidade de vida dos seus habitantes; (al. BB) dos Factos Assentes)

                        42) A construção edificada pelos Réus excede a área de implantação do anexo para armazém que existia na fracção “A”, ocupando também parte do logradouro (arts. 24.º e 25.º da PI) 

        43) A altura da construção edificada pelos Réus prejudica a entrada de luz na fracção “B”, especialmente no Inverno;

          44) A falta de exposição solar aumenta o frio e a humidade, podendo ser um factor causador de doenças; (art. 30.º da BI)

                        45) Os Réus não solicitaram aos 1.º e 2.º Autores novas autorizações para instruir o processo n.º 7272/OTR/2008; (art. 6.º da BI) 

       46) Consta da acta da assembleia de condóminos realizada no dia 5 de Agosto de 2011 que «Foi solicitado pela BB, proprietária da fracção C que os condóminos da fracção A fossem verificar a altura da obra pela sua janela, visto que a perspectiva era diferente da do empreiteiro»; (al. CC dos Factos Assentes)

   47) No Verão de 2011, o condómino da fracção “C” combinou com os Réus uma visita à sua fracção com vista a verificarem se a estrutura que estava a ser edificada estava ao nível do parapeito da janela da Autora, visita que foi efectuada; (arts. 48.º e 49.º da BI)

          48) Na sequência da visita supra referida, os Réus decidiram demolir parte da estrutura já edificada bem como fazer o rebaixamento da cofragem que estava a ser montada, o que foi realizado pelo empreiteiro; (arts. 50.º e 51.ºda BI)

            49) Os Réus realizaram diligências com o novo proprietário da fracção “D”, o Autor CC, para a obtenção de uma autorização para o novo projecto, tendo sido realizada uma reunião com ele para tal desiderato, em Novembro de 2008; (art. 43.º da BI)

                        50) Os Autores têm acesso visual directo das janelas a tardoz para o logradouro; (art. 52.º da PI) 

                        51) As obras decorreram durante mais de um ano; (art. 55.º da BI)

           52) Durante a execução das obras, os condóminos foram ao logradouro; (art. 54.º da BI)

                        53) Os restantes condóminos não têm acesso visual das suas fracções para a área onde está prevista a abertura de uma porta; (art. 57.º da PI) 

       54) Em Agosto de 2011 ocorreu nas instalações da LL uma reunião com os Réus; (art. 63.º da BI)

                        55) O Autor CC agendou uma reunião na Unidade de Projecto de Alfama, a qual foi realizada com o Arqtº HH, em data não apurada de finais do ano de 2011; (arts. 19.º e 20.ºda BI)

                        56) Em 3-11-2011, a Autora enviou o e-mail, anexo à PI como documento n.º 37 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. DD dos Factos Assentes)

     57) A Autora enviou o e-mail, anexo à PI como documento n.º 38 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. EE dos Factos Assentes)

                        58) O Autor Bruno Filipe apresentou uma queixa junto da Provedoria de Justiça, em 3 de Novembro de 2011, a qual corre os seus termos com o número 4979/11 (A1), conforme documentos n.ºs 39, 40 e 41 anexos à PI; 

   59) Por intermédio do seu mandatário, os Autores enviaram aos Réus uma carta datada de 27 de Fevereiro de 2012, constante do documento n.º 41 anexo à PI e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (al. GG dos Factos Assentes)

     60) Os Réus nunca responderam à missiva supra referida; (art. 23.º da BI)

                        61) A 2.ª Autora comprou a sua fracção também por causa das vistas que a mesma tinha; (art. 31.º da BI)

                        62) A fracção “C” tem vista para o Rio Tejo apenas a partir da janela da esquerda a tardoz, tratando-se de uma vista parcial, limitada à esquerda pela igreja de Santo Estevão e à direita pelos telhados e empenas dos edifícios envolventes, (art. 60 e 61.º da PI)

                        63) A fracção “B” não tinha nem tem vista para o Rio Tejo, dado existirem na envolvência muros e empenas de outros edifícios com cotas altimétricas superiores à da fracção “B” que não o permitem; (art. 59.º da PI) 

                        64) Desde a pré-inauguração da Casa da Liberdade, em Junho de 2013, os Réus têm permitido visitas, quer durante o dia, quer à noite, à denominada «área técnica», onde chegaram a colocar cadeiras; (art. 71.º da BI)

                        65) Algumas pessoas que acederam a essa denominada área técnica chegaram ao ponto de tirar fotografias das fracções dos Autores; (art. 72.º da BI)

                        66) A utilização da área técnica provoca ruído e alarido, impedindo o descanso dos Autores, pelo menos quando ocorre durante a noite; (arts. 74.º e 75.º da BI)

                        67) Sem autorização do condomínio, os Réus colocaram focos de luz na fachada do edifício que erigiram e no logradouro do prédio; (art. 77.º da BI)

                        68) Os focos supra referidos, quando ligados, iluminam o interior das casas dos Autores, impedindo o descanso dos Autores; (art. 78.º da BI)

     69) A 1 de Julho de 2013, o 3.º Autor instou pessoalmente o 1.º Réu a fechar as luzes que iluminam a fachada e a alterar o posicionamento dos focos por forma e que a fachada não fosse iluminada; (al. MM dos Factos Assentes)

      70) Dias depois, o 3.º Autor falou com o 2.º Réu, solicitando que não iluminassem a fachada; (al. NN dos Factos Assentes)

       71) A 5 de Dezembro de 2013, enviaram uma carta registada com aviso de recepção aos Réus, solicitando que, sem prejuízo da pretensão já deduzida em juízo, cessassem de imediato a utilização da denominada “área técnica”, bem como cessassem a iluminação da fachada do prédio; (art. 82.º da BI)

                        72) Os Réus apesar de terem recebido tal missiva em 12 de Dezembro de 2013, só responderam aos Autores depois de 23 de Janeiro de 2014 (art. 83.º da BI)

                        73) O edifício denominado “Casa da Liberdade – Mário Cesariny” é um espaço cultural com uma programação própria; (art. 85.º da BI)

                        74) A qual é maioritariamente constituída por exposições de obras de arte e de espólio documental que fazem parte do seu acervo e têm carácter temporário ao longo do ano; (art 86.º da BI)

                        75) As exposições são realizadas no piso 0; (art. 87.º da BI)

                        76) No dia 18 de Junho de 2013, data da realização da pré-inauguração da “Casa da Liberdade-Mário Cesariny”, a única actividade que estava programada para o terraço foi a leitura de poemas, a qual acabou por ser realizada no piso 0 da “Casa da Liberdade – Mário Cesariny”; (art. 88.º da BI)

                        77) Houve outras alterações ao programa inicial, tendo as actividades artísticas terminado por volta das 22 horas; (art. 90.º da BI)

                        78) O horário de funcionamento da Casa da Liberdade é de 2.ª a sábado, das 14 horas às 20 horas; (art. 91.º da BI)

                        79) Os Réus enviaram aos Autores uma carta registada em 28 de Janeiro de 2014, anexa como documento n.º 2 à resposta dos Réus ao articulado superveniente, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (art. 93.º da BI)

    80) Esteve prevista a colocação de aparelhos de ar condicionado para a climatização dos espaços nos quais estão expostas obras de arte e guardados espólios artísticos de elevada importância patrimonial; (art. 94.º da BI)

                        81) A pedido dos Autores, foi alterada a sua localização para uma zona lateral ao edifício por forma a ir ao encontro das pretensões daqueles; (art. 95.º da BI)

                        82) A utilização dos focos de luz que iluminam a fachada do edifício foram utilizados apenas algumas vezes, nomeadamente no dia da pré-inauguração e no dia da inauguração da Casa da Liberdade, estando apontados à fachada do edifício pertencente à fracção A; (art. 96.º da BI)

                        83) Já existem nas duas janelas na fachada a tardoz da fracção B dos Autores portadas exteriores; (art. 97.º da BI)

   84) Actualmente, e desde data não determinada, a proprietária da fracção C não vive na sua habitação; (art. 98.º da BI)

                        85) A fracção D fica acima da cobertura da edificação realizada pelos Réus; (art. 100.º da BI)

                        86) As obras de construção terminaram em Outubro de 2013 (art. 101.º da BI). ---------------------------------------

                        2-3- Como é sabido e decorre do disposto no art. 682º nº 1 do C.P.Civil, este Supremo Tribunal, como tribunal de revista, aplica definitivamente o direito aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido. Significa isto que será face aos elementos materiais acima aludidos que se deverá aplicar o direito, pelo que carece de sentido os RR. recorrentes fazerem uso de factualidade não assente e daí retirarem consequências jurídicas[2].

       Por outro lado, a presente revista só incidirá, como se disse no despacho do relator, sobre a demolição das obras em questão (ponto 2 do segmento decisório) e quanto ao recurso subordinado, sobre o abuso do direito.

      Porque os assuntos em evidência estão intimamente ligados, iremos apreciar os recursos em conjunto.

   Começaremos, porém, por fazer uma análise sumária à argumentação dos recorrentes principais incidente, essencialmente, sobre a legalidade/ilegalidade da obra nova realizada, assunto já não em discussão no presente recurso, mas que abordaremos para dissipar algumas dúvidas que ainda, porventura, existam e para evitar que venham, posteriormente, a esgrimir e a proclamar a falta de apreciação dos correspondentes assuntos.

                        Sustentam os recorrentes que a obra realizada por si não alterou muito significativamente a traça do edifício, nem modificou esteticamente in pejus a sua fachada traseira, já que consistiu numa benfeitoria útil, na medida em que o que existia anteriormente era uma ruína, pelo que em nada destoa da sua traça geral.

   Esta argumentação é absolutamente irrelevante não só porque a ilegalidade da obra já está definitivamente decidida (e a alegação tendia a defender a legalidade da construção, face ao disposto no art. 1422º nº 2 al. a) do C.Civil, diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem), mas também porque os recorrentes baseiam o seu raciocínio em factos não demonstrados, designadamente que a construção que antes existia era uma ruína. Pelo mesmo motivo será de afastar o abuso de direito com base nesta circunstância (existência de um prédio em ruínas e que a reconstituição natural se traduz num retrocesso civilizacional arquitectónico, um regresso à ruína e à precariedade urbanística).

   Destituída de sentido, porque não consta igualmente da factualidade provada, é a afirmação de que o edifício em causa continua a ter o mesmo equilíbrio estético, pois as suas características visuais não foram alteradas forçosamente, para além de, como já se disse, a ilegalidade da obra já está definitivamente decidida.

     Afirmam os recorrentes que constitui um facto público e notório que o chamado "gabinete de Alfama" é particularmente exigente no que toca á aprovação de obras naquele bairro histórico de Lisboa, acrescentando que, além de normas de edificação particulares, existe uma vigilância constante e um rigor absoluto na apreciação das alterações arquitectónicas no local. Neste quadro, o gabinete de Alfama da Câmara Municipal de Lisboa, não encontrou na obra edificada pelos RR. qualquer censura, nomeadamente, no que diz respeito à linha arquitectónica do edifício, a tardoz.

                        Mais uma vez os recorrentes usam factos não factos não demonstrados que não são, patentemente, notórios para defender a não ilegalidade das obras. De resto, como nos parece bom de ver, o facto de as obras terem sido autorizadas pela autoridade administrativa[3] em nada contendem com objectivo e finalidade dos presentes autos que visam a apreciação e aplicação de normas civilísticas atinentes ao exercício do direito de condóminos e correspondente direito de propriedade. Neste sentido vai a jurisprudência[4] deste STJ (vide designadamente o acórdão de 19-1-2006 - in www.dgsi.pt/jstj.nsf).                     

                        No que respeita ao exercício do direito à demolição das obras pelos AA., sustentam os recorrentes que o não exercício dum direito durante um longo prazo, paralisa o seu exercício futuro, à luz da boa fé. Assim, se três condóminos assistem impávidos e serenos à feitura de uma obra nova por outros condóminos, durante ano e meio, não é justo, segundo a boa fé, que depois venham dizer que a obra é ilegal por não ter dado o seu consentimento por escrito em assembleia de condomínio, querendo, sem que nada de sério o justifique, mandar partir ou estragar a benfeitoria bem feita com um esforço económico e humano de tal modo relevantes que merecem a tutela do direito. Os A.A. deixaram o edifício (dos RR.) ser construído sem terem reagido judicialmente contra a obra realizada, nomeadamente através duma providência cautelar de embargo de obra nova, bem sabendo ou não podendo ignorar, sem culpa, que quanto mais tarde reagissem mais agravariam as custas das obras de demolição e reedificação necessários para fazer valer aquilo que consideram ser os seus interesses, o que implicaria uma remodelação total do edifício. Se os A.A. tivessem reagido prontamente contra a edificação em crise, não poderiam os RR, agora invocar que a demolição trazia custas insuportáveis. A sentença recorrida deveria negar aos A.A., por abuso de direito, o exercício do alegado direito de demolição, por alegadamente não terem reagido contra a edificação do prédio dos RR. que estes mesmos AA agora, e só agora, consideraram violar as normas legais em vigor, e nada fizeram quando aqueles mesmos RR. começaram a levantá-lo, isto é, por não terem embargado a obra em tempo oportuno.

      Mais uma vez os recorrentes alicerçam a sua argumentação em factualidade não provada, pois não consta dos factos provados que os condóminos tenham assistido “impávidos e serenos”, durante ano e meio, à feitura da obra nova pelos RR.. Pelo contrário, a materialidade dada como demonstrada indicia precisamente o contrário, como se pode verificar através dos factos assentes sob os nºs 46, 47, 48, 49, 54, 55, 56, 57, 58 e 59. Ou seja, estas circunstâncias revelam que foram realizadas diligências pelos AA. no sentido de impedir a construção nos termos em que estava a ser levada a cabo.

    Não se vê, assim, que por as ditas razões, os AA. tenham agido com abuso de direito.

                       

    Entrando propriamente no cerne da problemática (a demolição da obra nova), os recorrentes sustentam que a demolição das obras ilegais deve apenas suceder em última instância, ou seja, deve pressupor a certeza de que as obras são insusceptíveis de receber alterações ou correcções que as ajustariam ao regime jurídico aplicável. Decorre do art. 562º, o princípio geral da obrigação de indemnizar é o da reposição natural, isto é, o de que a reparação de um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. Mas, excepcionalmente, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 566º, quando não for possível a reconstituição natural, quando não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor é que a indemnização é fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atribuída pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos. Nos termos do art. 829º, a excessiva onerosidade para o devedor da reconstituição natural verifica-se quando houver evidente desproporção entre o interesse do lesado, que importa salvaguardar, e o custo que essa reconstituição natural envolve para o responsável. A reconstituição natural será excessivamente onerosa para o devedor "quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável". Ou seja, caso o Tribunal a quo considerasse a existência de violação das normas legais, ou por dever de patrocínio se aceita, sem conceder, então em alternativa à demolição ainda que parcial, poderia e devia esse mesmo douto tribunal a quo ter, quando muito, condenado os RR., a indemnizar os AA nos montantes e prejuízos que se viessem a apurar, a final, em liquidação de sentença, acrescidos de juros legais, vencidos e vincendos, a contar da ocorrência dos factos, até integral pagamento.

Também aqui nos parece clara a falta de razão dos recorrentes. É que a reconstituição natural de que falam os arts. 566º, nº 1, «in fine», e 829º, nº 2, vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto real do condomínio, em que estão em jogo regras de interesse de ordem pública atinentes à organização da propriedade, que se acomodam com os interesses dos condóminos do prédio. Por isso, a demolição, ao abrigo do princípio da equidade estabelecido nas ditas normas, não poderá ser substituída por indemnização em dinheiro. Esta é a jurisprudência pacífica deste STJ, como se verifica, entre outros, pelos acórdãos deste STJ de 19/01/2006, em que expressamente se afirmou que “à sanção com fonte na realização de obra, em violação do exarado no art. 1422º nºs 2 a) e 3 do CC, aquela sendo a sua destruição, que não a indemnização em dinheiro, com apelo à equidade, por se radicar na violação do estatuto real do condomínio, em jogo estando regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, não faz óbice o ter sido realidade prévio licenciamento dessa obra pelos competentes serviços municipais” e de 19/2/2008 “a sanção correspondente à realização das referidas obras ilegais é a destruição delas, isto é, a reconstituição natural que não pode ser substituída por indemnização em dinheiro, ao abrigo do princípio da equidade estabelecido no art. 566, nº1, in fine, e 829, nº2, do C.C., porque este princípio só vale para o não cumprimento das obrigações em geral e não para a violação do estatuto real do condomínio, em que estão em jogo regras de interesse e ordem pública atinentes à organização da propriedade, que bolem com os interesses de todos os condóminos do prédio (Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2ª ed, pág. 143; Ac. S.T.J. de 25-5-00, Col. Ac. S.T.J., VIII, 2º, 80, Ac. S.T.J. de 4-10-95, Bol. 450-492, Ac. S.T.J de 17-3-94, Bol. 435-816, entre outros)”.

    De resto, este é também o entendimento da doutrina, designadamente dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, ao afirmarem no C.Civil Anotado (Vol. III, 2ª edição, págs. 428 e 429) que “a sanção corresponde à violação das interdições consignadas no nº 2 varia consoante a natureza da violação. Umas vezes haverá lugar à destruição da obra realizada (quando se trata de obra nova que afecte a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício); outras, à realização coerciva da obra necessária (quando o mal procede da falta de reparação em algumas fracções); outras, ainda, à indemnização dos danos causados pelo condómino. Nos casos em deva proceder-se à destruição da obra realizada (reconstituição natural), não pode a correspondente obrigação ser substituída por uma indemnização em dinheiro, ao abrigo do disposto nos artigos 566º nº 1 e 829º nº 2 (sublinhado nosso) pois as regras formuladas nestes preceitos não têm aplicação…”.

                        Dizem depois os recorrentes que existe uma falta séria de interesse por parte dos AA. na destruição ainda que parcial da obra, já que autorizarem a primeira versão do projecto, estando, assim, permitida a edificação do edifício agora em crise. O interesse dos AA. em ver demolida a obra terá de ser apreciado objectivamente, sendo de destacar a importância do projecto cultural que acontece no espaço da Casa Liberdade - Mário Cesariny, espaço este que trouxe uma elevada valorização para o espaço urbano de Alfama e para a cidade de Lisboa, não só na sua valorização patrimonial mas também o seu impacto na comunidade. O acórdão recorrido, ao decidir a demolição de cerca de 1,50 cm (de 42,58 metros para 41,03 metros), com tudo o que essa demolição irá acarretar, põe em causa no curto prazo a continuidade do projecto supra referido, dado que essas obras vão implicar a paragem total da actividade. O custo da demolição provocará uma descapitalização da entidade gestora do equipamento, a FF Lda., retirando-lhe os recursos para a sua actividade principal que é a dinamização artística e cultural, podendo mesmo ditar o fim da organização que, de facto, dinamiza o espaço, a saber, a associação sem fins lucrativos, fundada em 1997, Colectivo GG. A decisão proclamada no acórdão recorrido origina uma prevalência do direito privado dos A.A. sobre o interesse da comunidade, sendo que, não sendo imputado valor indemnizatório é, contudo, a ditada decisão de demolição parcial passível de causar prejuízo substancial aos RR e em muito superior ao dano causado. Neste particular, importar destacar que, face ao valor da acção indicado na petição inicial pelos A.A. (€ 30.000,00), entendido como a utilidade económica do pedido, o valor da demolição até à cota de 41,03 m será em tudo superior a esse valor. A decisão constante do acórdão recorrido não traz equilíbrio do ponto de vista de justiça à decisão de 1ª instância, pois mantém o acto de demolição, sendo que os custos da demolição continuam a prejudicar enormemente os RR. sem que os AA. tenham disso qualquer benefício tangível.

      Mais uma vez, com presente argumentação, os recorrentes lançam mão de factos não demonstrados, factos sobre os quais não incidiu o contraditório. Estamos a referirmo-nos, designadamente, às afirmações de que no espaço em causa é a Casa Liberdade - Mário Cesariny e que o mesmo trouxe uma elevada valorização para o espaço urbano de Alfama e para a cidade de Lisboa, de que o custo da demolição provocará uma descapitalização da entidade gestora do equipamento, de que a demolição parcial é passível de causar prejuízo substancial aos RR. e em muito superior ao dano causado.

        Claro que falhando a base factual do raciocínio dos recorrentes, a sua pretensão (de não demolição da obra) carece de sentido. Haverá, porém, de focar o tema de forma juridicamente adequada, partindo-se do entendimento (sobre a demolição) do douto acórdão recorrido, para depois, após se ponderar na posição de cada uma das partes, assumir a decisão definitiva sobre a questão.

                        Vejamos então:
                         O douto acórdão recorrido seguidamente a considerar a ilegalidade da obra (dado que “… a concreta obra exigia a prévia autorização da assembleia de condóminos, por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, nos termos do nº 3 do art. 1422 do C.C..”), entendeu não acompanhar a sentença de 1ª instância na sua parte restante.

        Disse-se, a este propósito, em divergência com tal sentença, que “…muito embora os AA. reclamem nesta causa, designadamente, a demolição da construção exterior e a reconstituição da situação anterior à respectiva execução, não podemos ignorar que os mesmos já haviam autorizado uma construção no logradouro”, tendo-o feito “em termos muito amplos e porventura mais invasivos (escavação de uma cave com a dimensão total do lote – ponto 19 supra)… se bem que lhes tivesse sido apresentada a planta do projecto que viria a ser apresentada no processo camarário 1344/EDI/2007 (cfr. pontos 12 a 14 supra)”. Concluiu-se, assim que “por isso, que os AA. não podem, simplesmente, opor-se agora a uma qualquer edificação no logradouro, posto que a maioria representativa de dois terços do valor total do prédio (cfr. permilagens na escritura de constituição de propriedade horizontal do prédio, a fls. 258 e ss.: fracção “A” 400, fracção “B” 100, fracção “C” 300 e fracção “D” 200), a autorizou antes, ao menos dentro de certos parâmetros, os definidos no projecto junto ao indicado processo camarário”, acrescentando-se ser “nesta perspectiva…, que pode falar-se em abuso de direito”. Atendendo a esta figura, “os AA. só poderão legitimamente opor-se, porque não o autorizaram em conformidade com o nº 3 do art. 1422 do C.C., à construção em altura superior à cota máxima de 41,03 metros (ver ponto 29 supra) e à colocação da estrutura em vidro que resguarda a área técnica (ver ponto 30), que não foram previstos no projecto inicial (indeferido pela CML)”, sendo que “no mais, não podem deixar de conformar-se com a construção edificada, sob pena de incorrerem em conduta contraditória, num venire contra factum proprium, tanto mais que, no essencial, é à construção em altura que se opõem na causa, bem como à configuração e utilização da denominada “área técnica” do novo edifício”… Mais, nada opuseram ao curso normal das obras, apenas reclamando, como vimos, de uma determinada altura que a construção atingiu e que terá sido até revertida”… Em suma, concluiu-se que, “os AA. não podem obter a demolição da construção nova, mas apenas da construção em altura superior à cota máxima de 41,03 metros e da estrutura em vidro que resguarda a área técnica, procedendo às correcções inerentes e necessárias”, entendendo-se só considerar procedente, nessa medida, o recurso.
      Ou seja, o douto acórdão recorrido entendeu que os AA. actuavam com abuso de direito (na modalidade de venire contra factum proprium) ao pretenderem a demolição total da obra nova, já que anteriormente, a maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, havia autorizado, dentro dos parâmetros definidos no projecto junto ao indicado processo camarário, a construção. Além disso, nada opuseram ao curso normal das obras, apenas reclamando de uma determinada altura que a construção havia atingida (que terá sido até revertida). Daí os AA. poderem, somente, obter a demolição parcial da construção nova, designadamente a construção em altura superior à cota máxima de 41,03 metros e a estrutura em vidro.
                        A esta argumentação e decisão opõem-se os recorrentes subordinados afirmando e defendendo que não agiram com abuso de direito já que logo que se aperceberam de que a nova construção não era correspondente ao projecto com que haviam concordado, reagiram a tal obra. Além disso, os 1º e 2º AA. autorizaram especificamente a execução do projecto nº 1344/EDi/2007 e não qualquer outro, sendo que o 3º A. nem sequer assinou qualquer autorização. O projecto autorizado não foi executado, mas outro substancialmente diferente do original, pelo que não actuam com abuso de direito quando exigem a demolição total das obras. A autorização para erigir uma determinada obra, com as características indicadas no projecto inicial, entre as quais, mas não só, as de uma determinada altura da edificação a construir, não é impeditiva dos AA. não concordarem com a realização de uma nova obra, com características distintas.
         Estando definitivamente assente a ilegalidade da obra nova efectuada pelos RR., a única questão que se coloca será a de saber se, através do instituto do abuso de direito, se poderá obstaculizar a sua demolição total, ou parcial, ou simplesmente não proceder a qualquer demolição (como sustentam os RR.).

                       

       Estabelece o art. 334º que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito ”. Para que ocorra o abuso de direito, é necessário, pois, que o titular do direito o exerça de forma clamorosamente ofensiva da justiça e dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito. Como esclarecem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela (in C.Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 298), a concepção adoptada pela lei é objectiva. Não é necessária a consciência de que se excederam os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. É suficiente que esses limites sejam ultrapassados. O excesso deve ser manifesto. Nesta conformidade “os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que as legitimam, se houver manifesto abuso (Profs. Pires de Lima e Antunes Varela mesma obra, pág. 299). Isto é, exige-se um abuso manifesto, que sucederá quando o sujeito ultrapasse de forma evidente e inequívoca os referidos limites (Direito das Obrigações, Prof. Galvão Telles, 7ª edição, pág. 15). O juízo sobre o abuso de direito está dependente das concepções ético-jurídicas dominantes na sociedade. “A consideração do fim económico ou social do direito apela de preferência para os juízos de valor positivamente consagrados na própria lei (Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9ª edição pág. 565).

                        Poder-se-á assim dizer que o abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito de forma anormal, quanto à sua intensidade ou execução de modo a comprometer o gozo de direitos de terceiros, criando uma desproporção entre os respectivos exercícios, de forma ofensiva e clamorosa dos valores sociais que se têm como adquiridos.

   Como se refere adequadamente no acórdão deste STJ de 2/06/2016 (in www.dgsi.pt/jstj.nsf) “O abuso de direito desenhado no art. 334º do CC traduz uma válvula de escape do sistema que pode ser invocada e aplicada para evitar, limitar ou sancionar os efeitos decorrentes da aplicação de alguma norma de direito positivo que confira um direito subjectivo sem ponderação de quaisquer outras circunstâncias. Para que não se corra o risco de recurso abusivo ao instituto do abuso de direito, a sua aplicação pelos Tribunais obedece a requisitos especialmente rigorosos, em que designadamente se revele uma actuação do sujeito que exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé. Este conceito é perspectivado em termos objectivos, relevando a verificação de um desajustamento evidente e insuportável entre a invocação ou execução pura e simples de um direito e os efeitos que isso determina na esfera da contraparte, de tal modo que estes sejam repelidos pelo sistema jurídico globalmente apreciado à luz das regras da boa fé”.

                       Como modalidade do abuso de direito a doutrina e a jurisprudência, apontam o venire contra factum proprium, que ocorre quando “a pessoa pretende destruir uma relação jurídica ou um negócio, invocando, por exemplo, determinada nulidade, anulação, resolução ou denúncia de um contrato, estabelecida no interesse do contraente, depois de fazer crer à contraparte que não lançaria mão de tal direito ou depois de ter dada causa ao facto invocado como fundamento da extinção da relação ou do contrato (Prof. Antunes Varela, obra citada, pág. 566).

                        Ou seja, nos casos de “venire contra factum proprium”, o exercício do agente contradiz uma conduta antes presumida ou proclamada pelo mesmo. Neste sentido refere-se no acórdão deste STJ de 11-1-2011 (no mesmo site) que “o ponto de partida é uma anterior conduta de um sujeito jurídico que “objectivamente considerada é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira.” (cf. Prof. Baptista Machado, apud “Obra Dispersa”, 1, 415 e ss). A conduta pregressa terá criado na contraparte uma situação de confiança com base na qual esta tenha tomado disposições ou organizado planos que, gorados, lhe causarão danos”.

                      Foi precisamente nesta modalidade de abuso de direito em que se baseou o acórdão recorrido para proferir a decisão já acima referenciada. Isto porque, essencialmente, os condóminos representativos de dois terços do valor total do prédio, haviam autorizado, nos termos indicados, a construção. Assim, implicitamente, considerou o aresto, que essa anterior conduta levou a que a parte contrária criasse a convicção de que a construção empreendida não teria a sua reprovação, tanto mais que apenas haviam reclamando da altura que a construção havia atingido.

       Recapitulemos os factos que sobre o tema foram considerados provados:

          Os RR. pediram aos condóminos das outras três fracções, separadamente, que prestassem a sua autorização à realização das obras que pretendiam levar a cabo na fracção “A”, tendo, para o efeito, mostrado aos 1.º e 2.º AA. a planta do projecto que viria a ser apresentada no processo de arquitectura 1344/EDI/2007. Em 30 de Julho de 2006, o A. AA, proprietário da fracção “B”, assinou uma declaração pré-elaborada pelos RR. em que, designadamente, autorizava a realização de obras no logradouro, nomeadamente a construção de pisos cave e edificação bem como piso cave no interior, a realizar na Fracção A – r/c. Em 1 de Agosto de 2007, a A. BB, proprietária da fracção C, assinou uma idêntica declaração pré-elaborada pelos RR. Em 30 de Novembro de 2008, o A. CC, proprietário da fracção “D”, preencheu com o seu nome e bilhete de identidade uma declaração pré-elaborada pelos RR. em que autorizava os RR. a realização de obras requalificação do espaço, conforme projecto de arquitectura, nomeadamente construção no logradouro, a realizar na Fracção A – R/c, mas chegou a assinar a declaração.

                       No dia 07.08.2007, deu entrada na Câmara Municipal de Lisboa um projecto de ampliação da fracção “A” em causa sendo que o mesmo previa: A demolição integral do interior da fracção, a escavação de uma cave com a dimensão total do lote, a criação de um espaço que ocuparia o nível do rés-do-chão e da cave, no logradouro: demolição da ocupação existente e criação de um volume, ligado ao edifício principal por uma plataforma, bem como a construção de uma cave, ao nível da cave, além desse volume e da ocupação do espaço correspondente ao edifício, existiria uma área ajardinada.

                         O projecto supra referido foi indeferido, sendo que tal indeferimento não foi comunicado aos 1º e 2º AA.

                       O R. DD deu entrada, na Câmara Municipal de Lisboa, de um (outro) processo de arquitectura para ampliação da fracção “A” ao qual foi dado o nº 7272/OTR/2008, sendo que esse (novo) projecto supra referido não contempla cave, tendo sido deferido pelo Director Municipal de Conservação e Reabilitação Urbana, JJ, em 06.02.2009, tendo a Câmara Municipal de Lisboa emitido em 31.08.2010 um alvará de licença de construção com o nº 405/EO/2010, tendo os RR. dado início à realização das referidas obras.

                       O projecto inicial de ampliação da fracção “A” contemplava uma cota máxima da construção que os RR. se propunham edificar no quintal da fracção de 41,03 metros e o projecto de arquitectura aprovado prevê uma cota 42,58 metros, sendo que o novo projecto prevê ainda uma estrutura de vidro de guarda da área técnica, com um metro de altura.

    A obra construída pelos RR. passou a ter uma altura correspondente a um 2º andar, sem contar com o gradeamento existente no terraço, que é de aço inoxidável, provocando reflexos com a incidência da luz solar.

                       Uma parte da cobertura do terraço (clarabóias) e da cobertura de acesso ao piso do terraço são em policarbonato translúcido, o qual reflecte a luz solar incidente, sendo o índice de reflexão do policarbonato moderado.

                        O reflexo da luz solar incidente sobre o gradeamento em aço inoxidável e sobre o policarbonato translúcido causa incómodos aos moradores da fracção “D”.

                        A altura da edificação construída pelos RR. ultrapassa, em muito, o limite definido pela linha recta a 45º traçada em cada um dos planos perpendiculares à fachada a partir do alinhamento da edificação fronteira, definido pela intersecção do seu plano com o terreno exterior, sendo que ao fazê-lo, não permite a exposição solar directa da fracção dos RR.

                       O logradouro não tem, em todos os seus pontos, profundidade não inferior a metade da altura correspondente da fachada adjacente, medida na perpendicular a esta fachada no ponto mais desfavorável, com o mínimo de 6 metros e sem que a área livre e descoberta seja inferior a 40 metros quadrados.

                        O novo projecto passou a contemplar a abertura de uma segunda porta do rés-do-chão para o logradouro e que não estava prevista no projecto inicial, sendo que a abertura de uma porta na fachada tardoz do edifício altera a imagem da mesma.

                       A exposição solar é um factor de salubridade de uma fracção, contendendo com a qualidade de vida dos seus habitantes

                       A construção edificada pelos RR. excede a área de implantação do anexo para armazém que existia na fracção “A”, ocupando também parte do logradouro.

                        A altura da construção edificada pelos RR. prejudica a entrada de luz na fracção “B”, especialmente no inverno, sendo que a falta de exposição solar aumenta o frio e a humidade, podendo ser um factor causador de doenças.

                       Os RR. não solicitaram aos 1.º e 2.º Autores novas autorizações para instruir o processo n.º 7272/OTR/2008.

                       

                      Ou seja, desta factualidade ressalta que os AA. deram autorização aos RR. para a realização das obras constantes do primitivo processo, processo que, porém, não foi aprovado administrativamente. Mas já não deram qualquer permissão para a efectivação das edificações inerentes ao segundo processo, processo que foi aprovado administrativamente e que deu origem às obras que os RR. empreenderam no imóvel e que os AA. contestam.

                        A questão que se coloca será a de saber se os AA., ao reagirem judicialmente às obras realizadas pelos RR. com base no segundo projecto, exigindo a sua demolição (total), agem com abuso de direito já que haviam autorizado que os AA. efectuassem as obras indicadas no primeiro projecto.
                       A este assunto o douto acórdão recorrido respondeu, como se viu, afirmando que os AA. agem com abuso de direito (na modalidade de venire contra factum proprium), tendo decidido, em razão da dita autorização, poderem os AA., somente, obter a demolição parcial da edificação nova, designadamente a construção em altura superior à cota máxima de 41,03 metros e a estrutura em vidro.
                       Não podemos concordar com este entendimento, se bem que o possamos compreender atendendo aos interesses em conflito e à circunspecção de conciliação entre eles. É que a obra constante do segundo projecto tem características muito diversas da construção atinente ao primeiro projecto, não se reduzindo as diferenças entre os projectos, somente, à altura da edificação erigida no logradouro e à estrutura em vidro.

                       Com efeito, para além da obra construída passar a ter uma altura correspondente a um 2º andar (sem contar com o gradeamento existente no terraço, que é de aço inoxidável e que provoca reflexos com a incidência da luz solar), uma parte da cobertura do terraço (clarabóias) e da cobertura de acesso ao piso do terraço são em policarbonato translúcido, o qual reflecte a luz solar incidente, índice de reflexão do policarbonato moderado, sendo que o reflexo da luz solar incidente sobre o gradeamento em aço inoxidável e sobre o policarbonato translúcido causa incómodos aos moradores da fracção “D”. Além disso, a construção edificada excede a área de implantação do anexo para armazém que existia (antes) na fracção “A”, ocupando também parte do logradouro, sendo que a respectiva altura da construção edificada pelos RR. prejudica a entrada de luz na fracção “B”, especialmente no inverno, origina a falta de exposição solar aumenta o frio e a humidade, podendo ser um factor causador de doenças.

                       Por outro lado, a altura da edificação construída pelos RR. ultrapassa, em muito, o limite definido pela linha recta a 45º traçada em cada um dos planos perpendiculares à fachada a partir do alinhamento da edificação fronteira, definido pela intersecção do seu plano com o terreno exterior, sendo que ao fazê-lo, não permite a exposição solar directa da fracção dos RR.

                       Acresce que o novo projecto passou a contemplar a abertura de uma segunda porta do rés-do-chão para o logradouro e que não estava prevista no projecto inicial, sendo que a abertura de uma porta na fachada tardoz do edifício altera a imagem da mesma.

                       Isto é, para além da altura e área de implantação da edificação, existem elementos que não constam terem sido contemplados no 1º projecto (como o gradeamento do terraço em aço inoxidável - que provoca reflexos com a incidência da luz solar – as coberturas do terraço e de acesso ao piso do terraço em policarbonato translúcido, a abertura de uma segunda porta do rés-do-chão para o logradouro), elementos com repercussão não só na estética do imóvel, mas sobretudo nas condições de exposição solar dos condóminos e, consequentemente, nas condições de conforto, de salubridade e qualidade de vida dos residentes das fracções habitacionais.

                       Serve isto para dizer que atendendo a estes factores e dada a evidente diversidade dos projectos, não vemos que os AA. ajam com abuso de direito ao pretenderem a demolição das obras em causa. De forma alguma poderemos aceitar que a autorização concedida para a realização do 1º projecto (com as características, formato e especificidades aí mencionadas) possa ser usada para afirmar a concordância dos AA. (ou, pelo menos, a sua anuência tácita) para a edificação constante do 2º projecto, com características claramente diversas e com incidência na qualidade de vida, de descanso e de privacidade dos condóminos habitacionais. Sobre este aspecto, veja-se o que resultou provado, nas circunstâncias aduzidas nos nºs 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, sendo legítimo concluir que o prejuízo habitacional e de privacidade dos AA. resultou, principalmente, pelo acesso e utilização públicas da denominada “área técnica” (área resultante das obras empreendidas pelos RR.).

                        Perante todo este circunstancialismo, a nosso ver, não se poderá defender que a anterior conduta dos condóminos habitacionais (conformação com o primitivo projecto de obras) possa ter levado os RR. a criarem a convicção de que a construção empreendida não teria a sua reprovação, dada a evidente e acentuada divergência do segundo em relação ao projecto anterior. A autorização para realizar determinada obra (com determinadas características) não pode servir para defender que os visados concordariam com a efectivação de uma qualquer outra obra com particularidades claramente distintas. Por isso nos parece que estão ausentes do caso os elementos que poderiam conduzir ao abuso de direito[5] na modalidade de venire contra factum proprium.

                       Por fim, diremos que contra o que parece transparecer do acórdão recorrido, como os factos provados demonstram e como acima já dissemos, a materialidade dada como assente indicia que foram realizadas diligências pelos AA. no sentido de impedir a construção nos termos em que estava a ser levada a cabo, não sendo, assim, correcta a afirmação de que os demandantes nada opuseram ao curso normal das obras, apenas reclamando de uma determinada altura da construção.

                        Quer isto dizer que a revista principal será improcedente, mas não o recurso subordinado que será julgado procedente.

                       

                        III- Decisão:

                       Por tudo o exposto, nega-se a revista em relação ao recurso principal, mas concede-se a revista quanto ao recurso subordinado, repristinando-se a sentença de 1ª instância (designadamente no que toca ao nº 2 do segmento decisório, em discussão nas presentes revistas).

                        Custas pelos recorrentes principais.

Garcia Calejo (Relator) *
Helder Roque
Roque Nogueira

                       

----------------
[1] Alteração efectuada pela Relação.
[2] Como por exemplo o custo da demolição a que se referem na sua conclusão nº 48.

[3] Cujo objectivo tem a ver com evidentes finalidades de natureza urbanística e administrativa, pelo que os licenciamentos urbanísticos camarários apenas terão que obedecer a princípios ou finalidades de natureza pública, tais como salubridade, ordenamento do território, estética das povoações e polícia das construções e já não a interesses e normas atinentes ao privado direito de propriedade.

[4] E também a doutrina, vide C.Civil Anotado (Vol. III, 2ª edição, pág. 429) onde os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, afirmam que “a circunstância de as obras desconformes com o preceituado no art. 1422º o terem sido aprovadas pela Câmara Municipal ou por outro ente público não impede os condóminos lesados de exercer os direitos que assistem…”
[5] Os AA. limitaram-se a exercer o direito que lhes cabia enquanto condóminos do prédio.