PROFESSOR
DEVERES LABORAIS
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Sumário


1. A ofensa à integridade física de um aluno, perpetrada por um professor, no decorrer de uma aula, tem de se qualificar como um ato grave, antipedagógico, que é repudiado pela comunidade.
2. O referido ato ilícito e culposo, pela gravidade das suas consequências, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, integrando justa causa para despedimento.

Texto Integral


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                           I

  1. AA (Recorrente) apresentou, em 29/10/2014, na Comarca do Porto – Porto – Instância Central – 1ª Secção Trabalho – J 3, o formulário previsto nos artigos 98º-C e 98º-D, do Código de Processo do Trabalho, declarando opor-se ao despedimento promovido, em 13/10/2014, pelo seu empregador BB e Cª. Lda. (Recorrida), requerendo a declaração da ilicitude e a irregularidade do mesmo.

Realizada a audiência de partes, o empregador apresentou articulado onde alegou que o trabalhador, no dia 12/05/2014, quando estava a lecionar uma aula de … à turma … .., agrediu um aluno, de menor idade, na face, dando-lhe uma “chapada”, conduta que, pela sua gravidade, impossibilita a subsistência do vínculo laboral e constitui justa causa de despedimento.

O trabalhador apresentou contestação onde refere não ter praticado os factos que o empregador lhe imputou na nota de culpa não existindo justa causa para o seu despedimento.

 Concluiu pedindo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento condenando-se o empregador a reintegrá-lo no posto de trabalho e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da sentença, bem como as quantias de € 3.993,18, a título de diferenças salariais e € 2.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, tudo acrescido dos juros de mora, à taxa legal, a contar da citação e até integral pagamento.

O empregador respondeu, concluindo como no articulado inicial.

Realizada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, consignando-se os factos assentes e elaborada a base instrutória.

Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu julgar o despedimento do trabalhador ilícito, e parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando o empregador:

a) A reintegrar o trabalhador no seu posto de trabalho e no mesmo estabelecimento de ensino onde exercia funções, Externato ...;

 b) A pagar ao trabalhador a quantia de € 34.997,33, correspondente ao somatório do valor das férias e subsídios de férias e de Natal, e valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, sem prejuízo dos que se venham a vencer até à data do trânsito em julgado da decisão, à razão de € 1.481,82 por mês, montante a que deve ser descontado qualquer valor que tenha obtido com a cessação do contrato e não obteria sem esta, devendo ser descontados todos os montantes que recebeu a título de subsídio de desemprego, de subsídio de doença e a título de retribuição, desde a data do despedimento, cujo apuramento global foi relegado para a fase de liquidação de sentença;

 c) a pagar os juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias referidas em b), à taxa de 4%, desde a data de vencimento de cada uma das prestações e até integral pagamento.

O empregador foi absolvido dos demais pedidos formulados pelo trabalhador.

2. O empregador interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, que decidiu julgar a apelação procedente, revogando a sentença recorrida, declarando o despedimento lícito e absolvendo o empregador de todos os pedidos formulados pelo trabalhador.

 

3. Inconformado com esta decisão, o trabalhador interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

1- O Acórdão recorrido aplica mal o direito aos factos provados nos presentes autos.

2- Entendeu a Relação do Porto que a alegada perda de confiança pela ré é requisito bastante para justificar o despedimento do trabalhador.

3- Tal fator fiduciário é efetivamente alegado pela ré mas não resulta de qualquer prova produzida nestes autos.

4- Tal conclusão assenta, muito provavelmente, no facto de o Tribunal a quo ter considerado que os factos em apreço nos autos disciplinares que originaram este processo constituem crime, naquilo que é um juízo arbitrário, perfeitamente precipitado e afastado da realidade, como esta se encarrega de demonstrar.

6- O Acórdão aqui recorrido não aplica o direito na íntegra, pois conforme o mesmo afirma, “a inexistência de passado disciplinar do trabalhador e os 8 anos ao serviço da empregadora (para além da sua competência e relação com os alunos) são fatores irrelevantes que não atenuam a perda de confiança por parte da empregadora”.

7- Com este fundamento, entendemos que o Tribunal Recorrido viola expressa e grosseiramente a lei laboral, concretamente o artigo 351.º do Código do Trabalho, ferindo decisivamente o Acórdão recorrido.

8- Mais do que isso, o Acórdão recorrido não faz pressupor a justa causa de despedimento da verificação cumulativa dos requisitos tão bem elencados pelo STJ no Acórdão de 2/12/2010, proferido no âmbito do processo 637/08.0TTBRG.P1.S1.

9- Consequentemente, o Acórdão não espelha a realidade, perdendo a imediação necessária à correta subsunção dos factos ao direito.

10- Nos presentes autos, importava saber se o comportamento culposo do trabalhador (o qual existiu) justificava ou não a aplicação da mais gravosa sanção disciplinar.

11- Só a verificação dos requisitos acima enunciados permitirá uma justa decisão de tal questão, sendo que o Acórdão recorrido não efetua essa apreciação, bastando-se com a alegada perda de confiança.

12- Pelo contrário, a decisão de 1ª instância que foi revogada pelo Acórdão aqui recorrido, efetuou essa completa e adequada aplicação do direito aos factos.

13- Em suma, a decisão recorrida efetua uma má aplicação do direito aos factos dados como provados,

14- pelo que, em função do exposto, não assiste razão à decisão recorrida.

O empregador contra-alegou, defendendo a manutenção do acórdão recorrido, tendo formulado as seguintes conclusões:

A) Face ao valor da causa o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não pode ser admissível.

B) Face à matéria de facto provada estão verificados os requisitos legalmente impostos para que se coloque termo à relação laboral existente.

C) Verificou-se e provou-se a existência de um comportamento grave e culposo imputável ao trabalhador que determina a impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho, sendo certo que, no caso concreto, se verifica um nexo de causalidade entre a atuação do trabalhador e essa impossibilidade.

D) Os factos praticados pelo trabalhador são absolutamente devastadores para a relação de confiança e lealdade, que são, indubitavelmente, elementos essenciais à manutenção do vínculo laboral.

4. Nas suas conclusões o recorrente suscita uma única questão que consiste em saber se o seu comportamento integra ou não justa causa para despedimento.

5. A questão suscitada pela Recorrida referente à inadmissibilidade do recurso de revista, face ao valor da causa, foi apreciada pelo relator, tendo o recurso sido admitido.

6. Neste Supremo Tribunal de Justiça, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser dado provimento ao recurso, e revogado o acórdão recorrido.

Cumpre apreciar o objeto do recurso interposto.

                                                           II


1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

            1. Indiciada a prática de infração disciplinar foi determinada, por despacho datado de 19/05/2014, subscrito pela gerente do empregadora, a instauração de procedimento disciplinar.

2. Por carta datada de 09/07/2014, e entregue nessa data ao trabalhador por mão própria quer a nota de culpa, quer a comunicação, por escrito, da intenção de proceder ao seu despedimento.

3. Em 24/07/2014 o trabalhador veio a responder à nota de culpa, requerendo a realização de diligências de prova.

4. O trabalhador, na resposta à nota de culpa, vem – resumidamente – alegar: Que cerca das 12:50H, na sala de aula, estava a explicar um exercício a um aluno (CC), estando o aluno DD do lado esquerdo. Enquanto estava a dar essa explicação ao aluno referido o DD agrediu por duas vezes (com duas palmadas) o trabalhador no braço esquerdo, na região do pulso. Com essas palmadas terá tentado acionar o monitor de atividade física que o trabalhador utiliza diariamente. Face a essa agressão o trabalhador repeliu a ameaça com o seu braço esquerdo tendo tocado no braço e na face do aluno, sem qualquer violência. O trabalhador exerce a sua função para a entidade patronal há cerca de 8 anos com exemplar comportamento, como todos se relacionou. Nunca foi alvo de um processo disciplinar.

5. O trabalhador alegou um lapso de escrita na nota de culpa e a hora em que se terão passados os factos.

6. Após acordo foi agendada a inquirição das testemunhas arroladas.

7. Nessa inquirição apenas compareceram as testemunhas EE e FF, além do ilustre mandatário do trabalhador e uma sua ilustre advogada estagiária.

8. As testemunhas foram inquiridas.

9. O instrutor do processo proferiu despacho onde notifica o mandatário do trabalhador que irá proceder à correção de dois lapsos de escrita.

10. Considerando que esse lapso de escrita poderia influenciar os direitos de defesa foi concedido novo prazo para a defesa.

11. O trabalhador de imediato prescindiu de novo prazo para defesa.

12. Nessa mesma diligência foi concedido ao trabalhador o prazo de 5 dias para indicar novo dia para se inquirirem as testemunhas faltosas.

13. O trabalhador veio a requerer que essas testemunhas fossem notificadas pela Ré; esse requerimento teve despacho de folhas 32/33 onde se indefere tal pretensão e se procede oficiosamente à marcação da inquirição de uma nova testemunha sobretudo ao ponto 41º da defesa à nota de culpa.

14. A inquirição referida em 13 teve lugar no dia 11 de setembro.

15. Terminadas as diligências probatórias, foi pelo instrutor nomeado no procedimento disciplinar, realizado um relatório final, em 09/11/2014, no qual concluíram a final pela adequação da aplicação da sanção de despedimento com justa causa.

16. Em 10/10/2014, em face da proposta de decisão proferida pelo instrutor nomeado, o empregador proferiu decisão final de despedimento com justa causa, que foi entregue em mão ao trabalhador.

17. O trabalhador recebeu a comunicação de decisão final, bem como o relatório final que fundamentou aquela decisão.

18. O empregador – Externato ... – é uma instituição de ensino particular.

19. O trabalhador exercia as funções de professor de ….

20. No âmbito das suas funções incumbia-lhe lecionar aulas aos alunos.

21. Por força das funções que desempenhava de professor tem contacto direto com os alunos do Externato das turmas às quais leciona.

22. No dia 12/05/2014, o trabalhador estava a lecionar uma aula de ... à turma ….

23. O empregador é uma instituição prestigiada e tem como uma das suas maiores valias a qualidade do seu ensino, o bom ambiente geral, o rigor e a segurança que os alunos têm sentido.

24. A decisão de um encarregado de educação de fazer ingressar um aluno no Externato, em detrimento de estabelecimento públicos de ensino, prende-se sobretudo com a garantia de qualidade de ensino e dos serviços que são prestados pelo Externato.

25. No dia 12/05/2014, o trabalhador lecionou entre as 11:45h e as 13:15h à turma ….

26. Cerca das 12:50h, na sala de aula, pouco antes do término da aula, o trabalhador encontrava-se a explicar um exercício ao aluno CC.

27. O trabalhador trabalha há cerca de 8 anos para o empregador e nunca foi alvo de qualquer processo disciplinar.

28. O empregador não instaurou qualquer processo disciplinar ao aluno DD.

29. O trabalhador é sócio do Sindicato dos Professores do Norte, o qual integra a Federação Nacional de Professores.

30. No dia 12/05/2014, cerca das 13 horas e em plena sala de aula o trabalhador deu uma chapada na face do aluno GG, com número de aluno … da turma …, menor de idade.

31. A chapada referida em 30 foi ouvida por toda a turma.

32. Toda a turma se apercebeu do sucedido em 30.

33. Comportamentos como o que vem imputado ao Autor atentam contra a segurança dos alunos nas salas de aulas. 

34. O trabalhador estava de frente e do outro lado da secretária do referido aluno, encontrando-se, por isso, o aluno DD do lado esquerdo do professor.

35. O trabalhador utilizava no pulso um monitor de atividade física, e não um relógio.

36. Durante a aula referida em 30 os alunos encontravam-se a fazer barulho e a perturbar a aula.

37. O trabalhador foi sempre um profissional cumpridor dos seus deveres, colaborante com os seus alunos, colegas e superiores hierárquicos, tendo sempre agido com responsabilidade, competência e dedicação à função e aos alunos, bem como manteve relações de cordialidade com toda a comunidade.

38. O trabalhador lecionou à turma e aluno em questão na quarta-feira seguinte (no mesmo horário), na quinta-feira seguinte (das 14:50h às 18H35h), na sexta-feira seguinte (das 10:05h às 11:35h) e novamente na segunda-feira seguinte (das 11:45h às 13:15h).

39. Nenhum aluno da turma, incluindo o aluno DD, deixou de frequentar o Externato.

40. O trabalhador sempre manteve bom relacionamento com os seus alunos dentro e fora da sala de aula.

41. O empregador manteve o Autor a auferir pelo índice A 7.

42. O trabalhador ficou perturbado e abatido.

2. Os presentes autos respeitam a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, iniciada em 29/10/2014, referente a factos ocorridos em 12/05/2014.

Assim sendo, o regime legal aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho, na versão operada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código do Trabalho na versão dada pela Lei n.º 69/2013, de 30 de Agosto.

3. Como já se referiu a única questão a decidir consiste em saber se o comportamento do trabalhador, ora recorrente, integra ou não justa causa para despedimento.

A sentença do tribunal da 1ª instância considerou que o comportamento do trabalhador, embora culposo, não assumiu a gravidade suficiente para se poder concluir pela insustentabilidade da relação laboral, daí que tenha declarado o despedimento ilícito, por falta de justa causa.

As linhas de força da sentença da 1ª instância para sustentar a falta de justa causa foram as seguintes:

- O trabalhador lecionou no estabelecimento de ensino da recorrida cerca de oito anos, sem que tivesse sido alvo de qualquer procedimento disciplinar;

- Os factos que lhe foram imputados no processo disciplinar consubstanciam assim um ato isolado;

- O comportamento do trabalhador terá sido uma reação instintiva à indisciplina que se verificava na sala de aula, num momento em que estava concentrado a dar uma explicação da matéria a um outro aluno;

- Na sequência dos factos nenhum aluno deixou o estabelecimento, incluindo o que foi alvo do ato do recorrente, o que leva a concluir que não se instalou um clima de medo ou de insegurança, tendo o recorrente continuado a lecionar à mesma turma nos dias que se seguiram.

Por seu turno, o Tribunal da Relação considerou que a conduta do trabalhador se traduziu num ato gratuito e sem qualquer justificação, por não se ter provado que o aluno tivesse dado qualquer toque no pulso do trabalhador, pelo que a inexistência de passado disciplinar deste é irrelevante, não atenuando a perda de confiança por parte da entidade patronal, tornando assim inexigível a manutenção da relação laboral.

Reagindo à decisão da segunda instância, o recorrente, em defesa da decisão da 1ª instância, defende que o seu comportamento, embora culposo, não justificava a aplicação da sanção disciplinar mais gravosa.

Vejamos se a argumentação do recorrente, no sentido da ilicitude do despedimento, suplanta a fundamentação aduzida pelo Tribunal da Relação, em abono da existência de justa causa.

Nunca será demais relembrar que a Constituição da República Portuguesa, no seu art.º 53.º, garante aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.

O art.º 351.º, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/2, sob a epígrafe “Noção de justa causa de despedimento” estatui:

1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:

a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;

b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;

c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;

d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;

e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;

f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;

g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;

h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;

i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;

j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;

l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;

m) Reduções anormais de produtividade.

3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

  O art.º 126.º, do mesmo diploma legal, estatui que as partes numa relação laboral devem pautar a sua conduta com observância pelo princípio da boa-fé, referindo:

1 - O empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações.

2 - Na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador.

Por seu turno, o art.º 128.º, do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Deveres do Trabalhador” dispõe:

1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:

a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade;

c) Realizar o trabalho com zelo e diligência;

e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho, bem como a segurança e saúde no trabalho, que não sejam contrárias aos seus direitos ou garantias;

h) Promover ou executar os atos tendentes à melhoria da produtividade da empresa.

O conceito de justa causa fornecido pela lei carece, em concreto, de ser preenchido com valorações. Esses valores derivam da própria norma e da ordem jurídica em geral. O legislador, no n.º 2, do art.º 351.º, do Código do Trabalho, complementou o conceito com uma enumeração de comportamentos suscetíveis de integrarem justa causa de despedimento.

De qualquer forma, verificado qualquer desses comportamentos, que constam na enumeração exemplificativa, haverá sempre que apreciá-los à luz do conceito de justa causa, para determinar se a sua gravidade e consequências são de molde a inviabilizar a continuação da relação laboral.

Da noção fornecida pelo legislador no art.º 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho, podem-se enumerar vários elementos que integram o conceito de justa causa de despedimento.

Apesar de a lei não fazer referência expressa ao conceito de ilicitude o mesmo está subjacente à noção legal, pois só é possível falar de culpa após um juízo prévio de ilicitude.

Nesta linha, o Professor António Menezes Cordeiro[1], citando fonte jurisprudencial, que subscreve, refere que a justa causa postula sempre uma infração, ou seja, uma violação, por ação ou por omissão, de deveres legais ou contratuais.

Assim, decompondo a noção legal de justa causa, temos sempre um comportamento ilícito, censurável em termos de culpa e com consequências gravosas na relação laboral de forma a inviabilizar a mesma.

A tese do recorrente para sustentar a ilicitude do despedimento estriba-se na falta de gravidade do ato que, na sua perspetiva, não teve consequências suscetíveis de tornar imediata e praticamente impossível a relação laboral.

Antes de mais, diga-se que os factos imputados ao trabalhador, constantes nos números 30, 31 e 32 dos factos provados, integram um ato ilícito e culposo, que se traduziu numa ofensa à integridade física simples do aluno.

O ato que foi imputado ao trabalhador, que exercia as funções de professor no momento em que o praticou, violou o Estatuto do Aluno e Ética Escolar, aprovado pela Lei n.º 51/2012, de 05/09, que estabelece os direitos e deveres do aluno dos ensinos básico e secundário, determinando no seu art.º 7.º, n.º 1, que o aluno tem direito:

a) A ser tratado com respeito e correção por qualquer membro da comunidade educativa;

j) A ver salvaguardada a sua segurança na escola e respeitada a sua integridade física e moral, beneficiando, designadamente, da especial proteção consagrada na lei penal para os membros da comunidade escolar.

A questão que se coloca nos presentes autos transporta-nos para o mundo complexo da educação juvenil.

Terá de ser neste contexto, sempre dado às maiores controvérsias, que teremos de apreciar o caso dos autos.

Vejamos então o enquadramento factual do ato imputado ao trabalhador:

(25) No dia 12/05/2014, o trabalhador lecionou entre as 11:45h e as 13:15h à turma ….

(26) Cerca das 12:50h, na sala de aula, pouco antes do término da aula, o trabalhador encontrava-se a explicar um exercício ao aluno CC.

(30) Nesse mesmo dia, cerca das 13 horas e em plena sala de aula o trabalhador deu uma chapada na face do aluno GG, com número de aluno … da turma …, menor de idade.

(31) A chapada referida em 30 foi ouvida por toda a turma.

(32) Toda a turma se apercebeu do sucedido em 30.

(34) O trabalhador estava de frente e do outro lado da secretária do referido aluno, encontrando-se, por isso, o aluno DD do lado esquerdo do professor.

(36) Durante a aula referida em 30 os alunos encontravam-se a fazer barulho e a perturbar a aula.

Descritos estes factos importa que nos detenhamos sobre a pessoa do trabalhador, que exercia as funções de professor de ....

(27) O trabalhador trabalha há cerca de 8 anos para o empregador e nunca foi alvo de qualquer processo disciplinar.

 (37) Foi sempre um profissional cumpridor dos seus deveres, colaborante com os seus alunos, colegas e superiores hierárquicos, tendo sempre agido com responsabilidade, competência e dedicação à função e aos alunos, bem como manteve relações de cordialidade com toda a comunidade.

(40) Manteve sempre bom relacionamento com os seus alunos dentro e fora da sala de aula.

Vejamos agora o que se provou quanto ao empregador e à sua esfera empresarial:

(18) É uma instituição de ensino particular.

(23) É uma instituição prestigiada e tem como uma das suas maiores valias a qualidade do seu ensino, o bom ambiente geral, o rigor e a segurança que os alunos têm sentido.

(24) A decisão de um encarregado de educação de fazer ingressar um aluno no Externato, em detrimento de estabelecimento públicos de ensino, prende-se sobretudo com a garantia de qualidade de ensino e dos serviços que são prestados pelo Externato.

Finalmente, vejamos o que aconteceu depois dos factos terem ocorrido:

(38) O trabalhador lecionou à turma e aluno em questão na quarta-feira seguinte (no mesmo horário), na quinta-feira seguinte (das 14:50h às 18:35h), na sexta-feira seguinte (das 10:05h às 11:35h) e novamente na segunda feria seguinte (das 11:45h às 13:15h).

(39) Nenhum aluno da turma, incluindo o aluno DD, deixou de frequentar o Externato.

Decorre deste quadro factual que o ato imputado ao trabalhador foi um ato isolado, pois nunca tinha sido alvo de qualquer processo disciplinar, podendo-se até afirmar, escorando-nos na matéria de facto provada, que, até então, tinha tido um comportamento exemplar.

A questão que se coloca consiste pois em saber se esse ato isolado assumiu uma gravidade tal que torne inexigível por parte do empregador a manutenção da relação laboral.

O Professor António Monteiro Fernandes[2] ensina que “a justa causa corresponde, pois, a uma situação de «impossibilidade prática» da subsistência da relação laboral.”

Acrescenta ainda que “não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço em concreto dos interesses em presença – fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo”.

Ainda o mesmo Autor, citando o Professor Bernardo Lobo Xavier[3], «Deve-se pois proceder a uma análise diferencial dos interesses em presença, análise essa que será feita em concreto, de acordo com a parificação real das conveniências contrastantes das duas partes».

A propósito desta questão o Professor Pedro Romano Martinez[4] clarifica que “Perante o comportamento culposo do trabalhador impõe-se uma ponderação de interesses; é necessário que, objetivamente, não seja razoável exigir do empregador a subsistência da relação contratual. Em particular, estará em causa a quebra da relação de confiança motivada pelo comportamento culposo”.

No caso concreto dos autos, há que ponderar a posição do trabalhador, interessado na manutenção do vínculo laboral, estribada num passado disciplinar limpo, durante os oito anos que trabalhou para o empregador, e ainda no facto de ter sido sempre um profissional cumpridor dos seus deveres, colaborante com os seus alunos, colegas e superiores hierárquicos, tendo sempre agido com responsabilidade, competência e dedicação à função e aos alunos, tendo mantido relações de cordialidade com toda a comunidade e bom relacionamento com os seus alunos dentro e fora da sala de aula.

Por outro lado, temos a posição do empregador que é uma instituição de ensino particular interessada em manter um bom ambiente geral, rigor e segurança, para manter os seus alunos e conseguir novos ingressos.

O comportamento do trabalhador, como já se referiu, traduziu-se numa ofensa à integridade física simples de um aluno, o que tem de ser qualificado como um ato grave, antipedagógico, que é fortemente repudiado pela comunidade.

Por outro lado, temos também de considerar a vítima, um aluno do ….º ano, menor de idade, com todas as fragilidades próprias da idade, situação que o legislador quis proteger, reforçadamente, ao criar o Estatuto do Aluno e Ética Escolar, aprovado pela Lei n.º 51/2012 de 05/09.

Perante este quadro, temos de considerar que a posição do trabalhador é crítica, mas a do empregador também é muito delicada, pois tratando-se de uma instituição de ensino particular está sujeito a um escrutínio permanente dos encarregados de educação dos seus alunos.

No caso concreto, a manutenção do vínculo laboral com o trabalhador, ora recorrente, seria aceitar um ato de violência contra um aluno no meio escolar, ato esse que é reprovado pela comunidade.

Temos, assim, que o referido ato ilícito e culposo, pela gravidade das suas consequências, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral, integrando justa causa para despedimento.

O facto de o empregador ter permitido que o trabalhador, após a prática do referido ato, tenha lecionado mais quatro aulas não indicia que a relação laboral pudesse subsistir, pois nestas situações é natural, antes de se tomar medidas precipitadas, que se proceda a um prévio apuramento das circunstâncias em que ocorreram os factos.

Também não impressiona o facto de nenhum aluno da turma, incluindo o aluno DD, ter deixado de frequentar o Externato, pois essa também era uma decisão difícil de tomar quase no final do ano escolar.

Concluímos assim, que é de manter o acórdão recorrido que decidiu julgar o despedimento lícito, por ter considerado procedente a justa causa invocada pela ora recorrida.

                                    III

Pelos fundamentos expostos, decide-se negar a revista, mantendo-se o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 27/04/2017

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha

_______________
[1] Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, pág. 821.
[2] Direito do Trabalho, 13ª edição, Almedina, pág. 559.
[3] Justa causa de despedimento: conceito e ónus da prova, 190.
[4] Direito do Trabalho, 2013, 6ª Edição, Almedina, pág. 914.