I - Um contrato de seguro de grupo (ramo vida) em que são intervenientes uma seguradora, uma instituição financeira (como tomadora e credora beneficiária) e uma pessoa singular (como aderente-segurada) constitui um contrato celebrado no âmbito de um esquema contratual com uma estrutura tripartida complexa, tendo por base um plano de seguro e, na sua execução, várias adesões/celebrações de contratos de seguro concretizados nas declarações de vontade das pessoas seguras de aderirem ou fazerem parte do referido plano de seguro.
II - Nestas situações, a seguradora e o tomador do seguro (a instituição bancária) celebram entre si um contrato de seguro que vai funcionar como o quadro em que, posteriormente, se estabelecem as situações ou relações de seguro (situações de risco) propriamente ditas.
III - Tal contrato de seguro reveste a natureza de contrato de adesão, no sentido que as cláusulas contratuais gerais que o regem não são sujeitas a negociação, mas apresentadas como um formulário que o destinatário do seguro se limita a subscrever, estando, assim, sujeito ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25-10.
IV - No âmbito do seguro do ramo vida releva a existência de inquéritos clínicos, que acompanham a proposta, assumindo-se estes como um instrumento para a seguradora alicerçar a decisão de contratar e proceder à avaliação concreta do risco que assume, daí o dever que assiste ao segurado de prestar declarações verdadeiras e exactas.
V - Por sua vez, está a seguradora obrigada ao dever de comunicar, na íntegra, aos aderentes as cláusulas contratuais gerais que se limitem a subscrever ou aceitar, devendo este ser realizado nos termos do n.º 1 do art. 5.º do DL 446/85, de 25-10, recaindo sobre a mesma o ónus da prova de que o cumpriu de forma adequada e efectiva (n.º 3 do aludido art. 5.º).
VI - Sem embargo da qualificação do contrato de seguro como de adesão e das exigências que a lei comete à seguradora, contraente mais forte, tal não exime o segurado de alegar a matéria de facto pertinente da violação dos deveres de comunicação e de informação.
VII - Não o tendo feito, nem tendo suscitado a questão ao longo processo, trazendo-a apenas à discussão na alegação do recurso de revista, sem ter sido submetida, previamente, à apreciação quer da 1.ª instância, quer do tribunal da Relação, reveste a mesma a natureza de questão nova que, não sendo de conhecimento oficioso, não cabe ao Supremo conhecer.
I. Relatório:
AA intentou, em 15 de Junho de 2009, no Tribunal Judicial de …., acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra a Companhia de Seguros BB, SA, pedindo que esta fosse condenada:
- a liquidar à Caixa Geral de Depósitos o montante ainda em dívida relativo ao mútuo contraído pela autora e seu marido junto daquela entidade, no valor de € 46.077,07;
- a pagar à autora as prestações pagas por si à mesma Caixa Geral de Depósitos e à própria ré, desde Abril de 2007 até à data da propositura da acção, acrescidas de juros até pagamento, computando os vencidos em € 826,02;
- a devolver-lhe o valor por si pago a título de prémios de seguro desde a data da comunicação da sua incapacidade, no montante de €244,83, acrescido de juros vencidos e vincendos, sendo os primeiros no valor de € 23,43;
- a pagar-lhe todas as prestações decorrentes do empréstimo que a autora liquidar à Caixa Geral de Depósitos desde a data da propositura da acção até pagamento integral da quantia mutuada e, bem assim, a devolver-lhe o valor dos prémios que pagar desde a mesma data até integral liquidação do referido empréstimo.
Para o efeito, alegou, em síntese, que celebrou com a ré um contrato de seguro do ramo vida para garantia do pagamento do empréstimo à Caixa Geral de Depósitos em caso de morte ou invalidez da autora.
Que sofre de depressão severa, com incapacidade de 100%, desde Novembro de 2003 e a ré recusa a responsabilidade, invocando “omissão de declarações” aquando da subscrição do contrato de seguro.
A ré contestou alegando, em suma, que a autora omitiu a sua depressão severa desde 1998, anterior ao contrato, o que exclui a sua responsabilidade em face do clausulado contratual, sendo que se a ré não contrataria nos mesmos termos se soubesse da pré-existência da doença. Mais alegou que os prémios correspondem à apólice em vigor, uma vez que a seguradora continua a correr todos os riscos, com excepção dos decorrentes da doença pré-existente.
Em réplica, a autora afirmou que apenas teve sintomas a partir de Julho de 2003 e só em Março de 2007 ficou a saber que a sua doença era definitivamente incapacitante.
Foi admitida a intervenção principal da Caixa Geral de Depósitos.
A Autora apresentou articulado superveniente, que foi admitido, alegando ter passado a sofrer de carcinoma, tendo-lhe sido atribuída incapacidade de 60%, que igualmente a impede de trabalhar.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, na qual foi decidido o seguinte:
«pelo exposto, na parcial procedência da acção, absolvendo a Ré do demais peticionado, condena-se a mesma no seguinte:
a) - a liquidar à CGD o montante em dívida do empréstimo referido na apólice n.º 04…9, desde 1.6.2013 e até final do prazo do mútuo, em valor a apurar em incidente posterior.
b) - a pagar à A. os valores que esta pagar à CGD desde o presente momento por conta do mesmo empréstimo (em montante a fixar em liquidação posterior), até integral liquidação pela Ré do valor acima mencionado em a), com juros legais desde as datas em que a A. efectuar tais pagamentos à CGD.
c) - a devolver à A. os valores relativos aos prémios de seguro por si recebidos desta, desde 1.6.2013 e que venha a receber, com juros legais desde as datas de pagamento e até integral devolução das quantias a liquidar em incidente posterior.
Inconformada, apelou a ré.
A autora recorreu subordinadamente.
O Tribunal da Relação de …, por acórdão proferido em 15 de Dezembro de 2016, julgou o recurso da ré procedente e improcedente o recurso subordinado da autora, revogando a sentença recorrida e absolvendo a ré do pedido.
Desta decisão veio a autora interpor recurso de revista, formulando na respectiva alegação as seguintes conclusões:
«A) O acórdão ora recorrido assumiu sem qualquer espécie de crítica o ponto de visa da seguradora R., mas não consta do documento entregue à A. e por ela junta sob o nº. 1 com a petição inicial que a mesma tenha tido conhecimento do artº. 3º. das condições especiais da apólice do seguro de grupo de que era beneficiária e também não resulta do documento entregue à A. e por ela junta sob o nº. 1 com a petição inicial, que a mesma tenha tido conhecimento do artº. 2º., § 4º.º. das condições gerais da apólice do seguro de grupo de que era beneficiária, nem esse conhecimento resulta de qualquer facto considerado provado.
B) O que se escreve na informação entregue à A. e na rubrica relativa à declaração do estado de saúde é apenas isto: “Declaro que nos últimos 6 meses não tive qualquer alteração ao meu estado de saúde devido a doença ou acidente que me tenha impossibilitado de exercer a minha regular e normal actividade profissional. Mais declaro tomar conhecimento que está excluída qualquer incapacidade física já adquirida. A prestação de falsas declarações permitirá à Companhia de Seguros BB anular esta adesão, ficando sem efeito as garantias conferidas por esta Apólice”
C) Desta simples comunicação não se pode concluir, sem mais, que a A. tenha tomado conhecimento que, qualquer doença, mesmo que ela desconhecesse está excluída das garantias da apólice, apenas ficando a conhecer que essa existia relativamente às doenças que ela conhecesse e sobre as quais prestasse falsas declarações.
D) Em documento com o logotipo da R. e sobre a epígrafe “RISCOS EXCLUÍDOS” nenhuma referência se faz a essa situação objectiva, qual fosse a de que a existência de qualquer doença anterior, mesmo desconhecida significaria a exclusão da garantia.
E) Ora como bem se refere no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 15-12-2011 (procº. 4867/07.3TBSTS.P1.S1), cujo relator foi o sr. Cons. Lopes do Rego, decidiu-se que: 1. No âmbito da celebração de um contrato de seguro multi-riscos habitação, configurável como contrato de adesão e visando segurar os danos provenientes de intempéries e inundações em certo muro de divisão e contenção de terras, celebrado por o proprietário ter verificado que, afinal, o originário seguro do imóvel não abrangia tal risco, recai sobre a seguradora um particular dever de informação e esclarecimento do segurado quanto ao exacto âmbito dos riscos efectivamente cobertos, de modo a resultarem, no momento em que se procede à alteração contratual, plenamente apreensíveis os limites, condições e exclusões da cobertura acordada.”
F) É isso que determina o diploma das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo Decreto- Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro, pois dispõe o art. 1º., n° 1, do referido Diploma Legal que as cláusulas contratuais gerais elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma, acrescentando o seu n° 2 que tal diploma se aplica igualmente às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar, e o seu n° 3 que o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo”.
G) Por sua vez, o art. 5º. do citado Dec. Lei nº 446/85 prescreve que "1 -As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las” e o nº. 2 que “A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”, estipulando o nº. 3 que “ O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais ".
H) Por sua vez, o art. 6º do mesmo diploma prescreve por seu turno que: " 1 - O contraente que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias: a outra parte dos aspectos nela compreendidos cuja aclaração se justifique” e que “2 - Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados."
I) Não resulta dos autos que para além do documento junto pela autora sob o nº. 1 lhe tenha sido enviado qualquer outro com as cláusulas contratuais da apólice de seguro de grupo, a que ela aderiu e não sendo controvertido que o contrato discutido nos autos se configura efectivamente como contrato de adesão, o princípio da boa fé impunha efectivamente à seguradora um particular dever de informação, esclarecimento e comunicação sobre o âmbito efectivo da cobertura.
J) Nem sequer se demonstra, pois a seguradora nem sequer o alegou que tenha remetido à autora a apólice de seguro com as condições gerais e as condições especiais do seguro de grupo, a que ela aderiu, pelo que não se pode considerar adequadamente cumprido o dever de informação que impendia sobre a segurador,
K) O não cumprimento de tal dever da seguradora implica que tal cláusula limitativa seja efectivamente inoponível ao segurado.
L) Do documento 1 junto pela autora e único que ela tinha relativamente ao seguro, na posição da autora que aderiu ao seguro que a Caixa Geral de Depósitos lhe propôs para celebrar a escritura de hipoteca, a autora só poderia concluir sem dúvida que o contrato de seguro era nulo se fizesse falsas declarações sobre doenças que ela já conhecesse, mas o contrato manter-se-ia válido, com exclusão de riscos nos casos expressamente referidos de “riscos excluídos”.
M) Não sendo possível determinar qual a real vontade das partes, pois estamos perante os chamados contratos de adesão, deve a interpretação a seguir ser determinada pelas regras constantes do regime das Cláusulas Contratuais Gerais. Aprovadas pelo Decreto-Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro e, nos termos desse diploma ganha realce a teoria da impressão do destinatário, aplicável por força do artº. 10º., como tem sido a interpretação jurisprudencial.-Cfr., a título de exemplo, o Ac. da Relação do Porto de 14.01.1997 (Araújo Barros) (Proc. 728/96) (CJ. Ref. 199/1997), ou, como foi decidido pelo ac. da Relação de Lisboa de 27.09.2005 (Ana Grácio) (Proc. 2733/05) (CJ, Ref. 8124/2005), “na interpretação das cláusulas contratuais gerais, deve prevalecer o sentido mais favorável ao aderente”, conforme é determinado pelo artº. 11º., nº.s. 1 e 2 do mencionado diploma.
N) Deste modo, tem de ser revogado o acórdão recorrido que viola de forma flagrante o disposto nos artigos 1º., 5º., 6º., 10º. e 11º. do diploma das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo Decreto- Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro, bem como o artº. 236º. do Cod. Civil, fazendo uma incorrecta interpretação e aplicação dos documentos juntos e dos factos provados.
O) Na sequência da revogação do acórdão da Relação de … e face à sentença da 1ª. instância, deve ser apreciado, em substituição, o recurso desta decisão (…).
P) Vem provado pela douta sentença recorrida – e já constava dos factos assentes – que (…).
Q) Resulta destes factos que se fosse declarada medicamente à A. – beneficiária do seguro contratado – uma Invalidez Total e Permanente por Doença (grau > 2/3), com um grau superior a 2/3 da capacidade total de trabalho, ou seja, desde que correspondente a 66,66%, a A. beneficiaria desse seguro e podia activá-lo, sendo um ponto em que não há discussão em que as partes estão de acordo e o julgador também interpreta estes factos 1 e 2 neste sentido.
R) O problema coloca-se quanto à relevância a dar ao facto 6 - 3.4.4.Incapacidade de trabalho X desde: 31/07/2003 a 100%...- e ao facto 7 - Desde 1 de Outubro de 2004, tem direito a uma pensão total de invalidez.
S) Esta incapacidade de trabalho a 100% ou pensão por invalidez total foram atribuídas pelas entidades médicas e de segurança social na Suíça, onde eventualmente as tabelas são mais amigas dos doentes e/ou sinistrados do que as tabelas em Portugal, normalmente feitas e adaptadas aos interesses das seguradoras ou de quem tem de pagar.
T) Porque se trata de um negócio formal, a questão tem de resolver-se pelo teor do contrato de seguro e deste não resulta que só a incapacidade correspondente a uma invalidez de grau > 2/3, determinada segundo as tabelas em vigor em Portugal é que permitem accionar o seguro contrato pela A. na R.
U) Seguindo os ditames do artº. 238º. do Código Civil: 1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. 2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
V) Não sendo possível determinar qual a real vontade das partes, pois estamos perante os chamados contratos de adesão, deve a interpretação a seguir ser determinada pelas regras constantes do regime das Cláusulas Contratuais Gerais. Aprovadas pelo Decreto-Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro.
X) Nos termos desse diploma ganha realce a teoria da impressão do destinatário, aplicável por força do artº. 10º., como tem sido a interpretação jurisprudencial e que “na interpretação das cláusulas contratuais gerais, deve prevalecer o sentido mais favorável ao aderente”.
Y) É isso que é determinado pelo artº. 11º., nº.s. 1 e 2 do mencionado diploma, onde se estabelece: 1 - As cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real. 2 - Na dúvida, prevalece o sentido mais favorável ao aderente.
Z) A dúvida suscitada sobre a qual das incapacidades conceder relevância, se a da tabela portuguesa que não teve qualquer intervenção no processo de declaração da incapacidade da A., se a tabela da lei Suíça que declarou a A. incapaz a 100% e até lhe reconheceu o direito a pensão por incapacidade total, a interpretação com sentido mais favorável ao destinatário é a que resulta da aplicação desta última.
AA) Deste modo, estando provado que (facto 6) a autora sofre de “3.4.4.Incapacidade de trabalho X desde: 31/07/2003 a 100%...” e (facto 7) “Desde 1 de Outubro de 2004, tem direito a uma pensão total de invalidez”, tem de concluir-se que a A. preencheu as condições exigidas pelo contrato de seguro, como beneficiária do seguro contratado – uma Invalidez Total e Permanente por Doença (grau > 2/3), por ser portadora de uma invalidez com um grau superior a 2/3 da capacidade total de trabalho.
BB) Tem de reconhecer-se, por isso, que, desde a data em que accionou o seguro respectivo – em 2007 – tem direito a ser eximida da obrigação de pagamento da prestação do empréstimo e do prémio do seguro, porque a R. deveria ter liquidado o empréstimo da A. referido no facto 10, tendo assim a A. direito a serem-lhe devolvidas todas as prestações que pagou de então até ao presente momento e tem de proceder a presente acção, condenando-se a R. a Ré no pedido formulado pela A.
CC) Ao decidir em contrário, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 238º., nº. 1 do Cod. Civil e os artigos 10º. e 11º. do regime das Cláusulas Contratuais Gerais. Aprovadas pelo Decreto-Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro.
DD) Deve, na sequência da revogação do acórdão da Relação de …, ora recorrido, ser proferida em substituição outra decisão que julgue procedente a presente acção, nos termos referidos».
Na sua contra-alegação a ré deduziu a seguinte síntese conclusiva:
A) A autora, à data da contratação, já era possuidora de doença que a veio a incapacitar.
B) Tal doença pré-existente causal da incapacidade alegada, acarretava a inaplicabilidade da apólice contratada, por esta excluir as pré-existências à data da contratação.
C) Não se chegou sequer a apurar qual a incapacidade total da autora através de exame médico-legal consonante com a lei, ou seja, na presença do examinado e dos exames a efectuar.
D) A autora/ recorrente omitiu a depressão grave e se a seguradora soubesse dessa pré-existência, não contrataria ou contrataria com a referida exclusão.
E) A autora/recorrente declarou ter tomado conhecimento que estava excluída qualquer incapacidade física já adquirida e que a prestação de falsas declarações permitiria à Companhia de Seguros BB anular a adesão à apólice, ficando sem efeito as garantias conferidas por esta apólice.
F) O dever de informação foi invocado pela primeira vez no recurso de revista, sendo matéria nova.
G) Dos factos provados, definitivamente pela relação, decorre que não houve violação desse dever.
H) O dever de informação, caso tivesse existido, é da responsabilidade da CGD, tomador, que foi interveniente mas não se defendeu de tal matéria porque nunca foi invocada.
I) Sabendo um contratante que o risco contratado já se verificou, o contrato de seguro seria sempre inexistente ou nulo por falta de objecto ou objecto impossível (280 do CC).
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
De facto:
A 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1 - Do documento denominado “Ramo Vida Grupo – Boletim de Adesão” (documento de fls. 12 a 15), emitido pela Ré, referente à apólice nº. 1../5…0, relativa a um seguro denominado “Caixa Seguro Vida – Protecção Mais”, consta, entre outros, o seguinte:
“Nova Adesão X (manuscrito); Processo de empréstimo n.º 04…9; Empréstimo intercalar: Não X (manuscrito); Caixa Seguro Vida – Protecção Mais (sem período de carência, de acordo com o especificado na Nota informativa anexa); apólice 5 …0 (RVC) X (manuscrito); Pessoa a segurar …; N.º cliente CGD 9…5 …; Nome AA; Início do contrato: Data da Escritura 05/12/2001 …; Valor Seguro (valor do empréstimo concedido) € 54.142,22 Euros; Forma de pagamento: Mensal X (manuscrito) …; Estado de Saúde Actual…
1 - Tem tido baixa prolongada por doença? Não X (manuscrito)
2 – É portador de qualquer incapacidade ou defeito físico? Não X (manuscrito)
3 – Teve ou tem qualquer doença? Não X (manuscrito)
4 – Sofreu alguma intervenção cirúrgica? Não X (manuscrito)
5 – Durante os últimos 6 meses consultou um médico particular ou dos Serv. Médico-Sociais das Caixas de Prev.? Não X (manuscrito)
6 – O seu estado de saúde é perfeito? Sim X (manuscrito)
7 – Toma algum medicamento regularmente? Não X (manuscrito) …
Caixa Seguro Vida; Nota Informativa …; PROTECÇÃO MAIS; Especialmente concebida para garantir toda a segurança, desde a data de adesão ao seguro, através das seguintes coberturas: - Morte; - Invalidez Total e Permanente por Doença (grau > 2/3); - Morte por Acidente; - Invalidez Total e Permanente por Acidente (grau > 50%); Definições …INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE POR DOENÇA (grau ≥ 2/3) Entende-se por invalidez Total e Permanente o estado que incapacite a Pessoa Segura, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões; INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA POR DOENÇA A Pessoa Segura é considerada no estado de Invalidez Absoluta e Definitiva, quando em consequência de doença, susceptível de constatação médica objectiva, fique total e definitivamente incapacitada de exercer qualquer que actividade remunerável e necessite de recorrer, de modo contínuo, à assistência de uma terceira pessoa para efectuar os actos normais da vida diária, não sendo possível prever qualquer melhoria, com base nos conhecimentos médicos actuais …; Início e duração do seguro O Caixa Seguro tem início na data da sua aceitação por parte da Companhia de Seguros BB. A duração do seguro acompanha o prazo do empréstimo. As garantias do seguro cessam nas seguintes situações: - o cliente atingir os 70 anos; - o cliente atingir os 65 anos para a garantia Invalidez por Acidente; - o cliente atingir os 60 anos para a garantia de Invalidez por Doença; - liquidação do capital em dívida; - liquidação do capital por morte ou invalidez…”.
2 - Do documento denominado “Certificado de Seguro” (constante de fls. 16), consta, entre outros:
“Tomador de Seguro Caixa Geral de Depósitos; Processo 004…9 …; Tipo de prestações fixas; Beneficiários Em caso de morte: Caixa Geral de Depósitos
Em caso de vida: Caixa Geral de Depósitos; Data de início: 05/12/2001; Capital Seguro desde 01/01/2008: € 49.462,32; Garantia: A companhia de Seguros BB, S.A. garante o pagamento do capital máximo em dívida em cada anuidade do beneficiário em caso de: Morte; Invalidez total e permanente por doença; Invalidez total e permanente por acidente. Este certificado está relacionado com o Certificado n.º 10…5, titulado por: AA …”.
3 - A Autora entrega mensalmente à Ré o valor de € 31,77 por débito em conta na conta nº. 0035 …9, da Agência de … da Caixa Geral de Depósitos.
4 - Do atestado médico de fls. 25/26, datado de 4.4.08 e subscrito pelo médico CC, consta, entre o mais: “O médico abaixo-assinado atesta que a incapacidade de trabalho permanente de 100% de AA (…) começou em Novembro de 2003. Os sintomas apresentados antes deste período não justificaram uma paragem na actividade profissional”.
5 - Do relatório médico de fls. 28 a 42, datado de 4.3.05 (Seguro de invalidez federal SI) e subscrito pelo médico psiquiatra psicoterapeuta FMH, Dr. CC, consta, entre o mais:
“Diagnósticos tendo repercussões na capacidade de trabalho:
Perturbação depressiva de grande severidade (F32.2)
Existente desde quando? 1998 (fls. 35) (…)
Historial (…) Em Novembro de 2004, AA consulta o Dr. DD, psiquiatra psicoterapeuta FMH (…) e a paciente consulta-me pela primeira vez a 03/02/05. (…) Análise (…) AA é colocada ao benefício de uma incapacidade de trabalho de 100% desde Novembro de 2003. Recebe finalmente período de licença COOP no final de Abril de 2004. (…) A perturbação depressiva de grande severidade, apresentada pela paciente, tem um contorno crónico, respondendo mal aos vários medicamentos psicotrópicos … Não se trata de uma perturbação de adaptação, ainda que a situação familiar de Irene seja particularmente pesada. A sua capacidade de trabalho exigida é nula em qualquer actividade. As limitações funcionais que Irene das Neves apresenta no plano psiquiátrico consistem numa perda de energia vital, tristeza, problemas de atenção e concentração, um cansaço importante, uma perturbação ansiosa com revelações de ataques de pânico em situação de agorafobia, levando a uma retracção social marcada…”.
6 - Do Relatório Médico Pormenorizado, ao abrigo do Regulamento 1408/71 (constante de fls. 45 a 65), consta, além do mais:
“(…) 3.4.4.Incapacidade de trabalho X desde: 31/07/2003 a 100%... 8. Síntese: A paciente apresenta um estado depressivo de elevada gravidade associado a um problema somático maior manifestando-se por dores difusas em todas as situações de mobilidade física ou psíquica. Evolução da patologia: Em estado de agravamento, o estado depressivo está a responder mal aos diversos medicamentos psicotrópicos; tentativas de suicídio; retirada social; crises de angústia… Défices funcionais: Em relação com um limite doloroso baixa (fibromialgia) posição estática (sentada, deitada, de pé, impossível para além de 30 minutos, transportes de cargas de mais de 3 kg impossível). Em relação ao exame anterior (realizado a 27 de Abril de 2005) Deterioração X… 11.3 É a segurada autónoma, isto é, não necessita da ajuda de uma terceira pessoa no seu trabalho em casa? Não X …motivo: fadiga; dificuldades em terminar as acções; é ajudada pelo marido na cozinha e na preparação das refeições e pela filha na louça e nas limpezas da casa 11.4 Pode a segurada exercer a tempo inteiro a sua actividade antiga de vendedora Não X… 11.5 É possível um trabalho adaptado? Não X …”.
7 - Do documento denominado “Projecto de aceitação da pensão”, emitido pelo Gabinete de seguro de invalidez para o Cantão de …, a 02/03/2007, relativo ao pedido de 26/08/2004 (constante de fls. 72 a 76), consta, entre o mais: “(…) Analisamos o pedido de pensão de invalidez e informamo-la de que as condições de concessão estão preenchidas. (…) Desde 22 de Outubro de 2003 (início do prazo de espera de um ano), a sua capacidade de trabalho é consideravelmente restrita. (…) A nossa decisão é consequentemente a seguinte: Desde 1 de Outubro de 2004, tem direito a uma pensão total de invalidez…”.
8 - A Ré enviou à Autora carta datada de 02/07/2007 (documento constante de fls. 77), com o seguinte teor: “(…) vimos solicitar que os seguintes documentos nos sejam enviados: …Relatório anexo preenchido pelo assistente …Documento da Caixa Geral de Aposentações (ou outro documento similar) comprovativo. Com data de passagem definitiva à situação de reforma. …Atestado médico de incapacidade de multiusos…”
9 - A Ré enviou à Autora, carta datada de 22/10/2007 (documento constante de fls. 78) com o seguinte teor: “Após análise detalhada de toda a documentação clínica em nosso poder, o Gabinete Médico da Direcção Vida emitiu o parecer de que houve Omissão de Declarações no Boletim de Participante. Assim, e ao abrigo das Condições Gerais da Apólice, não procederemos ao pagamento de qualquer indemnização relativa ao sinistro em referência”.
10 – Por escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, de 22.8.2000, a A. e marido, pelo preço de onze milhões de escudos, compraram um prédio misto, tendo-lhe, no mesmo ato, sido concedido um empréstimo de idêntico valor pela Caixa Geral de Depósitos, tendo este sido lançado na conta de depósito à ordem n.º 1…5/0…, e sendo de 30 anos a contar daquela data o prazo para amortização do empréstimo, em prestações mensais constantes, de capital e juro (doc. de fls. 176 e ss.).
11- A A. nasceu a 8.1.1962 (doc. de fls. 118).
12 – O contrato de seguro referido em 1 está associado e visa garantir o empréstimo mencionado em 10, contraído pela A. e marido junto da CGD e no valor mencionado na apólice de fls. 16.
13 – Desde a data da propositura da acção (Junho de 2009), a prestação paga pela A. à CGD para amortização do mútuo supra mencionado era de € 255, 68, mensais (capital, juros e comissões), sendo de € 239, 43 em Setembro de 2011 (capital, juros e comissões) e de € 211,58, em 4.11.2014.
14 – Em 2003, apresentando depressão, a A. consultou, na Suiça (país para onde fora em 2002), a Policlínica do Sector Psiquiatria a oeste de …, tendo passado quatro semanas no Hospital em Novembro de 2003.[1]
15 – A A. solicitou à Ré, através da CGD, que aquela liquidasse o valor em débito relativo ao mútuo acima referido.
16 – Em Julho de 2003, a A. manifestou cansaço, falta de força, insónias, chegando a desmaiar.[2]
17 – Em Março de 2007, a A. foi notificada pelo Gabinete de Seguro de Invalidez para o cantão de … do seguinte: “Analisámos o pedido de pensão de invalidez e informamo-la de que as condições de concessão estão preenchidas. (…) Devido ao seu estado de saúde, não se encontra actualmente capaz de exercer a sua actividade profissional. Segundo os dados em nossa posse, apresenta uma incapacidade de trabalho e de ganhos de maneira ininterrupta desde 22 de Outubro de 2003 (…). A nossa decisão é, consequentemente, a seguinte: Desde 1 de Outubro de 2004, tem direito a uma pensão total de invalidez (…)”.
18 – Entre 12.6.2013 e 17.6.2013, a A. foi internada para exérese de carcinoma ductal invasivo da mama esquerda, com éxegere de gânglio sentinela e linfadenectomia da mesma mama. Posteriormente, efetuou oito ciclos de quimioterapia e 30 sessões de radioterapia, tratamentos que se mantiveram até 2014. Apresenta prognóstico reservado.
19 – Por força da insuficiência venosa com edema do membro inferior direito, dos episódios depressivos graves, sem sintomas psicóticos e do carcinoma ductal invasivo da mama esquerda, submetido a tratamento médico-cirúrgico, de prognóstico reservado, a A. apresenta uma incapacidade permanente de 71, 84%.
20 – A A. continuou a pagar à Ré os prémios de seguro correspondentes à apólice em vigor.
Decidida a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal da Relação aditou aos provados os seguintes factos:
21 - A Autora, em resposta aos pontos 3 e 6 do questionário referido em 1., datado de 05/12/2001, omitiu que padecia de depressão grave.
22 - Foi com base nas respostas dadas pela Autora ao referido questionário que o seguro foi aceite pela Ré.
23 - Se esta soubesse daquela doença, o seguro seria por si aceite com a ressalva declarada na adesão, no art. 3º das condições especiais e no art. 2º, §4ª, das condições gerais da apólice, de que as doenças anteriores ao seu início estavam excluídas.
Com base na prova documental produzida, a Relação aditou ainda estoutros factos:
24 - Na adesão, a Autora declarou tomar conhecimento que está excluída qualquer incapacidade física já adquirida.
25 - No art. 2º, §4ª, das condições gerais da apólice, consta: “As omissões e as declarações inexactas ou incompletas, feitas pelo Tomador do Seguro e/ou pelas Pessoas seguras, que alterem a apreciação do risco, tornam nulas as garantias do contratos susceptíveis de por elas serem influenciadas.”
26 - No art. 3º das condições especiais da apólice (exclusões) consta: “A invalidez resultante de qualquer incapacidade ou doença de que a Pessoa Segura seja portadora à data da sua inclusão no seguro, não se encontra coberta, a não ser que o contrário seja estabelecido em documento fazendo parte do contrato.”
27 - Em 10 de Janeiro de 2012 foi detectado na Autora um carcinoma da mama esquerda em fase avançada, tendo sido submetida a tratamentos de quimioterapia que a impossibilitam de trabalhar.
De direito:
Na presente acção está em causa um contrato de seguro de grupo (ramo vida), com início em 5 de Dezembro de 2001, no qual intervieram a ré, ora recorrente, como seguradora, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., como tomadora e credora beneficiária do seguro, e a autora, como aderente-segurada.
Este contrato foi celebrado com a finalidade de assegurar o cumprimento das obrigações assumidas pela autora para com a Caixa Geral de Depósitos num contrato de mútuo para aquisição de um imóvel, em caso de morte ou invalidez total e permanente por doença da autora, mutuária.
Trata-se, como se observou no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Maio de 2015, proferido na revista nº 17/13.5TCGMR.G1.S1, de um contrato celebrado no âmbito de um esquema contratual com uma estrutura tripartida e algo complexa, tendo por base um plano de seguro e, na sua execução, várias adesões/celebrações de contratos de seguro concretizados nas declarações de vontade das pessoas seguras de aderirem ou fazerem parte do referido plano de seguro; ou seja, a seguradora e o tomador do seguro (a instituição bancária) celebram entre si um contrato (de seguro) que vai funcionar como o quadro em que, posteriormente e no futuro, se estabelecem as situações ou relações de seguro (situações de risco) propriamente ditas.
A autora accionou judicialmente aquela garantia perante a ré seguradora, por lhe ter sido atribuída uma incapacidade total e permanente (100%), pela autoridade na Suiça, com vista à liquidação por aquela do valor do débito contraído junto da Caixa Geral de Depósitos.
A ré seguradora, que havia já rejeitado o pagamento na sequência da participação que lhe foi feita pela autora, excepcionou a nulidade e a anulabilidade do contrato de seguro e, bem assim, a exclusão contratual prevista nas condições gerais e particulares da apólice do contrato.
A 1ª instância, com base na matéria de facto que julgou provada, teve por não verificadas quer a nulidade, quer a anulabilidade do contrato e, sem conhecer da questão da exclusão contratual, julgou a acção parcialmente procedente.
O Tribunal da Relação, na sequência da alteração introduzida na matéria de facto, considerou que, tendo resultado provado que a autora já sofria, aquando da celebração do contrato de seguro, da doença que veio a determinar a sua incapacidade – depressão grave –, deveria actuar a exclusão prevista na cláusula 3ª das condições especiais da apólice.
E decidiu acertadamente.
Estatui o Artigo 429.° (Consequência das declarações inexactas ou reticentes):
«Toda a declaração inexacta, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato, tornam o seguro nulo.
§ único Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má-fé, o segurador terá direito ao prémio.»
À luz deste normativo as causas de invalidade do contrato de seguro são duas: a declaração inexacta e a reticência de factos ou circunstâncias.
Para assumirem relevância jurídica enquanto causas invalidantes, nos termos daquele preceito, seria necessário que, além de conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, tivessem podido influir na existência do contrato de seguro, isto é, que resultasse dos factos alegados e provados que a seguradora não teria celebrado o contrato se tivesse conhecimento exacto da realidade ou dos factos ocultados, ou, pelo menos, não o teria efectuado nas condições em que o fez.
Ora, dos factos que a Relação julgou provados decorre que a autora, em resposta ao questionário formulado pela ré, omitiu que padecia de depressão grave, sendo que, não obstante essa omissão, ré aceitaria a proposta de seguro com a ressalva declarada na adesão, no artigo 3º das condições especiais e no artigo 2º § 4º das condições gerais da apólice, de que as doenças anteriores ao seu início estavam excluídas do seguro (cfr. pontos de facto 21, 22 e 23).
Logo, a reticência da autora, traduzida na falta de declaração desse facto à ré aquando do preenchimento do questionário que acompanhou a proposta de contrato de seguro, não se reflectiria quer na vontade de a ré outorgar o contrato em causa, quer no seu clausulado. A ré sempre teria celebrado o contrato de seguro nas mesmas condições, caso tivesse sabido em tempo oportuno da depressão grave de que a autora sofria.
Não se encontram, por conseguinte, preenchidos os pressupostos da invalidade do contrato de seguro prevista no citado artigo 429º.
Daí não deriva que a pretensão da autora deva ter acolhimento.
Consta do artigo 3º das condições especiais da apólice que “a invalidez resultante de qualquer incapacidade ou doença que a pessoa segura seja portadora à data da sua inclusão no seguro, não se encontra coberta, a não ser que o contrário seja estabelecido em documento fazendo parte do contrato.”
O que significa que, por força dessa cláusula contratual, ficam excluídas do âmbito do contrato de seguro as incapacidades resultantes de doenças pré-existentes, considerando a data de outorga do mesmo contrato, quer existisse ou não consciência da doença por parte da autora, segurada.
Como salientou o acórdão recorrido, sendo a doença anterior ao início do seguro não está protegida por este, dada a previsão da cláusula de delimitação negativa da cobertura do seguro inserta nas condições especiais da apólice.
Emergindo dos factos que o Tribunal da Relação julgou provados que a autora sofria já de depressão grave quando foi celebrado o contrato de seguro, doença que veio a ser causadora da incapacidade que lhe foi posteriormente atribuída, verifica-se a causa de exclusão de responsabilidade estabelecida no artigo 3º das condições especiais da apólice.
Suscita agora, pela primeira vez, a recorrente a questão da falta de informação sobre o conteúdo e alcance da cláusula em questão, alegando que a mesma não lhe foi cabalmente explicada.
Como se sabe, o contrato de seguro reveste a natureza de contrato de adesão, no sentido que as cláusulas contratuais gerais que o regem não são sujeitas a negociação, mas apresentadas como um formulário que o destinatário do seguro se limita a subscrever.
Está, assim, o mesmo sujeito ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo Decreto- Lei nº. 446/85, de 25 de Outubro (com as alterações subsequentes, a última efectuada pelo DL n.º 323/2001, de 17/12), cujo artigo 1º, n° 2, determina a sua aplicação às cláusulas inseridas em contratos individualizados.
No âmbito do seguro em causa, do ramo vida, releva a existência de inquéritos clínicos, que acompanham a proposta, assumindo-se estes como um instrumento para a seguradora alicerçar a decisão de contratar e proceder à avaliação concreta do risco que assume. Daí o dever que assiste ao segurado de prestar declarações verdadeiras e exactas.
Por sua vez, está a seguradora obrigada ao dever de comunicar na íntegra aos aderentes as cláusulas contratuais gerais que se limitem a subscrever ou aceitar. Esta comunicação “deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência” (nº 1 do artigo 5º. do citado Dec. Lei nº 446/85), recaindo sobre o contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais o ónus da prova de que a realizou de forma adequada e efectiva (nº. 3 do aludido artigo 5º).
Alega a autora e recorrente não resultar dos autos que, para além do documento que juntou sob o nº. 1, lhe tenha sido enviado qualquer outro com as cláusulas contratuais da apólice de seguro de grupo a que aderiu, pelo que, não sendo controvertido que o contrato discutido nos autos se configura efectivamente como contrato de adesão, o princípio da boa fé impunha à seguradora um particular dever de informação, esclarecimento e comunicação sobre o âmbito efectivo da cobertura, dever que a ré não demonstrou ter cumprido, o que implica que tal cláusula limitativa não lhe seja inoponível.
Sem embargo da qualificação do contrato de seguro como de adesão e das exigências que a lei comete à seguradora, contraente mais forte, nomeadamente ao nível do ónus da prova do cumprimento do dever de informação, tal não exime o segurado de alegar a matéria de facto pertinente à violação desse dever.
No caso dos autos, a recorrente não alegou tal facticidade, nem suscitou a questão ao longo do processo, trazendo-a apenas à discussão na alegação do recurso de revista.
Com efeito, esta questão surge colocada, pela primeira vez, em sede de recurso de revista sem ter sido submetida, previamente, à apreciação quer da 1ª instância, quer do Tribunal Relação.
Ora, no nosso direito processual civil os recursos ordinários são, por regra, recursos de reponderação, não podendo o tribunal superior ser chamado a decidir questões de facto ou de direito que não tenham sido colocadas na instância recorrida, mas apenas reapreciar a decisão proferida pelo tribunal hierarquicamente inferior, a não ser que se trate de matéria de conhecimento oficioso.
Reveste, por conseguinte, a natureza de questão nova a que a autora agora suscita – que não é de conhecimento oficioso e a que falta, aliás, o necessário substrato factual –, pelo que dela não cumpre conhecer.
Em consequência, deve manter-se o acórdão recorrido, ficando prejudicado o conhecimento de quaisquer outras questões em conformidade com o disposto no artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil.
III. Decisão:
Termos em que se acorda no Supremo Tribunal de Justiça em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 2 de Novembro de 2017
Fernanda Isabel Pereira (Relatora)
Olindo Geraldes
Maria do Rosário Morgado
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[1] Facto alterado pela Relação, o qual tinha a seguinte redacção: Em 2003, a A. apresentou um estado depressivo e de ansiedade grave que a levou a consultar, na Suiça (país para onde fora em 2002) a Policlínica do Sector Psiquiatria a oeste de …, tendo passado quatro semanas no Hospital em Novembro de 2003.
[2] Facto alterado pela Relação, cuja redacção primitiva era a seguinte: Em Julho de 2003, a A. começou a manifestar cansaço, falta de força, insónias, chegando a desmaiar.