EXCESSO DE PRONÚNCIA
NULIDADE DA SENTENÇA
VALIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
LICITUDE DO DESPEDIMENTO
Sumário


I. Só existe excesso de pronúncia quando os limites processuais forem ultrapassados com o Juiz a pronunciar-se sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se, no âmbito da solução do conflito, nos limites por elas pedido e definido, sendo que a nulidade prevista na 2ª parte, da alínea d), do nº 1, do artigo 615º, do CPC, apenas terá lugar se a sentença conheceu de questões que nenhuma das partes submeteu à apreciação do Juiz, dentro dos referidos limites legais.

II. O excesso de pronúncia gerador da nulidade refere-se, pois, aos pontos essenciais de facto e de direito que constituem o centro do litígio, quer seja no que respeita ao pedido, quer quanto às excepções suscitadas.

III. A fundamentação da decisão de despedimento pode ser efectuada por remissão para a nota de culpa ou para outro documento (v.g., o relatório do instrutor do processo que antecede a decisão).

Texto Integral



ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


1. AA instaurou a presente acção especial de impugnação de regularidade e licitude do despedimento, contra:

Associação …

“BB”

        
2. Frustrada a conciliação na audiência de partes, a Entidade Empregadora motivou o despedimento pugnando pela existência de justa causa e juntando, para o efeito, o respectivo procedimento disciplinar.

No seu articulado, a fls. 46 e segts., invocou, em síntese, que:

A Autora desempenhava funções de auxiliar de acção educativa no citado jardim de infância e, no ano lectivo de 2013/2014, estava afecta ao transporte de crianças utentes da Ré, das 6h.45 às 9h.15 e das 17h.30 às 19h.30.
No dia 27 de Janeiro de 2014, a A. e outro trabalhador da Ré recolheram a criança CC, da sala …, da creche, junto da residência desta, em …, por volta das 9h.05.
A Autora quando chegou ao estabelecimento retirou as crianças da carrinha, em duas vezes, e levou-as às respectivas salas, com a ajuda de duas outras trabalhadoras da Ré, mas deixou a criança CC no interior da viatura, sem que, quer ela, quer o seu colega motorista da viatura, se apercebessem que a criança se encontrava no seu interior.
       Mais tarde, alertado o condutor, por uma terceira pessoa, que a criança ficara no interior da viatura, de imediato a conduziu ao jardim de infância.
A criança CC, de 2 anos de idade, permaneceu no interior da viatura, sentada e com o cinto de segurança apertado cerca de seis horas e meia.
Tais factos consubstanciam violação grave dos deveres da A. e conduziu ao seu despedimento com justa causa, pois compromete irremediavelmente a subsistência da relação de trabalho, quebrando a confiança que a Ré nela depositava.
 
3. A Autora/Trabalhadora contestou a motivação do despedimento apresentada pela Entidade Empregadora Ré, peticionando a declaração de ilicitude do despedimento por inexistência de justa causa, tendo deduzido, para o efeito e em síntese, os seguintes fundamentos:

3.1. Por excepção:

a) A caducidade do direito de aplicar a sanção de despedimento, pois o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão e a Ré só a tomou em 11/06/2014, muito para além do referido prazo;
b) A nulidade do processo disciplinar, por desconhecimento da respectiva decisão, porquanto a Ré não juntou aos autos, no prazo que lhe foi determinado de 15 dias, cópia da decisão tomada, nem notificou a Autora dos fundamentos da decisão, nem da sua transcrição, nem da acta da Direcção da Ré com indicação de quem se encontrava presente;
c) O comportamento discriminatório de que a Autora foi vítima por parte da Ré, pois já em data anterior, em 06/12/2013, quando se deslocavam para um ensaio da festa de Natal também ficou esquecida uma outra criança, o DD, e tais factos, apesar de terem chegado ao conhecimento da Directora Pedagógica, não conduziram ao levantamento de um processo disciplinar ao trabalhador envolvido, nem ao seu despedimento.

3.2. Por impugnação:

- A Autora, para além de estar a ser vítima de comportamento discriminatório, não pode deixar de salientar que para o ocorrido contribuiu igualmente o comportamento da Entidade Empregadora, porquanto a Ré não adoptou procedimentos de controlo ou regras básicas de segurança das crianças, nem antes, nem após ter ocorrido o referido incidente com a criança DD, nomeadamente não criou listagens de entrada e saída dos menores com vista ao seu controle no transporte;
- Existe concorrência de culpas, pois a responsabilidade maior é do condutor que tinha a obrigação de vistoriar a viatura antes de a pôr em marcha, o que não fez, bem como da Instituição (Ré) que também não adoptou medidas de segurança para que tais factos não acontecessem;
- A Autora trabalha na Instituição desde 19…, tem mais de 27 anos de casa, nunca cometeu nenhuma falta, nem foi sancionada disciplinarmente. É divorciada, vive sozinha e depende, para a sua sobrevivência, deste salário, sendo considerada por todos os colegas e estimada pelos pais dos alunos;
- Os factos de que é acusada são graves, todavia podem acontecer a qualquer pessoa, até a um pai ou a uma mãe, e a Autora já reconheceu o seu erro, pediu desculpas à mãe da criança, que as aceitou e compreendeu, e está sinceramente arrependida da sua omissão, sendo certo que a criança nada sofreu com este incidente;
- A Autora é doente e encontra-se em tratamento pois padece de ....

3.3. Por reconvenção:
 
- Com base nos factos alegados e no sofrimento e angústia que tal situação lhe causou, sentindo-se inútil, a ponto de pensar em suicidar-se, sendo que a Autora é uma pessoa doente, e está a ser seguida na consulta de doenças ... por ...e fenómeno de ... secundário no contexto de , e ainda o facto de a ... e … pela incapacidade funcional que as suas doenças de base implicam no desempenho das suas actividades da vida diária e profissional, tendo tudo isso contribuído para o seu agravamento físico e psicológico;
- Razão pela qual deve a Ré ser condenada a pagar à Autora uma indemnização por danos morais sofridos, nos termos dos arts. 496º e segts. do CC e 389º, nº 1, alínea a), do Código do Trabalho, em valor não inferior a € 20.000,00.

3.4. Concluiu pedindo que sejam julgadas procedentes as referidas excepções com as respectivas consequências legais, bem como declarada a irregularidade e ilicitude do seu despedimento, por inexistência de justa causa, condenando-se a Ré a pagar-lhe:

1. Um salário de € 717,00 mensais, acrescido de um mês de férias vencido em 01/01/2014, e um mês de subsídio de férias, mais os proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal relativos ao ano/mês de despedimento (Julho de 2014), ou seja, € 1.254,75, tudo no valor de € 3.405,75, acrescido dos subsídios que se forem vencendo até à decisão dos presentes autos, devendo ser descontadas as quantias que foram pagas em Julho de 2014;
2. As retribuições, subsídios e prémios de assiduidade que deixou de auferir, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença;
3. Por fim, caso venha a optar, o pagamento de uma indemnização em substituição da reintegração, calculada com base em 45 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, nos termos legais, no valor de € 29.038,50;
4. O valor indemnizatório peticionado reconvencionalmente, no montante de € 20.000,00, por danos morais sofridos pela Autora, em consequência da actuação da Ré.

Valores acrescidos dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

4. A Ré respondeu ao pedido reconvencional pugnando pela sua improcedência.

5. A Autora declarou, oportunamente, optar por uma indemnização em substituição da reintegração.

6. Realizada audiência de julgamento, o Tribunal de primeira instância proferiu sentença (cf. fls. 189 e segts., do 1º Vol.), na qual decidiu, em síntese, que:


1. Quanto à caducidade do direito de aplicar a sanção – julgou improcedente a excepção peremptória por considerar válidas as diligências probatórias realizadas pela Ré e não se encontrar ultrapassado o respectivo prazo legal;
2. Quanto à “inexistência”/invalidade do procedimento disciplinar” – julgou improcedente esta excepção por entender não existir obstáculo a que a fundamentação fáctica da decisão disciplinar seja feita por remissão para a nota de culpa;
3. Quanto à justa causa do despedimento – entendeu que os factos praticados pela Autora são graves, pois está em causa o contacto diário com crianças, pessoas particularmente indefesas, não sendo exigível que a Ré continue a depositar confiança na Autora e na capacidade desta para lidar com as crianças do jardim de infância.

Nessa medida, exarou o seguinte segmento decisório:

       
Por todo o exposto, declara-se a licitude do despedimento da Autora/Trabalhadora AA pela Ré/Empregadora Associação … “BB”, e absolve-se esta última de todos os pedidos efectuados pela primeira.
Mais se condena a Autora/Trabalhadora nas custas processuais.”

7. Inconformada, a Autora apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa, impugnando a decisão proferida quanto à matéria de facto e a decisão de direito, tendo aquele Tribunal proferido Acórdão que, depois de ter julgado improcedente a impugnação da matéria de facto, decidiu a causa nos seguintes termos:


1. Quanto à invalidade do processo disciplinar – julgou verificada a invalidade do procedimento disciplinar por falta da comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos, nos termos legais previstos no Código do Trabalho de 2009;
2. Em consequência, considerou ilícito o despedimento da Autora.

Concluindo nos seguintes termos:

“Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto pela Autora e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida e julga-se ilícito o despedimento da Autora, ao abrigo do art. 382.º do CT e, em consequência:
Condena-se a Ré a pagar à Autora:
- Uma indemnização em substituição da reintegração, que se fixa em 20 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade até ao trânsito em julgado da presente decisão, a liquidar em execução de sentença.
- E, ainda, as retribuições que a Autora deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão a que deverão ser deduzidas as importâncias referidas no n.º 2, do art. 390º, do CT, cujo montante deverá ser liquidado em execução de sentença.” – (sublinhado nosso).

         8. Irresignada, a Ré interpôs revista tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões:
1. Na impugnação que a Autora faz do despedimento não existe qualquer alusão ao nº 4, do artigo 357.º, do Código do Trabalho, apenas se insurgindo por não lhe ter sido enviada a cópia da acta onde foi tomada a decisão, a fim de saber quem participou da mesma e qual o sentido de votos dos participantes.
2. Os argumentos formais que a Autora invocou para impugnar a validade do procedimento disciplinar foram os descritos no artigo 357.º, nºs 5 e 6, daquele diploma, vindo apenas mais tarde, já em sede de audiência de julgamento, tentar impugnar o despacho de saneamento, introduzindo essa questão nas alegações de recurso que, entretanto, apresentou e que foi rejeitado por inadmissível.
3. A abordagem a essa questão, em sede de alegações, mostra-se intempestiva para poder ser invocada e decidida pelo Tribunal recorrido, nos termos em que o foi.
4. Não tendo sido levantada esta questão no processo que correu em primeira instância, a mesma não podia ter sido apreciada pelo Tribunal recorrido, por não descrita na petição como fundamento da acção. Tanto mais que as nulidades do processo disciplinar não são do conhecimento oficioso e devem ser invocadas na petição, por parte do autor, como fundamento da acção.
5. No que ao eventual não cumprimento do n.º 4, do artigo 357.º, do CT., diz respeito, não podia o douto Acórdão recorrido se pronunciar, por não invocada na contestação ou qualquer outro articulado da Autora, não podendo nesta sede ser avaliada, o que se requer seja tomado em consideração.
6. Pelo que, a decisão recorrida é nula nos termos da alínea d), parte final, do n.º 1, dos artigos 615.º e 666.º, n.º 1, ambos do CPC., nulidade que desde já se invoca e cuja revogação se requer, mantendo-se a decisão final proferida pela 1.ª instância.
7. Acresce que a decisão de despedimento foi transcrita na carta enviada à Autora, não sendo necessária a junção da cópia da respectiva acta, encontrando-se devidamente fundamentada, por isso o procedimento disciplinar não enferma de nenhuma das invalidades descritas no artigo 382.º do CT.
8. E na decisão disciplinar é dito que foram dados como provados os factos constantes da Nota de Culpa, a qual foi devidamente notificada à Autora e sobre a mesma foi apresentada a competente defesa, e na mencionada decisão faz-se constar que os respectivos fundamentos do despedimento foram, exactamente, estes factos.
9. A nota de culpa é peça fundamental do procedimento disciplinar, na medida que é através dela que se dá a conhecer ao trabalhador o conteúdo da acusação que impende sobre ele, sendo ela que delimita a decisão disciplinar do empregador, bem como a matéria que o Tribunal poderá conhecer na acção de impugnação do despedimento, de acordo com os artigos 357.º, n.º 4 e 387.º do CT.
10. Por isso, de acordo com o critério de adequação funcional, na nota de culpa devem ser indicadas as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os factos ocorreram, de forma a que o trabalhador possa conhecer os factos de que é acusado e sobre os mesmos se possa defender.
11. A nota de culpa deduzida contra a Autora indica as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que os factos ocorreram, de forma a serem perfeitamente compreendidas pela mesma e permitirem uma defesa esclarecida (e esclarecedora), tanto que a trabalhadora apresentou resposta à nota de culpa e indicou testemunhas para serem ouvidas no âmbito do processo disciplinar.
12. A Ré comunicou à Autora que os factos que lhe haviam sido imputados em sede de Nota de Culpa, e que consubstanciavam a violação do dever dos trabalhadores previsto no artigo 128.º, alínea c), do CT, foram dados como provados, pelo que lhe comunicou os factos que foram atendidos na decisão e sobre os quais a mesma havia sido previamente informada e sobre eles se havia pronunciado.
13. A própria decisão de despedimento, de forma expressa, considera grave os factos dados como provados quando menciona que “ponderado o preceito jurídico violado e o circunstancialismo em que os factos ocorreram conclui-se que o comportamento assumido pela trabalhadora arguida consubstancia uma grave violação dos deveres contidos naquele preceito legal e fundamentam a justa causa de despedimento, nomeadamente pelas consequências que dele resultaram, em especial para a criança utente, pondo manifestamente em causa a subsistência da relação de trabalho, nomeadamente por quebra de confiança”.
14. Na referida decisão consta a descrição do circunstancialismo a que faz referência, tal como é feita na Nota de Culpa.
15. Tem sido entendido pela Jurisprudência que podem até nem ser consideradas quaisquer "circunstâncias do caso", ou pode bem acontecer que no caso não existam circunstâncias a considerar ou que o empregador não queira ou não saiba considerá-las.
16. Mais se tem decidido que o n.º 4 do artigo 357.º do CT apresenta esse requisito como uma eventualidade ou exemplificação, não exigindo a consideração de qualquer concreta circunstância.
17. A Autora tomou conhecimento da Nota de Culpa, exerceu o contraditório sobre a mesma, pelo que tem perfeito conhecimento dos factos que justificaram o seu despedimento.
18. Face aos factos em questão, consubstanciadores de ilícito penal de gravidade e alarme social, tal adequação e análise estão já implícitas na conclusão constante da decisão de que a trabalhadora violou, de forma grave, os deveres de zelo e de diligência a que estava obrigada, ao ponto de quebrar a relação de confiança necessária à manutenção de um contrato de trabalho.
19. A declaração da Ré, no sentido de que foi comunicado à Autora que decidiu pelo seu despedimento com justa causa, por força da factualidade dada como provada e descrita na Nota de Culpa, não deixa margem para dúvidas sobre os motivos que conduziram a tal decisão, atento o teor tanto da carta onde consta a decisão de despedimento, como da Nota de Culpa à qual faz referência e se baseia.
20. A comunicação em causa é perfeitamente entendida por um declaratório normal que se encontrasse naquela situação, nos termos do art. 236.º, n.º 2, do Código Civil.
21. Sendo que tal decisão é uma transcrição da decisão tomada em reunião da Direcção, referida na comunicação em causa, pelo que não pode assacar-se ao procedimento disciplinar qualquer vício de invalidade.
22. Como a Jurisprudência tem repetidamente afirmado, mostra-se fundamentada a decisão disciplinar que remeta para outras peças do respectivo processo, nomeadamente para a Nota de Culpa ou para o relatório final do Instrutor, posto que as mesmas se achem devidamente fundamentados nos termos legais.
23. Seria de um formalismo exagerado e irracional que o legislador quisesse obrigar o empregador a repetir a descrição dos factos, tarefa que, em certos casos e na ausência de meios informáticos, poderia ser muito penosa, como é o caso dos autos, atenta a extensão da nota de culpa.
24. O importante é demonstrar na decisão, mesmo que por remissão para outra peça, quais os factos que fundamentam o despedimento e que os mesmos são considerados graves e por isso põem em causa a manutenção do contrato. E isso está manifestamente expresso na decisão de despedimento junta aos autos.
25. A Autora quando recebeu a nota de culpa teve completo conhecimento dos factos de que foi acusada, da intenção da Ré de proceder ao seu despedimento, de quais os deveres violados, qual a sua integração jurídica, quais os prejuízos e consequências resultantes dessa violação, da perda de confiança e da insustentabilidade da relação laboral, pelo que a remissão para tal factualidade fundamenta a decisão de despedimento e assegura, plenamente, todos os direitos e garantias daquela, que de modo algum foram violados.
26. Acresce que os factos imputados à Autora foram por si assumidos, na sua defesa, e nenhum facto ou meio probatório por si indicado em sede de procedimento disciplinar visou questionar a factualidade descrita na Nota de Culpa.
27. Não se pode aceitar, com todo o respeito, a forma simplista como o Tribunal recorrido decidiu revogar a sentença de 1ª instância, face aos factos em causa e ao cumprimento por parte da Ré de todas as exigências legais.
28. Por todo o exposto, entende-se que bem andou a sentença de 1ª primeira instância ao considerar válido o procedimento disciplinar objecto dos presentes autos e, por conseguinte, lícito o despedimento da Autora.
29. Estando reunidos todos os pressupostos exigidos para o despedimento por justa causa, nenhum reparo merecia a decisão de primeira instância ao ter confirmado o despedimento da Autora.
30. Pelo que, deve ser revogado o Acórdão recorrido, por não fazer interpretação correcta do artigo 357.º, n.º4, do CT e aplicar de forma errada o disposto no artigo 382.º, n.º 2, alínea d), do mesmo diploma legal, o que se requer, por força do disposto no artigo 674.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 81.º, n.º 5, do CPT.
31. Termos em que deve a invocada nulidade proceder, por provada e, em consequência, ser o Acórdão recorrido revogado, mantendo-se a decisão de primeira instância inalterada.

9. A Autora contra-alegou, concluindo, em síntese, nos seguintes termos:

1. Tendo em atenção:
- A Antiguidade da trabalhadora – 27 anos - sem registos disciplinar;
- A concorrência de culpas;
- O seu arrependimento;
- O facto de estar doente com limitações na sua capacidade laboral;
- A atenuação da sua culpa;
- A ausência de consequências para a criança;
       Tem de se concluir que não existe, no caso em apreço, justa causa para o despedimento da Autora.
2. Sendo certo que a R. não atendeu, nem ponderou todas as circunstâncias do caso, subjectivas e objectivas, nomeadamente as relativas à forma como ocorreu a infracção, as suas consequências, a antiguidade da trabalhadora (27 anos de serviço), o facto de a Autora não ter registo disciplinar e de se encontrar doente com a capacidade de trabalho afectada e, ainda, o facto da mãe da criança ter desculpado a Autora e ter afirmado por escrito que a sua filha nada sofreu (cf. fls. 75 e 76 do PD), bem como a adequação do despedimento à culpabilidade da trabalhadora (cf. artigos 382º, n.º 2, alínea d), 357º, n.º 4 e 351º, n.º 3, todos do CT).
3. Razão pela qual se conclui no sentido de que carece de fundamento o recurso formulado.
4. Nestes termos e nos melhores de Direito não deve proceder nem a invocada nulidade, nem o recurso formulado, e será feita Justiça se não for revogado o Acórdão recorrido.

10. O recurso de revista foi admitido no Tribunal da Relação de Lisboa sem que, contudo, se emitisse pronúncia sobre a arguida nulidade do Acórdão.
Já neste Supremo Tribunal foi proferido despacho pela presente Relatora determinando-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação para se pronunciar sobre a arguida nulidade – cf. fls. 538, do 2º Vol.
Procedendo em conformidade a Relação conheceu de tal matéria, nos termos que constam a fls. 554 e 555, do 2º Vol.

11. Subidos novamente os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, e porque se suscitavam dúvidas sobre o valor da sucumbência na presente acção, foi exarada informação desenvolvida sobre tal matéria, com o teor de fls. 564 e segts, após o que se admitiu o presente recurso de revista.

12. O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, conforme fls. 569 e segts, pronunciando-se nos seguintes termos:

* O Acórdão recorrido não padece de nulidade por excesso de pronúncia;
* A Ré/Recorrente não fez constar da “decisão” do procedimento disciplinar quaisquer factos imputados à Autora/trabalhadora, nem fez constar da mesma as circunstâncias determinantes do despedimento daquela, bem como a não notificou do “relatório final” do processo disciplinar;
* Violou, assim, a Ré, o estabelecido no nº 4, do art. 357º, do CT, o que torna inválido o mencionado “procedimento” e, consequentemente, ilícito o despedimento, nos termos do art. 382º, nº 2, alínea d), daquele diploma legal.

Concluiu no sentido de que, em face do exposto, deve ser negada a revista e confirmado o Acórdão recorrido.

13. O mencionado Parecer, notificado às partes, não mereceu qualquer resposta.

14. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação do Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2, e 679º, ambos do Novo CPC.
Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[1]


II – QUESTÕES A DECIDIR:

- Em sede recursória, as questões suscitadas consistem em saber se:

a) O Acórdão recorrido padece de nulidade por excesso de pronúncia;
b) O procedimento disciplinar deve ser considerado válido, ou se, ao invés, está ferido de invalidade nos termos decididos pelo Acórdão recorrido;
c) O despedimento da Autora é lícito, porque fundado em justa causa.

Analisando e Decidindo.


III – FUNDAMENTAÇÃO:

I – DE FACTO

- Mostram-se provados nos autos os seguintes factos:

1. A Autora prestou serviços para a Ré, sob a direcção e fiscalização desta, desde 1987, desempenhando funções de auxiliar de acção educativa no equipamento localizado na ....
2. A Autora encontrava-se, no ano lectivo de 2013/2014, afecta ao transporte das crianças utentes da Ré, das 6h45 às 9h15, e das 17h30 às 19h30.
3. Das 14h45 às 17h30, a Autora exercia funções no ATL do equipamento da ....
4. No dia 27/01/2014, a Autora e outro trabalhador da Ré, EE, recolheram a utente CC, da sala …, do equipamento da ... (creche) junto à residência desta, em ... (...), por volta das 9h05.
5. Quando chegaram ao equipamento da ..., por volta das 9h20, a Autora retirou as crianças da carrinha, em duas vezes, e levou-a às respectivas salas, com a ajuda de duas outras trabalhadoras da Ré.
6. No interior da viatura da instituição permaneceu a utente CC, que não foi levada para a sua sala pela Autora.
7. A Autora e o seu colega abandonaram a Instituição por volta das 9h30, na mencionada viatura, não se dando conta que ali permanecia a utente CC.
8. EE estacionou a viatura da Instituição junto da sua residência, tendo deixado a Autora sair 100m antes da mesma.
9. A Autora abandonou a viatura sem se aperceber da presença da utente CC.
10. Após estacionar a viatura, EE abandonou-a e trancou-a, sem se aperceber da presença da utente CC.
11. A utente CC encontrava-se sentada na quarta fila dos bancos da viatura, com o cinto posto.
12. Entre as 15h10 e as 15h45, EE foi alertado na sua residência, pela esposa, que uma pessoa tinha visto uma criança no interior da viatura da Instituição.
13. Após confirmar tal facto, EE comunicou-o de imediato à Autora, por telefone, deslocando-se com a utente para o equipamento da ..., onde chegou por volta das 16h00.
14. A utente CC tinha 2 anos de idade.
15. A Autora e o seu colega não se certificaram de que todas as crianças e respectivos bens tinham sido entregues.
16. Em 13/02/2014, a Ré elaborou Nota de Culpa para efeitos de procedimento disciplinar contra a Autora e EE (motorista), de onde constam os factos 1 a 15, a qual foi notificada à Autora.
17. No âmbito da instrução do procedimento disciplinar, foi junta “Ficha de Cadastro” da Autora.
18. Em 14/04/2014, foram inquiridas as últimas testemunhas.
19. Em 23/04/2014, a Autora juntou ao procedimento disciplinar diversos documentos.
20. Em 09/05/2014, a Autora enviou à Instrutora do procedimento disciplinar, que a recebeu, uma mensagem de correio electrónico.
21. Em 02/06/2014, a Instrutora do procedimento disciplinar enviou à Ré, que a recebeu, uma mensagem de correio electrónico com o seguinte conteúdo:
    “(…) Na sequência da defesa apresentada pela trabalhadora AA, muito agradecia o envio da ficha clínica da trabalhadora, bem como as funções por esta desempenhadas na Instituição, desde a sua contratação.(…)”.
22. Em 09/06/2014, a Instrutora do procedimento disciplinar enviou à Ré, que a recebeu, uma mensagem de correio electrónico com o seguinte conteúdo:
“(…) Muito agradecia, a par das anteriores informações e documentação solicitada, o envio dos contratos de trabalho dos trabalhadores arguidos (cópias). Tomei conhecimento de que o processo clínico da trabalhadora AA já foi solicitado à Medicina do Trabalho, pelo que, igualmente agradecia, a ter sido feito por escrito, uma cópia dessa solicitação, a fim de constar do processo (…)”.
23. Em 20/06/2014, a Ré remeteu à Instrutora do procedimento disciplinar cópia do contrato de trabalho com a Autora e declaração médica respeitante a esta.
24. Em 11/07/2014, a Ré remeteu à Autora, que recebeu, carta com o seguinte conteúdo:
“(…) ASSUNTO: Decisão de Processo Disciplinar
Exmª Senhora,
Na sequência do processo disciplinar que lhe foi instaurado por esta instituição, junto lhe enviamos a respectiva decisão.
DECISÃO
Analisados os autos do Processo Disciplinar instaurado à trabalhadora AA retira-se que, através da competente Nota de Culpa que tempestivamente lhe foi formulada, foi a mesma acusada de ter assumido comportamento que representa uma grave violação do dever dos trabalhadores previsto no artigo 128.º, n.º 1, al. c), do C.T.: “realizar o trabalho com zelo e diligência”.
De acordo com o Relatório Final dos autos de Processo Disciplinar, foram dados como provados os factos constantes dos artigos da Nota de Culpa.
Ponderado o preceito jurídico violado e o circunstancialismo em que ocorreram os factos, conclui-se que o comportamento assumido pela trabalhadora arguida consubstancia uma grave violação dos deveres contidos naquele preceito legal e fundamentam, nos termos do artigo 351º, nº 1, do Código do Trabalho, justa causa de despedimento, nomeadamente pelas consequências que deles resultaram, em especial para a criança utente, pondo manifestamente em causa a subsistência da relação de trabalho, nomeadamente, por quebra da relação de confiança.
Assim, em reunião da Direcção desta Instituição, levada a efeito em 7 de Julho de 2014, foi decidido, de acordo com os artigos 328º, 357º e 358º, do CT, designadamente, despedimento com justa causa à trabalhadora arguida.

                  A sanção será aplicada a partir do próximo dia 31 de Julho de 2014. (…)”.
25. Não existe comissão de trabalhadores da Ré.
26. Em data não concretamente apurada, anterior a 27/01/2014, outra criança tinha ficado esquecida, por um curto período de tempo, na carrinha.
27. O referido facto foi comunicado de imediato à Directora Pedagógica da Ré.
28. Do facto provado em 26) não resultou processo de inquérito e/ou disciplinar.
29. A Ré não tinha implementado um sistema de listas de controlo das crianças no início do transporte e da entrega na Instituição.
30. À data do despedimento, a Autora auferia uma remuneração de € 612,00, acrescida de € 105,00 de diuturnidades e € 15,00 de prémio de assiduidade.
31. A Autora é divorciada e vive sozinha.
32. A Autora não tem antecedentes disciplinares.
33. Na carrinha eram transportadas:
a. Na 1.ª volta, de manhã, 19 crianças;
b. Na 2.ª volta, de manhã, 20 crianças, sendo a maioria da creche;
c. Na 1.ª volta, de tarde, 23 crianças;
d. Na 2.ª volta, de tarde, 6 crianças.
34. Na 1.ª volta da manhã, era a Autora que tirava e levava as crianças para dentro da Instituição, excepto quando uma colega, de nome FF, se encontra de serviço de manhã.
35. Na 2.ª volta da manhã, a Autora tinha a ajuda de uma colega auxiliar e de uma funcionária da limpeza para levar as crianças para dentro da Instituição.
36. Antes do ano lectivo de 2013/2014, a Autora estava afecta ao 2.º berçário.
37. A Autora é seguida na consulta de doenças ... por ...e fenómeno de ... secundário no contexto de …; e ainda ...pela incapacidade funcional que as suas doenças de base implicam no desempenho das suas actividades de vida diária e profissional.
38. Em 27/04/2010, a Autora entregou à Ré uma declaração do Centro Hospitalar ...-… EPE, da qual consta:
“(…) Para os devidos efeitos se declara que AA sofre de doença … necessitando de acompanhamento regular em consulta de doenças ... e da realização de exames para (…) evolutivo da doença”.


II – DE DIREITO

A. Enquadramento normativo

Os presentes autos respeitam a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento instaurada em 05 de Agosto de 2014 e referente a factos ocorridos em Janeiro de 2014.

Atenta a data da propositura da acção e considerando que o Acórdão recorrido foi proferido em 08 de Fevereiro de 2017, à presente revista é aplicável o seguinte regime processual:
- O Código de Processo do Trabalho (CPT) na versão operada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto;
- O Código de Processo Civil (CPC) – subsidiariamente – na versão actual conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.

Em termos substantivos, estando em causa a cessação de contrato de trabalho ocorrida em data e procedimento iniciados na vigência do Código do Trabalho de 2009 (CT/2009), é aplicável o regime jurídico acolhido naquele Código, na sua actual redacção.


B. Da nulidade por excesso de pronúncia

1. A 1.ª questão submetida à apreciação deste Supremo Tribunal prende-se com a alegada nulidade por excesso de pronúncia do Acórdão recorrido.

Invoca a Ré Recorrente, a este propósito, que o Acórdão do Tribunal da Relação extravasou o conhecimento a que estava adstrito ao pronunciar-se sobre a validade do procedimento disciplinar e pelo incumprimento, por parte da Ré, na tramitação do procedimento disciplinar, do disposto no art. 357.º, n.º 4, do Código do Trabalho de 2009[2], quando a Autora em sede de impugnação do despedimento alegou tão só a invalidade desse procedimento com base no art. 357.º, nºs 5 e 6, do CT e não no seu nº 4.
O que, em seu entender, constitui nulidade nos termos do art. 615º, nº 1, alínea d), do CPC.

Vejamos se lhe assiste razão.

2. As causas de nulidade da sentença mostram-se elencadas no art. 615º do CPC, estatuindo a alínea d), do seu nº 1, que é nula a sentença quando:
1ª Parte: o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, ou,
2ª Parte: o Juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Sobre o conteúdo e alcance de tal normativo tem sido entendido Doutrinária e Jurisprudencialmente que, quanto à 1ª parte, da alínea d) em análise, que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, porquanto o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos avocados nos articulados para decidir certa questão de fundo. Mas tão só a pronunciar-se “sobre questões que devesse apreciar”.
Já quanto à 2ª parte, da alínea d), que integra o segmento que aqui nos interessa, consagrou-se legalmente que o Juiz que “conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”excedendo a pronúncia –, porque lhe está vedado esse conhecimento, faz incorrer a sentença na nulidade aí prevista.

Extrai-se da análise dessa 2ª parte, da alínea d), do n.º 1, do art. 615º, do CPC, que a nulidade da sentença por excesso de pronúncia constitui o reverso da nulidade da sentença por omissão de pronúncia prevista na 1ª parte, porquanto, nesta, omite-se; naquela, excede-se.

Ao Tribunal cabe o dever de conhecer o objecto do processo, definido pelo pedido deduzido e respectiva causa de pedir de acordo com as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação nos articulados apresentados.
Terá, assim, de apreciar e decidir as questões processuais trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados, excepções deduzidas, e aquelas que oficiosamente lhe cabe conhecer –, com base nos factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos pelas partes nos autos, conforme se referiu em ponto anterior.
Sendo de salientar que os argumentos convocáveis para se decidir certa questão não se identificam necessária e coincidentemente com a própria questão a decidir, em si mesma considerada.

Haverá, pois, excesso de pronúncia, quando os limites processuais forem ultrapassados com o Juiz a pronunciar-se sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se, no âmbito da solução do conflito, nos limites por elas pedido e definido.
Não podendo o Juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem excepções não deduzidas que estejam na exclusiva disponibilidade das partes[3], sob pena de nulidade.

O excesso de pronúncia gerador da nulidade refere-se, pois, aos pontos essenciais de facto e de direito que constituem o centro do litígio, quer seja no que respeita ao pedido, quer quanto às excepções.[4]
Não se trata, como se realçou, de meros argumentos ou razões de facto ou de direito das partes, até porque, como é sabido, o Tribunal é livre na sua apreciação, nos termos preceituados pelo art. 607º, nº 5, do CPC.
Por conseguinte, a nulidade prevista na 2ª parte, da alínea d), do nº 1, do artigo 615º, do CPC, apenas terá lugar se a sentença conheceu de questões que nenhuma das partes submeteu à apreciação do Juiz, dentro dos limites definidos legalmente.
E em sede recursória o excesso de pronúncia é aferido pelo conhecimento e decisão das “questões a resolver”, questões essas circunscritas ao objecto do recurso nos termos definidos nos autos pelo Julgador, conforme o preceituado no art. 608º, nº 2, do CPC.

3. Sendo este o sentido da nulidade da sentença a que alude a 2ª parte, da alínea d), impõe-se aferir se, no caso sub judice, a decisão proferida pela Relação extravasou, ou não, os poderes de cognição do Tribunal ou se este conheceu de uma questão nova, situação que está vedada pelo citado nº 2, do art. 608º.

A este propósito argumenta a Ré Recorrente que a Autora terá invocado, a título de fundamentação jurídica quanto à questão da validade/invalidade do procedimento disciplinar de que foi alvo, apenas os nºs 5 e 6, do art. 357º, do CT, e só posteriormente, em sede de alegações do seu recurso de apelação, é que aduziu o nº 4 do mesmo artigo, pelo que o Tribunal da Relação estava impedido de se pronunciar sobre tal matéria.
Alegação que, contudo, se mostra destituída do necessário suporte fáctico e jurídico para a sua procedência.

Senão, vejamos.

3.1. Resulta da análise dos autos o seguinte:

- Em sede de contestação à motivação do despedimento, a Autora invocou que, na data em que a decisão de despedimento foi tomada – em 11 de Junho de 2014 – já tinha caducado o direito de aplicar a sanção, por terem decorrido mais de 30 dias desde a data da última diligência de instrução;
- Mais invocou que não foi notificada com cópia da decisão, quando nos termos do disposto no art. 357.º, nºs 5 e 6, a decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito, sendo comunicada por cópia ou transcrição ao trabalhador;
- Concluiu a referida contestação com a seguinte invocação: “Face ao exposto, como a A. não foi notificada nem da cópia da acta da direcção da R., nem da sua transcrição da qual consta quem esteve presente, qual o sentido de voto, qual o fundamento da decisão tomada – Despedimento – se requer que nos termos do n.º 3, do art. 98.º-J, do CPT, 357.º, nºs 5 e 6 e 382.º, n.º 2, al. d), do CT, que o M.º Juiz declare de imediato a ilicitude do despedimento (…)”.

Sobre tal matéria a Ré, na sua resposta às excepções suscitadas pela Autora, e no que aqui releva, fez as seguintes afirmações:

13.º - Não se compreende, também, o invocado nos artigos 13º a 19º da Contestação.
 14.º - Efectivamente, na decisão comunicada à trabalhadora constam os motivos pelos quais lhe foi aplicada a sanção aqui impugnada, mais concretamente, a transcrição do deliberado em reunião de Direcção.
15.º - Na mesma decisão faz-se referência à data da realização da reunião da Direcção onde consta tal deliberação.
16.º - Tal acta, por conter outros assuntos alheios aos presentes autos só será junta se assim for doutamente determinado, não o devendo ser com a comunicação impugnada, como curiosamente alega a Autora.
17.º - Para além disso, a Autora esteve sempre representada por Advogado no processo disciplinar e teve sempre acesso ao mesmo, pelo que podia perfeitamente ter ficado melhor esclarecida com a consulta do mesmo, onde consta o Relatório Final.
18.º - A fundamentação consta da decisão supra mencionada e é suficiente para a Autora a compreender, pois está motivada de facto e de direito.”

Por sua vez a sentença da 1ª instância pronunciou-se sobre a invocada excepção de caducidade do direito de aplicar a sanção, considerando-a não verificada, nos termos do disposto no art. 357.º, nºs 1 e 2, bem como sobre a invocada excepção de inexistência da decisão disciplinar e do desconhecimento da mesma, por violação do disposto nos nºs 5 e 6, do art. 357.º, do CT, situações que também considerou não terem ocorrido, na medida em que a Autora terá tomado conhecimento dos factos que lhe foram imputados na nota de culpa, tanto assim que a decisão final deu como provados esses mesmos factos constantes da nota de culpa, ainda que resulte dos autos que o tenha feito por remissão.
Tendo-se concluído na sentença que a Autora “soube que foi com base nesses factos que foi despedida, tendo impugnado o despedimento e não apresentando qualquer dificuldade em deduzir a respectiva contestação.
Assim sendo, considera-se improcedente a excepção peremptória alegada de “inexistência”/nulidade da decisão disciplinar”.

Inconformada com o teor da sentença que, considerando válida a decisão disciplinar, concluiu também que havia justa causa para o despedimento com as legais consequências, a Autora apelou para o Tribunal da Relação, onde, de relevante para a questão agora em apreço, invocou:

“V. Assim, a decisão apesar de escrita, não contém quer os factos, quer o direito que permitam à trabalhadora saber por que razão foi despedida e por que razão não lhe foi aplicada outra sanção menos grave. Nem a Acta nem o relatório final fazem parte da decisão nem a ela foram juntas ou reproduzidas.
VI. A decisão em apreço, atrás referida, não refere quais os factos imputados ao trabalhador, não refere a gravidade da situação em apreço, não menciona qualquer fundamento para o despedimento da A., sendo composta de meras conclusões.
VII. Assim, o processo disciplinar deve ser declarado inválido nos termos do artigo 382º, n.º 2, alínea d), e n.º 1, do CT, por remissão do 357.º, n.º 4, do CT, porque na decisão não foram ponderadas ou indicados os factos constantes da nota de culpa, nem foram ponderadas as circunstâncias do caso, normas essas violadas pela R. e pela M.ª Juíza. Assim, inválido o procedimento disciplinar, deve ser julgado ilícito o despedimento nos termos do artigo 382.º, n.º 1, do CT, o que aqui se pede.”

Colocada a questão pela Recorrente Autora conforme antecede, pronunciou-se o Tribunal da Relação no seu Acórdão nos seguintes termos:

A Autora/recorrente entende que o processo disciplinar deve ser declarado inválido, ao abrigo do artigo 382º, n.º 2, alínea d), do CT, por referência ao n.º 4, do artigo 357º, do CT, pois a decisão de despedimento não refere quais os factos imputados à Autora, nem faz qualquer ponderação das circunstâncias do caso em concreto, concluindo pela invalidade da decisão disciplinar. 
   Vejamos então.
 O art. 382º, nº 2, alínea d), do CT, dispõe que o procedimento é invalido se:
d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357º ou do n.º 2 do artigo 358º.
Por sua vez, o n. º 4, do artigo 357º, do CT, prescreve que:
Na decisão são ponderados as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3, do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes na nota de culpa ou da reposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
Com estas exigências, o legislador pretendeu que o empregador faça a ponderação das circunstâncias do caso concreto, nomeadamente com a prova que haja sido produzida no processo disciplinar, a argumentação de direito que haja sido produzida pelo trabalhador em sede de reposta à nota de culpa, adequando a sanção à culpabilidade do trabalhador. Uma segunda razão desta exigência é a de permitir ao trabalhador a impugnação da decisão de despedimento, uma vez que nos termos do disposto no n.º 3, do art. 387º, do CT e art. 98º- J, n.º 1, do CPT, na acção de apreciação judicial do despedimento o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador, pelo que não pode colher o argumento da Ré de que basta a factualidade imputada à Autora e indicada de modo preciso e circunstanciado na nota de culpa.”
(…)       
Deste modo, julga-se verificada a invalidade do procedimento disciplinar, ao abrigo do artigo 382º, n.º 2, alínea d), do CT, por falta da comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos, nos termos previstos no nº 4, do art. 357º, CT e, em consequência, considera-se ilícito o despedimento da Autora, atento ao disposto no art. 382.º do CT. (…)

Ora, toda esta sequência processual que os autos retratam é bem reveladora de que a trabalhadora/Autora na contestação que apresentou à motivação do despedimento invocou também a invalidade do procedimento disciplinar com base no art. 382.º, n.º 2, alínea d), do Código do Trabalho.

Norma que estabelece expressamente que:
2. O procedimento é inválido se:
(…)
 d) A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do art. 357.º ou do n.º 2 do art. 358.º do CT” – (sublinhado nosso).

Ou seja: este preceito exige, para que não haja invalidade do procedimento disciplinar, que:
- A comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos seja feita por escrito; 
- E seja elaborada nos termos do disposto no n.º 4 do art. 357.º ou do n.º 2 do art. 358.º do CT.

Há assim uma remissão expressa do próprio art. 382.º, n.º 2, alínea d), do CT, para o art. 357.º, n.º 4, do mesmo Código.

Ora, desde o início da apresentação da sua defesa que a Autora funda o seu entendimento, quanto à invalidade do procedimento disciplinar, no art. 382.º, n.º 2, alínea d), do CT, tendo-o reiterado em sede de apelação.

Perante a alegada invalidade do procedimento disciplinar ao abrigo do disposto no art. 382.º, n.º 2, alínea d), do CT/2009, que, por sua vez, remete expressamente para o art. 357º, n.º 4.º, do mesmo Código, não é de estranhar que a Autora nas suas alegações, em sede de apelação, ao reportar-se a tal invalidade alicerçada nos argumentos aduzidos, os apresente agora em termos mais concretizadores e já com a referência explícita ao art. 357.º, n.º 4, do CT.

3.2. Referência mais que justificada no quadro descrito, até porque alude, por diversas vezes, aos nºs 5 e 6, do art. 357º. E se se atentar na sua redacção não pode deixar de se concluir que são, na prática, indissociáveis, porquanto, se o n.º 5 impõe que a decisão seja fundamentada e que conste de documento escrito, por sua vez o n.º 4 enuncia o que se exige que seja ponderado nessa decisão:
- As circunstâncias do caso, nomeadamente as constantes do n.º 3 do art. 351.º – (v.g., o quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do empregador, o carácter de relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes) –, bem como a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores (estes últimos quando aplicáveis).

O que significa que pelo menos uma parte daquela ponderação deverá ser reflectida na fundamentação da decisão escrita.

Daí que, a invocação do n.º 4 por parte da Autora não possa ser encarada como uma questão nova, não estando, por isso, o Tribunal recorrido impedido de se pronunciar sobre tal matéria.

E ao fazê-lo, não incorreu em nulidade por excesso de pronúncia, pois não se excedeu na pronúncia da questão que lhe foi colocada.

3.3. Em Conclusão:
- O Tribunal da Relação conheceu apenas das questões colocadas pelas partes e conteve-se dentro dos limites traçados pelo nº 2, do art. 608º, do CPC, pelo que se não verifica o arguido vício de nulidade por excesso de pronúncia do Acórdão recorrido, previsto no art. 615.º, n.º 1, alínea d), 2ª parte, do CPC.

Improcede, assim, a revista nesta parte.
4. Da invalidade do procedimento disciplinar

4.1. A Ré Empregadora insurgiu-se contra a decisão do Tribunal da Relação que considerou inválido o procedimento disciplinar.
Defende, para tal, que a decisão final de despedimento pode ser fundamentada com a remissão para os factos constantes da nota de culpa sem necessidade de ter de os enunciar de novo na referida decisão de despedimento enviada à Autora.

Está, assim, em causa, a questão de saber se essa remissão pode ter lugar e em que termos.
A dilucidação desta questão não dispensa a análise da Doutrina e Jurisprudência mais relevantes sobre tal matéria.

Destarte, temos que:

4.2. Conforme se deixou expresso no ponto anterior, o art. 357º, nº 5, do CT, estatui uma obrigação para o empregador, que se desdobra em duas vertentes:
1ª - A decisão de despedimento deve ser fundamentada;
2ª - Essa decisão deve constar de documento escrito.

A propósito desta exigência pode ler-se em Maria do Rosário da Palma Ramalho[5] que:

Nesta fundamentação devem ser ponderadas as circunstâncias pertinentes para o caso, deve ser avaliado o grau de culpa do trabalhador para concluir sobre a adequação da sanção do despedimento ao caso (ou seja, deve ser aplicado o princípio geral da proporcionalidade entre a infracção e a sanção disciplinar, enunciado no art. 330.º, n.º 1) e devem ser tidos em conta os pareceres a que houver lugar (art. 357.º, n.º 4).
O aspecto mais importante da fundamentação da decisão de despedimento é o da circunscrição deste fundamento aos factos alegados na nota de culpa e na resposta do trabalhador, a não ser quanto a factos novos que atenuem a responsabilidade do trabalhador (art. 357.º, n.º 4, parte final). Este aspecto evidencia, de novo, a importância central da nota de culpa no processo de despedimento.”

A ilustre Professora, numa nota de rodapé, chama a atenção do leitor pela admissão por parte da Jurisprudência de que a fundamentação da decisão de despedimento possa ser feita por remissão para outro documento (designadamente para a nota de culpa), desde que tal documento seja junto à comunicação da intenção de despedimento.

E mais à frente, a propósito do disposto no art. 382.º, n.º 2, afirma que:

Deve atentar-se no facto de apenas determinarem a invalidade do procedimento disciplinar para despedimento os vícios mais graves desse processo – é o que se deduz das situações descritas no n.º 2 do art. 382.º, que se referem, efectivamente, aos aspectos que, no processo, asseguram a delimitação da infracção, o conhecimento pelo trabalhador da intenção de despedimento, o exercício do contraditório, e, por último, a base final da decisão, que constitui o pressuposto de uma eventual impugnação do mesmo.”   

De uma forma mais explícita, admitindo essa remissão, explicita Pedro de Sousa Macedo[6]:

Compreende-se a exigência de fundamentação do despacho sancionador por duas razões: para retirar o carácter arbitrário ao poder disciplinar e para permitir a impugnação com referência aos fundamentos. Estes podem constar no relatório apresentado pelo instrutor, que é perfilhado pela decisão por remessa expressa ou tácita, sem que haja de os repetir. Neste caso, porém, uma cópia do relatório deve ser enviada conjuntamente com a decisão ao trabalhador punido e à comissão de trabalhadores, bem como à associação sindical, sendo caso disso. Tem-se entendido semelhantemente quando é feita remessa para a nota de culpa.

E prosseguindo:

A falta de fundamentação da decisão que aplique uma sanção é considerada como nulidade, o que se explica por o direito à impugnação judicial exigir, para o seu exercício, o conhecimento das razões justificativas da sanção disciplinar aplicada. Sem se conhecer a motivação da decisão, a impugnação desta é como um esgrimir contra moinhos de vento.
Esta fundamentação pode fazer-se por remissão para a nota de culpa ou para o relatório do instrutor do processo que antecede a decisão. Quando esta seja imediatamente antecedida do relatório do instrutor, mesmo que não haja uma remissão expressa, deve entender-se que existe uma remissão tácita por aceitação dos termos do relatório ao decidir-se em conformidade com o que nele é proposto.
A decisão deve conter-se dentro dos limites fácticos traçados pela nota de culpa, pois é esta que fixa o objecto do procedimento disciplinar, o que não impede a referência a elementos complementares esclarecedores ou representando o desenvolvimento do enunciado, admitindo-se a adjunção de circunstâncias auxiliares na formação do juízo valorativo que vem a constituir a decisão disciplinar”.  

Por sua vez Pedro Furtado Martins, sobre esta questão específica, afirma[7]:

Também a falta de fundamentação determina a invalidade do procedimento e a consequente ilicitude do acto extintivo (art. 382.º, n.º 2, al. d). Admite-se, contudo, a fundamentação indirecta, isto é, por remissão para outra peça do processo (por exemplo, para a nota de culpa, ou para o relatório final de instrução, se existir), desde que o documento para que se remete seja entregue ao trabalhador juntamente com a decisão final.”

4.3. A Jurisprudência tem vindo igualmente a corroborar o entendimento exposto, conforme se extrai da sequência cronológica dos Acórdãos que acompanhando a sucessiva legislação sobre a matéria, desde a Lei dos Despedimentos (Decreto-Lei n.º 372-A/75) até ao Código do Trabalho actual, concluíram, invariavelmente, no mesmo sentido.

Exemplificando.

- No Acórdão do STJ, de 29 de Abril de 1991, Relatado por Pedro Sousa Macedo, proferido no âmbito do proc. nº 003004, é afirmado nomeadamente que[8]:

Esta fundamentação pode ser indirecta, por remissão, seja para o relatório que antecedeu a decisão patronal, seja para a nota de culpa (havendo como provados todos os factos nesta arrolados). Em qualquer dos casos deve existir expressa referência à remessa para essas peças.”
- No Acórdão desta Secção do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Outubro de 1998, Relatado por Manuel Pereira, na revista nº 98S115, foi decidido:

II – A Nota de Culpa mostra-se circunstancialmente descrita quando remete para uma acusação em processo crime, que se junta.
III – A decisão é fundamentada quando dá como reproduzidos os factos da Nota de Culpa.”

No referido aresto pode ler-se a seguinte passagem que, por esclarecedora e plena de actualidade, se transcreve:

Perante estes dados, há que dizer que a decisão se mostra fundamentada, afigurando-se-nos que, legitimamente, nenhumas dúvidas se podem colocar quanto a ter ficado o Autor ciente dos factos que a Ré considerou ter ele praticado e da gravidade que revestiam, em termos de tornar praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
Se o Autor conhecia os termos da nota de culpa e da acusação que integrou aquela, a decisão não deixa de estar fundamentada quando refere que o arguido cometeu, nas circunstâncias de modo, tempo e lugar indicadas, os actos que são referidos na nota de culpa, consubstanciadores das infracções que lhe eram imputadas.
O facto de repetir-se, na fundamentação, o que já constava da nota de culpa não ia acrescentar melhor ou mais completa informação, como não assegurava ao Autor acrescida margem de êxito na acção em que impugnasse o despedimento” – (sublinhado nosso).

- Em 20 de Outubro de 1999, o STJ reiterou tal entendimento no âmbito do processo nº 99S120, igualmente Relatado por Manuel Pereira, podendo ler-se no texto desse Acórdão:

Portanto, a nota de culpa mostra-se correctamente elaborada, não padecendo de irregularidades susceptíveis de comprometer a defesa do trabalhador, pelo que não se mostra violado o n.º 1, do artigo 10º, da Lei Desp.
Quanto à decisão a despedir o Autor, ela remeteu para as conclusões e fundamentos exarados na nota de culpa (ver documento de fls. 16).
Embora por remissão, a decisão mostra-se fundamentada em termos de reputar suficientes, reflectindo a ponderação das circunstâncias do caso e a gravidade da conduta do trabalhador, que a empregadora considerou merecedora da sanção que aplicou.
Foi nesses termos que a decisão foi comunicada, pelo que o Autor ficou conhecedor dos factos justificativos do despedimento, em condições portanto, de o poder impugnar eficazmente” – (sublinhado nosso).

- Também no Acórdão desta Secção do STJ, de 31 de Maio de 2001, Relatado por Diniz Nunes, no proc. nº 00S3594, se expressou igual entendimento:

Não é nula, por deficiência de fundamentação, a decisão do empregador que sancionou o trabalhador com o despedimento se na mesma se considerou que: estavam provados os factos que no Relatório Final do processo disciplinar respectivo foram considerados provados, os quais eram os constantes da respectiva nota de culpa, na qual eles eram referidos;
(…)
Todos estes elementos constavam do processo disciplinar e o trabalhador podia conhecê-los, até porque lhe foram enviados para poder defender-se no processo disciplinar” – (sublinhado nosso).

- Reiterado no Acórdão do STJ, desta Secção, de 16 de Janeiro de 2002, no âmbito do proc. n.º 01S3247, Relatado por Azambuja Fonseca, onde se afirmou de forma inequívoca:

“I. A exigência de fundamentação da decisão disciplinar tem como objectivo dar a conhecer ao trabalhador a que a mesma se dirige sobre os fundamentos que conduzem ao seu despedimento, assim possibilitando a respectiva impugnação judicial. Constando da decisão os factos por remissão para a nota de culpa, desde que nesta sejam descritos por forma circunstanciada e concreta os fundamentos imputados ao trabalhador e que servem de base à decisão, mostra-se cumprida a exigência legal de discriminação dos factos da responsabilidade do trabalhador” – (sublinhado nosso).

E mais tarde pelo Acórdão de 08 de Novembro de 2006, desta Secção Social do STJ, Relatado por Sousa Grandão, no processo 06S2579, concluiu-se que:
 (…)
“IX – Mostra-se fundamentada a decisão disciplinar que remeta para outras peças do respectivo processo, nomeadamente o relatório final do instrutor, posto que as mesmas se achem devidamente fundamentadas nos termos legais. (…)
XI – Esta decisão mostra-se devidamente fundamentada na medida em que dela resulta uma óbvia concordância com o relatório do instrutor e traduz a remessa para os fundamentos ali consignados” – (sublinhado nosso).

Podendo ler-se, ainda, no Acórdão do STJ, de 13 de Janeiro de 2010, Relatado por Sousa Peixoto, no proc. nº 1321/06.4 TTLSB.L1.S1, que:

(…) “6. A intenção do empregador proceder ao despedimento não tem de constar de comunicação autónoma, podendo ser expressa na nota de culpa.
7. A fundamentação da decisão de despedimento pode ser feita por mera adesão à fundamentação contida no relatório final elaborado pelo instrutor do processo disciplinar” – (sublinhado nosso).

4.4. Tendo presente o entendimento Doutrinário e Jurisprudencial que antecede, dúvidas não se levantam no sentido de que, em sede disciplinar, exige-se que a nota de culpa contenha todos os factos de que o trabalhador é acusado para que possa de uma forma esclarecida exercer o contraditório, defendendo-se no processo disciplinar que lhe foi instaurado pela entidade empregadora.
Admitindo-se a remissão para os factos descritos na nota de culpa e para os fundamentos indicados, quer de facto, quer de direito, no relatório final desse processo, desde que essa remissão permita ao trabalhador conhecer as circunstâncias que determinaram o seu despedimento, conste de documento escrito e seja efectuada de modo expresso e inequívoco.

O objectivo do legislador é permitir ao trabalhador conhecer de forma clara e explícita os factos de que é acusado e nos quais a entidade empregadora funda o respectivo despedimento, porquanto só assim, apreendendo o sentido e as razões – fácticas e jurídicas – que determinaram o seu despedimento, poderá o respectivo trabalhador exercer em pleno o seu direito de defesa.
Só perante o enunciado factual que lhe é imputado é que o trabalhador fica habilitado a conhecer os motivos alegados para a justa causa do seu despedimento e com a possibilidade de os rebater, contraditando-os.

Daí que, uma vez descritos e inseridos os fundamentos na nota de culpa, nos casos em que esta até se mostra desenvolvida e circunstanciada, também já não se exija que os mesmos sejam reproduzidos, na sua totalidade, ou incorporados nos mesmos termos no relatório final do procedimento disciplinar.

Por conseguinte, aceita-se, como válida, a sua remissão para a nota de culpa e/ou para o relatório final, desde que estas peças processuais contenham todos os factos determinantes que fundamentaram a decisão de despedimento do trabalhador.

Será pois com base neste entendimento, que perfilhamos, que será decidido o presente pleito.

5. Posto isto, e reportando-nos ao caso sub judice, temos que:

As normas que relevam nesta matéria são as já enunciadas no primeiro ponto por nós analisado: os arts. 382º, nº 2, alínea d), com referência aos arts. 357º, nº 4 e 358º, nº 2, do Código do Trabalho de 2009.

No primeiro exige-se que o procedimento obedeça aos seguintes requisitos: a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento seja fundamentada e elaborada por escrito, sob pena de invalidade.
No segundo, que sejam ponderadas as circunstâncias ali enunciadas, nomeadamente a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador.

Em qualquer circunstância não podem ser invocados factos que não constem da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a sua responsabilidade.

A razão para esta imposição é clara: o trabalhador tem o direito de saber quais os factos em que a empregadora fundamenta o despedimento. E quais as razões jurídicas que enformam esse despedimento, pois só conhecendo-as (nos termos já referidos supra) poderá encetar a sua defesa. 
Mas essa exigência válida para a nota de culpa, não se estende, conforme se deixou expresso no ponto anterior, a todas as formalidades, porquanto não se exige a reprodução, nos mesmos termos, de todos os factos na decisão disciplinar, admitindo-se a remissão para a nota de culpa desde que esta observe as referidas regras de fundamentação circunstanciada fáctica e juridicamente, com a respectiva comunicação ao trabalhador por escrito, nos termos legais estabelecidos.

5.1. No caso dos autos temos que resultou provado que, em 13/02/2014, a Ré elaborou Nota de Culpa para efeitos de procedimento disciplinar contra a Autora e EE (motorista), de onde constam os factos 1 a 15 da matéria provada, nota de culpa essa que foi notificada à Autora – cf. factos provados nos autos e inseridos supra, com o nº 16.
Nesses números – 1 a 15 – estão descritas as circunstâncias de facto que a Ré inseriu na nota de culpa e que imputa à Autora, tendo fundado o despedimento na prática desses mesmos factos. 
E se atentarmos na decisão do procedimento disciplinar que culminou no despedimento da Autora, e que lhe foi comunicado, verifica-se que tal decisão remete expressamente para os factos que constam da nota de culpa.
Remissão essa onde se afirma de forma clara que a factualidade descrita na nota de culpa foi dada como provada, tendo a Entidade Empregadora qualificado tal comportamento como grave.

E fê-lo nos seguintes termos, de acordo com o teor da comunicação remetida à Autora/trabalhadora, em 11/07/2014:

“(…) ASSUNTO: Decisão de Processo Disciplinar

 Exmª Senhora,

 Na sequência do processo disciplinar que lhe foi instaurado por esta instituição, junto lhe enviamos a respectiva decisão.

DECISÃO

Analisados os autos do Processo Disciplinar instaurado à trabalhadora AA retira-se que, através da competente Nota de Culpa que tempestivamente lhe foi formulada, foi a mesma acusada de ter assumido comportamento que representa uma grave violação do dever dos trabalhadores previsto no artigo 128.º, n.º 1, al. c), do C.T.: “realizar o trabalho com zelo e diligência”.
De acordo com o Relatório Final dos autos de Processo Disciplinar, foram dados como provados os factos constantes dos artigos da Nota de Culpa.
Ponderado o preceito jurídico violado e o circunstancialismo em que ocorreram os factos, conclui-se que o comportamento assumido pela trabalhadora arguida consubstancia uma grave violação dos deveres contidos naquele preceito legal e fundamentam, nos termos do artigo 351º, nº 1 do Código do Trabalho, justa causa de despedimento, nomeadamente, pelas consequências que deles resultaram, em especial para a criança utente, pondo manifestamente em causa a subsistência da relação de trabalho, nomeadamente, por quebra da relação de confiança.
Assim, em reunião da Direcção desta Instituição, levada a efeito em 7 de Julho de 2014, foi decidido, de acordo com os artigos 328º, 357º e 358º do C.T., designadamente, despedimento com justa causa à trabalhadora arguida.
A sanção será aplicada a partir do próximo dia 31 de Julho de 2014. (…)” – cf. factos provados pelas instâncias e inseridos supra no ponto 26), com sublinhado nosso.

Do que antecede dúvidas não se suscitam quanto ao facto de que a Autora sabia quais os factos que lhe eram imputados – o que, aliás, a mesma nem sequer negou – tendo os mesmos sido integral e circunstanciadamente descritos na nota de culpa.
Mais se provou nos autos que:
- A Autora trabalhadora foi notificada da referida nota de culpa, produziu em sede de instrução do procedimento disciplinar as provas que entendeu pertinentes, quer testemunhais quer documentais, com a junção de diversa documentação relativa ao seu estado de saúde, exercendo assim a sua defesa.
- A decisão final deu como integralmente provados esses mesmos factos, qualificou-os juridicamente e considerou, também, que atendendo à gravidade quer do comportamento da trabalhadora, quer das consequências para a criança utente (criança de 2 anos que ficou esquecida num autocarro escolar durante mais de seis horas), não havia possibilidade de manutenção da relação laboral, nomeadamente por quebra da relação de confiança que a empregadora depositava na trabalhadora.

Destarte, provado ficou que a Autora exerceu o seu direito de defesa sem quaisquer constrangimentos ou limitações.
E porque as garantias de defesa da Autora foram asseguradas, tendo-as exercido em pleno através do efectivo direito de contestação dos fundamentos fácticos descritos na nota de culpa, observados se mostram, igualmente, os objectivos legais, centrados na exigência do cumprimento das referidas formalidades.

Nessa medida, a remissão para a factualidade inserida na nota de culpa e no relatório final do instrutor, que fundamenta a decisão de despedimento não viola nenhum princípio, sendo válido o respectivo procedimento.

Razão pela qual se conclui que a decisão final encontra-se devidamente fundamentada, ainda que por remissão para “o relatório final dos autos de processo disciplinar, onde foram dados como provados os factos constantes dos artigos da nota de culpa”, o que, conforme se expressou nos pontos anteriores, é admitido à luz dos ensinamentos citados e não contraria nem colide com as disposições legais referidas nos autos.

Por conseguinte, inexiste invalidade do procedimento disciplinar, não tendo sido violados os arts. 357.º, nºs 4 e 5, 358.º e 382.º, n.º 2, alínea d), do Código do Trabalho de 2009.

Procede, assim, nesta parte a revista.

6. Não estando o procedimento disciplinar ferido de invalidade, impõe-se, agora, aferir se, em face aos factos provados, existiu, ou não, justa causa para o despedimento da Autora.
Tal questão terá de ser apreciada e decidida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, para o qual terão de ser remetidos os autos, uma vez que este Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer essa matéria, estando-lhe legalmente vedado substituir-se ao Tribunal recorrido, por força do preceituado no art. 679.º do CPC, que exceptua expressamente da aplicação ao recurso de revista o disposto no art. 665.º do mesmo Código.

Impõe-se, por conseguinte, a remessa do presente processo para o Tribunal da Relação de Lisboa para conhecimento dessa questão, com as respectivas consequências legais.
IV – DECISÃO:

- Termos em que se acorda em:

a) Julgar improcedente a revista quanto à nulidade por excesso de pronúncia;

b) Mas julgar procedente o recurso quanto à inexistência de invalidade do procedimento disciplinar e, em consequência, revoga-se o Acórdão recorrido nesse preciso segmento;

c) Determinar a remessa dos autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, para os efeitos referidos supra, no ponto 6).

- Custas da revista a cargo de ambas as partes, sendo 4/5 suportados pela Autora e 1/5 a cargo da Ré;
- As Custas, nas instâncias, ficam a cargo da Autora/Trabalhadora, parte vencida.


- Anexa-se sumário do presente Acórdão.


Lisboa, 06 de Dezembro de 2017.


Ana Luísa Geraldes (Relatora)


Ribeiro Cardoso (votou vencido, pelas razões que constam da sua declaração de voto, que anexou)

Ferreira Pinto

___________________


VOTO DE VENCIDO

Votei vencido por entender que a comunicação da decisão de despedimento deveria ter sido acompanhada do relatório para o qual naquela se remeteu.
Efetivamente, estabelecendo os arts. 357º, nº 4 e 358º, nº 2, do CT, que na decisão são ponderadas, para além do mais, as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e tendo este apresentado a respetiva defesa, entendo que os factos por este invocados, se provados, têm que ser ali ponderados para efeitos de aferimento daquela adequação.
Não tendo a decisão observado, como no caso, os sobreditos requisitos optando por remeter para o relatório, este constitui parte integrante da decisão.
E, estabelecendo o art. 382º, nº 2, al. d), do CT, que o procedimento é inválido se a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento não for feita por escrito, aquela, a meu ver, teria que ser acompanhada do relatório porque, como referido, este fazia parte integrante da decisão e só desta forma se permitiria ao trabalhador aferir se havia sido cumprido o estabelecido nos arts. 357º, nº 4 e 358º, nº 2, do CT, caso em que, não o tendo sido o procedimento seria inválido.
Lisboa, 6.12.2017
(António Manuel Ribeiro Cardoso)
___________________
[1] Cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 645 e segts., reiterando a posição anteriormente expressa por Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143, e que se mantém perfeitamente actual nesta parte, em face dos preceitos correspondentes e que integram o Novo CPC.
[2] Pertencem a este Código todos os artigos que forem citados sem qualquer outra menção.
[3] Neste sentido, cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, em “Código de Processo Civil Anotado”, 2º Vol., Almedina, 3ª Edição, pág. 737.
[4] Ou, como se decidiu nos Acórdãos do STJ, de 8.01.2004 e de 5.02.2004, “essas questões centram-se nos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições das partes na causa, designadamente as que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções”.
Acórdãos esses proferidos no âmbito dos processos nº 03B4168 e nº 03B3809, respectivamente, ambos Relatados por Salvador da Costa, e disponíveis em www.dgsi.pt.
No mesmo sentido, cf. o recente Acórdão datado de 23/03/2017, proferido no âmbito do processo nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1, Relatado por Tomé Gomes, e disponível em www.dgsi.pt
[5] Cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, no seu “Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais”, 5ª Edição, 2014, págs. 991 e segts. 
[6] Neste sentido, cf. Pedro de Sousa Macedo, em “Poder Disciplinar Patronal”, Almedina, Coimbra, 1990, fls. 137 e segts., na qual a análise que é efectuada tem por base a lei então em vigor: a LCT;  não obstante tal facto, não deixa, na matéria aqui versada, de ter actualidade. Sublinhado nosso.
[7] Cf. Pedro Furtado Martins, em “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3.ª Edição, Julho de 2012, pág. 239. Sublinhado nosso.
[8] Cf. Ac. publicado in Acórdãos Doutrinais, nºs 356/357, Agosto/Setembro de 1991.