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INQUÉRITO JUDICIAL À SOCIEDADE
REDUÇÃO DA REMUNERAÇÃO DOS GERENTES
GRATIFICAÇÕES
REMUNERAÇÃO DOS GERENTES ABUSIVA
Sumário
I - O inquérito judicial à sociedade tem diversas finalidades entre elas a realização do direito á informação, a reacção contra a falta de apresentação de contas do exercício, a recusa na sua aprovação, deliberação ilícita de distribuição de bens aos sócios e redução da remuneração dos gerentes. II - No inquérito judicial à sociedade destinado a reduzir a remuneração de algum dos gerentes pela eliminação de gratificações atribuídas em assembleia geral, com devolução do respectivo valor á sociedade, para a procedência da acção importa a prova de que a remuneração esporádica dos gerentes foi abusiva, por gravemente desproporcionada quer ao trabalho prestado quer á situação da sociedade
Texto Integral
Proc. nº 503/11.l TJVNF.P1– 3ª Secção (apelação)
Juízos Cíveis de Vila Nova de Famalicão
Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Teresa Santos
Adj. Desemb. Maria Amália Santos
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
B…, casado, residente na Rua …, n.º ., freguesia de …, Vila Nova de Famalicão, instaurou processo especial de inquérito judicial contra:
1. C…, LDA, com sede na …, n.º …, ….-… freguesia de …, Vila Nova de Famalicão;
2. D…, casado, residente na Rua …, n.º .., r/c, ….-… Braga;
3. E…, casado, residente na …, n.º …, ….-…, na referida freguesia de …; e
4. F…, casado, residente na Rua …, nº .., ….-… …, Vila Nova de Famalicão.
Alega, aqui em síntese, que a 1ª R. é uma sociedade comercial que se dedica à indústria e comércio de máquinas, com o capital social de € 105.000,00 na qual todos os sócios foram nomeados gerentes no contrato de sociedade, apesar de se obrigar suficientemente com a intervenção de dois deles.
Após vicissitudes ligadas à cedência de quotas, o capital social está actualmente distribuído por oito quotas, quatro delas no valor unitário de € 15.000,00, igualmente distribuídas pelo A., 2º, 3º e 4º R.R., sendo cada um dos dois últimos R.R. ainda titulares de uma quota no valor de € 7.500,00.
Aproveitando a desnecessidade da intervenção do autor, os 2º, 3º e 4º R.R. levam a cabo toda gestão da sociedade sem lhe dar qualquer informação, sem prestarem contas e sem lhe permitir qualquer intervenção activa nos negócios da sociedade, deixando-o numa posição em que não tem contactos com clientes ou fornecedores, não tem acesso à facturação ou qualquer elemento contabilístico e não tem acesso a contas bancárias, seus extractos ou movimentos, tratando-o como um trabalhador da empresa ao qual até já enviaram uma carta de despedimento. Além disso, estão a delapidar o património social desde há vários anos lesando também, com gravidade, o património do A.
Com vista a aumentarem a sua remuneração sem alterarem a do A., os 2º, 3º e 4º R.R. deliberaram, por duas vezes consecutivas, em assembleia geral realizada no dia 21.5.2007 e em 31.3.2010, em atribuir a si mesmos gratificações, com o argumento de que se empenham mais na sociedade do que o A., o que não corresponde à realidade. Aumentaram assim a sua retribuição em detrimento da remuneração do A. não obstante a sua falta de acordo, também com prejuízo para a sociedade.
O 2º R. renunciou à gerência em 1.3.2010 e são agora gerentes apenas o A. e os 3º e 4º R.R., detentores da maioria do capital.
Alegando ainda que o direito à informação é um direito fundamental dos sócios, invoca o seu direito à obtenção, pelos gerentes, da informação verdadeira, completa e elucidativas sobre a gestão da sociedade, facultando-lhe também a consulta da respectiva escrituração, livros e documentos, destinando-se ainda o inquérito judicial a obter a redução, por via judicial, das remunerações dos 2º, 3º e 4º R.R.
Para tanto formulou o seguinte pedido, ipsis verbis:
«Nestes termos e nos mais de direito que V. Ex.a mui doutamente suprirá, deverá o presente processo seguir os seus termos, conforme disposto nos art°s 1479° e segs. CPC, para serem efectuadas as diligências pertinentes à averiguação dos factos alegados.
Mais requer que, nos termos do disposto no art. 255° do Código das Sociedades Comerciais, que as gratificações referidas nos anteriores artigos 25° a 29° atribuídas aos segundo, terceiro e quarto réus, sejam consideradas remunerações variáveis, e que em consequência seja reduzida e fixada no valor máximo de 1.600,00 € a remuneração de cada gerente, devendo ainda os segundo, terceiro e quatro réus restituírem à primeira ré a quantia de (9.600,00 € x 2) 19.200,00 € correspondente aos montantes das gratificações que receberam indevidamente.»
Citados, todos os R.R. contestaram a acção, em peça única, considerando que o A. não alegou factos concretos justificativos e adequados à sua pretensão e ao processo utilizado, designadamente que alguma vez lhe tivesse sido negada informação solicitada ou que esta fosse falsa, incompleta ou não elucidativa. Tem, aliás, acesso a todas as informações da sociedade e é regularmente convocado para todas as assembleias gerais da sociedade, entre elas de aprovação de contas e deu voto de aprovação das contas de exercício de 2006, 2007, 2008 e 2009.
Além disso, impugnaram parcialmente os factos da petição inicial, fazendo notar que o A. pode exercer e exerce os seus poderes de gerente e pratica vários actos a ela inerentes, não praticando outros porque não quer.
Por outro lado, no que concerne à remuneração dos sócios, os 2º, 3º e 4º R.R. são também trabalhadores da empresa e trabalham fora do horário normal de trabalho, mesmo com deslocações ao estrangeiro e abdicando de descanso, ao fim-de-semana inclusive, ao contrário do A. que se limita a cumprir este mesmo horário, nas instalações da empresa. Daí a fixação da gratificação, sem que se deixasse de atender aos resultados líquidos favoráveis da sociedade, que também distribuiu dividendos, incluindo ao demandante e prémios aos trabalhadores.
Só a partir de 2008 é que o A. começou a votar contra a deliberação de atribuição de gratificações aos gerentes aqui R.R. e sabe bem porquê que têm sido atribuídas. Os respectivos montantes não são gravemente desproporcionados, nem tão pouco constituem um aumento da remuneração dos gerentes réus em detrimento do autor visto serem atribuições esporádicas, sem carácter de regularidade ou obrigatoriedade.
E fazem culminar a contestação com os seguintes termos:
«Deverá a presente acção ser considerada improcedente e, em consequência:
a) Não deverá ser ordenada a realização de qualquer diligência nos termos peticionados pelo autor;
b) Não deverão os réus gerentes ser condenados a restituir à primeira ré a quantia de 19.200,00 € por não corresponder a um montante recebido indevidamente, nem, de qualquer modo, ver reduzida a sua remuneração de gerência.» (sic)
O A. apresentou articulado superveniente, sobretudo comentando o relatório de contas do exercício relativo ao ano de 2010 e a forma discriminada como se considera tratado relativamente aos R.R. pessoas físicas na distribuição de dividendos.
Os R.R. exerceram o contraditório, reafirmando a não omissão de qualquer informação ao A. e a não invocação por ele de factos que possam impedir o exercício desse direito. No que respeita ao aumento das suas gratificações, por eles mesmos votadas e aprovadas, continuam a justificá-lo pelo seu maior esforço e desempenho a favor da sociedade quando comparados com o do A. que recebeu os dividendos a que tinha direito.
Foi ordenada e realizada perícia colegial à contabilidade da sociedade.
Frustrou-se o objectivo de conciliar as partes (cf. acta de fl.s 202 e 203).
Foi então proferida decisão que julgou o inquérito judicial à sociedade improcedente e, em consequência, absolveu os R.R.
Inconformado, o A. apelou daquela decisão, com as seguintes CONCLUSÕES:
«A) A douta sentença recorrida parte de uma premissa que, no nosso modesto entendimento, é manifestamente errada e que parece ter inquinado todo o seu raciocínio. Com efeito, o Tribunal “a quo” partiu do princípio que o Autor solicitou a realização do presente inquérito apenas com fundamento em alegada recusa de informação ao sócio plasmada no art. 268º do CSC. No entanto, tal não corresponde à verdade.
B) Com efeito, o Código das Sociedades prevê diversas situações em que se pode requerer um inquérito judicial a uma sociedade, nomeadamente: a) falta de apresentação das contas de exercício (art. 67º CSC) ou recusa na sua aprovação (art. 68º/2 CSC); b) a recusa, incompletude ou falsidade de informação (arts. 292, 181º/6, 450º,216º, 292/2 e 6, todos do CSC) c) a deliberação ilícita de distribuição de bens aos sócios (art. 31º/3 CSC); d) a redução da remuneração dos gerentes (art. 255º/2 CSC)
C) Ora, dos factos alegados pelo Autor nos seus articulados, nomeadamente nos arts. 17º a 37 da sua p.i., constata-se que aquele fundamentou também o seu pedido também na: deliberação ilícita de distribuição de bens aos sócios (art. 31º/3 CSC) e, sobretudo, na redução da remuneração dos gerentes (art. 255º/2 CSC)
D) Ora, parece-nos indubitável que, tendo fundamentado a presente acção na redução da remuneração de gerentes e na distribuição ilegal de lucros, obviamente que o Autor só poderia pedir quer a redução dessas retribuições indevidas, quer a respectiva restituição à sociedade. Tendo sido esse precisamente o seu pedido. Basta atentar na p.i.;
E) Tal possibilidade legal decorre expressamente do art. 255º/2 do CSC, o qual dispõe que: “As remunerações dos sócios gerentes podem ser reduzidas pelo tribunal, a requerimento de qualquer sócio, em processo de inquérito judicial, quando forem gravemente desproporcionadas quer ao trabalho prestado quer à situação da sociedade.”
F) Face ao exposto, não podem subsistir dúvidas, face ao plasmado no art. 255º/2 do CSC, que um sócio pode pedir a redução de remuneração de outros sócios gerentes, recorrendo à figura processual do inquérito judicial, com fundamento na desproporção da remuneração. (cfr. Raul Ventura em “Sociedades por Quotas – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais”, volume III, pag. 70) Ora, como vimos já, foi precisamente isso que fez o Autor. e bem !!!!!!!!!!
G) Aliás, sobre esta matéria, o mesmo Raul Ventura em “Sociedades por Quotas –Comentário ao Código das Sociedades Comerciais”, volume III, pag. 73 e 74, refere expressamente o seguinte: “As prestações patrimoniais, pecuniárias ou não, atribuídas unilateralmente pela sociedade, com fundamento mais ou menos directo, no serviço que lhe foi prestado, e carácter esporádico, constituem gratificações, as quais se distinguem por um lado, da remuneração parcialmente variável, e por outro lado, dos subsídios impostos pela lei em certas épocas, ou estipulados entre os interessados. Suscitar-se-ão quanto a gratificações a gerentes, questões surgidas a propósito de gratificações a trabalhadores (por exemplo a obrigatoriedade da gratificação, quando esta tenha sido atribuída, com caracter de normalidade, durante alguns anos), mas do ponto de vista do direito societário, interessa saber em que termos é licita a gratificação. É óbvio que a gratificação tem de ser atribuída por deliberação dos sócios; inconcebível seria que os gerentes se gratificassem a si próprios. Mais duvidoso é se é licita a atribuição de gratificações a gerentes depende de prévia autorização no contrato de sociedade, a qual, naturalmente assumiria forma genérica. Afigura-se-me que o carácter esporádico das gratificações torna inadequada a sua precisão no contrato. A deliberação que a atribua pode ser impugnada com fundamento no abuso. Admito, contudo, que as gratificações, pela sua importância e regularidade, constituam remunerações variáveis, susceptíveis de redução pelo tribunal.” – negro e sublinhado nosso.
H) Ora, no presente caso, estão precisamente em causa gratificações que esses sócios gerentes aqui 2º, 3º e 4º Réus atribuíram a si próprios, sem qualquer fundamentação para o efeito, excluindo delas sem fundamento o Autor.
I) Assim, ao contrário do que refere a douta sentença recorrida a realização do presente inquérito judicial não visou apenas a prestação de informação, mas acima de tudo obter, nos termos previstos no art. 255º/2 do CSC a redução da remuneração dos sócios gerentes aqui 2º, 3º e 4º Réus e respectiva restituição do excedente abusivo à sociedade. Existindo assim total coincidência entre o pedido e a respectiva causa de pedir.
J) Sendo o inquérito judicial um meio processual adequado a obter esse desiderato.
K) Consequentemente, deve ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que, considerando existir coincidência entre o pedido e causa de pedir, julgue o presente inquérito judicial procedente e, em consequência, condene os Réus no pedido.
L) De qualquer modo, se assim não se entender, constata-se que a douta sentença recorrida não se pronunciou sobre a totalidade dos factos alegados pelo Autor, quer na sua p.i., quer no seu articulado superveniente.
M) Não tendo também dado como provados factos essenciais constantes no relatório dos peritos e que fundamentam o pedido de redução das remunerações em causa nomeadamente: -A resposta ao quesito 2 dos Autores (remunerações declaradas dos 2º, 3º e 4º Réu); -A resposta ao quesito 10 dos Autores (remunerações dos gerentes da sociedade), salientando-se aqui a conclusão “Quanto à justificação das Gratificações de Balanço aos gerentes, as mesmas estão sustentadas em actas. Todavia, nas Gratificações atribuídas referentes ao período de 2007, estas foram atribuídas não tendo havido o cuidado de justificar as mesmas por exemplo pelo desempenho, número de horas trabalhadas para além das normais ou excepcional colaboração. -A resposta ao quesito 12 dos Autores (remunerações dos gerentes da sociedade), salientando-se aqui a conclusão “Quanto à justificação das Gratificações de Balanço aos gerentes, as mesmas estão sustentadas em actas. Todavia, nas Gratificações atribuídas referentes ao período de 2007, estas foram atribuídas não tendo havido o cuidado de justificar as mesmas por exemplo pelo desempenho, número de horas trabalhadas para além das normais ou excepcional colaboração.
N) A douta sentença recorrida violou ou fez uma incorrecta interpretação dos arts. 255º/2, 31º/3, 268º, todos do CSC e arts 1479º e sgs do CPC.» (sic)
Terminou no sentido de que seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que, “considerando existir coincidência entre o pedido e causa de pedir, julgue o presente inquérito judicial procedente e, em consequência, condene os Réus no pedido ou, caso se considere que não existem ainda factos suficientes, que ordene o prosseguimento dos autos, tendo em vista o apuramento da verdade”.
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Os R.R. contra-alegaram, concluindo assim:
«-O recorrente interpôs o presente recurso discordando da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo na parte considerou que não há coincidência entre o pedido do recorrente e a respetiva causa de pedir.
-Segundo o recorrente a ação de inquérito judicial a sociedade foi intentada, não só para a obtenção de informações da sociedade, como para obter sentença que declarasse que as gratificações deliberadas atribuir aos gerentes são consideradas remuneração e a sua redução.
-Acontece que, ao longo da sua petição inicial o recorrente alega e acusa os recorridos gerentes da sociedade recorrida de lhe retirarem funções e de lhe vedarem o acesso à faturação e contas bancárias e impedirem o contato com clientes. -Alega, ainda, que os recorridos gerentes da sociedade têm vindo a delapidar o património da sociedade ao deliberarem atribuir-se gratificações anuais, desde 2006, contra a vontade do recorrente.
-Recorreu, assim, ao inquérito judicial para averiguação dos factos alegados, bem como para que as gratificações recebidas pelos recorridos gerentes sejam consideradas remunerações variáveis e, assim, reduzidas.
-Nos termos do disposto no artigo 1479º, nº 1 do C.P.C., a realização de inquérito judicial à sociedade deve ser precedido de requerimento em que o interessado alegue os fundamentos do pedido do inquérito, indique os pontos de facto que interesse averiguar e requeira as providências que repute convenientes.
-O recorrente baseou toda a sua petição inicial no facto de lhe ser vedado o acesso a informações sobre a vida da sociedade mas, tal como foi decidido, o recorrente sempre teve acesso a todas as informações sobre a mesma.
-O recorrente era regularmente convocado, participava e votava nas assembleias gerais de aprovação de contas, e, por vezes, dava o seu voto favorável a atribuição de uma gratificação aos recorridos gerentes.
-Os fundamentos do pedido de inquérito não foram outros além desses.
-O recorrente não solicitou, porém, ao Tribunal a quo que investigasse se a situação da sociedade justificava, ou não, a atribuição de tais gratificações.
-Nem solicitou ao Tribunal a quo que investigasse o trabalho prestado pelos recorridos gerentes, a fim de determinar se as gratificações atribuídas eram, ou não, desproporcionais ao trabalho prestado e à situação da sociedade.
-Limitou-se a alegar que discordava da atribuição das deliberações de tais gratificações, as quais o excluíam, embora fossem por si votadas.
-Ora, os factos alegados pelo recorrente visam, todos eles, a obtenção de informações da sociedade, informações essas alegadamente não prestadas pelos recorridos gerentes.
-Tal não basta para a procedência do seu pedido de redução da remuneração dos gerentes, pois o artigo 255º, nº 2 do C.S.C. é claro ao estatuir que: ”as remunerações dos sócios gerentes podem ser reduzidas pelo tribunal, a requerimento de qualquer sócio, em processo de inquérito judicial, quando forem gravemente desproporcionadas quer ao trabalho prestado quer à situação da sociedade” (negrito nosso).
-Além de não decorrer da lei que as gratificações sejam consideradas uma forma de remuneração, o recorrente não alegou quaisquer factos que permitissem sustentar que as gratificações dos gerentes são desproporcionadas ao trabalho prestado e à situação da sociedade.
-E, nas palavras de Raúl Ventura, o artigo 255º, nº 2 do C.S.C. é claro ao exigir, como elemento fundamental para a redução da remuneração dos gerentes “a intensidade da desproporção, que deve ser grave”.
-Quanto a este requisito, essencial para o pleno cumprimento do disposto no artigo 255º, nº 2 do C.S.C., o recorrente nada alegou de concreto.
-Sempre se dirá, ademais, que bem esteve o Tribunal a quo ao referir na douta sentença recorrida que “efetivamente o Autor não invoca a falta de prestação de informação relativa a tais pagamentos, sendo que mesmo nesse caso, estes autos apenas poderiam pronunciar-se sobre a existência ou não dos mesmos, efetuada averiguação pertinente, mas nada podia dispor quanto à sua regularidade” (negrito nosso).
-É que é questão controvertida a natureza das gratificações deliberadas atribuir aos gerentes e sobre essa questão o Tribunal a quo não se poderia pronunciar no âmbito de um processo de inquérito judicial por não ser esta a forma de processo adequada a tal pretensão.
-Não havendo relação entre a causa de pedir e o pedido (quanto à redução das alegadas remunerações dos gerentes) bem decidiu o douto Tribunal a quo porque, como referem alguns autores, entre eles Mariana França Gouveia, Lebre de Freitas ou Miguel Teixeira de Sousa, a ininteligibilidade da causa de pedir enquanto fundamento do pedido ou ininteligibilidade do pedido como consequência daquela causa de pedir, implicam a improcedência do pedido.
-A causa de pedir integra os factos essenciais e, portanto, a sua falta determina a inviabilidade da ação.
-Como tal, o Tribunal a quo não poderia ter decidido diversamente, pelo que, deverá ser mantida a decisão proferida, não devendo o presente recurso proceder.» (sic)
Defende, assim, a confirmação da decisão recorrida.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II.
As questões a decidir --- excepção feita para o que é do conhecimento oficioso (art.º 660º, nº 2, do Código de Processo Civil[1]) --- estão delimitadas pelas conclusões da apelação do requerente acima transcritas (cf. art.ºs 684º e 685º-A do mesmo código, na redacção que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto).
Está para decidir se há fundamento para inquérito judicial à sociedade tendo em vista a redução da remuneração dos gerentes.
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III.
Para o efeito, foram considerados pelo tribunal recorrido, com interesse para a decisão, os seguintes factos:
1. A primeira ré é uma sociedade por quotas, com o NIPC ………, com sede na morada acima indicada, que se dedica à indústria e comércio de máquinas, com o capital social de € 105.000,00.
2. Inicialmente, esse capital social encontrava-se distribuído do seguinte modo:
a. G… detinha uma quota no valor nominal de € 15.000,00.
b. H… detinha uma quota no valor nominal de € 15.000,00.
c. B… detinha uma quota no valor nominal de € 15.000,00.
d. D… detinha uma quota no valor nominal de € 15.000,00.
e. E… detinha uma quota no valor nominal de € 15.000,00.
f. I… detinha uma quota no valor nominal de € 15.000,00.
g. F… detinha uma quota no valor nominal de € 15.000,00.
3. Todos os sócios foram nomeados gerentes no contrato de sociedade e assim continuaram, embora a primeira ré se obrigue apenas pela intervenção de dois deles.
4. No dia 5 de Abril de 2006 os então sócios gerentes G…, H… e I… renunciaram à gerência.
5. No dia 12 de Abril de 2006 os referidos sócios G… e H… cederam as suas quotas, respectivamente aos sócios gerentes E… e F….
6. Nesse mesmo dia 12 de Abril de 2006 o sócio I… dividiu a sua quota em duas, no valor nominal de € 7.500,00 cada e cedeu cada uma delas aos sócios gerentes E… e F….
7. Em 1 de Março 2010 o então sócio gerente D… renunciou à gerência.
8. O capital social da 1ª ré encontra-se actualmente distribuído do seguinte modo:
a. B…, aqui autor, detém uma quota no valor nominal de € 15.000,00.
b. D… detém uma quota no valor nominal de € 15.000,00.
c. E… detém três quotas, sendo duas no valor nominal de € 15.000,00 e uma no valor nominal de € 7.500,00.
d. F… detém três quotas, sendo duas no valor nominal de € 15.000,00 e uma no valor nominal de € 7.500,00.
9. Actualmente a sociedade primeira ré continua a obrigar-se pela intervenção de dois gerentes.
10. Na assembleia geral realizada no dia 21 de Maio de 2007 os segundo, terceiro e quarto réus deliberaram atribuir a si mesmos a quantia de € 9.600,00 a título de gratificações, excluindo delas o autor.
11. Na assembleia geral realizada no dia 31 de Março de 2010 os segundo, terceiro e quarto réus deliberaram, mais uma vez, atribuir a si mesmos a quantia de € 9.600,00 a título de gratificações, excluindo delas o autor.
12. As contas sociais relativas ao ano de 2007 foram aprovadas na presença do A. na assembleia geral da sociedade ré no dia 11.4.2008.
13. As contas sociais relativas ao ano de 2008 foram aprovadas na presença do A. na assembleia geral da sociedade ré no dia 15.4.2009.
14 As contas sociais relativas ao ano de 2009 foram aprovadas na presença do A. na assembleia geral da sociedade ré no dia 31.3.2010.
15. As contas sociais relativas ao ano de 2010 foram aprovadas na presença do A. na assembleia geral da sociedade ré no dia 27.4.2011.
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Atentando na sentença recorrida, a acção foi julgada improcedente com o fundamento de não estarem alegados factos concretos relativos à violação do dever de informação quanto à atribuição das gratificações; entendeu-se ali que, pelo contrário, resulta que o demandante é detentor de toda a informação necessária e, como tal, o procedimento não acautela o efeito útil visado que deveria ter sido acautelado em competente acção de anulação das deliberações sociais tomadas em assembleia. O inquérito destinar-se-ia a obter a prestação da informação, e essa o A. já tinha. Se a não tivesse, o procedimento de inquérito teria que ter como fim a sua obtenção e o pedido deduzido no inquérito teria que coincidir --- e não coincide --- com a sua falta (ou falsidade, incompletude ou falta de elucidação) --- art.º 216º do Código das Sociedades Comerciais.
A divergência do apelante relativamente à decisão sentenciada baseia-se, sobretudo, no alegado alheamento do tribunal relativamente a um dos fundamentos da acção. Na sua perspectiva, o tribunal julgou a acção improcedente e absolveu os R.R. por ter considerado não haver violação do dever de informação ao sócio, quando, independentemente daquela situação, deveria ter ponderado também a viabilidade do inquérito judicial com vista à redução da remuneração fixada, discriminadamente, a favor de apenas três dos então quatro gerentes.
Assim, deixando o apelante cair a questão do direito à informação, está agora para apreciar e decidir da viabilidade do inquérito para redução da remuneração dos gerentes.
O A. alegou que os 2º, 3º e 4º R.R., com o fundamento de que se empenham mais na sociedade do que ele, deliberaram atribuir a si mesmos determinada gratificação, excluindo dela o ora requerente. Contudo alegou o A. na petição inicial que, sendo também gerente, é, de entre todos, o que mais se empenha na sociedade, trabalhando arduamente todos os dias, incluindo fins-de-semana e feriados.
Invocando o nº 2 do art.º 255º do Código das Sociedades Comerciais, segundo qual “as remunerações dos sócios gerentes podem ser reduzidas pelo tribunal, a requerimento de qualquer sócio, em processo de inquérito judicial, quando forem gravemente desproporcionadas quer ao trabalho prestado quer à situação da sociedade”, já na petição inicial o A. pediu expressamente a sua redução para o valor máximo de € 1.600,00 a remuneração de cada gerente, devendo ainda os 2º, 3º e 4º R.R. restituir à sociedade 1ª R. a quantia de € 19.200,00 correspondente aos montantes das gratificações que receberam indevidamente.
Impõe-se deixar claro que a lei do processo, numa emanação do princípio da economia processual, proíbe a prática de actos inúteis (art.º 137º).
A necessidade de formulação de um pedido (princípio do pedido) pelo interessado na resolução de um litígio que implique a aplicação do direito privado está fixada, entre outras normas, nos art.ºs 3°, 467°, nº l, al. d), e 661°. Esta última norma, localizada na regulamentação da sentença, apenas vem esclarecer aquilo que já resultava daquelas disposições, não podendo o juiz sobrepor-se à vontade das partes. Estas, através do pedido, circunscrevem o “thema decidendum”, isto é, indicam a providência requerida, não tendo o juiz que cuidar de saber se à situação real conviria ou não providência diversa. Daí que a sentença se deva inserir no âmbito do pedido, não podendo o juiz, por regra, condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir.
Numa leitura conjugada dos art.ºs 215º, nº 2 e 216º do Código das Sociedades Comerciais, em caso de recusa de informação ou de prestação de informação presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa, pode o sócio interessado provocar deliberação dos sócios para que a informação lhe seja prestada ou seja corrigida. E caso esta lhe seja recusada, ou tendo-a recebido presumivelmente falsa, incompleta ou não elucidativa, o sócio pode requerer ao tribunal inquérito à sociedade, visando, justamente, a obtenção de informação adequada, de modo a garantir um exercício esclarecido dos seus direitos sociais.
Mas a possibilidade de inquérito judicial não se esgota na realização do direito à informação (art.ºs 292º, 181º, nº 6, 450º, 216º, 292º, nºs 2 e 6). Várias situações existem em que a lei faculta ao sócio o procedimento de inquérito judicial, como é o caso de falta de apresentação das contas do exercício (art.º 67°) ou recusa da sua aprovação (art.º 68°, nº 2); deliberação ilícita de distribuição de bens aos sócios (art.º 31º, nº 3); e ainda, na situação que aqui cabe discutir, de redução da remuneração dos gerentes (art.º 255°, nº 2, todos eles do Código das Sociedades Comerciais).
Pese embora, em larga medida, o A. invoque na petição inicial a sonegação de informação quanto aos negócios da sociedade, mas resultando dali também que está informado quanto ao estabelecimento das gratificações a favor dos 2º, 3º e 4º R.R., respectivos montantes e deliberações que estão na base da sua atribuição e em que também participou --- sendo o A. não apenas sócios, mas também gerente --- a questão é saber se, uma vez pedida a redução daquelas remunerações, o A. alegou fundamento adequado a tal efeito e se a acção tem viabilidade ao abrigo do citado art.º 255º.
Como vimos, o nº 2 daquele preceito legal dispõe que “as remunerações dos sócios gerentes podem ser reduzidas pelo tribunal, a requerimento de qualquer sócio, em processo de inquérito judicial, quando forem gravemente desproporcionadas quer ao trabalho prestado quer à situação da sociedade”.
O que o A. alega é que aqueles R.R. atribuíram gratificações a eles próprios com o falso argumento de que se empenham mais na sociedade do que o A. Mas é o requerente que, na realidade, trabalha arduamente todos os dias mais de 10 horas, incluindo fins de semana e feriados, ficando excluído desse benefício.
Receberam, assim, além da remuneração regular fixada em € 1.600,00 e não obstante a falta de acordo do A., por deliberação de Maio de 2007, mais € 3.200,00 cada um daqueles três R.R., a que acresceram € 3.200,00 por nova deliberação tomada em assembleia geral de 31.3.2010, sempre em detrimento do A.
Verifica-se assim que, apesar de nada mais referir de relevante nesta matéria, a verdade é que a questão da informação não foi a única suscitada no inquérito e que, em face do respectivo pedido, a acção se situa, sobretudo, no âmbito do fundamento legal do referido art.º 255º, nº 2.
Temos para nós que, sendo as gratificações pecuniárias a favor dos gerentes prestações patrimoniais esporádicas, como ocorre no caso, não deixam de ser também uma forma de remuneração --- em dois momentos distintos foi atribuída, em assembleia geral de sócios, aos 2º, 3º e 4º R.R., duas quantias com fundamento em maior empenho funcional --- e, como tal, são susceptíveis de redução nos termos do referido nº 2 do art.º 255º.
Pode acontecer que o sócio-gerente, ao votar sobre a sua remuneração[2], se oriente não pelo interesse social, mas pelo seu próprio interesse, procurando obter vantagens especiais em prejuízo da sociedade ou de outros sócios. Tal situação conduz à análise do abuso do direito de voto[3].
O art.º 58º, nº 1, al. b), do Código das Sociedades Comerciais, dispõe que são anuláveis as deliberações que “sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos”.
J. M. Coutinho de Abreu[4] defende que “em regra, uma deliberação social é abusiva quando, sem violar específicas disposições da lei ou dos estatutos da sociedade, é susceptível de causar ao(s) sócio(s) minoritário(s) um dano --- a que corresponde, ou uma não desvantagem, ou uma vantagem para o(s) sócio(s) maioritário(s) ---, assim se contrariando o interesse social”.
Sendo o direito de voto atribuído aos sócios para realização do fim ou objecto social, se tal desiderato for contrariado com vista à obtenção de vantagens especiais para os votantes ou para terceiros, existe abuso do direito de voto, sendo anulável a respectiva deliberação. Mas, como se refere no citado acórdão desta Relação[5], “não é, sem mais, abusiva a deliberação da maioria apenas susceptível de causar um dano à sociedade ou aos outros sócios na prossecução de vantagens especiais, mas somente aquela que traduza esta ideia na forma ou na dimensão de um excesso manifesto, abrindo margem à situação de clamorosa injustiça de que falam os autores e quanto à qual, só verificada ela, poderá fazer-se disparar a eficácia reparadora do abuso do direito”. A deliberação, para ser abusiva, tem de envolver, no seu contexto, as proporções de um excesso manifesto --- art.º 334º do Código Civil --- sendo necessário, para o efeito, conhecer bem a situação da sociedade no momento da fixação da remuneração e a extensão e complexidade das funções desempenhadas pelos gerentes, até porque, nas sociedades anónimas e nas sociedades por quotas a remuneração dos administradores e gerentes está sujeita, na sua fixação, ao critério da adequação às funções e à situação da sociedade[6].
Se bem que lhe esteja também subjacente a ideia de abuso de direito, o procedimento utilizado pelo A., com base no dito art.º 255º, nº 2, não se destina a por em causa a validade das deliberações sociais que sustentam a atribuição das gratificações ou a aprovação de contas relativamente aos anos económicos em que aquelas tiveram lugar, mas apenas a obter a redução, pela via judicial, da remuneração assim atribuída. Ao recorrer a este mecanismo, como meio alternativo do processo de anulação da deliberação social, o requerente não pode deixar de demonstrar no inquérito que as remunerações atribuídas são gravemente desproporcionadas quer ao trabalho prestado, quer à situação da sociedade. E só em face de cada caso concreto se pode avaliar essa desadequação e desproporcionalidade.
O que o demandante alega é que se sente discriminado relativamente aos outros gerentes; que sendo merecedor de gratificação superior por ser ele também o que mais trabalhou, vê os outros atribuírem-se aquela remuneração com o argumento (falso, na sua perspectiva) de que mais contribuíram para o património social.
Alega que nada justifica a atribuição das referidas gratificações que, por isso, devem ser restituídas à sociedade. Ou seja, o requerente, apesar de alegar que trabalha mais do que os outros sócios gerentes, não ambiciona auferi-las; antes pretende que sejam retiradas aos 2º, 3º e 4º sócios gerentes, recolocando, o tribunal, a sua remuneração pelo valor fixo a todos atribuído de € 1.600,00.
Note-se que não é, propriamente, de discriminação dos gerentes que a norma do art.º 255º, nº 2, trata.
O A. não discute a situação da sociedade, como que aceitando a compatibilidade de valores entre a atribuição das gratificações e a situação económica e financeira da 1ª R. O património desta está apto a suportar aquelas atribuições ou, pelo menos, o A. aceita que não existe grave desproporção entre o valor das gratificações atribuídas e o nível patrimonial da sociedade.
Contudo, poderá existir grave desproporção entre o valor das gratificações e o trabalho prestado pelos gerentes beneficiários. Um indício da desproporção poderá resultar do facto de gerentes menos trabalhadores, com menor dedicação à sociedade e produtividade inferior serem remunerados por valores superiores a outro gerente, mais dedicado, mais trabalhador, mais produtivo.
Impõe-se recorrer à prova documental e pericial produzida no processo, sendo que, por despachos de fl.s 119 e 129, foi expressamente indeferida a produção de quaisquer outras provas, designadamente por confissão e testemunhal; decisão que formou caso julgado formal (art.º 672º, nº 1).
Tratamos de um processo de jurisdição voluntária (art.º 1409º e seg.s e 1479º e seg.s). O tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas que julgar convenientes para uma boa resolução do caso. Quer isto significar que, dada a sua natureza, impera nesta jurisdição o princípio da actividade inquisitória do juiz sobre o princípio da actividade dispositiva das partes.
Enquanto na jurisdição contenciosa o juiz, por regra, só pode servir-se dos factos fornecidos pelas partes[7], na jurisdição voluntária pode utilizar factos que ele próprio capte e descubra. O material de facto, sobre que há-de assentar a resolução, é não só o que os interessados ofereçam, senão também o que o juiz conseguir trazer para o processo pela sua própria actividade[8].
Assim, ainda que sejam parcos, pouco ou deficientemente concretizados os “fundamentos do pedido de inquérito” ou os “pontos de facto que interesse averiguar” e que o requerente está obrigado a indicar no seu requerimento inicial, nem por isso o tribunal está impedido de averiguar autonomamente os factos procurando a justiça do caso, sem os critérios rígidos das normas gerais e abstractas.
Contendo os autos todas as provas admitidas, vejamos o que delas se extrai de relevante para efeitos de aplicação do art.º 255º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais, para além do que foi dado como provado pelo tribunal a quo. Releva aqui, fundamentalmente, a prova pericial produzida, assim, o teor do respectivo relatório.
Analisadas as respostas aos quesitos do A. dadas pela perícia colegial, desde logo se compreende que o A. não tenha concretizado na petição inicial a existência de desproporção entre o valor das gratificações atribuídas aos 2º, 3º e 4º R.R. e a situação patrimonial da 1ª R. Esta sociedade tem um volume de negócios bastante razoável e não tem encargos financeiros que dificultem a sua actividade. Tem, aliás, feito distribuição anual de lucros pelos sócios, na proporção das suas quotas, em valores que atingiram a quantia de € 45.000,00 no ano de 2009, e de € 110.000,01 em 2010. Neste último ano ainda foram distribuídos, antecipadamente, outros lucros no valor de € 55.000,00.
No quadro pericial traçado não é compreensível a afirmação que o A. faz na petição inicial e nas alegações de recurso de que “os segundo, terceiro e quarto réus têm vindo, desde há vários anos (pelo menos cinco) a delapidar o património da sociedade, lesando assim de forma grave os interesses do autor”. Se delapidação existisse, seria do património social em função dos valores distribuídos a título de lucros, também pelo A., não propriamente em razão do valor das gratificações aos gerente, de que, aliás, o A. também já beneficiou pelo valor de € 1.500,00, por referência ao ano de 2007, conforme resulta da resposta ao quesito 12º, então em circunstâncias que determinaram que igual valor fosse atribuído aos demais gerentes.
Volvendo ao requisito da grave desproporção entre as gratificações atribuídas aos 2º, 3º e 4º R.R. e o trabalho por eles prestado, o relatório pericial é inconclusivo, como inconclusivo é o conjunto da prova documental produzida.
Como facto constitutivo do seu direito e pese embora o reforço do inquisitório ditado pela natureza do procedimento, impende sobre o A. a prova dos factos constitutivos do seu invocado direito (e não sobre os R.R. o facto contrário) a obter a favor da 1ª R. a redução da remuneração atribuída em dois momentos distintos em benefício dos 2º, 3º e 4º R.R. gerentes, com exclusão do A., mais concretamente a eliminação das gratificações e fixação da remuneração pelo valor previamente estabelecido a esse título também a favor do demandante (€ 1.600,00).
O art.º 1410º do Código de Processo Civil determina que nos processos de jurisdição voluntária será tomada a decisão julgada mais conveniente e oportuna, sem estrita subordinação a critérios de legalidade, mas essa norma não serve para derrogar a razão de existência do processo especial de inquérito judicial a sociedade.
Não demonstrando a parte o facto que lhe aproveita (art.º 342º, nº 1, do Código Civil), o juiz não pode deixar de o considerar como não existente. Este ónus traduz-se para a parte a quem compete, no encargo de fornecer a prova do facto visado, incorrendo nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova; ou na necessidade de, em todo o caso, sofrer tais consequências se os autos não contiverem prova bastante desse facto[9].
Com efeito, não tendo sido feita prova de que os referidos 2º, 3º e 4º R.R. não trabalharam mais do que o A., que o sua prestação funcional foi igual ou inferior à do demandante e que nada justifica as gratificações concedidas ou que apenas se justifica gratificação inferior, é manifesto que o pedido não pode proceder, ainda que apenas em parte. Na verdade, pela prova produzida, não é de excluir que tenha existido da parte daqueles R.R. uma dedicação, colaboração e empenho superiores aos do A., a justificar as ditas gratificações, conforme, aliás, foram justificadas em acta, em termos que o A. não contrariou.
Quaisquer irregularidades das convocatórias ou insuficiência na concretização da justificação da atribuição das gratificações não impediram o A. de participar nas deliberações, em assembleia geral de sócios, que também não impugnou.
O A. alega ainda que fundamentou também o seu pedido na “deliberação ilícita de distribuição de bens aos sócios, nos termos do art.º 31º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais. Todavia, não explica onde está a distribuição ilícita de bens e nada se alegou nem provou que a pudesse caracterizar.
Aliás, têm vindo a ser distribuídos lucros de balanço pelos sócios, na proporção das suas quotas, sem discriminação do A., tudo indicando que a situação da empresa o permite como lucros distribuíveis. Como o próprio A. reconhece, o que está aqui em causa é a remuneração de gerentes sob a forma de gratificação; não a distribuição de bens nem de lucros da sociedade pelos sócios (art.ºs 32º e 33º do Código das Sociedades Comerciais).
Basta uma leitura da petição inicial para verificar que o A. apenas fundamenta a sua pretensão e requereu inquérito judicial com base na violação do seu direito à informação (art.º 216º do Código das Sociedades Comerciais) e no pagamento de gratificações a reduzir (art.º 255º do mesmo código).
As gratificações decididas em assembleia geral de sócios a favor da gerência de certos sócios, nada têm a ver com os art.ºs 32º e 33º do Código das Sociedades Comerciais, não podendo confundir-se com a distribuição de bens e de lucros[10].
Não vemos, pois, como considerar que no caso, houve uma ou mais deliberações ilícitas de distribuição de bens aos sócios. Logo, não se verificam os pressupostos de inquérito judicial previstos no art.º 31º, nº 3, ainda do Código das Sociedades Comerciais.
Nesta decorrência, impõe-se a improcedência da apelação, sendo de manter a sentença recorrida.
*
SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1- A possibilidade de inquérito judicial à sociedade não se esgota na realização do direito à informação (art.ºs 292º, 181º, nº 6, 450º, 216º, 292º, nºs 2 e 6). Várias situações existem em que a lei faculta ao sócio o procedimento de inquérito judicial, como é o caso de falta de apresentação das contas do exercício (art.º 67°) ou recusa da sua aprovação (art.º 68°, nº 2); deliberação ilícita de distribuição de bens aos sócios (art.º 31º, nº 3); e ainda, no que aqui releva, de redução da remuneração dos gerentes (art.º 255°, nº 2, todos eles do Código das Sociedades Comerciais).
2- No inquérito judicial destinado a reduzir a remuneração de alguns gerentes pela eliminação de gratificações atribuídas em assembleia geral, com devolução do respectivo valor à sociedade, a acção improcede se o autor não provar ou da investigação judicial não resultar (dada a natureza de jurisdição voluntária do procedimento) que essa remuneração esporádica de gerentes foi abusiva, por gravemente desproporcionada quer ao trabalho prestado quer à situação da sociedade.
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IV.
Nestes termos, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se e mantendo-se a sentença recorrida.
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Custas pelo apelante.
Porto, 11 de Julho de 2012
Filipe Manuel Nunes Caroço
Teresa Santos
Maria Amália Pereira dos Santos Rocha
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[1] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem.
[2] Tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência que o pode fazer, sem que nisso haja conflito de interesses (cf. acórdão da Relação do Porto de 25.11.1997, Colectânea de Jurisprudência, T. V, pág. 202, citando, entre outros, Vaz Serra, in RLJ, Ano 108-244).
[3] Neste sentido, referido acórdão da Relação do Porto de 25.11.1997.
[4] Do Abuso de Direito, 1983, pág. 136.
[5] Citando Pinto Furtado, Das deliberações Sociais, pág. 389.
[6] Ide, Vaz Serra, pág. 246.
[7] Embora seja cada vez maior a actividade oficiosa.
[8] Doutrina que não oferece controvérsia. Já assim se entendia no Código de Processo Civil de 1939 (Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. II, pág. 399).
[9] Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 184; Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág. 448.
[10] Acórdão da Relação do Porto de 13.6.1991, JTRP00002085, in www.dgsi.pt.