CESSÃO DE CRÉDITO
HABILITAÇÃO DE CESSIONÁRIO
EFICÁCIA E MOMENTO DA NOTIFICAÇÃO
Sumário

4.1. Após a outorga do contrato a que alude o nº1, do artº 577º, do CC, produz-se de imediato uma modificação subjectiva no vínculo obrigacional, correspondente à substituição do credor originário por um novo credor, mantendo-se os demais elementos da relação obrigacional (objecto e sujeito passivo), isto é, os efeitos da cessão produzem-se imediatamente entre as partes;

4.2. Não obstante o referido em 4.1., carece porém a cessão do crédito, para ser eficaz em relação ao devedor, de lhe ser comunicada/notificada, sendo-lhe até ao referido momento inoponível;

4.3. - A comunicação ao devedor , referida em 4.1., podendo ser feita extrajudicialmente, pode outrossim considerar-se realizada através da notificação a que alude o artº 356º.nº1, alínea a), e em sede de incidente de habilitação do adquirente ou cessionário.

Texto Integral

Acordam os Juízes na 6ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de LISBOA
1.- Relatório.                        
Em acção executiva a correr termos no Tribunal de Família e Menores e da Comarca de Cascais,  e em que figura como exequente A ( Caixa…..,SA ), e , como executada, B, veio por apenso à referida execução a requerente C, deduzir incidente de habilitação de cessionário.
1.1. - Para tanto, alegou, em síntese, que :
1. Por contrato de cessão de créditos, celebrado por escritura pública em 17 de Outubro de 2013, a A, com sede em Lisboa, cedeu  o(s) crédito(s) que detinha sobre o(s) requerido(s) e todas as garantias acessórias a ele inerentes, à requerente C;
2. A referida cessão incluiu a transmissão de todos os direitos e garantias acessórias inerentes ao(s) créditos(s), designadamente garantias pessoais, avales aceites e fianças.
3. Em conformidade, deve o presente Incidente ser julgado procedente, por provado e, consequentemente, ser a Habilitante julgada habilitada no lugar de A para prosseguir a execução, como Exequente ,com as respectivas consequências legais.
1.2. - Notificada a requerida/executada B, veio a mesma deduzir oposição, invocando a não idoneidade do documento junto aos autos pela requerente com vista à prova da cessão e, bem assim, a circunstância de em momento algum lhe ter sido comunicada a alegada cessão.
Termina a requerida por impetrar que o incidente seja julgado improcedente, não sendo deferida a requerida HABILITAÇÃO.
1.3.- Após resposta da requerente,  e conclusos os autos, proferiu de imediato a Exmª Juiz titular decisão que pôs termo ao incidente de habilitação, decidindo-o e sendo a mesma do seguinte teor (SIC):
“(…)
Por apenso aos autos de execução sumária C veio requerer a sua habilitação para continuar a causa no lugar do exequente A alegando, para tal e em síntese, que o exequente lhe cedeu, no que ora releva, o crédito de que era titular e que deu origem aos autos principais de execução, bem como todos seus acessórios e garantias.
Foram juntos aos autos documentos.
Não foi deduzida oposição à habilitação.
                                                           *
O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
Não existem nulidades que invalidem todo o processo.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não existem questões prévias, excepções dilatórias ou nulidades de que cumpra conhecer e que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa.
                                                           *
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
Do teor dos documentos juntos aos autos resultam provados os factos alegados pela requerente relativos à existência da cessão de créditos feita pela exequente àquela.
Face a tal e atento o disposto no art° 376º, do CPCivil deve proceder a habilitação requerida.
 *
Em conformidade com o exposto, julgo habilitada a C como sucessora do exequente para, no lugar deste, prosseguir nos autos de principais de execução na qualidade de exequente.
Custas pela requerente as quais se fixam pelo mínimo.
Registe e notifique.
Oeiras, ds
1.4. - Da decisão identificada em 1.3., porque da mesma discordando, e inconformada, apelou então a executada/requerida B, alegando e formulando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões:
1- A douta Sentença refere que não foi deduzida oposição à habilitação quando a mesma foi apresentada a 15/05/2017 ( Refª Citius n° 9846149 ) ;
 2- O Tribunal deveria ter-se pronunciado sobre as questões suscitadas na oposição, o que configura a NULIDADE da Sentença, nos termos do artigo 615, n° 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
3- Sem conceder, os documentos juntos pela habilitante não refere o crédito dos presentes autos.
4- Os documentos que foram juntos pela habilitante , não são idóneos para deferir a habilitação.
5 - Não resulta provado que a cessão de créditos tenha sido comunicada à requerida, nem está alegado a data em que o teria sido.
6- A recorrente não aceita a alegada cessão de créditos, nem a mesma não produz efeitos quanto a esta, nos termos do disposto no art. 583° do Código Civil.
Termos em que se requer a V.Exa s que seja concedido provimento ao presente recurso, declarando-se nula a Sentença e devolvendo-se o processo ao Tribunal de 1ª instância, para que se faça JUSTIÇA!
Destarte V. Exa s, Venerandos Juízes Desembargadores, no mais douto e sapiente critério, farão como é hábito a melhor e mais esclarecida Justiça.
1.5.- Não consta dos autos que tenham sido apresentadas Contra-Alegações.
1.6. - Tendo a Exmª Juiz a quo omitido o despacho previsto no nº1, do artº 617º, do CPC, não se determinou - apenas por razões de celeridade e não indispensabilidade - a baixa dos autos .
                                                           *
1.7. - Thema decidendum
           Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que , estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil ), e sem prejuízo das questões de que o tribunal de recurso possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir  resumem-se às seguintes  :
a) Aferir se a sentença recorrida deverá ser considerada nula, nos termos do disposto no artigo 615, n° 1, alínea d), do Código de Processo Civil,
b) Apurar se a decisão apelada se impõe ser revogada.
                                                           ***
2. - Motivação de Facto.
Para além da matéria a que se alude no relatório que antecede, no que à tramitação dos autos concerne, nada mais importa ainda atentar, sendo que, da decisão apelada, não consta a indicação expressis verbis de qual a factualidade provada , nos termos do disposto no artº 607º,nº3, ex vi, do artº 295º, do CPC.
                                                           *
3. - Motivação de direito.
3.1.- Se a sentença recorrida deverá ser considerada nula, nos termos do artigo 615, n° 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
Considera a apelante B, que padece a sentença recorrida do vício de nulidade subsumível à primeira parte da alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, essencialmente pelas seguintes razões, a saber :
Primo - Em sede de decisão/sentença não se pronunciou o tribunal a quo sobre a questão invocada na oposição, relacionada com a inidoneidade do documento junto pela apelada para provar a cessão, a que acresce que dele não consta sequer o crédito dos presentes autos ;
Secundo - Ainda em sede de decisão/sentença, não apreciou também a Exmª Juiz a quo a questão atinente à não comunicação da cessão,  e , consequentemente, da insusceptibilidade de a mesma produzir efeitos quanto à requerida.
Não tendo o tribunal a quo apreciado/conhecido do vício de nulidade arguido, cumprindo o disposto no nº1, do artº 617º, do CC, e impondo-se decidir da respectiva verificação, importa antes de mais tecer breves considerações sobre a ratio da norma do artº 615º, do CPC, maxime sobre a alínea d), do respectivo nº 1.
Ora bem.
De imediato, pertinente é não olvidar que as causas de nulidade da sentença são de previsão/enumeração taxativa (1), estando as mesmas ( quais nulidades especiais (2) ) discriminadas no nº1, do artº 615º, do actual CPC, razão porque forçoso é que qualquer vício invocado como consubstanciando uma nulidade da sentença, para o ser, deve necessariamente integrar o tatbestand de qualquer uma das alíneas do nº1, da citada disposição legal.
Depois, importante é outrossim ter sempre em atenção que, como é consabido, não faz de todo qualquer sentido incluir-se no âmbito das nulidades de sentença um qualquer erro de julgamento ( de facto e/ou de direito) , confundindo o mero in procedendo, ou erro formal ( que é o que está em causa no âmbito do artº 615º, do CPC), com o erro in judicando, ou erro no julgar, quer em sede de interpretação da lei, quer no âmbito da incorrecta subsunção dos fatos ao plano abstracto da norma.
Isto dito, reza a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento “.
O vício/nulidade referida, mostra-se em consonância com o dever que recai sobre o Juiz de, em sede de sentença , resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, servindo de cominação ao seu desrespeito (3).
Sobre o Juiz recai , portanto, no dizer de Lebre de Freitas e outros (4), a obrigação de apreciar/conhecer “ todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de  todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (…), sendo que, a ocorrer uma tal omissão de apreciação/conhecimento, e, não estando em causa a mera desconsideração tão só de eventuais “(…) linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença e que as partes hajam invocado (…)“,  então o “ não conhecimento do pedido , causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outras questões, constitui nulidade”.
Porém, importa não olvidar que, como há muito advertia José Alberto dos Reis (5), não se devem confundir factos (fundamentos ou argumentos) com questões (a que se reportam os artigos 608.º, n.º 2, e 615º, n.º 1, alínea d), do CPC) a resolver, pois que uma coisa é não tomar conhecimento de determinado facto invocado pela parte, e , outra completamente distinta, é não tomar conhecimento de determinada questão submetida à apreciação do tribunal.
Em rigor, para nós e em termos conclusivos, dir-se-á que as questões a que alude a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, mais não são do que as que alude o nº2, do artº 607º, e artº 608º, ambos do mesmo diploma legal, e que ao Tribunal cumpre solucionar, delimitando-se e emergindo as mesmas da análise da causa de pedir apresentada pelo demandante e do seu confronto/articulação com o pedido que na acção é formulado.
Ou seja, e dito de um outro modo, não se confundindo é certo as questões a resolver pelo juiz em sede de sentença com quaisquer argumentos e razões que as partes invoquem em defesa das suas posições, o correcto/adequado será em rigor considerar-se que o vocábulo “questões” a que alude a alínea d), do nº1, do artº 615º, do CPC, mostra-se empregado na lei adjectiva com o sentido equivalente a “questões jurídicas” ainda carecidas de resolução, impondo-se que no âmbito das mesmas seja dada prioridade às questões de natureza processual que ainda estejam por resolver (nulidades, excepções dilatórias ainda por apreciar ou outras questões de natureza processual que interfiram no resultado), e , sem embargo da apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso, deve o juiz limitar-se a apreciar as que foram invocadas, evitando, deste modo, a nulidade da sentença por excesso de pronúncia, nos temos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine.(6)
Postas estas breves considerações, manifesto se nos afigura, desde logo, que no essencial, e ainda que de uma forma bastante perfunctória, apreciou a decisão apelada a questão  que ao tribunal a quo importava resolver, qual seja a relacionada com a alegada cessão do crédito exequendo para a requerente da habilitação, considerando para tanto a primeira instância que o documento junto aos autos provava/demonstrava a invocada cessão.
É certo que, relativamente à alegada ( pela ora apelante ) não comunicação da cessão à devedora/executada, nada se diz na decisão apelada, quer em termos de facto [ se tal notificação foi ou não efectuada ], quer em termos de direito, designadamente não se pronunciou o tribunal a quo sobre a respectiva e eventual relevância em sede de mérito do incidente de habilitação.
Porém, porque é nosso entendimento que a notificação do devedor da cessão do crédito não consubstancia facto constitutivo do direito do cedente, mas mera condição de eficácia em relação ao devedor [ cfr. v.g. Assunção Cristas (7) ], ou seja, não integra a causa de pedir da pretensão do cedente,  manifesto é que não padece a decisão apelada do vício adjectivo a que alude a alínea d), primeira parte, do nº1,do artº 615º, do CPC.
É que, como é entendimento praticamente uniforme da melhor doutrina, a cessão e a correspondente modificação subjectiva operada na relação creditícia opera-se com a outorga do acordo causal ( v.g. o contrato atípico, compra e venda de créditos, factoring, doação, trespasse, etc.), sendo a sua notificação ou a aceitação mera condição de eficácia externa em relação ao devedor, ou seja, a partir da referida notificação da cessão, a titularidade do crédito passa para a esfera do cessionário, pelo que o devedor apenas se desobriga se efectuar a este a prestação. (8)
E, não  estando em causa matéria atinente à causa de pedir da pretensão do habilitante/cessionário,  e , muito menos , questão de excepção invocada pelo devedor/parte contrária [ ademais, sendo o conhecimento pelo devedor da cessão mero elemento relevante quanto à eficácia da cessão e ao momento a que se reporta, nada obsta a que a notificação a que alude a alínea a), do nº1,do artº 356º, do CPC , possa e deva também valer como notificação para efeitos do nº1, do artº  583º, do CPC (9) ], inevitável é concluir que falecem in totum as conclusões recursórias atinentes à NULIDADE da decisão apelada com fundamento no disposto na alínea d), primeira parte, do nº1,do artº 615º, do CPC..
Ou seja, não deixou o juiz de pronunciar-se sobre efectivas questões[atinentes à causa de pedir e/ou a efectivas excepções invocadas na oposição,]  que devesse apreciar, logo, não é a decisão recorrida NULA com fundamento no referido vício.
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3.2. -  Do mérito do incidente de habilitação.
Se à apelante assistia toda a pertinência para, em relação à decisão apelada, dirigir uma qualquer censura de natureza adjectiva, a mesma seria a de falta de FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO [ ou seja, a da alínea b),primeira parte, do nº1, do artº 615º, do CPC, que não a da alínea d). primeira parte, do mesmo normativo ], pois que, para todos os efeitos, dizendo-se na decisão recorrida que “ Do teor dos documentos juntos aos autos resultam provados os factos alegados pela requerente relativos à existência da cessão de créditos feita pela exequente àquela “, manifesto [ porque não se enumeram factos, antes se formula um juízo ou conclusão jurídica ] é que não se observa nela o comando do artº 607º, nº3, ex vi, do artº 295º, do CPC, ou seja, não consta - como devia - da decisão recorrida a discriminação dos factos provados.
Porém, porque não foi o aludido vício adjectivo invocado, e  ,relativamente ao conhecimento do mesmo ( como a todos os outros previstos nas alíneas b) a e) , do nº1, do artº 615º, do CPC ), falecem ao ad quem faculdades oficiosas, carecendo a respectiva apreciação da arguição das partes interessadas, nada se nos impõe aduzir.
Seja como for, sempre se adianta que pertinente não é considerar que o documento junto pela requerente C  não  é idóneo para a prova da cessão do crédito exequendo, porque é-o [ em causa está uma escritura pública lavrada em 17 de Outubro de 2013, entre a A, com sede em Lisboa, e a requerente C ],  e  , ademais, dos documentos juntos a fls. 102 e 114 dos autos decorre outrossim que o crédito exequendo é também um dos que foi objecto de cessão pela A, para a requerente C .
Por outra banda, e independentemente da prova da efectiva comunicação da cessão à devedora/apelante [ nos termos do nº1, do artº 583º, do CC ], e de resto como acima já o referimos, a verdade é que a cessão de créditos, como negócio jurídico de transmissão da titularidade de direitos de crédito, configura um contrato pelo qual o credor transmite a terceiro um direito de crédito, independentementedo consentimento do respectivo devedor  [ cfr. art. 577º, nº1, do Código Civil ].
Ou seja, após a outorga do contrato a que alude o nº1, do artº 577º, do CC, produz-se de imediato uma modificação subjectiva no vínculo obrigacional, correspondente à substituição do credor originário por um novo credor, mantendo-se os demais elementos da relação obrigacional (objecto e sujeito passivo), isto é, os efeitos da cessão produzem-se imediatamente entre as partes, isto é, por mero efeito do contrato ( cfr. art.º  406º, do CC ). (10)
É vero que, em razão do disposto no artº 583º, do CC, os efeitos da cessão não se produzem de imediato em relação ao devedor , mas tão só aquando do seu conhecimento [ estando a respectiva ratio relacionada com a  necessidade e o interesse do devedor em saber, a cada momento, quem é o seu credor pois que, em princípio, não admite a lei eficácia liberatória da prestação feita ao credor aparente, havendo, enfim, que proteger a boa fé do devedor que confia na aparência de estabilidade subjectiva do contrato ] pelo mesmo devedor, estando assim a eficácia da cessão em relação ao devedor dependente do seu conhecimento que o crédito foi cedido.
Porém, e como é entendimento já sufragado pelo STJ (11), o aludido conhecimento pode revelar-se de várias maneiras , entre as quais destaca-se é certo a notificação de um dos contraentes da cessão , mas , pode igualmente verificar-se  também por via da citação para a acção,  e , no nosso entendimento, também com a notificação a que alude a alínea a), do nº1, do artº 356º, do CPC, pois que, a partir do referido momento, deve considerar-se a cessão como plenamente eficaz, com a consequente exigibilidade do crédito exequendo pela requerente cessionária [ in casu a apelada C].
É que, como bem se nota no referido Ac. do STJ de 3-6-04 , se a notificação da cessão se destina tão só a tornar a cessão de créditos eficaz em relação ao devedor, tendo em vista, além do mais, evitar que a satisfação da prestação seja feita ao primitivo credor, nada obsta a que tal efeito se produza através da própria citação para a acção executiva ou declarativa [ como o defende também Assunção Cristas (12) ],  ou , no nosso entendimento, com a própria notificação a que alude a alínea a), do nº1, do artº 356º, do CPC.
O referido entendimento é também aquele que, e socorrendo-nos dos pertinentes termos utilizados em Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-11-2016 (13) conduz a uma solução que, além de melhor integrar a natureza e eficácia da notificação do devedor, faz jus à natureza instrumental que essencialmente deve ser atribuída ao direito adjectivo.
Ou, dito de uma outra forma (14) “ numa altura em que tanto se clama contra o excesso de formalismo burocrático e em que se pede aos Tribunais que promovam os objectivos inscritos no art. 20º da CRP e no art. 2º do CPC, revela-se insustentável “  pugnar por uma solução que, “ sobrevalorizando um aspecto claramente secundário no âmbito do direito material, acabaria por confrontar a exequente-cessionária com a necessidade de instaurar nova execução, com o mesmo objectivo, contra os mesmos executados, apesar de estes já terem ficado inequivocamente cientes da existência da cessão de créditos e da identidade do novo credor/cessionário”.
Mas, acrescenta-se ainda neste último e douto Ac. citado,  se a defesa de uma solução contrária dificilmente suporta o confronto com elementos formais, menos ainda encontra justificação em face de argumentos de ordem racional atinentes quer à função da notificação na cessão de créditos, quer à função do processo executivo.”
Em conclusão, e em face de tudo o acabado de aduzir, e sem necessidade de mais considerações,  inevitável é, assim, a improcedência do recurso interposto pela apelante.
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4.-  Concluindo  ( cfr. nº 7, do artº 663º, do CPC):
4.1.- Após a outorga do contrato a que alude o nº1, do artº 577º, do CC, produz-se de imediato uma modificação subjectiva no vínculo obrigacional, correspondente à substituição do credor originário por um novo credor, mantendo-se os demais elementos da relação obrigacional (objecto e sujeito passivo), isto é, os efeitos da cessão produzem-se imediatamente entre as partes;
4.2. - Não obstante o referido em 4.1., carece porém a cessão do crédito, para ser eficaz em relação ao devedor, de lhe ser comunicada/notificada, sendo-lhe até ao referido momento inoponível;
4.3. - A comunicação ao devedor , referida em 4.1., podendo ser feita extrajudicialmente, pode outrossim considerar-se realizada através da notificação a que alude o artº 356º.nº1, alínea a), e em sede de incidente de habilitação do adquirente ou cessionário .
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5. - Decisão.
Em face de tudo o supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de LISBOA , em , não concedendo provimento ao recurso de apelação apresentado executada B:
5.1. - Confirmar a decisão recorrida;
                                                           *
Custas pela apelante, mas sem prejuízo do apoio judiciário.
                                                       
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(1) Cfr. Antunes Varela e outros, in Manual de Processo Civil, 1984 , Coimbra Editora, págs. 668 e segs..
(2) Cfr. Luís Filipe Brites Lameiras, in Notas Práticas Ao Regime dos Recursos Em Processo Civil, 2ª Edição, Almedina, pág. 33.
(3) Cfr. v.g. o Ac. do STJ de 6/5/2004, disponível in www.dgsi.pt.
(4)  In Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pág. 670.
(5) In Código do Processo Civil Anotado, vol.V, Coimbra Editora, págs. 143-145.
(6) Cfr. ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Juiz-Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, in sentença Cível, texto-base da intervenção efectuada nas “Jornadas de Processo Civil” organizadas pelo CEJ, em 23 e 24 de Janeiro de 2014.).
(7) In Transmissão Contratual do Direito de Crédito, Almedina, Colecção Teses de Doutoramento, 2005, pág. 133.
(8) Vide v.g.  Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, II vol., 7ª ed., págs. 310 e segs., e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, pág. 22,
(9) Ainda que aludindo à citação para a acção [ a citação para a acção de condenação no pagamento do crédito cedido, proposta pelo credor cessionário, pode produzir o mesmo efeito jurídico que a notificação prevista no art. 583º-1 C. Civil, cessando, com prática aquele acto judicial, a inoponibilidade da transmissão pelo cessionário ao devedor ], vide o Ac. do STJ de 6/11/2012, Procº nº 314/2002.S1.L1, e disponível in www.dgsi.pt.
(10) Cfr. Ac. do STJ de 6/11/2012, Procº nº 314/2002.S1.L1, e disponível in www.dgsi.pt.
(11) Cfr. Ac. do STJ de 03/6/2004 , Proc. 04B815, sendo Relator NORONHA DO NASCIMENTO,e disponível in www.dgsi.pt.
(12) Ibidem, págs.  133/134.
(13) Proferido no Proc. nº 3956/16.8T8CBR.C1, sendo Relator PIRES ROBALO e disponível in www.dgsi.pt.
(14) Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12/5/2009, Proferido no Proc. nº 29488/05.1YYLSB.L1-7, sendo Relator ABRANTES GERALDES e disponível in www.dgsi.pt.

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LISBOA, 08 de Março de 2018

António Manuel Fernandes dos Santos ( O Relator)

Eduardo Petersen Silva ( 1º Adjunto)

Cristina Isabel dos Santos C.F. Neves ( 2ª Adjunta)