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INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
CÁLCULO
TÍTULO EXECUTIVO
Sumário
1.–A liquidação de condenação genérica depende de simples cálculo aritmético se assenta em factos que estão abrangidos pela segurança do título executivo ou que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal ou pelo agente de execução. 2.–A liquidação não depende de simples cálculo aritmético se os pressupostos do cálculo da obrigação pecuniária a que se reporta a condenação genérica assentarem em factos novos, suscetíveis de prova, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo e não sejam notórios, nem de conhecimento oficioso. 3.–In casu, os R.R. foram condenados ao pagamento do capital das prestações vincendas, pelo valor que vier a ser liquidado em execução de sentença, expurgadas de juros remuneratórios vincendos, por estes não serem devidos, porquanto a sentença considerou que haver insuficiência de alegação que não permitia aferir com precisão qual o montante exato das prestações de capital por pagar. 4.–Resultando da liquidação feita pelo exequente, no seu requerimento executivo, que o valor do capital de cada prestação era mensalmente variável com o decurso do tempo, segundo critério económico que não foi especificado, as exigências decorrentes de um processo justo e equitativo justificam que seja deduzido o incidente de liquidação de sentença, nos termos dos Art.s 358.º e ss do C.P.C, para apurar o valor exato de cada prestação vincenda de acordo com os termos do contrato celebrado entre as partes. 5.–A execução fundada em liquidação que não dependa de simples cálculo aritmético, fica dependente do ónus de se proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração e não constitui título executivo bastante nessa parte, nos termos do Art. 704.º n.º 6 “a contrario” do C.P.C., devendo o juiz oficiosamente rejeitar a execução nessa parte, desde que o faça até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados (Art. 734.º n.º 1 conjugado com o Art. 726.º n.º 1 al. a) do Código de Processo Civil).
Sumário –(art.º 663º nº 7 do CPC)– Da responsabilidade exclusiva do relator)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
I–RELATÓRIO:
Banco C., S.A. veio propor ação executiva para pagamento de quantia certa contra M. e N., pedindo o pagamento da quantia de €28.943,29, tendo por base uma sentença condenatória proferida pela extinta 13.ª Vara Cível de Lisboa, que condenou os executados a pagar à exequente (então denominada MM.): a)- A quantia de €1.504,35, correspondente à 3.ª a 11.ª prestações vencidas até à citação, acrescidas de juros moratórios à taxa de 17,44% ao ano, devidos desde as respetivas datas de vencimento de cada uma das prestações, e do imposto de selo, à taxa de 4% a incidir sobre tais juros; e b)- A quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente ao remanescente do capital em dívida, acrescida de juros moratórios à taxa de 17,44% ao ano, contados desde 17/10/2007, e do imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre tais juros recair.
Por despacho de 5 de janeiro de 2018, ao abrigo do Art. 726.º n.º 2 al. a) do NCPC, foi indeferido liminarmente o requerimento executivo na parte que peticiona o pagamento, a título de capital, de €8.090,78, respetivos juros, impostos e despesas, num total de €24.330,23, com fundamento em que esses valores deveriam ser objeto prévio de incidente de liquidação de sentença, mas ordenando prosseguir a execução quanto ao valor de €1.504,35, juros vencidos e vincendos e respetivo imposto de selo, no total peticionado de €4.613,06.
É da parte em que se operou o indeferimento liminar parcial do requerimento executivo que o Exequente vem recorrer, apresentando a seguinte conclusão: A decisão recorrida violou o disposto no artigo 703.º n.º 1, alínea a), e nos n.ºs 1 e 2 do artigo 716º, ambos do Código de Processo Civil, o disposto no n.º 4 do dito normativo legal, o disposto nos artigos 358.º a 361.º e igualmente no artigo 297.º do referido normativo legal, donde, o recurso dever ser julgado procedente e provado e a sentença recorrida ser substituída por Acórdão que ordene o prosseguimento da execução nos precisos termos do requerimento executivo, com a retificação referida.
Não foram apresentadas contra-alegações. II–QUESTÕES A DECIDIR. Nos termos dos Art.s 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do C.P.C., as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial (vide: Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2017, pág. 105 a 106). Assim, em termos sucintos a questão essencial a decidir é saber se havia fundamento para o indeferimento liminar parcial, por motivo de iliquidez da obrigação exequenda que apenas poderia resultar da dedução prévia de incidente de liquidação de sentença. Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir. III–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A decisão recorrida não especificou de forma discriminada a factualidade em que assenta, mas subjacente à mesma estão os seguintes factos documentados pela certidão eletrónica do processo: 1–Foi dada à execução sentença transitada em julgado, proferia a 18 de janeiro de 2008, no proc. n.º 4486/07.4TVLSB, pela extinta 13.ª Vara Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, 3.ª Secção, pela qual os R.R., M. e N., foram condenados a pagar ao MM, S.A.: a)-A quantia de €1.504,35, correspondente às 3.ªs a 11.ªs prestações vencidas até à citação, acrescidas de juros moratórios à taxa de 17,44% ao ano, devidos desde as respetivas datas de vencimento de cada uma das prestações, e do imposto de selo, à taxa de 4% a incidir sobre tais juros; e b)- A quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente ao remanescente do capital em dívida, acrescida de juros moratórios à taxa de 17,44% ao ano, contados desde 17/10/2007, e do imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre tais juros recair. 2–Por requerimento inicial de 6 de junho de 2016, o Banco C., S.A., instaurou ação de execução para pagamento de quantia certa contra M. e N., tendo por base a sentença mencionada em 1, indicando que o valor líquido da execução era de €28.461,29, discriminado da seguinte forma:
- CAPITAL I - €1.594,35 (9 x €167,15) – Correspondente às prestações vencidas e não pagas até à citação (3.ª a 11.ª prestações)
- Juros vencidos à taxa de 17,44 % desde a data de vencimento de cada uma das referidas prestações (3.ª a 11.ª) até ao trânsito em julgado da sentença em 04.02.2008 - €171,71;
- Imposto de selo à taxa de 4% até 04.02.2008 - €6,87
- Juros à taxa de 22,44% (17,44% + 5%, Art. 829.º-A, n.º 4 C.C.) desde 05.02.2008 até 30.03.2016 - €2.752,40;
- Imposto de selo à taxa de 4% desde 22.06.2007 até 30.03.2016 -€137,62;
- Juros à taxa de 22,44% (17,44% + 5%, artigo 829.º-A, n.º 4 C.C.) desde 31.03.2016 até ao presente 06.06.2016 - €61,97;
- Imposto de selo à taxa de 6% (verba 17.2.1 da tabela geral do imposto de selo, art.º 70.º a do Código de Imposto de Selo alterado pelo Art.º 155.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março) desde 31.03.2016 até 06.06.2016 - €3,72;
- Capital II - €8.090,78 (correspondente às restantes prestações de capital vencidas e não pagas (12.ª a 84.ª) – (vidé plano financeiro);
- Juros vencidos à taxa de 17,44% sobre €8.090,78 desde a citação em 17.10.2007 até ao trânsito em julgado da sentença em 04.02.2008 - €425,24;
- Imposto de selo à taxa de 4% até 04.02.2008 - €17,01;
- Juros à taxa de 29,44% (17,44% + 5%, Artigo 829.º-A, n.º 4 C.C.) desde 05.02.2008 até 30.03.2016 - €14.808,10;
- Imposto de selo à taxa de 4% desde 05.02.2008 até 30.03.2016 -€592,32
- Juros à taxa de 29,44% (17,44% + 5%, artigo 829.º-A, n.º4 C.C.) desde 31.03.2016 até ao presente 06.06.2016 - €333,27;
- Imposto de selo à taxa de 6% (verba 17.2.1 da tabela geral do imposto de selo, art.º 70.º a do Código de Imposto de Selo alterado pelo art.º 155.º da lei 7-a/2016, de 30 de março) desde 31.03.2016 até 06.06.2016 - €20,00
- Taxa de justiça - €38,25; Total (excluídos juros vincendos e imposto de selo desde 07.06.2016) - €28.461,29;
- Mais juros vincendos, à taxa de 29,44%, sobre €5.618,27 (€1.504,35 + €8.090,78), desde 07.06.2016 até efetivo e integral pagamento e imposto de selo à taxa de 6% sobre esses juros. 3–Por Requerimento de 26 de dezembro de 2017, veio o exequente corrigir o pedido de pagamento, invocando existir lapso de escrita, sendo o valor correto da execução de €28.943,29 e não o de €28.461,29, fazendo a liquidação do valor do seguinte modo:
- Capital I - € 1.504,35 (9 x €167,15) – correspondente às prestações vencidas e não pagas até à citação (3.ª a 11.ª prestações), vencidas em 10.02.2007 a 10.10.2007;
- Juros vencidos à taxa de 17,44% desde a data de vencimento de cada uma das referidas prestações (3.ª a 11.ª) até ao trânsito em julgado da sentença em 04.02.2008 - €171,71;
- Imposto de selo à taxa de 4% até 04.02.2008 - €6,87;
- Juros à taxa de 22,44% (17,44% + 5%, artigo 829.º-A, n.º 4 C.C.) desde 05.02.2008 até 30.03.2016 - € 2.753,33;
- Imposto de selo à taxa de 4% desde 22.06.2007 até 30.03.2016 - €110,13;
- Juros à taxa de 22,44% (17,44% + 5%, artigo 829.º-A, n.º 4 C.C.) desde 31.03.2016 até ao presente 06.06.2016 - € 62,89;
- Imposto de selo à taxa de 6% (verba 17.2.1 da tabela geral do imposto de selo, art.º 70.º a do código de imposto de selo alterado pelo art.º 155.º da Lei 7-A/2016, de 30 de março) desde 31.03.2016 até 06.06.2016 - €3,77;
- Capital II - € 8.090,78 (correspondente às restantes prestações de capital vencidas e não pagas (12.ª a 84.ª) – (vidé plano financeiro).
- Juros vencidos à taxa de 17,44% sobre €8.090,78 desde a citação em 17.10.2007 até ao trânsito em julgado da sentença em 04.02.2008 - €425,24;
- Imposto de selo à taxa de 4% até 04.02.2008 - € 17,01;
- Juros à taxa de 29,44% (17,44% + 5%, artigo 829.º-A, n.º4 C.C.) desde 05.02.2008 até 30.03.2016 - € 14.808,10;
- Imposto de selo à taxa de 4% desde 05.02.2008 até 30.03.2016 - €592,32;
- Juros à taxa de 29,44% (17,44% + 5%, artigo 829.º-A, n.º 4 C.C.) desde 31.03.2016 até ao presente 06.06.2016 - €338,24;
- Imposto de selo à taxa de 6% (verba 17.2.1 da tabela geral do imposto de selo, art.º 70.º a do Código de Imposto de Selo alterado pelo art.º 155.º da Lei 7-Aa/2016, de 30 de março) desde 31.03.2016 até 06.06.2016 - €20,29;
- Taxa de justiça - € 38,25;
- Total (excluídos juros vincendos e imposto de selo desde 07.06.2016) - € 28.943,29;
- Mais juros vincendos à taxa de 22,44% sobre €9.595,13 (€1.504,35 + €8.090,78) desde 07.06.2016 até efetivo e integral pagamento e imposto de selo à taxa de 6% sobre esses juros. 4– Na sequência destes requerimentos foi proferido o despacho de indeferimento liminar parcial recorrido de 5 de janeiro de 2018, que rejeitou a execução na parte que peticiona o pagamento, a título de capital, de €8.090,78, respetivos juros, impostos e despesas, num total de €24.330,23, mas ordenou prosseguir a execução quanto ao valor de €1.504,35, juros vencidos e vincendos e respetivo imposto de selo, no total peticionado de €4.613,06. Tudo visto, cumpre apreciar. IV–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. O que está em causa neste recurso é saber se era possível no caso concreto proceder à liquidação da dívida exequenda no requerimento executivo, quando a sentença que serve de título executivo condenou os R.R., agora executados, em quantia a liquidar em execução de sentença. Para tal há que ter em consideração que, fundando-se a execução em sentença condenatória (Art. 703.º n.º 1 al. a) do C.P.C.), esta não só delimita a legitimidade de exequente e executado (Art. 53.º do C.P.C.), como o objeto da execução, pois é com base no título executivo que se determina o fim e os limites da ação executiva (Art. 10.º n.º 5 do C.P.C.). No caso a sentença condenatória condenou os R.R. no pagamento de quantias pecuniárias, sendo uma parte em quantia certa (€1.504,35, mais juros de mora à taxa de 17,44% ao ano, devidos desde as datas de vencimento de cada uma das prestações vencidas e não pagas e do imposto de selo, à taxa de 4% sobre tais juros) e outra parte em “quantia a liquidar em execução de sentença”. Em bom rigor, tendo a sentença sido proferida em 18 de janeiro de 2008, já tinha aplicação ao caso o disposto no Art. 661.º n.º 2 do C.P.C. na redação dada pelo Dec.Lei n.º 38/2003 de 8/3, que no seu Art. 21.º n.º 3 estabelecida que essa nova redação se aplicava aos processo declarativos pendentes em 15/9/2003, desde que até à data da sua entrada em vigor não tivesse sido proferida sentença em primeira instância. O que era o caso. Portanto, o tribunal de primeira instância não deveria ter condenado “no que se vier a liquidar em execução de sentença”, porque tal correspondia ao estabelecido no Art. 661.º n.º 2 do C.P.C. na redação anterior à entrada em vigor do Dec.Lei n.º 38/2003 de 8/3. Deveria, sim, condenar “no que vier a ser liquidado” no incidente de liquidação que o mesmo diploma legal reconfigurou nos Art.s 378.º e ss do C.P.C. pretérito, eliminando simultaneamente o enxerto declarativo de prévia liquidação de sentença pelo tribunal no quadro da ação executiva, que até então vinha estabelecido nos Art.s 806.º a 810.º do C.P.C.. Desde 15 de setembro de 2003 que deixou de haver “liquidação em execução de sentença”, passando apenas a existir, no caso de condenação genérica, a possibilidade de concretização da obrigação em “incidente de liquidação de sentença” na ação declarativa, que no código anterior vinha regulado nos Art.s 378.º e ss e agora tem a sua sede nos Art.s 358.º e ss do Novo Código de Processo Civil vigente, aprovado pela Lei n.º 41/2013 de 26/6. A presente execução já foi instaurada no âmbito da vigência do deste Novo Código. Pelo que, tendo havido uma condenação genérica, nos termos atualmente estabelecidos no Art. 609.º n.º 2 do C.P.C. (correspondente ao n.º 2 do Art. 661.º do C.P.C. pretérito), a sentença só constitui título executivo após liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida (Art. 706.º n.º 6 do C.P.C.). Foi essencialmente com este fundamento que a sentença recorrida indeferiu liminarmente a execução na parte em que a sentença condenou os R.R. em “quantia a liquidar em execução de sentença”. Mas o Art. 706.º n.º 6 do C.P.C. vigente, para além de estabelecer que, a havendo condenação genérica, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, também estabelece como requisito negativo do assim disposto, que a liquidação da obrigação não dependa de “simples cálculo aritmético”. Ora, a presente apelação centra-se precisamente neste argumento. Havendo uma condenação genérica, em que a obrigação dependa de simples cálculo aritmético, não há que deduzir o incidente de liquidação de sentença, cabendo a liquidação no quadro legal do Art. 716.º do C.P.C.. Nos termos do n.º1 desse mesmo Art. 716.º n.º 1 do C.P.C., sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que se consideram compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido. Por outro lado, o n.º 4 do mesmo preceito estabelece ainda que se a execução se fundar em título extrajudicial e a liquidação não depender de simples cálculo aritmético, o executado é citado para contestar, em oposição à execução, mediante embargos, com a advertência de que, na falta de contestação a obrigação se considera fixada nos termos do requerimento executivo, salvo o disposto no Art. 568.º (que regula os casos em que a revelia é inoperante na ação declarativa), seguindo-se depois os termos do incidente de liquidação, caso haja contestação ou a revelia seja inoperante. O n.º 5 do Art. 716.º do C.P.C. manda aplicar o disposto no número anterior às execuções de decisões judiciais ou equiparadas, «quando não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração». Portanto, a questão está em saber se no caso existe o “ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo declarativo”, sendo certo que se a obrigação não for líquida, nos termos do próprio título executivo, não pode ser executada a obrigação exequenda (Art. 713.º do C.P.C.). Estava sedimentado no nosso direito processual, desde há muito, que existiam 3 tipos de liquidações da obrigação exequenda: 1) A liquidação pelo exequente; 2) A liquidação pelo tribunal; e 3) A liquidação por árbitros. Cingindo-se a questão às duas primeiras, dizia Alberto dos Reis (in “Processo de Execução”, Vol. 1.º, 3.ª Ed., 1985, pág. 478) que era fácil a delimitação do seu campo de aplicação, distinguindo dois tipos de situações: «1.ª A liquidação resume-se em meras operações aritméticas, numa conta ou contas de somar, de multiplicar, etc. «2.ª A liquidação depende do apuramento de factos e exprime um juízo de valor sobre esses factos.» Mais há frente dizia depois o mesmo Autor:«No primeiro caso a liquidação incumbe ao exequente, posto que seja parte interessada, uma vez que ele não tem de entrar na apreciação de provas, nem proferir uma decisão: limita-se a fazer contas, a exercer uma atividade, por assim dizer, mecânica. «No segundo caso a liquidação cabe ao juiz ou a árbitros, isto é, a pessoas estranhas à lide, pois que tem a significação e o valor de um julgamento». Já no contexto da “Reforma da Ação Executiva de 2003”, Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3.º. 2003, pág. 254) mantinha o mesmo critério de distinção, referindo que na liquidação que não depende de mero cálculo aritmético «não basta fazer contas, o exequente, tem, no requerimento inicial, de alegar factos de cuja prova a liquidação depende», explicitado que quando a liquidação é feita por simples cálculo aritmético não haveria lugar a qualquer processamento especial (Ob. Loc. Cit., pág. 257). Na mesma linha de pensamento a jurisprudência foi alinhando pelo mesmo diapasão. No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/3/2011 (Proc. n.º 530/09.9TTFUN.L1-4 – Relator: Ramalho Pinto, disponível em www.dgsi.pt), defendia-se que: «Deve-se fazer uso do incidente de liquidação previsto no Artº 378º do CPC. sempre que um dos elementos de que depende a liquidação da quantia exequenda não resulte dos autos por aí não ter sido devidamente demonstrado». No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/06/2013 (Processo n.º 367/07.0TMCBR-D.C1 - Relator: Barateiro Martins – disponível em: www.trc.pt/index.php/jurisprudencia-do-trc), sustentou-se que: «Sempre que o exequente, para fazer as contas duma liquidação, tem que acrescentar/introduzir/alegar factos que não constam do título executivo, não estamos perante uma liquidação dependente de simples cálculo aritmético».
Do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/10/2014 (Processo n.º 692/11.5TTMAI-C.P1 – Relator João Nunes – disponível em www.dgsi.pt) decorre o seguinte sumário: «I- A liquidação de condenação genérica depende de simples cálculo aritmético se assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução; «II- Diversamente, não depende de simples cálculo aritmético (embora implique também, por definição, um cálculo aritmético) se assenta em factos controvertidos, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo, e que não são notórios nem de conhecimento oficioso; «III- Para que a execução se possa fundar em liquidação que não dependa de simples cálculo aritmético, nos termos previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 716.º do Código de Processo Civil, é necessário que não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração.»
No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/4/2016 (Processo n.º 2226/08.0TTLSB-B.L1-4 – Relator: Alves Duarte, também disponível em www.dgsi.pt): «I.– A liquidação de condenação genérica depende de simples cálculo aritmético se resulta de factos constantes da sentença exequenda ou que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e pelo gente de execução; e não depende se para a liquidar é necessário alegar factos que dela não constam nem podem se conhecidos ex officio. «II.– Para que a execução se possa fundar em liquidação que não dependa de simples cálculo aritmético é necessário que não exista o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração.»
Dito isto, cumprirá ainda completar o exposto referindo que o exequente não pode intentar ação executiva sem proceder à liquidação, ou seja, à quantificação da obrigação exequenda, sem prejuízo de o tribunal não dever indeferir liminarmente o requerimento executivo sem previamente permitir ao exequente corrigir esse vício, através do convite ao aperfeiçoamento da petição inicial (Vide: Marco Carvalho Gonçalves in “Lições de Processo Civil Executivo”, 2016, pág.145).
No caso, o exequente cuidou logo de liquidar a obrigação exequenda. Mas a questão está em saber se poderia tê-lo feito no caso concreto, tal como o fez, na medida em que se poderia considerar que a sentença condenatória não fornecia elementos suficientes e seguros para esse efeito.
Relembre-se aqui que na ação declarativa, que esteve na base do processo onde foi proferida a sentença condenatória dada à execução, estava em causa um contrato de crédito ao consumo, sob a forma de contrato de mútuo, constante de escrito particular. Nos termos desse contrato de mútuo, o banco A. concedeu ao 1.º R. um empréstimo de €8.769,80, com juros à taxa nominal de 13,44% ao ano, a ser pago em 84 prestações, mensais e sucessivas, com vencimento, a primeira, em 10 de dezembro de 2006, e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes. Sendo que, em caso de mora, à taxa de juro convencionada, acresciam 4 pontos percentuais, aplicando-se assim a taxa de 17,44%.
O 1.º R. não pagou a 3.ª prestação, vencida em 10 de fevereiro de 2007, nem as seguintes, tendo-se vencido as restantes, por força do Art. 781.º do C.C. e do convencionado na cláusula 8.ª do contrato estabelecido entre as partes, sendo que o valor de cada prestação acordada e não paga era de €167,15.
Todos estes factos assim sumariados foram provados com base no efeito cominatório estabelecido no Art. 484.º n.º 1, do C.P.C. então vigente (correspondente ao atual Art. 567.º do C.P.C.), dado que a ação não foi contestada.
A sentença condenou em quantia líquida, porque até à citação para a contestação venceram-se as prestações 3.ª à 11.ª, no valor de €167,15, cada, num total de €1.504,35 (9 x €167,15) e, portanto, o tribunal tinha à sua disposição todos os pressupostos de facto que lhe permitiram determinar o “quantum” dessa obrigação pecuniária não cumprida.
Mas a sentença também condenou em quantia ilíquida, porque se ter sustentado na tese, que mais tarde veio a ser sufragada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência de 25-03-2009, do qual resulta que: «No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao Art.º 781º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados».
Ou seja, foi entendido que as prestações mensais convencionadas no valor de €167,15 incluíam não só capital, mas também juros remuneratórios, aos quais o A. não tinha direito, por ter antecipado o vencimento da obrigação relativa a prestações vincendas, nos termos do Art. 781.º do C.C., constituindo a pretensão a eles relativa uma forma de enriquecimento ilegítimo, por assim reclamar o pagamento de juros remuneratórios por referência “a um tempo efetivamente não gasto” (sic).
Em suma, o A. teria direito às prestações vincendas, mas apenas a título de capital, expurgadas da parte em que nelas se incluíam os juros remuneratórios.
Mais concretamente a condenação em quantia ilíquida foi fundada no argumento de que «por insuficiência de alegação, não é possível aferir com precisão qual o montante exato das prestações de capital por pagar, pelo que o autor terá de proceder à liquidação prévia do valor da dívida ao elaborar o requerimento inicial da execução de sentença correspondente ao presente processo declarativo». (sic)
Ora, o exequente sustenta que a quantificação da dívida exequenda é suscetível de mero cálculo aritmético, mas a verdade é que apresentou uma liquidação do valor do capital das prestações vincendas (prestações 12.ª a 84.ª) num total inexplicavelmente elevado de €8.090,78.
Relembre-se que o capital mutuado no contrato de crédito ao consumo foi de €8.769,80 e os R.R. já foram condenados em €1.504,35, pelo não pagamento das prestações 3.ª a 11.ª, tendo cumprido as duas primeiras prestações, todas elas pelo valor de €167,15, cada (as quais incluíam juros remuneratórios).
Acresce que, os R.R. foram condenados a pagar o capital mutuado e não “prémios de seguro vida” vincendos ou “issj”, que também aparecem na contabilização feita pelo exequente, por referência ao “plano financeiro” que juntou em anexo ao requerimento executivo.
A obrigação de capital seria objeto de mero cálculo matemático se o raciocínio fosse tão simples quanto o seguinte: 1- Está provado que o capital mutuado foi de €8.769,80; 2- Está provado que deveria ser reembolsado em 84 prestações; 3- Nessa medida cada prestação relativa ao capital seria de €104,40 (€8.769,80 : 84); 4- Não foram pagas as prestações 12.ª a 84.ª, ou seja: 73 prestações; 5- Logo, o capital das prestações vincendas era no valor de €7.621,20 (€104,40 x 73). Em termos de pura equidade este raciocínio matemático era de fácil demonstração, não carecia de maior prova, refletindo um equilíbrio interno de todas as prestações que se justificava por si mesmo. Mas, não é isso que resulta da contabilização feita pelo exequente no requerimento executivo, por remissão para o “plano financeiro” que anexou, pois na demonstração contabilística assim apresentada o valor do capital das prestações vai subindo relativamente às prestações com data de vencimento mais tardio. Daqui resulta que os valores do capital relativo a cada prestação vincenda são alegadamente sempre variáveis com o decurso do tempo, sem que se especifique o critério matemático que está subjacente à contabilização apresentada, por forma a que o mesmo seja compreensível e sindicável. Isto para já não falar de que agrava a responsabilidade do devedor, nomeadamente tendo em atenção o raciocínio simples e equitativo que acabámos de expor atrás. Não significa isto que não exista uma “rácio” económica que justifique a contabilização apresentada pelo exequente, mas ela pressupõe a invocação de factos novos que não foram alegados e não resultam de forma segura da sentença que serve de título executivo. Nessa medida, não estamos verdadeiramente perante “mero cálculo aritmético”, mas sim perante uma demonstração contabilística sustentada em pressupostos cuja averiguação só será segura fazer em incidente de liquidação de sentença, mediante a alegação e prova dos factos correspondentes. A liquidação dependente de uma mera operação de cálculo aritmético é apenas aquela que assenta em factos que estão abrangidos pela segurança do título executivo, ou que podem ser conhecidos oficiosamente pelo tribunal ou pelo agente de execução, não podendo estar dependente da averiguação de outros factos novos (neste sentido: Marco Carvalho Gonçalves, in Ob. Loc., Cit., pág. 144). São suscetíveis de mero cálculo aritmético o cálculo de juros de mora, de juros compensatórios, do imposto de selo, ou de rendas cujo valor esteja fixado no título executivo, bastando para o efeito a ponderação do fator tempo. Já o valor do capital mutuado ainda em dívida, quando o montante a devolver é fracionado no tempo em prestações variáveis, segundo critérios não objetivados, não pode ser considerado como sujeito a mero cálculo aritmético. Não é seguro ou fácil concluir que os R.R. ainda são devedores de €8.090,78 a título de capital, quando o crédito concedido foi de €8.769,80 e os R.R. já pagaram 2 prestações de €167,15, cada, e foram condenados em €1.504,35 relativamente às prestações 3.ª a 11.ª. Os elementos objetivos constantes da sentença condenatória, que serve de título executivo, não permitem evidenciar só por si que, por mero cálculo aritmético, a dívida é de €8.090,78 e não, por exemplo, de €7.621,20, como atrás demonstrámos usando um outro método de cálculo alternativo. São razões relativas ao respeito por um processo justo e equitativo que justificam no caso concreto que o exequente deva deduzir previamente o incidente de liquidação de sentença, por forma a que se estabeleça em termos definitivos qual o valor exato de cada prestação devida a título de capital vencido por força do Art. 781.º do C.C. e da cláusula 8.ª do contrato que vinculava ambas as partes, só assim se logrando obter uma decisão justa e com a necessária segurança jurídica. Neste sentido decidiram também, perante a mesma questão concreta destes autos, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 2/10/2012 (Proc. n.º 25540/11.2YYLSB.L1-1 – Relator: Afonso Henriques) e do Tribunal da Relação de Évora de 7/4/2016 (Proc. n.º 19/10.3TBBJA.A1.E1 – Relator: Jaime Pestana), ambos disponíveis em www.dgsi.pt..
Deste último citado Acórdão relevamos o seguinte trecho, com o qual concordamos inteiramente: «(…) importa então saber se a liquidação depende de simples cálculo aritmético ou não e neste caso se assiste à exequente a faculdade de proceder à liquidação no requerimento executivo nos termos previstos no n.º 4 ex vi n.º 5 do art. 716.° NCPC ou se deveria ter deduzido o incidente de liquidação previsto no arte 358.° e ss. e nessa medida se dispõe de título executivo. «A liquidação de condenação genérica depende de simples cálculo se assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução. «Diversamente, não depende de simples cálculo aritmético (embora implique também, por definição, um cálculo aritmético) se assenta em factos controvertidos, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo, e que não são notórios nem de conhecimento oficioso; (…)
Como refere a decisão recorrida no caso em apreço a liquidação não depende de simples cálculo aritmético, tanto mais que assenta em factos que não estão abrangidos pela segurança do título executivo (determinação em cada uma das prestações da parte que configura capital e do restante respeitante a juros e encargos…). «Se é certo que quanto aos juros sempre se poderia dizer que sabendo qual o montante do capital mutuado e a taxa de juro contratualmente fixada sempre se poderia, através de operação aritmética, chegar ao valor liquido, a verdade é que para essa operação se concretizar é também necessário apurar (e não está apurado) qual o montante relativo a outros encargos contratualmente fixados. «Assim sendo, estava o exequente obrigado a lançar mão do incidente de liquidação nos termos do disposto no art. 358.° CPC, não lhe assistindo a faculdade prevista nos n.ºs 4 e 5 do art. 716.°, CPC, considerando que vigora o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração. Não o tendo feito, carece de título executivo.»
Decorre de todo o exposto que a liquidação, no caso concreto, deveria ser deduzida mediante incidente de liquidação, apresentado no processo de declaração, cuja instância extinta se renova (Art.s 358º, 359º e 360º do C.P.C. vigente), porquanto houve condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 661º do C.P.C. pretérito (correspondente ao atual Art. 609º n.º 2 do CPC vigente) e a liquidação da obrigação de pagamento não depende de simples cálculo aritmético, pelo que a sentença ainda não constitui título executivo nessa parte (Art. 704.º n.º 6 “a contrario” do C.P.C.).
Nesse pressuposto, o Art. 734 n.º 1 do C.P.C. permite ao juiz apreciar oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão de bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se tivessem sido apreciadas nos termos do Art. 726º, o indeferimento liminar do requerimento executivo. Sendo que, nos termos do Art. 726.º n.º 2, al. a), do C.P.C. o juiz deve indeferir liminarmente o requerimento executivo quando «seja manifesta a falta ou insuficiência do título».
É esse o caso dos autos.
Nessa medida, julgamos que a decisão recorrida deve ser mantida, improcedendo as conclusões em sentido contrário, pois não foi violado o disposto nos Art.s 703º n.º 1, al. a) e os n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 716º, nem o dos Art.s 358º a 361º e 297º do C.P.C.. V–DECISÃO. Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente por não provada, mantendo a decisão recorrida nos seus precisos termos. - Custas pelo apelante (Art. 527º n.º 1 do C.P.C.).
Lisboa, 10 de abril de 2018 (Carlos Oliveira) (Maria Amélia Ribeiro) (Dina Monteiro)