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CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
Sumário
I - A criminalização da desobediência tem por finalidade a tutela da autonomia intencional do Estado, o que equivale a assegurar o acatamento pelos membros da comunidade das determinações legítimas das autoridades públicas e dos seus agentes.
II - Não assistia ao arguido o direito de recusar o fornecimento da sua identificação aos militares da GNR, que lhe a solicitaram com vista à elaboração de auto contra-ordenação, mesmo invocando que não estivesse a praticar qualquer infracção dessa natureza.
Texto Integral
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
I. Relatório
No Processo Comum nº 3/14.8FCOLH, que correu termos no actual Juízo Local Criminal de Albufeira do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, foi proferida sentença, em 20/12/16, com o seguinte dispositivo:
VI. l - DECISÃO CRIMINAL
Face ao exposto, decide o Tribunal:
1. Condenar F. pela prática, em autoria material, de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo 348º nº 2 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o valor de €500,00 (quinhentos euros);
2. Condenar o arguido no pagamento das custas, que se fixam nos seguintes termos: 2 UC.
3. Se proceda à liquidação da pena de multa e custas.
VIII.2. - DECISÃO CIVEL
Face ao exposto, o tribunal julga os pedidos de indemnização cível improcedente e, em conformidade:
a) Absolver F. do pedido de indemnização civil deduzido por N.
b) Custas pelo demandante nos termos do artigo 527.° do Código de Processo Civil.
Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados (mantém-se a numeração original, em que se omite o nº 1):
2. No dia 8 de Junho de 2014, cerca das 15h35m, o Arguido F. estava na Praia dos Alemães, sita neste concelho de Albufeira, seu local de trabalho e onde exercia as funções de Nadador-salvador, como funcionário da Sociedade "L…, Lda", empresa concessionária daquela praia.
3. Nesse local e data, os militares da GNR/UCC- Destacamento de Olhão- N e R, encontravam-se em exercício de funções, devidamente uniformizados e deslocavam-se em veículo todo o terreno (moto 4).
4. No âmbito desse exercício de funções, os militares abordaram o arguido, informando-o que o iam autuar em virtude de entenderem que o mesmo estaria em violação do disposto no artigo 4° alínea e) do Decreto-lei 96-A/2006, de 3/6.
5. Assim, solicitaram ao arguido que procedesse à sua identificação para que pudessem pro28ceder ao levantamento do respetivo auto de contraordenação.
6. Descontente com a abordagem dos militares, o arguido recusou prestar a sua identificação, proferindo as seguintes palavras aos militares: "tu aqui não mandas nada!", alegando que a GNR não teria competência para o autuar, só a polícia marítima.
7. Nessa sequência, os militares da GNR, não só o informaram que teriam competência para tal, como lhe transmitiram que o mesmo tinha de se identificar e que caso não o fizesse poderia ser detido.
8. O arguido recusou novamente identificar-se aos militares.
9. Não obstante, os militares da GNR solicitaram novamente a identificação do Arguido, ao que este respondeu que não iria facultar a sua identificação.
10. O militar da GNR autuante, juntamente com o seu colega, advertiu então o Arguido que, caso não facultasse a sua identificação, incorreria num crime de desobediência e seria detido.
11. O Arguido negou mais uma vez fornecer a sua identificação.
12. O Arguido quis, dessa forma, subtrair-se ao cumprimento da ordem para se identificar e agiu com o propósito de desobedecer à mesma, regular e repetidamente comunicada pelos militares da GNR, em exercício de funções, apesar de ter percebido o sentido e o alcance da mesma, que sabia ser legítima.
13. Bem sabia ainda, por ter sido devidamente advertido, que o seu não acatamento implicaria a prática de um crime de desobediência.
14. O Arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida penalmente.
Mais se apurou que:
15. Ainda nessa mesma ocasião, surgiu o polícia marítimo, PC, o qual insistiu a que o arguido facultasse a sua identificação aos militares da GNR, tendo este, apos alguma relutância, acabado por mostrar a sua identificação.
16. O arguido encontra-se atualmente desempregado, sobrevivendo graças às economias que efetua com o seu trabalho sazonal (aufere o ordenado mínimo durante um período entre 3 a 4 meses).
17. Não recebe subsidiado nem apoio estatal ou particular.
18. Vive numa habitação pertencente a um amigo, gratuitamente.
19. Auxilia, quando possível, o filho de 22 anos de idade, o qual é estudante (cerca de €100,00 mensais).
20. Concluiu o antigo 5.º ano (equivalente ao atual 9.° ano).
21. Do seu certificado de registo criminal nada consta.
A mesma sentença julgou os seguintes factos não provados:
a) Descontente com a abordagem dos militares, o arguido proferiu as seguintes palavras aos militares: "Não te dou identificação nenhuma, não me quero identificar! E é assim como eu digo! Vai-te embora que eu agora tenho de trabalhar!".
b) O arguido recusou-se a facultar a sua identificação a quem quer que fosse, proferindo as seguintes palavras:" Nem penses! Não me identifico pá! Sai daqui para não teres problemas! Daqui não me levas tu nem que seja à força!".
Da referida sentença o arguido F. veio interpor recurso devidamente motivado, formulando as seguintes conclusões:
1 - O recorrente foi condenado pela prática, em autoria material, de um crime de desobediência qualificada, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 2, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o valor de €500,00 (quinhentos euros).
2 – Para o efeito contribuiu o facto de ter julgado incorrectamente os factos identificados na matéria de facto dada como provada com os números 12, 13 e 14, porquanto em relação aos mesmos não foi produzida prova que permita considerar, sem margem para dúvidas, a prática dos mesmos.
3 - No caso em análise, tendo em conta os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento, mormente o depoimento do agente da Polícia Marítima, PC, era evidente e notório que o arguido não estava a cometer qualquer infracção, que legitimasse a ordem de identificação proferida pelo militar da GNR.
4 – O militar autuante tentou obter respaldo para a sua actuação numa norma cujo tipo legal não está preenchido, facto que não podia desconhecer.
5 – Assim, sendo manifesta e evidente a ilegalidade da ordem do agente autuante, o recorrente podia legitimamente recusar o seu cumprimento, ao abrigo do disposto no artigo artigo 31.º, n.º 2, al. b), do CP,
6 - Por esta razão a sua conduta não era punível, de acordo com o disposto no artigo 31.º, n.º1, al. b), do CP, em virtude da ilicitude se encontrar excluída.
7 - Deste modo, ao decidir condenar o arguido, o tribunal a quo violou, entre outros, os entre outros, os artigos 21.º, 26.º, n.º 1, 27.º e 272.º, n.º 2, todos da CRP, bem como o artigo 250.º, do Código de Processo Penal, e ainda os artigos 31.º, n.º 2, al. b), e 347.º, n.º 1, ambos do Código Penal.
8 - Caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se admite, ainda se dirá que a pena em que o arguido foi condenado é manifestamente exagerada, atendendo ao facto do arguido ser primário, ter 65 anos de idade, e de o militar da GNR ter acabado por concretizar o seu intento, procedendo à identificação do arguido. Pelo que,
9 - A douta sentença é passível de censura, no que concerne à fixação da multa, por violação do artigo 71º do Código Penal, devendo, em consequência, ser a mesma reduzida para próximo dos limites mínimos.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. queiram subscrever, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, absolver-se o arguido do crime de que vem acusado, ou, assim não se entendendo, deverá a sentença recorrida ser parcialmente revogada, na parte referente à fixação da medida da pena, reduzindo a pena fixada para próximo dos mínimos legais, assim se fazendo inteira e esperada JUSTIÇA!
O recurso interposto foi admitido com subida imediata nos próprios autos, e efeito suspensivo.
O MP respondeu à motivação do recorrente, formulando, por sua vez, as seguintes conclusões:
1- Relativamente às questões levantadas pelo arguido, as mesmas não têm qualquer razão de ser.
2- O artigo 127º do Código de processo Penal, dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
3- Se é verdade que se tratará de uma convicção racionazável, também certo será que terá o seu fundamento nas declarações das testemunhas.
4- Assim, as declarações das testemunhas foram ponderadas pelo tribunal, tudo conjugado com as declarações do arguido e ainda, certamente, as regras da experiência comum.
5- O funcionamento das regras da livre apreciação da prova, significa que o julgador, perante depoimentos contraditórios, com recurso às regras da experiência comum, da normalidade das coisas e da lógica da natureza humana, vai concluir pela verdade dos factos, ou pela falsidade dos mesmos, de forma lógica e racional.
6- Assim considerou o tribunal “a quo” a prova efectuada nestes autos e assim, convencendo-se da versão dos autuantes, considerou não credível a versão do arguido.
7 - O tribunal analisou todo o supra referido e no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova considerou provada a prática pelo arguido do crime pelo qual vinha acusado.
8- A Mª. Juiz "a quo", determinou depois, em primeiro lugar, qual o tipo de pena a aplicar e porque atentou no carácter excepcional da pena de prisão, optou então, pela pena de multa.
9- Após a determinação do tipo de pena a aplicar, determinou a medida dessa pena.
10- A medida da pena deve ser encontrada dentro de uma moldura penal onde as exigências de prevenção geral (de integração ou estabilização contrafáctica das normas) determinarão o limite mínimo de defesa do ordenamento jurídico, sendo o limite máximo traduzido pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos. Dentro dessa moldura actuará a culpa - pressuposto e limite inultrapassável da pena - e a prevenção especial (de socialização), que fixará a medida concreta da pena (artigo 40° n.º 1).
11- Considerando que no artigo 348º nº 2 do Código Penal a pena varia entre dez (10) dias até duzentos e quarenta (240) dias, temos que a condenação na pena de multa de cem dias (100), que ao arguido foi aplicada não se mostra como excessiva.
12- Atenta a situação pessoal e económica do arguido, o quantitativo fixado na douta sentença "a quo" mostra-se como correcto.
Sem maiores considerações, na medida em que, a pena aplicada, quer quanto aos dias de multa, quer quanto ao montante diário, é a única forma que se mostra conforme com a gravidade dos factos praticados, bem como as necessidades de prevenção, quer geral quer especial, entendemos que o presente recurso não deve merecer provimento, confirmando-se a douta decisão recorrida nos seus precisos termos.
Assim em conclusão, sem mais considerações, não poderá proceder o recurso do ora recorrente, mostrando-se a douta decisão recorrida como sendo justa e adequada aos factos provados.
V.EXªS FARÃO, COMO SEMPRE, JUSTIÇA.
O Digno Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer sobre o mérito do recurso, defendendo a respectiva procedência parcial, na vertente da medida da pena.
O parecer emitido foi notificado ao arguido, a fim de se pronunciar, o que ele não fez.
Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.
II. Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.
A sindicância da sentença recorrida, expressa pelo recorrente nas suas conclusões, desdobra-se nas seguintes questões:
a) Impugnação da matéria de facto, com pedido de absolvição do arguido da acusação;
b) Subsidiariamente, impugnação da medida da pena aplicada.
Passaremos a conhecer das questões suscitadas pelo recorrente pela ordem em que as enunciámos, que é também da prioridade lógica da sua apreciação.
Tem vindo a constituir jurisprudência constante dos Tribunais da Relação a asserção segundo a qual o recurso sobre a matéria de facto não envolve para o Tribunal «ad quem» a realização de um novo julgamento, com a reanálise de todo o complexo de elementos probatórios produzidos, mas antes tem por finalidade o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, que tenham afectado a decisão recorrida e que o recorrente tenha indicado, e, bem assim, das provas que, no entender deste, impusessem, e não apenas sugerissem ou possibilitassem, uma decisão de conteúdo diferente. Tem de ser efectuada por via indirecta
A pretensão recursiva em matéria de facto resume-se à relegação para a matéria não provada do conteúdo dos pontos 12 a 14 da matéria provada.
Os factos impugnados pelo recorrente são de natureza subjectiva, pelo que a sua demonstração, na falta de declarações confessórias do arguido, que, no caso, inexistem, tem de ser efectuada por via indirecta, inferindo-se os mesmos de outros factos, mediante um raciocínio lógico.
Para fundamentar o juízo probatório emitido, o Tribunal «a quo» expendeu (transcrição com diferente tipo de letra):
1.3. - Fundamentação da Decisão Sobre a Matéria de Facto
A convicção do Tribunal em relação aos factos provados e não provados acíma descritos fundou-se no conjunto da prova, apreciada criticamente à luz das regras da experiência comum e da nossa livre convicção (cfr. art. 127.° do Código de Processo Penal), junta aos autos e a produzida em sede da audiência de julgamento, em especial:
Este princípio significa, por um lado, a ausência de critérios legais predeterminantes do valor a atribuir à prova e, de forma positiva, que o tribunal [O princípio é válido em todas as fases do processo penal] aprecia a prova produzida e examinada em audiência com base exclusivamente na livre valoração e na sua convicção pessoal.
O princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração; é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis [Cf. José Lebre de Freitas e outros, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.°, Coimbra Editora, 2001, p. 635].
Valorou o Tribunal prima facie às declarações do arguido as quais se revelam algo confusas e contraditórias entre si. Com efeito, o arguido alegou que, no dia dos factos, foi abordado pelo militar da GNR, N, o qual embora viesse acompanhado por outro colega, esse se teria mantido afastado, tendo o referido militar lhe exigido a sua identificação, sem nunca lhe esclarecer qual a razão para tal (o que, para alem de ser contraditado pela demais prova testemunhal, é contraditória com as declarações do arguido, o qual acabou por admitir ter ciência da razão para tal ordem, porquanto dias antes já o mesmo agente de autoridade o havia abordado no sentido de que este estaria a incorrer na pratica de uma contraordenação quanto ao seu uniforme).
Alegou que terá informado o militar da GNR que não teria os documentos de identificação com este, tendo lhe sido dada voz de detenção, de imediato, sem mesmo ter sido advertido que incorria na prática de crime.
Contudo e por razões que o arguido não conseguiu esclarecer e/ou justificar, alegou que foi efetuando diversas manobras com vista a evitar a sua detenção, com vista a efetuar o hiato temporal necessário à chegada da policia marítima, cuja presença havia sido pedida por um dos seus colegas; sendo certo que, em nenhum momento o arguido alegou ter solicitado ou informado o militar da GNR que teria a sua documentação noutro local e se a poderia a ir buscar nesse lugar. Alias, o arguido apenas cumpre tal intuito quando o polícia marítimo lhe comunica que tem de obedecer à ordem do militar da GNR.
Por sua vez, a testemunha JS apenas presenciou parte dos eventos, porquanto se encontrava afastado aquando do início da abordagem, só se tendo aproximado quando se apercebeu que os militares da GNR o queriam algemar. Apesar de não ter ouvido o início da abordagem, também a testemunha revelou ter ciência da razão da mesma, porquanto teria estado presente quando o mesmo militar da GNR teria, dias antes, advertido o arguido que este estaria indevidamente uniformizado.
Depôs a testemunha que ouviu o militar a exigir a documentação de identificação ao arguido, assim como este a querer algemá-lo, mas o arguido negar-se a acompanha-lo para não pôr em causa a segurança dos banhistas, assim como a afirmar que apenas se identificava perante a Policia Marítima.
Mais nada acresceu à descoberta da verdade, dado se ter afastado do local, não tendo presenciado a intervenção da polícia marítima, embora saiba que estes se deslocaram ao local dos factos.
Por sua vez, pouco acresceram à descoberta da lide os depoimentos prestados por V e PS, os quais nada presenciaram salvo o facto da primeira ter contactado a polícia marítima, a requerer a sua presença no dia dos eventos, assim como a personalidade do arguido.
A versão do arguido revelou-se confusa e incoerente per SI, bem como contraditada pela demais prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento.
Com efeito, não conseguiu o mesmo esclarecer com a clareza que lhe seria exigível qual a razão para não ter entregue os respetivos documentos de identificação, nomeadamente porquanto consideraria que este não teria competência para lhe dar ordens, em especial autua-lo na qualidade de nadador-salvador, tendo, no decurso do seu discurso se remetido a respostas vagas e evasivas, apenas indicando que teria evitado a sua detenção até à chegada da polícia marítima. Alias, foi o próprio quem afirmou, quando questionado diretamente, que tem ciência que a GNR tem competência para lhe exigir a sua documentação enquanto cidadão na via pública, sendo que a questão quanto à eventual competência ou não dos militares da GNR foi suscitada no decurso do depoimento daqueles e não das alegações do arguido.
Igualmente e quanto ao alegado desconhecimento quanto à razão pela qual foi lhe requerida a sua identificação, embora inicialmente haja alegado que desconhece a razão, posteriormente admitiu ter conhecimento do por que, dada a anterior abordagem do mesmo militar da GNR; facto que alias foi corroborado por JS, cujo depoimento pouco mais acresceu à descoberta da verdade, dado pouco ter presenciado dos factos.
Diversamente, o depoimento prestado pelo militar da GNR, N não só se revela mais coerente e verosímil com as regras da experiencia comum, como são corroboradas pelos depoimento prestados por RS, colega que o acompanhava à altura da intervenção, assim como PC, policia marítimo, o qual embora apenas haja presenciado a parte final dos eventos em discussão, foi perentório quanto ao facto dos militares da GNR terem exigido a identificação do arguido, assim como a recusa persistente deste ultimo, não obstante ter sido advertido quer por aqueles, quer pela própria testemunha que essa recusa o fazia incorrer na pratica de um crime de desobediência. Alias, foi graças à intervenção desta ultima testemunha que o arguido acabou por ceder em mostrar a sua identificação, embora com relutância, e só apos varias insistências e este lhe ter novamente explicado que a GNR teria igualmente competência no areal.
O depoimento prestado por N revelou-se claro, incisivo e circunstanciado, tendo esclarecido os motivos que determinaram a sua abordagem ao arguido - por existência de indícios que este estaria a incorrer na pratica de uma contraordenação -, o facto de lhe ter requerido a sua identificação, o arguido recusou, por diversas vezes a fornecer, sem prejuízo da testemunha, assim como o seu colega RS e PC o terem, não só esclarecido da sua competência para o autuarem, como advertido que a sua recusa o faria incorrer na pratica de um crime, para alem da razão pela qual decidiu não o deter (com vista a evitar colocar em perigo a segurança dos banhistas dado o numero exigível de nadadores-salvadores).
Similar foi o depoimento prestado por RS, o qual acresceu que o arguido acabou por entregar a sua identificação mas apenas e só apos insistência por parte do policia marítimo.
Por fim, cumpre ainda ter em consideração a certidão de decisão da contraordenação levantada pelo supra referido militar da GNR ao arguido, a qual foi favorável a este último, o que aliás vai ao encontro do entendimento manifestado pelo polícia marítimo, quando questionado quanto à sua opinião da existência ou não da prática de uma contraordenação por parte do arguido, o qual, embora negativa, também foi perentória quanto à legitimidade e competência do militar da GNR em exigir a documentação de identificação ao arguido com o propósito de o autuar, face às suspeitas destes da prática de um ilícito contraordenacional.
Igualmente relevante foram as declarações do arguido quanto às suas condições socioeconómicas e o Certificado de Registo Criminal, no que se refere à (in)existência de antecedentes criminais
Poderá também interessar à questão que nos ocupa aquilo que se expende na fundamentação jurídica da sentença sob recurso, a propósito dos elementos típicos, a que podemos chamar «normativos», do crime de desobediência, a saber a legitimidade da ordem emitida e a competência da entidade que emite:
De especial pertinência revela-se o disposto no artigo 49° do Regime Geral das Contraordenações o qual ensina que as autoridades administrativas competentes e as autoridades policiais podem exigir ao agente de uma contraordenação, a respetiva identificação.
Sendo que de acordo com o art. 4.° alínea e) do Decreto-lei 96-A/2006, de 3/6, os nadadores-salvadores incorrem na prática de uma contraordenação punível com coima de €100 a €1000, caso estejam «uniformizados de forma irregular e que não permita visualizar estar no exercício da sua função de nadador-salvador», em conjugação com o disposto na al. f) do art. 5.° do Estatuto de Nadador-Salvador (Portaria 104011008 de 15/09, aplicável por força do art. 13.° do D.L. 118/2008 de 10/07).
Com efeito e da descrição efetuada pelo militar da GNR, o arguido se encontraria na prática de um ilícito contraordenacional, não obstante posteriormente a autoridade administrativa ter decidido arquivar os referidos autos, por considerar não se verificar a existência de indícios suficientes dessa prática.
Assim, do supra exposto, resulta que é absolutamente inquestionável a licitude da determinação da referida medida de polícia, de exigência identificativa, e, assim, a respetiva legitimidade, não só por efeito do convocado art.° 49.° do Regime Geral das Contraordenações (RGCO), mas também pela sua (legalidade/legitimidade) incontornável conferência aos agentes da autoridade, mormente aos militares da GNR _ que ora relevam, assim legalmente qualificados/considerados, [cfr. art. ° 10.°, n. ° 3, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, (Lei n.º 63/2007, de 06/11)] -, pela dimensão normativa integrada pelos dispositivos ínsitos sob os arts. 25.°, n.º 2, al. a), 28.°, n.º 1, al. a), e 32.°, n.º 2, da Lei de Segurança Interna (LSI) - Lei n.º 53/2008, de 29/08 -, 13.°, n.º 1, do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana - D.L. n.º 297/2009, de 14/10 -, e 1.º, n.º 1, da Lei n.º 5/95, de 21/02, na versão conferida pela Lei n.º 49/98, de 11/08, [com referência, naturalmente, ao referido art. 25.°, n.º 2, al. a), da atual LSI].
Em lógica decorrência, impor-se-ia ao visado cidadão, ora arguido, o correlato dever de pronto acatamento da respetiva ordem, como, aliás, expressa e reforçadamente se estabelece, máxime, no art. 5.°, n.º 1, da referida Lei de Segurança Interna.
A correspondente recusa fá-lo imediatamente incorrer no cometimento dum crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo art.° 348.°, n.º 2, do Código Penal, por tal consequência se encontrar expressamente cominada no n.º 2 do art. 14.° da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, (aprovada pela Lei n.º 63/2007, de 06/11) _ «[…] Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade de polícia ou agente de autoridade da Guarda, é punido com a pena legalmente prevista para a desobediência qualificada.» -, e condicionaria a sua pronta detenção, com vista à respetiva sujeição a julgamento sob a forma de processo sumário, [cfr. arts. 254.°, n.º 1, al. a), 255.°, n.º 1, al. a), 256.°, n.º 1, e 38l.°, n.º 1, al. a), do CPP], independentemente, pois, de qualquer outro procedimento do respetivo agente de autoridade, quer da verbal advertência da incursão em crime de desobediência, quer do correspondente à indagação da recusada identificação, postulado pelos arts. 3.° da Lei n.º 5/95, de 21/02, como inelutavelmente decorre do art. 5.º da referida Lei n.º 5/95, sendo que, no caso em apreço, tal não se revelou necessário atendendo em momento já posterior, o arguido ter apresentado a sua identificação, tendo alem disso os militares da GNR decidido, por uma questão de bom senso e com vista a manter a segurança dos banhistas, não deter de imediato o arguido.
Em sumula, a entidade donde emanou a ordem aludida é competente e a ordem emitida era legítima e tendo arguido tomado conhecimento dessa ordem, pois que lhe foi comunicada, assim como advertência legal que incorria na prática de um crime com a persistência na sua omissão na obediência da mesma (a qual, não era exigível no caso em concreto), o arguido persistiu na sua recusa.
Poder-se-ia suscitar a questão se este erroneamente considerou que a autoridade era incompetente para lhe dar tal ordem dado este afirmar que só se identificava perante a polícia marítima. Contudo, tal erro é afastado se atentarmos que, não só em momento prévio o militar da GNR o havia advertido de que este se encontraria irregularmente uniformizado, como no dia dos eventos e antes da chegada da polícia marítima, o mesmo militar esclareceu que este teria legitimidade e competência para o autuar e exigir, em consequência, a sua identificação.
Donde, o arguido não cumpriu a ordem que lhe foi dada porque assim não quis. Assim, nada mais resta concluir se não que o arguido praticou os factos com dolo, na modalidade de dolo direto, cfr. art. 14.°, n.º 1 do CP.
Considerando-se preenchidos os elementos do tipo de ilícito em evidência (quer o objetivo, quer o subjetivo), importa condenar o arguido pela prática do crime de desobediência, pelo qual vinha acusado.
De acordo com a factualidade objectiva dada como provada pelo Tribunal «a quo», que o arguido não impugnou em sede de recurso, o ora recorrente, depois de instado por militares da GNR para lhes fornecer a sua identificação, com vista ao levantamento de um auto de contra-ordenação, por violação de disposto no art. 4º al. e) do DL nº 96-A/2006 de 3/6, negou-se a fazê-lo, invocando que a GNR não tinha competência para o efeito, mas sim a Polícia Marítima, posição que manteve, mesmo depois de ter sido esclarecido pelos militares de que a GNR dispõe de competência legal para aquele procedimento e que incorreria na prática de um crime de desobediência se continuasse a recusar-se a cumprir o que lhe fora determinado.
Diferentemente, no âmbito do presente recurso, o arguido veio contestar a legitimidade «material» da injunção que lhe foi transmitida, alegando que não estava então a praticar qualquer facto que envolvesse transgressão ao disposto no art. 4º do DL nº 96-A/2006 de 3/6, que justificasse a elaboração de auto de contra-ordenação e a ordem de fornecimento de identificação.
Conforme se refere na sentença recorrida, a criminalização da desobediência tem por finalidade a tutela da autonomia intencional do Estado, o que equivale a assegurar o acatamento pelos membros de comunidade das determinações legítimas das autoridades públicas e dos seus agentes.
O art. 21º da CRP consagra o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os direitos, liberdades e garantias e de repelir pela forças qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.
No entanto, a constitucionalização do direito de resistência não implica, para a generalidade das pessoas, um «direito» de não acatar as determinações das autoridades públicas ou dos seus agentes, sob a invocação da sua ilegalidade ou, para o que nos interessa, da incompetência da entidade que a emita, a não ser em circunstâncias excepcionais, que tentaremos delimitar, com referência o caso em apreço.
Em causa está a recusa por parte do arguido de fornecer a militares da GNR a sua identificação, para o efeito do levantamento de auto de contra-ordenação por violação do disposto no ar. 4º al. e) do DL nº 96-A/2006 de 3/6.
O art. 49º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo DL nº 433/82 de 27/10 e sucessivamente alterado, confere efectivamente às autoridades administrativas e policiais o poder de exigir aos agentes das contra-ordenações a sua identificação.
De um modo geral, a tramitação dos processos de contra-ordenação prevista na lei confere aos arguidos os instrumentos adequados a evitar a aplicação injusta de uma sanção.
A este respeito avulta a disposição do art. 50º do RGCO que proíbe a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória se ao arguido não tiver sido assegurada a possibilidade de, em prazo razoável, pronunciar-se sobre a infracção que lhe é imputada e a sanção ou sanções em que pode incorrer.
Em todo o caso, se no final da fase administrativa do processo contra-ordenacional for proferida decisão sancionatória, sempre restará aberta ao arguido a via do recurso de impugnação judicial, previsto no art. 59º do RGCCO.
Nesta perspectiva, a elaboração de auto de contra-ordenação, com vista à instauração do respectivo procedimento não é, por si só, susceptível de causar dano irreparável aos direitos do autuado.
Por conseguinte, a busca de um desejável equilíbrio entre os direitos individuais e a autonomia volitiva do Estado poderá ser encontrada nestes termos, é legítima (e assim atípica do crime de desobediência) a recusa do fornecimento de identificação, para o efeito da elaboração de auto de contra-ordenação, uma vez verificados cumulativamente dois requisitos: a intervenção da autoridade administrativa ou policial seja manifestamente descabida e não apenas juridicamente discutível, como muitas vezes sucede; o cumprimento da ordem provoque dano a direito ou interesse juridicamente protegido do visado, que não seja susceptível de ser revertido por uma ulterior decisão não sancionatória, no final do processo de contra-ordenação.
Ora, perante o quadro factual apurado, os referidos requisitos não se mostram reunidos.
O art. 4º do DL nº 96-A/2006 de 3/6 prevê e pune como contra-ordenação a inobservância pelos nadadores-salvadores de determinados deveres a que estão adstritos no exercício da sua actividade.
Conforme resultou provado e o recorrente não questiona, a ordem para fornecer a sua identificação foi transmitida ao arguido pelos militares da GNR, numa altura em que ele se encontrava numa praia, exercendo as funções de nadador-salvador.
Nesta ordem de ideias, a intervenção dos militares da GNR, que deu origem aos factos por que o arguido responde, reúne um mínimo de probabilidade de não ter sido desprovida de fundamento, como poderia ter sucedido se os agentes da autoridade tivessem querido levantar um auto de contra-ordenação por violação dos deveres inerentes à actividade de nadador-salvador a alguém que, por hipótese, estivesse vendendo artigos de vestuário numa feira, a quilómetros de distância de qualquer praia.
Como já dissemos, o fornecimento da identificação com vista ao levantamento de auto-contra-ordenação não lesa, em si mesmo, os direitos do visado em termos que não possam ser reparados por uma ulterior decisão não sancionatória.
Nesta conformidade, o ajuizamento de que o cumprimento pelo arguido da ordem de fornecimento da identificação, que lhe foi comunicada pelos militares da GNR, causaria dano irreparável a direitos dele sempre estaria dependente do apuramento de factos, que concretamente o demonstrassem, o que não acontece nos presentes autos.
Consequentemente, não assistia ao arguido o direito de recusar o fornecimento da sua identificação com vista à elaboração de auto contra-ordenação, aos militares da GNR, que lhe a solicitaram, mesmo invocando que não estivesse a praticar qualquer infracção dessa natureza.
Caso fosse esse o entendimento do arguido, nada mais lhe restaria do que defender-se no âmbito do procedimento de contra-ordenação, que viesse a ser-lhe instaurado.
Pelo contrário, o que não lhe é lícito é tentar opor-se à instauração do procedimento contra-ordenacional na origem, recusando a sua identificação.
Mesmo quando não tenham conhecimentos jurídicos, a generalidade dos cidadãos tem a noção, derivada da experiência comum, de que não é permitido recusar o fornecimento da identificação, a um agente da autoridade que lho solicite, com vista ao levantamento de auto, ainda que não concorde com as razões que tenham motivado a autuação.
Nesse sentido, não é sustentável pôr em dúvida que o arguido sabia que devia obediência à ordem de identificação que lhe foi transmitida pelos militares da GNR e que não tenha querido desacatá-la, ao recusar o seu cumprimento.
O raciocínio exposto é válido também para questão da competência dos militares da GNR para prática do acto, pelo menos a partir do momento em que comunicaram ao arguido que eram legalmente competentes para o efeito.
Finalmente, no que se refere à factualidade dos pontos 13 e 14, o recorrente não tem fundamento para a questionar, já que foi também foi expressamente advertido de que incorreria na prática de um crime de desobediência, caso se recusasse a fornecer a sua identificação, como lhe fora solicitado, o que nem sequer era indispensável para o preenchimento do tipo criminal.
Consequentemente, terá de improceder a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deduzida pelo recorrente.
Importa então abordar a vertente subsidiária da pretensão recursiva: a impugnação da medida da pena, em que foi o arguido condenado.
Os critérios, que devem presidir à quantificação da pena concreta, são os estabelecidos pelo art. 71º do CP, o qual, sob a epígrafe «Determinação da medida da pena», estatui:
1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
O nº 1 do art. 40º do CP estabelece como finalidade da aplicação de penas a protecção de bens jurídicos, que se reconduz, essencialmente, à prevenção geral e especial da prática de crimes, e a reintegração do agente na sociedade e o nº 2 do mesmo normativo prescreve que em caso algum a pena ultrapasse a medida da culpa.
O crime de desobediência, na modalidade qualificada preenchida pelo arguido, é punível pelo art. 348º nº 2 do CP com pena de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias.
A fundamentação jurídica da sentença sob censura, na parte que agora nos interessa, é do seguinte teor (transcrição com diferente tipo de letra):
4.3.1.- Determinação do número de dias de multa
Este primeiro ato consiste em fixar, dentro dos limites legais da moldura abstrata ou legal da pena, o número concreto de dias de multa, tendo em consideração os critérios impostos pelo art. 71.°, n.º 1 do Código Penal, aplicável ex vi do já mencionado art. 47.°, n.º 1, isto é, em função da culpa do agente, tendo em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.
Constituindo as exigências de prevenção geral o limite mínimo da pena e a culpa do agente o seu limite máximo, a medida concreta da pena deve ter em consideração a finalidade de prevenção especial, de ressocialização do arguido ou de suficiente advertência, no sentido de retirar este agente do caminho criminoso.
Valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos e da reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe só o mal necessário, em homenagem ao princípio da subsidiariedade do direito penal, a culpa funciona como limite máximo da pena, dentro da moldura penal assim encontrada.
Estipula o art. 71.°, n.º 1 do Código Penal, por sua vez, que «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção» de futuros crimes.
A pena a aplicar será, assim, fixada em função da culpa, da ilicitude, e das circunstâncias agravantes e atenuantes que ocorram, não se perdendo de vista o objetivo de reinserção social do agente.
"Uma pena que ultrapasse a culpa é ilegal e injusta. E a determinação da pena em concreto é a determinação pelo Juiz da pena necessária e justa", no ensinamento do Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, "As Consequências Jurídicas do Crime", p.222.
A determinação da medida concreta da pena, balizada por estes limites, é então feita em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção, devendo o tribunal atender, para o efeito, a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71° do C. Penal).
Entre outras circunstâncias, deve o tribunal atender ao grau de ilicitude do facto, ao seu modo de execução, à gravidade das suas consequências, ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, à intensidade do dolo ou da negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, à motivação do agente, às condições pessoais e económicas do agente, à conduta anterior e posterior ao facto, e à falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (n° 2 do art. 71° do C. Penal), ou o que a doutrina denomina de os critérios de aquisição e de valoração dos fatores da medida da pena.
Neste âmbito, rege o princípio da proibição de dupla valoração, consagrado no referido art. 71.°, n.º 2, do supra referido diploma legal, segundo o qual não devem ser tomadas em consideração, na medida concreta da pena, as circunstâncias que façam já parte do tipo de crime. Todavia, o que fica dito não obsta em nada, porém, a que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento típico e, portanto, da concretização deste, segundo as especiais circunstâncias do caso, v.g., não deve ser valorado da mesma forma um sequestro de 3 dias ou de 3 meses (cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 234 e ata da 26. a sessão da Comissão Revisora do Projeto da parte geral do Código Penal, in EM), 49, pág. 74/75).
Ainda neste âmbito, importa referir que os fatores que influem na determinação da medida são, muitas vezes, dotados de particular ambivalência. Por exemplo, um mesmo fator, na perspetiva da culpa, pode funcionar como agravante e, na perspetiva da prevenção funcionar como atenuante.
Em suma, haverá, agora, que proceder à determinação da medida concreta da pena de prisão a aplicar.
A pena concreta a aplicar será determinada, dentro da moldura penal fixada no tipo incriminador (pena de prisão até 1 ano), em função da culpa do agente, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (porque estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele (artigo 71º do Código Penal).
Atendendo, assim, às considerações supra enunciadas, para a determinação da medida concreta da pena, importa considerar:
-A favor do arguido-
- Integração familiar, social e profissional;
- O arguido não ter antecedentes criminais pela prática do mesmo ilícito ou de natureza similar.
- Contra o arguido -
- Intensidade do dolo: o arguido agiu com dolo direto, que é a forma mais gravosa de dolo, e, como tal, configura um maior juízo de censura.
- Postura assumida pelo arguido em sede de ausência: desculpabilizadora e de incompreensão da gravidade e ilicitude dos seus atos.
Tudo ponderado, em tendo em conta o limite máximo imposto pela culpa, tem-se como adequada a aplicação de uma pena de 100 (cem) dias de multa.
4.3.2.- Determinação do quantitativo diário
Este segundo consiste em fixar, dentro dos limites estabelecidos pelo art. 47.º, n.º 2 do Código Penal, o quantitativo de cada dia de multa.
O referido preceito legal, na redação introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, dispõe que "cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e €500, 00, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais".
No que se refere a critérios que devem ser tomados em conta para determinar a condição económica e financeira do condenado, o Código Penal é omisso, pelo que, como sustenta o Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias (ob. cit., pago 129), tal só pode significar que deverá atender-se à totalidade dos rendimentos próprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte, com exceção de abonos, subsídios eventuais, ajudas de custo e similares. Por outro lado, àqueles rendimentos há de ser deduzidos os gastos com os impostos, prémio de seguro, prestação de alimentos imposta por lei, prestação da casa e outras despesas que pesem extraordinariamente ou duradouramente sobre os rendimentos do condenado (cfr. mesmo autor, ob. cit., pp. 129/130).
Contudo, para além disso, o quantitativo da multa, embora respeitando sempre as condições económicas e financeiras do arguido, tem de lograr alcançar as finalidades da punição, de modo a representar uma censura suficiente do facto, que possa ser sentida verdadeiramente pelo arguido, no seu património, e seja, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade da norma violada.
Assim, e considerando a situação económica do arguido, constante dos factos provados, afigura-se como adequado o quantitativo diário de €5,00 (cinco euros), o que, no caso, perfaz a quantia de €500,00 (quinhentos euros).
Tendo o Tribunal de Julgamento optado pela imposição de uma pena patrimonial, a sua concretização desdobra-se, como é sabido em dois momentos: o da sua duração temporal e a do seu quantitativo diário.
Dado que a sentença em crise fixou a taxa diária da pena de multa, em que o arguido foi condenado, no mínimo legal de € 5, apenas teremos de curar, no âmbito de presente recurso da eventual diminuição da sua duração temporal.
O Tribunal «a quo» quantificou em 100 dias a duração temporal da sanção, valor que se situa relativamente próximo do ponto médio da moldura abstractamente aplicável (120 dias).
Desde logo se nos afigura, salvo o devido respeito, que o Tribunal recorrido não valorizou na sua justa medida a falta de antecedentes criminais do arguido, conjugada com a sua idade.
Segundo consta dos seus elementos de identificação, que figuram no relatório da sentença sob recurso, o arguido nasceu no ano de 1951, contando entre 62 e 63 anos de idade, ao tempo em que praticou os factos por que responde.
O evocado quadro factual é revelador, por parte do arguido, de um percurso pessoal muito consolidado na observância das regras de direito, podendo atribuir-se natureza episódica à conduta incriminada no presente processo.
Daí resulta uma drástica diminuição das necessidades de prevenção especial.
Nesta conformidade, e não obstante o arguido não poder valer-se de atenuantes como a confissão ou o arrependimento, a medida da duração temporal da pena de multa aplicada é passível de compressão em benefício do recorrente, sem que com isso resulte comprometida a realização das finalidades preventivas da punição.
Por conseguinte, entendemos por justo e equilibrada a diminuição para 60 dias da medida temporal da pena.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
a) Conceder provimento parcial ao recurso interposto da sentença pelo arguido e revogar a decisão recorrida, nos termos da alínea seguinte;
b) Condenar o arguido pela prática de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348° nº 1 do CP, reduzindo a medida da pena para 60 (cento e dez) dias de multa e mantendo-se inalterada a sua taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz uma multa global de € 300 (trezentos euros);
c) Negar provimento ao mesmo recurso, quanto ao mais e confirmar a decisão recorrida.
Sem custas.
Notifique.
Évora, 08/05/18 (processado e revisto pelo relator)