CONTRATO DE TRABALHO
ACORDO DE REVOGAÇÃO
COMPENSAÇÃO
CRÉDITOS LABORAIS
RENÚNCIA
Sumário

Tendo a trabalhadora e a empregadora feito constar do acordo de revogação do contrato individual de trabalho que a trabalhadora aceita reduzir a compensação pela antiguidade na empresa para a quantia € 12.000, 00 a ser paga pela empregadora e que dará quitação com a boa cobrança das quantias recebidas a título de compensação e créditos laborais, à luz das normas de interpretação dos contratos e tendo ambas as partes formação superior, tais declarações só podem ser entendidas no sentido de que as partes apenas acordaram quanto ao valor da compensação por antiguidade, dela excluindo os créditos salariais devidos à trabalhadora.

(Elaborado pela relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


AAA, residente na (…), intentou contra BBB, Lda, com sede na Rua (…), acção declarativa sob a forma de processo comum, pedindo que a acção seja julgada procedente e a Ré condenada a pagar-lhe o valor global de € 6.178,23, a que acrescem os juros de mora, contados à taxa legal, desde 7 de Outubro de 2014, os quais, liquidados até 7 de Junho de 2015, perfazem já € 164,53.

Invocou, para tanto, em resumo, que:

No dia 1 de Janeiro de 2003 iniciou-se um contrato de trabalho sem termo entre a Autora, que é licenciada em direito e a Ré, que é uma empresa que gere condomínios tendo, a partir daí, aquela passado a prestar serviço a esta, na sua qualidade de técnica jurista, mediante uma contrapartida salarial que, em Outubro de 2014, era no valor mensal de € 1.476,19;
Em Agosto de 2014, a Autora e a Ré iniciaram negociações para a extinção do posto de trabalho desta última e, em 6 de Outubro de 2014, subscreveram um acordo de revogação do contrato de trabalho que então vigorava entre elas, o qual foi contratado no âmbito da liberdade relativa de uma negociação deste tipo, mas estando as partes munidas do pleno uso das suas faculdades mentais e conhecendo bem o que assinavam;

Desse documento consta a cláusula 4ª, onde as partes, voluntária e conscientemente, contrataram o seguinte:
«1– A Segunda Outorgante aceita reduzir a compensação pela antiguidade na empresa, para a quantia de € 12.000,00 (doze mil euros), que será paga pela Primeira Outorgante também na presente data também por meio de cheque/transferência bancária»;
A quantia assim acordada, correspondia à redução da compensação por despedimento do interesse da Ré e que a Autora aceitou, a qual fora reivindicada pela Autora por força da extinção do seu contrato de trabalho, de um salário por cada ano de antiguidade (12 anos), o que perfaria uma quantia aproximada aos dezassete mil euros, sendo que, desde logo, a compensação mínima legal por extinção de posto de trabalho, inferior à reivindicada, corresponderia a, no mínimo, € 16.018,30;
Da referida cláusula decorre que a Autora tem direito e pretende receber a “compensação pela antiguidade”, que aceitou reduzir e os “créditos salariais” a que não renunciou, nem no todo nem em parte, em nenhum local do acordo de revogação nem por alguma forma visível ou invisível;
A Autora já recebeu os € 12.000,00, estrita e exclusivamente imputáveis à compensação pela extinção do posto de trabalho e porque não renunciou aos seus créditos salariais, por compressão com a indemnização por antiguidade, que nela não se encontram integrados, tem ainda direito ao salário correspondente a seis dias do mês de Outubro, calculado com base no valor bruto de salário mensal de € 1.476,19, ao subsídio de alimentação, não pago, que lhe era abonado por cada dia de trabalho efectivamente prestado e que correspondia, à data do termo do contrato, ao valor mínimo diário de € 4,27, multiplicado pelos cinco dias úteis trabalhados no mês de Outubro, a sete dias de férias vencidas a 1 de Janeiro de 2014 e relativas ao trabalho prestado no ano de 2013, não gozadas e não pagas, aos proporcionais, ainda não pagos em Outubro de 2014 do subsídio de Natal de 2014, de que já haviam sido anteriormente recebidos pela Autora, a três duodécimos, nos meses de Julho, Agosto e Setembro a proporcionais de férias a vencer em Janeiro 2015, correspondentes ao trabalho prestado no ano de 2014 e não gozadas e aos proporcionais do subsídio de férias não gozadas, correspondentes ao trabalho prestado no ano de 2014;
Desde Novembro de 2013 que a Ré não pagou à Autora o valor semanal de € 25,00 de gasóleo, sendo que a cessação de pagamento desse valor foi feita unilateralmente pela Ré, sem que a Autora a aceitasse ou tivesse renunciado ao recebimento de tal valor contratual; e
A Ré, em Janeiro de 2012, fez cessar unilateralmente, sem negociação ou aceitação por parte da Autora, o pagamento de uma parte do subsídio de alimentação, que então era do valor de € 6,05, tendo passado, a partir daí, por cada dia de trabalho prestado, a pagar-lhe menos € 1,78.
Citada, a Ré contestou por excepção e por impugnação.

Por excepção invocou:
No âmbito do Acordo de Revogação do contrato, em concreto na sua cláusula 4.ª n.º 3, a Ré e a Autora acordaram, entre outras condições, num pagamento de € 12.000,00 pela revogação do contrato de trabalho, quantia que deve ser entendida como, quantia a pagar a título global;
Acresce que, na mesma cláusula 4.ª do Acordo de Revogação, a A. emitiu a seguinte declaração: “Verificado o bom pagamento, a Segunda Outorgante declara que nada mais tem a receber ou a reclamar da Primeira Outorgante pela celebração, vigência e cessação do contrato de trabalho ou seja a que título for….”
Conforme a Autora afirma na petição inicial, em 9/10/2014 a Ré pagou-lhe o montante global de €12.000,00 verificando-se, assim, a plena eficácia da declaração emitida pela Autora pelo que não pode a Autora vir reclamar nos presentes autos qualquer crédito laboral à Ré, porquanto com o pagamento da quantia de €12.000,00, a Autora renunciou a reclamar quaisquer créditos pela celebração, vigência e cessação do seu contrato de trabalho; e
A declaração de renúncia emitida pela Autora subsume-se à remissão prevista no n.º 1 do artigo 863.º do Código Civil, configurando uma renúncia abdicativa e, por isso, constituindo uma das formas extintivas das obrigações, excepção peremptória que invoca;
Por impugnação invoca, em suma, que a Autora não pode afirmar que os € 12.000,00 já recebidos são exclusivamente imputáveis à compensação pela extinção do posto de trabalho, porquanto bem sabe que tal não corresponde ao acordado e real intenção da Ré e que, desde o início das negociações com a Autora, que a Ré sempre lhe transmitiu a sua intenção de se fixar um montante global pela cessação do contrato, aliás como é comumente aceite no âmbito da autonomia privada no momento da cessação das relações laborais e se outra for a interpretação a retirar de tal acordo, então, a vontade da Ré está viciada.

Conclui pedindo que a excepção peremptória da remissão abdicativa declarada pela Autora seja julgada procedente por provada, absolvendo-se a Ré do pedido, ou, se assim não se entender, em alternativa, que a acção seja julgada improcedente por não provada, por entender que o montante acordado entre Autora e Ré, para a cessação do contrato de trabalho, foi fixado a título global, absolvendo-se a Ré do pedido.

Foi dispensada a audiência preliminar, proferido despacho saneador, relegado para final o conhecimento da excepção peremptória da remissão abdicativa, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.

Procedeu-se à audiência de julgamento com observância do legal formalismo.

Foi proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
“Destarte, julga-se parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente:
a) –CONDENA-SE a ré BBB, LDA, a pagar à autora AAA:
a.1)- a quantia de € 3.717,33 (três mil setecentos e dezassete euros e trinta e três cêntimos), relativa ao total dos créditos laborais vencidos [retribuições e férias vencidas e não gozadas] e devidos em virtude da cessação do contrato [proporcionais de férias e respectivos subsídios de férias e Natal], acrescida dos juros de mora, à taxa legal de 4%, desde 07-10-2014 e até integral pagamento.
a.2)- a quantia, a liquidar, relativamente à diferença entre o montante diário de subsídio de refeição pago pela ré até Janeiro de 2012 e o montante pago a esse título partir de Janeiro de 2012 até Outubro de 2014, por cada dia de trabalho efectivamente prestado pela autora durante esse período, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde 07-10-2014 até integral pagamento.
b)- ABSOLVE-SE a ré do demais peticionado pela autora.
Custas a cargo de autora e ré, na proporção do respectivo decaimento – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Processo Civil (aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho).
Valor da acção: € 6.178,23.
Registe e notifique”

Inconformada, a Ré arguiu a nulidade da sentença e recorreu finalizando as suas alegações com as seguintes conclusões:
 “1.  
(…),
5.O contexto que envolveu a negociação e celebração do acordo de revogação alcançado entre a A e o gerente da R foi o seguinte: o gerente da R é um engenheiro civil e a A é uma jurista. As negociações duraram cerca de um mês. A A, inicialmente pediu mais dinheiro, a R ofereceu menos e as partes alcançaram um entendimento nos €12.000. A A elaborou o texto do acordo de revogação do contrato de trabalho que veio a ser assinado, não tendo a R tido assessoria jurídica nesse acto.
6.Perante estes factos não é verosímil acreditar que o gerente da R tenha aceite pagar os €12.000 deixando à A, uma jurista, a liberdade e o direito de vir no futuro dizer quais seriam os hipotéticos créditos salariais que lhe seriam ainda devidos e lhe deveriam ser pagos (mais ainda quando alguns são controvertidos), sendo muito mais plausível que esse senhor, concluída a negociação, apenas tenha aceite pagar os €12.000 para “terminar” de vez com o assunto, não deixando para momento ulterior a discussão do que deveria ser ou não ainda pago.
7.Se para o jurista o texto da Cláusula 4º do acordo de revogação do contrato de trabalho junto a fls 30 a 32 dos autos pode suscitar dúvidas de interpretação, nos termos do Artigo 236º do Código Civil, nenhuma dúvida pode subsistir de que a Cláusula 4º do acordo - incluindo-se nesta interpretação também a renúncia plasmada no seu nº 3 - deve ser interpretada nos sentido de que as partes quiseram considerar os €12.000 como uma indemnização global, incluindo, portanto, todos os créditos salariais que seriam devidos à A.
8.Acresce (ou a favor desta tese) que a A expressamente renunciou a receber quaisquer outros valores da R para além dos €12.000, como sustentou bem o Ministério Público, que se cita: “Ora, no n.º 3 da aludida cláusula 4ª a requerente declara expressamente que nada mais tem a receber ou a reclamar da primeira outorgante, ora requerida Sogeu Condomínios.
Afigura-se-nos que tal declaração constitui um autêntico contrato de remissão que, nos termos do artº 863º do CC, fez extinguir todas as obrigações decorrentes da relação laboral.
Com efeito, a remissão é um contrato que visa a renúncia do credor ao direito de exigir a prestação da dívida.”
9.Não obstante, caso o Tribunal, eventualmente, venha a entender que prevalece a tese da A, isto é, que as partes acordaram que fosse paga á A €12.000 a título de compensação por antiguidade mais os créditos salariais devidos na data da cessação, (vencimentos, subsídios, proporcionais, etc, conforme identificados no Art 28º da PI) então, terá que considerar-se que uma parte significativa desses créditos já foi paga e que o suposto valor em dívida é, então, inferior ao estabelecido na sentença.
10.Com efeito, o pedido formulado pela A (e a condenação) consiste no pagamento dos créditos salariais concreta e expressamente identificados na PI (Art 28º) e na sentença. A R contestou, alegando sempre que esses créditos estavam pagos, quando pagou os €12.000. A A não pediu (e o Tribunal não condenou) a R a pagar parte da compensação por antiguidade.
11. Ora, a A juntou aos autos um recibo de vencimento no qual se declara ter sido pago à R, em Outubro de 2014, a quantia de €3.075,62 relativa a: €246,03 a título de “vencimento”; €1107,23 como “proporcionais mês férias”; €615,13 como “proporcionais subsídio férias” e €1.107,23 como “indemnização férias não gozadas”. Este facto está dado como provado (cfr Facto Provado nº 9 da sentença).
O recibo em causa prova que se procedeu à imputação dos €3.075,62 no pagamento dos concretos créditos salariais indicados no recibo e não no pagamento da compensação por antiguidade.
12.Os créditos cujo pagamento foi pedido na PI e os créditos em que a R foi condenada a pagar na sentença correspondem aos créditos identificados no recibo de vencimento.
 Neste contexto, o valor de €3.075,62 deve ser deduzido ao valor de €3.717,33 em que foi condenada a R na sentença.
13.A douta sentença, com o devido respeito, violou, designadamente, os Artigos 236º e 863º e segs do Código Civil e 615 do CPC.”
Termina pedindo que seja corrigida a matéria de facto dada como não provada e que a sentença recorrida seja revogada e a Ré absolvida do pedido ou, caso assim se não entenda, seja a quantia de €3.075,62 deduzida ao valor da condenação.

A Autora contra-alegou e respondeu às conclusões da Recorrente nos seguintes termos:
(…),
3.Como bem se decidiu na sentença Recorrida, o teor do acordo de revogação – na sua interpretação literal – implica que:
a.- o valor discutido em negociação e apurado no final desta, corresponde ao preço da revogação do contrato
b.- e que, além dessa quantia, deveriam ser pagos os créditos laborais pendentes de pagamento à data da revogação;
4.Desse teor resulta ainda que a quitação das quantias devidas a título de indemnização e créditos laborais seria dada em momento futuro, conforme o tempo do verbo o indicava, após boa cobrança, pelo que não ocorreu também, por essa via, nem remissão abdicatória, nem reconhecimento negativo da dívida, realidade bem distinta daquela e que adequadamente melhor se aplica a este particular;
5.Como resulta provado e foi acolhido na sentença Recorrida, o acordo foi redigido, lido e assinado por agentes com formação superior, uma na sua qualidade de trabalhadora jurista, o outro na sua qualidade de legal representante/gestor – com responsabilidades acrescidas - e engenheiro
6.Não podendo, qualquer deles, negar o conhecimento, leitura exata e alcance da literalidade do acordo,
7.Nem devendo esquecer-se que essas suas qualidades fizeram necessariamente parte da vontade de outorgar o acordo assim redigido, redação esta feita pela Recorrida a pedido do Recorrente, que, necessariamente, saberia porque formulava tal pedido, tudo como provado pelo seu depoimento.
8.A Recorrente, na motivação a que se responde, pugna por algo e o seu contrário, formulando, no âmbito do recurso, conclusões contraditórias, que se anulam, delas fazendo constar uma tese nova, nunca antes expressa, que, por isso, não foi levada em conta na decisão Recorrida, isto é, o reconhecimento de que os créditos salariais não são devidos por já terem sido pagos,
9.O que não provou, apenas tendo provado o processamento formal de uma parte do pagamento dos €12.000,00 como créditos salariais, sem ter demonstrado, provado ou, sequer, invocado, em primeira instância, que esse valor foi assim tratado, na realidade.
10.A conjugação dos depoimentos, da qualidade dos agentes e do teor literal do acordo – para não falar da atitude amoral da Recorrente, no tratamento da questão sub judice - , implicam a confirmação integral da sentença Recorrida no seu alcance e fundamentação, afastando qualquer hipótese de remissão abdicatória ou outra forma de renúncia ao recebimento de créditos.
11.E mesmo que assim não fosse, na dúvida, prevaleceriam, para a sua interpretação e integração, nomeadamente, as disposições conjugadas dos artigos 236 a 239, 376, nºs. 1 e 2, 380 e 863, todos do código civil, além do disposto no nº. 4 do artº. 2º. do CIRS, e artigo 46, nº. 3 e nº. 2 v) do CRCSPSS todas cumpridas na sentença Recorrida,
12.Que, portanto, só pode ser confirmada na íntegra.”

O recurso foi admitido na forma, com o modo de subida e efeito adequados.

Neste Tribunal, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença.

As partes não responderam ao parecer.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), no presente recurso importa conhecer as seguintes questões:
1ª- Se a sentença é nula por omissão de pronúncia.
2ª- Se deve ser alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
3ª- Se o valor de 12.000,00 euros a que alude o acordo de revogação do contrato de trabalho reveste natureza de uma indemnização global onde se inclui, além da compensação por antiguidade, os créditos salariais devidos à Autora ou se esta renunciou expressamente aos créditos salariais.
4ª- Caso o Tribunal considere que foi acordado pagar 12.000,00 euros mais o valor dos créditos salariais devidos à Autora, se se deverá, então, considerar que uma parte desses créditos salariais já foi paga, devendo ser deduzida ao valor apurado na sentença.
***

Da nulidade da sentença.

Tendo a Recorrente cumprido o disposto no artigo 77º do CPT vejamos, então, se a sentença é nula por omissão de pronúncia.

A este propósito invoca a Recorrente, em resumo, que, nos artigos 5º a 18º da Contestação, alegou que a Autora renunciou expressamente a haver ou receber da Ré qualquer outro valor para além dos €12.000 que efectivamente recebeu e que, analisada a sentença recorrida, incluindo nos factos dados como provados e não provados, constata-se que o Tribunal a quo omitiu em absoluto a questão da renúncia abdicativa, enquanto declaração autónoma proferida pela Autora e figura jurídica prevista no Artigo 863º do Código Civil, pelo que não se fazendo qualquer referência a esta matéria, a sentença enferma de uma nulidade nos termos do Artigo 615º nº 1, al. d) do CPC.

Apreciando:
Nos termos do artigo 615º nº 1 al.d), 1ª parte, do CPC “ A sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse conhecer”….

Sobre a omissão de pronúncia, escrevem José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol.2º, pag.670, anotação que, embora se dirija ao artigo 668º do CPC é aplicável à al.d) do actual artigo 615º que manteve a mesma redacção:” Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (art.660-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…).”

Também sobre a omissão de pronúncia ensina o Professor Alberto do Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pags.142 e 143: “ A primeira parte do nº 4 declara nula a sentença que deixe de pronunciar-se sobre questão de que o juiz devia conhecer. Esta nulidade está em correspondência directa com o 1º período da 2ª alínea do art.660º- Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.(…)
Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.”

E como se afirma no Acórdão do STJ de 11.03.2012, in www.dgsi.pt “1. A nulidade por omissão de pronúncia pressupõe que o tribunal não julgou uma questão que devia apreciar; não basta que não tenha considerado um argumento ou um elemento (nomeadamente probatório) que o recorrente entenda ser relevante.”.

Em suma, a sentença é nula por omissão de pronúncia quando o juiz deixe de conhecer questões que lhe foram colocadas pelas partes ou quando não aprecie questões que devia conhecer oficiosamente.

Regressando ao caso, constata-se que nos artigos 5º a 18 º da contestação a Ré invocou que, de acordo com a cláusula 4ª do Acordo de revogação do contrato de trabalho, a Autora renunciou a reclamar quaisquer créditos pela celebração, vigência e cessação do seu contrato de trabalho, declaração de renúncia que se subsume à remissão prevista no nº 1 do artigo 863º do Código Civil, configurando uma renúncia abdicativa e, por isso, constituindo uma das formas extintivas das obrigações, no caso em apreço, da obrigação da Ré pagar quaisquer créditos laborais para além do montante de € 12.000,00.

Acrescentou a Recorrente que a Autora emitiu a declaração abdicativa num contexto em que não releva a irrenunciabilidade dos créditos resultantes do contrato de trabalho, porquanto tal renúncia não assentou sobre direitos irrenunciáveis e que a renúncia abdicativa configura uma excepção peremptória, que invoca e que determina a sua absolvição do pedido.

No despacho saneador, sob o título “ DA EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA DA REMISSÃO ABDICATIVA refere-se o seguinte:
“ Uma vez que a factualidade em que assenta a invocada excepção peremptória da remissão abdicativa permanece controvertida, constituindo um dos temas da prova, relega-se a apreciação de tal excepção para final.”

Na sentença, o tribunal enunciou como questões a decidir, as seguintes: i) a questão de saber se o montante de €12.000,00 referido no nº 1 da cláusula 4ª do “acordo de revogação do contrato individual de trabalho” de fls. 30 a 32 dos autos inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude deste; ii) a questão de saber se à autora são devidos os reclamados créditos laborais.

E sob o título “Da improcedência da invocada excepção peremptória da remissão abdicativa” escreve-se na sentença o seguinte:
“Temos pois que embora a revogação do contrato por acordo não conceda ao trabalhador, ex legis, o direito a qualquer compensação, na maioria das situações [como sucedeu no caso vertente], as partes fixam uma tal compensação, conforme permitido desde logo pelo próprio artigo 349.º do Código do Trabalho [cfr. os n.os 4 e 5], surgindo a mesma «…como uma espécie de “preço do despedimento negociado”. Com efeito, o acordo revogatório é (…) um autêntico despedimento negocial, então pode dizer-se que a compensação pecuniária será o preço a pagar pelo empregador ao trabalhador para que as negociações cheguem a bom porto» (JOÃO LEAL AMADO, citado no acórdão de 19-06-2014 do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA, proferido no processo 1170/11.8TTLRA.C1, disponível em www.dgsi.pt).
Sendo fixada tal compensação, importa ter em atenção o disposto no n.º 5 do artigo 349.º do Código do Trabalho, nos termos do qual «Se, no acordo ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global para o trabalhador, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta».
A propósito desta presunção, refere JOÃO LEAL AMADO (cfr. o citado acórdão de 19-06-2014 do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA) que «…este nº 5 se refere à compensação e fim de contrato em termos cuja bondade é muito discutível. Na verdade, aí se pode ler que, sendo estabelecida uma compensação pecuniária global para o trabalhador, “presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta”. Trata-se, pois, inequivocamente, de uma presunção legal e de uma presunção legal que opera em benefício do empregador. Na ausência desta disposição legal, o estabelecimento de uma compensação pecuniária para o trabalhador em nada interferiria com o pagamento dos restantes créditos que lhe fossem devidos por força do contrato (salários em atraso, pagamento de horas suplementares ou nocturnas, etc) ou da sua cessação (retribuição e subsídio de férias, subsídio de Natal, etc.). A compensação pecuniária seria um plus, algo que acresceria àquilo que (…), o trabalhador sempre teria direito em função do contrato e/ou da respectiva cessação.
«Ora, sucede que o estabelecimento desta presunção legal vem modificar os dados do problema, pois ao ser estipulada uma compensação pecuniária de natureza global para o trabalhador (facto conhecido) a lei retira a ilação de que no respectivo montante já vão incluídos e liquidados os restantes créditos do trabalhador (facto desconhecido). Ao imputar estes créditos na compensação a lei fragiliza-os e, diga-se, potencia surpresas sobremaneira desagradáveis para o trabalhador. Com efeito, enquanto declaratário normal e pouco versado em subtilezas jurídicas, o trabalhador a quem seja proposta uma compensação pecuniária de x em caso de revogação do contrato tenderá a pensar que, aceitando a proposta patronal, terá direito a receber x (valor da compensação) mais y (salários em atraso) e z (montante relativo a créditos de formação sucessiva, como férias ou subsídio de Natal). A lei, porém, presume que x já engloba y e z, o que, até tendo em atenção a função alimentar desempenhada pelo salário, parece dificilmente sustentável».
*
Todavia, para que tal presunção opere – em benefício do empregador – é necessário que as partes estipulem, literalmente, uma compensação pecuniária de natureza global.
Com efeito, e como refere JOÃO LEAL AMADO (cfr. o citado aresto), «É certo que: i) a presunção legal só opera caso as partes estabeleçam uma compensação pecuniária de natureza global, pelo que nada a impede de esclarecer que a compensação será de x, sem prejuízo dos créditos y e z; ii) a própria natureza global da compensação não se presume, pelo que se as partes especificarem o título ao abrigo do qual o montante acordado será pago (indicando, p. ex., que este será devido a título de “indemnização pela cessação do contrato”) já à referida compensação não poderá ser atribuída uma natureza global; […]».
Ora, reportando-nos agora ao caso vertente, verifica-se que as partes não estipularam uma compensação pecuniária de natureza global, antes tendo especificado expressamente no n.º 1 da cláusula 4.ª que o referido montante de € 12.000,00 se reporta a “compensação pela antiguidade na empresa”, reforçando no n.º 2 da mencionada cláusula que a trabalhadora “dará quitação com a boa cobrança das quantias recebidas a título de compensação e créditos laborais”.
Afigura-se-nos, por tudo o exposto, que in casu o empregador não beneficia da presunção legal prevista no n.º 5 do artigo 349.º do Código do Trabalho, desde logo por não se verificar o “facto conhecido” (cfr. artigo 349.º do Código Civil) em que assenta a presunção (o estabelecimento de uma compensação pecuniária de natureza global), não estando por isso a trabalhadora (ora autora) sujeita ao ónus de provar que o montante de € 12.000,00 não inclui [também] os demais créditos devidos em virtude do contrato e da respectiva cessação.
*
Pelo contrário, incumbia à empregadora (ora ré) o ónus de provar que era intenção de ambas as partes incluir no montante de € 12.000,00 todos os montantes devidos à trabalhadora, incluindo não só a “compensação pela antiguidade” como todos os demais créditos exigíveis pela trabalhadora.
*
Como resulta da matéria de facto provada e – sobretudo – não provada, a ré não logrou fazer tal prova, o que conduz necessariamente à improcedência da excepção peremptória da remissão abdicativa invocada pela ré, o que se decide.
Assim sendo, são devidos à autora – para além do aludido montante de € 12.000,00 referido como “compensação pela antiguidade”, que a autora já recebeu e a que tinha direito por inteiro (pelo que se considerará imputada a tal compensação, tal como faz a autora, a totalidade do montante por si já recebido da ré) –, os demais créditos laborais a que a mesma tenha direito.”

Ora, face ao exposto impõe-se concluir que o Tribunal a quo conheceu da excepção peremptória da remissão abdicativa apreciando-a, em simultâneo, com a questão de saber se o montante de €12.000,00 referido no nº 1 da cláusula 4ª do “acordo de revogação do contrato individual de trabalho” inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude deste.

E ao concluir que “as partes não estipularam uma compensação pecuniária de natureza global, antes tendo especificado expressamente no n.º 1 da cláusula 4.ª que o referido montante de € 12.000,00 se reporta a “compensação pela antiguidade na empresa”, obviamente que, implicitamente, está a conhecer e a excluir a alegação da Ré no sentido de que a Autora renunciou expressamente aos créditos salariais, daí que tenha julgado improcedente a excepção peremptória em causa

E se na óptica da Recorrente o Tribunal a quo errou na conclusão a que chegou, então já estaremos no âmbito de eventual erro de julgamento a ser apreciado noutra sede que não a da arguida nulidade da sentença.

Consequentemente, julga-se improcedente a invocada nulidade da sentença.
***

Fundamentação de facto
A sentença recorrida considerou provada a seguinte factualidade:
1.A autora é licenciada em direito [artigo 1.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
2.A ré é uma empresa que se dedica à gestão de condomínios [artigo 2.º da PETIÇÃO INICIAL –ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
3. No dia 1 de Janeiro de 2003 teve o seu início de vigência um contrato de trabalho sem termo entre Autora e Ré, tendo, a partir daí, aquela, passado a prestar serviço a esta, na sua qualidade de técnica jurista, mediante uma contrapartida salarial [artigo 4.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
4.A qual, em Outubro de 2014, era no valor mensal de € 1.476,19 [artigo 5.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
5.Na decorrência de vicissitudes comerciais e financeiras várias da Ré, esta e a Autora iniciaram, em Agosto de 2014, negociações para a extinção do posto de trabalho desta última, existente na empresa [artigos 6.º da PETIÇÃO INICIAL e 21.º e 22.º da CONTESTAÇÃO – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
6.O referido processo foi conduzido directamente pela autora e, em nome e representação da ré, pelo seu gerente, Eng.º (…), [resposta ao artigo 23.º da CONTESTAÇÃO].

7.Culminando tais negociações, as partes subscreveram o escrito denominado “Acordo de Revogação de Contrato Individual de Trabalho” – cuja cópia faz fls. 30 a 32 dos autos e aqui se dá por reproduzida –, datado de 6 de Outubro de 2014, do qual consta, para além do mais, que:
«[…]
É celebrado, livremente e de boa fé, o presente acordo de revogação de contrato de trabalho, que se rege pelo regime previsto no artigo 349.º e seguintes do Código do Trabalho e pelas cláusulas seguintes:
Cláusula 1.ª
As partes declaram, expressamente, revogar por mútuo acordo o contrato individual de trabalho em vigor, com efeitos a partir do dia 06 de Outubro de 2014».
Cláusula 2.ª
Em consequência da revogação do contrato a que ora se procede, e uma vez verificada a boa cobrança dos montantes devidos pela Primeira Outorgante, cessa a partir de 06 de Outubro de 2014, e para todos os efeitos legais, o vínculo laboral existente entre as partes.
[…]
Cláusula 4.ª
1.- A Segunda Outorgante aceita reduzir a compensação pela antiguidade na empresa, para a quantia € 12.000,00 (doze mil euros), que será paga pela Primeira Outorgante também na presente data por meio de cheque, transferência bancária.
2.- A Segunda Outorgante dará quitação com a boa cobrança das quantias recebidas a título de compensação e créditos laborais.
3.- Verificado o bom pagamento, a Segunda Outorgante declara que nada mais tem a receber ou a reclamar da primeira outorgante pela celebração, vigência e cessação do contrato de trabalho ou seja a que título for, sendo que a Primeira Outorgante declara, por sua vez, que também ela nada tem a haver ou reclamar da segunda outorgante, pela celebração, vigência e cessação do contrato de trabalho ou seja a que título for.
Cláusula 5.ª
Na data da cessação do contrato de trabalho, os Primeiros Outorgantes entregam à Segunda Outorgante os seguintes documentos:
a)- Certificado de trabalho a que alude o artigo 341.º do Código do Trabalho;
b)- modelo oficial para apresentação de requerimento das prestações de desemprego e declaração confirmando a implementação do processo de redução por motivos estruturais.
[…]» [artigos 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
8.A ré, aquando da celebração do referido acordo, procedeu à transferência de três verbas para a conta bancária da autora, uma no valor de € 5.020,05, outra no valor de € 5.000,00 e outra no valor de € 1.979,95, perfazendo o total de € 12.000,00 [artigo 19.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
9.A referida verba de € 1.979,95 corresponde ao valor líquido dos créditos laborais descritos pela ré no recibo de vencimento cuja cópia faz fls. 17 dos autos (“Vencimento”; “Proporcional Mês Férias – AC”, “Proporcional Subsídio Férias – AC” e “Indemnização – Férias não Gozadas”), no valor global de € 3.075,62 [artigo 20.º da PETIÇÃO INICIAL – ASSENTE POR ACORDO DAS PARTES].
10.Em Janeiro de 2012 a ré reduziu unilateralmente o montante pago a título de subsídio de alimentação, em montante não concretamente apurado [resposta ao artigo 34.º da PETIÇÃO INICIAL].
11.O denominado “acordo de revogação de contrato individual de trabalho” de fls. 30 a 32 dos autos foi elaborado pela autora e não pelo legal representante da ré, ou por apoio jurídico contratado por esta [resposta ao artigo 32.º da CONTESTAÇÃO].
12.O pagamento da “quantia de 25,00 euros, por semana, para pagamento de combustível, mediante a entrega pela TRABALHADORA dos respectivos recibos” referido no n.º 4 da cláusula 3.ª do contrato de trabalho cuja cópia faz fls. 18 a 20 dos autos tinha como pressuposto as deslocações e diligências efectuadas pela autora ao serviço da ré [resposta ao artigo 45.º da CONTESTAÇÃO].
13.A autora, a partir de Novembro de 2013 e até Outubro de 2014, deixou de realizar diligências externas ou deslocações ao serviço da ré [resposta ao artigo 46.º da CONTESTAÇÃO].
O Tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
Artigo 7.º da PETIÇÃO INICIAL [quanto à data em que foi subscrito o acordo cuja cópia faz fls. 32 a 34 dos autos; e quanto ao facto de ambas as partes conhecerem bem o que assinavam].
Artigos 34.º e 35.º da PETIÇÃO INICIAL [quanto ao valor do subsídio de alimentação pago até Janeiro de 2012 e quanto ao valor do mesmo pago após essa data].
Artigo 9.º da CONTESTAÇÃO [quanto ao facto de ter sido intenção de ambas as partes incluir no montante de € 12.000,00 referido no n.º 1 da cláusula 4.ª do “acordo de revogação do contrato individual de trabalho” os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta].

Artigo 24.º da CONTESTAÇÃO
Artigo 32.º e 33.º da CONTESTAÇÃO [para além do supra dado como provado em 11].
Artigo 34.º da CONTESTAÇÃO
E ainda consignou que “A circunstância de a demais matéria constante ds articulados não ter sido elencada supra resulta de o Tribunal a ter considerado não pertinente para a decisão da causa – atentas as regras de repartição do ónus da prova – e/ou matéria de direito ou conclusiva.”

Da impugnação da matéria de facto
A Recorrente expressou a sua vontade de que seja alterada a decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
(…),
E porque não há motivos para concluirmos que uma das versões merece maior credibilidade do que a outra, impõe-se concluir pela improcedência da impugnação da matéria de facto, sendo certo que, tal como refere o Tribunal a quo, o apuramento da vontade das partes terá de fazer-se em sede de interpretação do texto do mencionado acordo.
Fundamentação de direito
Apreciemos, agora, a 3ª questão suscitada no recurso e que consiste em saber se o valor de €12.000,00 a que alude o acordo de revogação do contrato de trabalho reveste natureza de uma indemnização global onde se inclui, além da compensação por antiguidade, os créditos salariais devidos à Autora ou se esta renunciou expressamente aos créditos salariais.
A este propósito defende a Recorrente que no valor de €12.000,00 está incluído, para além da compensação por antiguidade, o valor dos créditos salariais que eram devidos à Autora à data da cessação do contrato de trabalho.
Por sua banda, sustenta a Recorrida que aquele valor diz respeito apenas à compensação por antiguidade, não incluindo, assim, os créditos salariais.

Relembrando o texto do acordo de revogação do contrato de trabalho:
«[…]
É celebrado, livremente e de boa fé, o presente acordo de revogação de contrato de trabalho, que se rege pelo regime previsto no artigo 349.º e seguintes do Código do Trabalho e pelas cláusulas seguintes:
Cláusula 1.ª
As partes declaram, expressamente, revogar por mútuo acordo o contrato individual de trabalho em vigor, com efeitos a partir do dia 06 de Outubro de 2014».
Cláusula 2.ª
Em consequência da revogação do contrato a que ora se procede, e uma vez verificada a boa cobrança dos montantes devidos pela Primeira Outorgante, cessa a partir de 06 de Outubro de 2014, e para todos os efeitos legais, o vínculo laboral existente entre as partes.
[…]
Cláusula 4.ª
1.- A Segunda Outorgante aceita reduzir a compensação pela antiguidade na empresa, para a quantia € 12.000,00 (doze mil euros), que será paga pela Primeira Outorgante também na presente data por meio de cheque, transferência bancária.
2.- A Segunda Outorgante dará quitação com a boa cobrança das quantias recebidas a título de compensação e créditos laborais.
3.- Verificado o bom pagamento, a Segunda Outorgante declara que nada mais tem a receber ou a reclamar da primeira outorgante pela celebração, vigência e cessação do contrato de trabalho ou seja a que título for, sendo que a Primeira Outorgante declara, por sua vez, que também ela nada tem a haver ou reclamar da segunda outorgante, pela celebração, vigência e cessação do contrato de trabalho ou seja a que título for.
Cláusula 5.ª
Na data da cessação do contrato de trabalho, os Primeiros Outorgantes entregam à Segunda Outorgante os seguintes documentos:
a)- Certificado de trabalho a que alude o artigo 341.º do Código do Trabalho;
b)- modelo oficial para apresentação de requerimento das prestações de desemprego e declaração confirmando a implementação do processo de redução por motivos estruturais.”
Dispõe o artigo 236º do Código Civil:
“ 1.- A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2.- Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela, que vale a declaração emitida.”
Em anotação a este artigo escrevem os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, Volume I, pag.222: “ A regra estabelecida no nº 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1) ou de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2).”
E na pag. 223 da mesma obra ainda lemos que “ A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.”

Por seu turno, determina o artigo 238º do CC:
“1.- Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2.- Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.”

Regressando ao caso, constata-se que a Autora é jurista e o representante da Ré engenheiro civil, pelo que ambas as partes têm formação superior, sendo certo, ainda, que o processo de negociação de saída da Autora foi conduzido directamente pela própria e, em nome e representação da ré, pelo seu gerente, Eng.º Armando Peres e que o denominado “acordo de revogação de contrato individual de trabalho” de fls. 30 a 32 dos autos foi elaborado pela Autora e não pelo legal representante da ré, ou por apoio jurídico contratado por esta.

Por outro lado, da análise do acordo de revogação, ressalta que:
- A Autora aceitou reduzir a compensação pela antiguidade na empresa para a quantia de €12.000,00 a ser paga pela Ré, do que decorre que a Autora teria direito a uma compensação superior ao referido valor, o que foi confirmado pelo representante da Ré quando afirmou que, inicialmente, a Autora pediu o valor de 17mil euros;
- As partes utilizam a expressão “compensação pela antiguidade” e não, como é habitual, a expressão “compensação pecuniária global” devida pela revogação do contrato, o que aponta no sentido de que ao procederem a tal especificação, não tinham dúvidas sobre a natureza da compensação objecto do acordo;
- A corroborar a anterior afirmação, temos o nº 2 da cláusula 4ª no qual se refere que a Autora dará quitação com a boa cobrança das quantias recebidas a título de compensação e créditos laborais. Ou seja, caso a designada “compensação pela antiguidade” englobasse todos os créditos devidos à Autora pela cessação do contrato de trabalho, não faria sentido dizer que a Autora daria quitação com boa cobrança de uma e de outros; bastaria acordar que daria quitação com a boa cobrança da quantia recebida a título de compensação; e
- O nº 1 da cláusula 4ª para além de referir que a Autora aceita reduzir a compensação pela antiguidade na empresa, para a quantia de 12 mil euros, ainda refere que esta quantia será paga pela Ré também na presente data, o que faz pressupor que outras quantias seriam pagas na presente data para além daquele valor.

Consequentemente, impõe-se dizer que a versão apresentada pela Ré não tem o mínimo de correspondência com o texto do acordo de revogação do contrato de trabalho e que a interpretação dos nºs 1 e 2 da cláusula 4ª de tal acordo aponta, indubitavelmente, no sentido de que as partes acordaram, não numa compensação pecuniária global pela cessação do contrato, mas apenas na compensação por antiguidade, excluindo desse valor os créditos salariais.
Acresce que qualquer homem medianamente diligente colocado na posição da Ré perante a especificação de que a autora “aceita reduzir a compensação pela antiguidade na empresa, para a quantia € 12.000,00”, sempre entenderia a expressão “compensação pela antiguidade” apenas como sendo a indemnização devida pelos anos que a Autora trabalhou na empresa.
Mas ainda entende a Recorrente, estribando-se no nº 3 da cláusula 4ª do Acordo, que a Autora renunciou aos créditos laborais, declaração de renúncia que se subsume à remissão prevista no nº 1 do artigo 863º do CC, configurando uma remissão abdicativa e que determinaria a extinção da obrigação da Ré pagar qualquer crédito laboral, para além do valor já pago de 12.000,00€.

Ora, de acordo com o artigo 863º do Código Civil:
“1- O credor pode remitir a dívida por contrato com o devedor.
2- Quando tiver o carácter de liberalidade, a remissão por negócio entre vivos é havida como doação, na conformidade dos artigos 940º e seguintes.”
Sobre a noção do instituto da remissão, causa de extinção das obrigações, escreve o Professor Antunes Varela in “Das Obrigações em Geral”, Vol.II, 3ª Edição, pag. 209: “ A remissão da dívida é, por conseguinte, a renúncia do credor ao direito de exigir a prestação, feita com a aquiescência da contraparte.”
E a págs. 211 e 218 da citada obra lemos: “ Ficou, de facto, bem assente no texto definitivo do artigo 863º, que a remissão necessita de revestir a forma de contrato (embora a aceitação da proposta contratual do remitente se possa considerar especialmente facilitada pelo disposto no artigo 234º), quer se trate de remissão donativa, quer de remissão abdicativa.”
(…)
Não basta, por conseguinte, a declaração abdicativa ou renunciativa do credor para extinguir a obrigação. Esse efeito só resulta do acordo entre os dois titulares da relação creditória, ainda que a lei seja especialmente aberta à prova da aceitação do devedor (art.234º).
(…)
A remissão tem como efeito imediato a perda definitiva do crédito, de um lado, e a liberação do débito, pelo outro.
E, uma vez extinta a obrigação, com ela se extinguem reflexamente os acessórios e as garantias pessoais ou reais, que asseguravam o seu cumprimento, sem necessidade da intervenção de terceiros que as tenham prestado.”

No que respeita à admissibilidade da remissão abdicativa no domínio das relações laborais, tanto a doutrina como a jurisprudência têm entendido, pacificamente, que na fase da cessação do contrato de trabalho tal instituto tem plena aplicação uma vez que a indisponibilidade de créditos provenientes de contrato de trabalho se impõe apenas durante a sua vigência.
Assim e como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 05.12.2010, in www.dgsi: “Cessada a relação laboral, já nada justifica que o trabalhador não possa dispor livremente dos eventuais créditos resultantes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação.”
Em igual sentido vide, entre outros, o Acórdão do STJ de 09.07.2015, in www.dgsi.pt em cujo sumário se escreve:” I – Cessada a relação juslaboral, o ex-trabalhador pode dispor livremente dos (eventuais) créditos laborais resultantes do contrato findo, da sua violação ou cessação, por terem deixado de subsistir os constrangimentos psicológicos existentes durante a constância do vínculo.
(…)”.
Assim, à luz da jurisprudência citada e que se perfilha, podia a Recorrida dispor dos créditos laborais emergentes da relação de trabalho que findava com o acordo de revogação.
Porém e salvo o devido respeito, entendemos que a alegada renúncia não resulta do mencionado acordo.

Senão vejamos:
O nº 3 da cláusula 4 tem de ser interpretado no contexto dos nºs 1 e 2 da mesma cláusula e dos quais, conforme já referimos, não resulta que as partes fixaram uma compensação pecuniária global para a cessação do contrato de trabalho mas, tão só, a compensação por antiguidade.
Por isso, quando no nº 3 da cláusula 4ª se refere que “Verificado o bom pagamento, a Segunda Outorgante declara que nada mais tem a receber ou a reclamar da primeira outorgante pela celebração, vigência e cessação do contrato de trabalho ou seja a que título for” tal declaração só pode ser entendida com o sentido de que verificado o pagamento da compensação pela antiguidade e dos créditos salariais devidos, a Autora nada mais tem a receber ou a reclamar pela celebração, vigência e cessação do contrato de trabalho ou seja a que título for.

E sendo assim, como entendemos ser, impõe-se acompanhar a decisão do Tribunal a quo quando conclui pela improcedência da excepção da remissão abdicativa e que são devidos à autora, para além do aludido montante de € 12.000,00 referido como “compensação pela antiguidade”, os demais créditos laborais a que a mesma tenha direito.”

Por fim, analisemos se se deverá considerar que uma parte dos créditos salariais já foi paga, devendo ser deduzida ao valor apurado na sentença.

 A este propósito sustenta a Recorrente, em síntese, que, procedendo a anterior questão, como procedeu, então, terá que considerar-se que uma parte significativa desses créditos salariais já foi paga e que o suposto valor em dívida é, então, inferior ao estabelecido na sentença, pois o pedido formulado pela Autora (e a condenação) consiste no pagamento dos créditos salariais concreta e expressamente identificados na PI (Art 28º) e na sentença, tendo a Ré contestado alegando sempre que esses créditos estavam pagos, quando pagou os €12.000, sendo que a Autora não pediu (e o Tribunal não condenou) a Ré a pagar parte da compensação por antiguidade.

Acrescenta que a Ré juntou aos autos um recibo de vencimento no qual se declara ter sido pago à Autora, em Outubro de 2014, a quantia de €3.075,62 relativa a: €246,03 a título de “vencimento”; €1107,23 como “proporcionais mês férias”; €615,13 como “proporcionais subsídio férias” e €1.107,23 como “indemnização férias não gozadas”, o que ficou provado no ponto 19), que o recibo em causa prova que se procedeu à imputação dos €3.075,62 no pagamento dos concretos créditos salariais indicados no recibo e não no pagamento da compensação por antiguidade e que os créditos cujo pagamento foi pedido na PI e os créditos em que a Ré foi condenada a pagar na sentença correspondem aos créditos identificados no recibo de vencimento, pelo que o valor de €3.075,62 deve ser deduzido ao valor de €3.717,33 em que foi condenada a Ré na sentença.

Contrapõe a Recorrida que a Recorrente faz constar das conclusões uma tese nova, nunca antes expressa que, por isso, não foi levada em conta na decisão Recorrida, isto é, o reconhecimento de que os créditos salariais não são devidos por já terem sido pagos, o que não provou, apenas tendo provado o processamento formal de uma parte do pagamento dos €12.000,00 como créditos salariais, sem ter demonstrado, provado ou, sequer, invocado, em primeira instância, que esse valor foi assim tratado, na realidade.

Vejamos:

Na contestação a Ré invocou, em resumo, que: no âmbito do referido Acordo de Revogação, em concreto na sua cláusula 4.ª n. 3, a Ré e a Autora, acordaram, entre outras condições, num pagamento de EUR. 12.000,00, pela revogação do contrato de trabalho, que tal quantia deve ser entendida como quantia a pagar a título global, que na mesma cláusula 4.ª do Acordo de Revogação, a A. emitiu a seguinte declaração: “Verificado o bom pagamento, a Segunda Outorgante declara que nada mais tem a receber ou a reclamar da Primeira Outorgante pela celebração, vigência e cessação do contrato de trabalho ou seja a que título for….”, que conforme a A. afirma em 19 da sua P.I. em 9/10/2014 a R. pagou à autora o montante global de € 12.000,00 (doze mil euros), verificando-se assim, a plena eficácia da declaração emitida pela A., pelo que, que não pode a A. vir reclamar nos presentes autos qualquer crédito laboral à R., porquanto, com o pagamento da quantia de € 12.000,00 a A. renunciou a reclamar quaisquer créditos pela celebração, vigência e cessação do seu contrato de trabalho, que a declaração de renúncia emitida pela A. subsume-se à remissão prevista no n.º 1 do artigo 863.º do Código Civil, configurando uma renúncia abdicativa, e por isso, constituindo uma das formas extintivas das obrigações, no caso em apreço, da obrigação da R. pagar quaisquer créditos laborais, para além do montante pago, i.e., dos € 12.000,00. Por outro lado, a A. emitiu a declaração abdicativa num contexto em que não releva a irrenunciabilidade dos créditos resultantes do contrato de trabalho, porquanto, tal renúncia não assentou sobre direitos irrenunciáveis, uma vez que, com a cessação do contrato de trabalho celebrado entre A. e R., tais créditos têm-se por disponíveis, que a declaração abdicativa emitida pela A., subsumindo-se à remissão prevista no n.º 1 do artigo 863º do CC, impede-a de reclamar quaisquer créditos à R., por se entender que a obrigação de pagamento de quaisquer créditos laborais que a A. detivesse sobre a R., se encontra extinta por renúncia, que desde o início do processo de negociação que foi e é intenção da R., pagar à A. um montante único pela cessação do contrato de trabalho, que admitindo sem conceder que da interpretação a dar à cláusula 4.ª do acordo de revogação, se pudesse extrair a tese defendida pela A., i.e., de que para além da compensação fixada, ainda teria acordado o pagamento de proporcionais e outros créditos salariais, então, a declaração expressa pela R. na referida clausula 12ª, em particular nos seus números um e dois, enferma de um vício de vontade, porquanto, não expressa a sua real vontade que é a A. quem em 27 da sua P.I., refere a forma como a R. lhe pagou os € 12.000, 00, a saber, transferindo, três verbas para a conta bancária da Autora, uma no valor de € 5.020,05, e outra de € 5.000,00 e outra de € 1.097,95 – o que perfaz € 12.000”, que com última prestação, que a A. indica por lapso, como sendo de € 1.097,95, quando na realidade foi de € 1.979,95 (mil novecentos e setenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos), perfaz o montante global de € 12.000,00 acordado entre A. e R. pela cessação do contrato de trabalho., demonstra, uma vez mais, que pese embora a forma tecnicamente errada de efectuar os cálculos para atingir o montante global acordado, i.e., os € 12.000,00, e consequentemente, a verificação do cumprimento de obrigações declarativas de natureza parafiscal, a vontade da R., sempre foi a de pagar à A., um montante global de €. 12.000,00 (doze mil euros), e não mais, e que esse montante incluía todos os créditos laborais que lhe eram devidos pela Ré designadamente os que peticiona nos presentes autos, que não pode a A. afirmar que os € 12.000,00 já recebidos são exclusivamente imputáveis à compensação pela extinção do posto de trabalho, porquanto, bem sabe que tal não corresponde ao acordado, e real intenção da R., que desde o início das negociações com a A., que a R. sempre lhe transmitiu a sua intenção de se fixar um montante global pela cessação do contrato, aliás como é comumente aceite no âmbito da autonomia privada no momento da cessação das relações laborais, pelo que, admitindo sem conceder, que outra interpretação a dar à redacção da cláusula 4ª do acordo de revogação celebrado entre A. e R., fosse consentânea com a tese da A., nessas circunstâncias, sempre estaríamos perante um erro na declaração da R., nos termos do artigo 247º CC., por tal redacção não corresponder à sua real vontade, o que não se defende, uma vez que da redacção da cláusula 4.ª do acordo de revogação, se extrai que a A. acordou com a R. no pagamento de um valor global de € 12.000,00 (doze mil euros) pela extinção do contrato de trabalho, bem como, a sua renúncia a exigir quaisquer créditos à R., com pagamento do referido montante.

Ou seja, da contestação, tal como refere a Recorrida, não se extrai a versão que agora é apresentada pela Ré no sentido de que os créditos laborais devidos à Autora já foram pagos e que o que estaria em falta seria uma parte do valor da compensação por antiguidade e que não foi pedida pela Autora.

Na verdade, a Ré fundamenta a sua contestação alegando que foi convencionada uma compensação pecuniária global para a revogação do contrato, que a Autora renunciou aos créditos laborais e que, por isso, não os pode reclamar e que, a não se entender assim, então, existiu erro na declaração de vontade da Ré.

E sendo assim, como entendemos ser, a questão agora suscitada no recurso, tal como refere a Recorrida, configura uma questão nova que não foi submetida à apreciação do Tribunal de 1ª instância nem por ele foi apreciada.

Ora como escrevem José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, no Código de Processo Civil Anotado, Volume 3º, Tomo I, 2ª Edição. Pag.7, “Os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julga-la, como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último.
É, por isso, constante a jurisprudência no sentido de que aos tribunais de recurso não cabe conhecer de questões novas (o chamado ius novorum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la. Os tribunais de recurso podem, porém, conhecer de questões novas que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso por exemplo das questões de inconstitucionalidade de normas suscitadas nas alegações de recurso, do abuso do direito, da nulidade de actos jurídicos ou da caducidade de conhecimento oficioso (…)”.

Mas tal não é o caso, pelo que tratando-se de questão nova que não é de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal da Relação conhecê-la.

Em consequência, o recurso deverá ser julgado improcedente em toda a sua extensão, confirmando-se a sentença recorrida.

Considerando o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 527º do CPC, as custas são da responsabilidade da Recorrente.

Decisão.
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em:
- Julgar improcedente a impugnação da matéria de facto;
e
- Julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente.



Lisboa, 7 de Março de 2018



Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Maria Paula Sá Fernandes