DESPEDIMENTO
EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO
COMPENSAÇÃO
PRESUNÇÃO
ACEITAÇÃO
Sumário

I– No âmbito do CT/2009 (na redacção que lhe foi dada pela Lei 23/2012 de 25 de Junho), para ilidir a presunção de aceitação do despedimento a que alude o nº5 do art. 366º, o trabalhador deve devolver a compensação ou colocá-la na disponibilidade do empregador, e deve fazê-lo logo que a receba, assim o exigindo o princípio da boa-fé, devendo ainda informar da sua discordância em aceitar tal despedimento como lícito, e do seu propósito de o impugnar.

II– Tendo o trabalhador conhecimento pela entidade patronal, desde 12 de Julho de 2017, que até ao dia 12 de Agosto ser-lhe-ia depositada a compensação, como o foi, a qual apenas devolve no dia 05 de Setembro de 2017, não logrou ilidir a presunção a que se refere o preceito legal citado, não justificando tal dilação, sem mais, o facto de alegadamente estar de férias e não ter acesso à sua conta bancária.

(Elaborado pela relatora)

Texto Integral

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


AAA instaurou a presente acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra “BBB”, opondo-se
ao despedimento promovido pela Ré. ***                                                      

Teve lugar a audiência de partes e, gorada a conciliação, foi a Ré notificada para apresentar o articulado de motivação do despedimento.
***

A Ré motivou o despedimento, alegando, entre o demais, que o Autor aceitou o despedimento pois não procedeu à devolução da compensação. Refere que no dia 10 de Agosto de 2017 transferiu para a conta bancária do Autor, na qual este recebia habitualmente a sua remuneração, a compensação que lhe era legalmente devida, sendo essa transferência recebida na referida conta no dia 11 de Agosto de 2017, ou seja, até à data da cessação do seu contrato de trabalho, em 12 de Agosto de 2017. Tanto na comunicação da intenção de despedimento como na comunicação da decisão de despedimento, deu conhecimento ao Autor de que os créditos devidos seriam pagos mediante transferência bancária.

O Autor recebeu a mencionada compensação e não a devolveu, tentando fazê-lo apenas no dia 6 de Setembro de 2017, pelo que não ilidiu a presunção a que se refere o artigo 366º nº5 do CT, aceitando o despedimento por extinção do posto de trabalho.

Conclui, entre o demais, pela procedência da excepção peremptória de aceitação do despedimento, com a sua absolvição do pedido.
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O Autor respondeu, negando a aceitação do pagamento da compensação, pois logo que teve conhecimento do mesmo, a 5 de Setembro de 2017, devolveu a compensação à Ré, explicando a razão de ser do momento da devolução, e referindo a sua oposição ao despedimento em causa, pelo que ilidiu a presunção a que se reporta o artigo 366º nº4 e 5 do CT.
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A Ré respondeu, concluindo como no articulado de motivação do despedimento.
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Foi proferido saneador-sentença, que julgou procedente a excepção de aceitação do despedimento, absolvendo a Ré do pedido.
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Inconformado, o Autor interpôs recurso, concluindo que
1-
Assim, a sentença lavrada pelo Tribunal “a quo” que julgou procedente a exceção contida no artigo 366º nº 4 do C.T, viola o disposto no artigo 366º nº 5 do C.T, pelo que, em nosso entendimento, aquele fez uma errada interpretação desse comando legal e deve ser, em consequência substituída por outra, que dê guarida ao suscitado pelo Recorrente, aquando da sua resposta à exceção deduzida pela entidade recorrida e, nessa medida, seja validada a prova documental ancorada em factos indicada pelo recorrente, para iludir a presunção referida no normativo invocado, com todas as consequências legais;
2-
Com efeito, em face dos factos vertidos pelo recorrente, na sua carta registada com AR, datada de 4 de setembro de 2017, enviada para a sede da empresa, este dava a conhecer o seguinte: “…ausentei-me com a família para férias, dentro e fora do país, não tive acesso imediato à minha conta bancária, razão pela qual procedi, logo que tive conhecimento da transferência bancária, por receção e consulta do meu extrato bancário em papel, à devolução do valor pago a título de caducidade do contrato de trabalho, conforme se apreende do documento 2 junto com a resposta à exceção;
3-
Assim, tendo o recorrente regressado de férias com a família, no final de agosto, logo que tomou conhecimento de depósitos de quantias na sua conta conjunta, pelo extrato de papel, pois não tem cartão bancário associado a essa conta, o recorrente devolveu a compensação colocada à disposição pela entidade recorrida e fez menção de que se opunha ao despedimento efetuado por esta, o que, aliás, era já uma evidência, pela posição tomada por aquele desde o início do procedimento administrativo encetado pela sua entidade patronal;
3-
Portanto, entre o momento da tomada de conhecimento do depósito das quantias colocadas à disposição pela entidade patronal (após regresso de férias em final de agosto de 2017) e a devolução do montante da compensação e elaboração da carta a refutar e a opor-se ao despedimento promovido pela entidade patronal, mediaram apenas 4/ 5 dias, razão suficiente para ter sido elidida a presunção a que alude o artigo 366º nºs 4 e 5 do C.T, o que se invoca, tendo havido uma errada interpretação desse normativo pelo Tribunal “a quo”;
4-
Com efeito, o facto de a entidade recorrida ter indicado, nas peças administrativas que conduziram ao despedimento do recorrente, apenas releva para efeitos da aplicação do disposto no artigo 368º nº 5 do C.T e em benefício da entidade patronal para esta evitar a ilicitude do despedimento realizado por aquela, até porque o despedimento apresenta-se como uma declaração reptícia que não carece de aceitação por parte do trabalhador, como resulta dos termos gerais de direito;
5-
Uma situação é a disponibilização por parte da recorrida dos montantes compensatórios e uma outra é a tomada de conhecimento por parte do recorrente desse pagamento, o que, “in casu”, ocorreu nas circunstâncias já relatadas nos autos, ancorada nos documentos juntos pelas partes e em face dos factos vertidos por aquele na sua peça processual de resposta à exceção deduzida pela entidade recorrente, num período de férias e sem que o recorrente tivesse acesso ao extrato bancário em papel já que não possuía o cartão de multibanco para essas consultas. (Cfr. Artigos 1 a 19 dessa resposta à matéria da excepção);
6-
O crédito em conta bancária da compensação arbitrada pela entidade recorrida não poderá ser encarado ou havido como aceitação da compensação, uma vez que esse crédito deve chegar ao conhecimento do recorrente e este deve, no mais” curto espaço de tempo”, devolver a citada compensação, o que ocorreu no caso em análise, pese embora o legislador “…não ter previsto qualquer prazo legal para que o trabalhador expresse a não aceitação do despedimento e devolver a compensação de modo a evitar a atuação da presunção legal…( Cf. Pedro Furtado Martins e Acórdão do STJ de 3 abril de 2013);
7-
Também é doutrina pacífica que a impugnação da decisão de despedimento e a restituição da compensação pecuniária, poderá ainda ocorrer a partir do momento, extrajudicial ou judicial, em que o trabalhador pretenda demonstrar que o recebimento da compensação não configurou a sua aceitação;
8-
Com efeito, em juízo, ao trabalhador despedido deveria ser permitido poder restituir a referida compensação, em simultâneo, com a entrega do processo cautelar de suspensão do despedimento, se existir este ou, no momento da contestação do articulado da entidade patronal, como é doutrina assente sobre a matéria. ( Cfr. Prof. Bernardo da Gama Lobo Xavier, obra citada nas alegações a folhas 92 da mesma);
9-
Assim, se invoca a invalidade de tal despacho / sentença que julgou procedente, por provada, a exceção invocada pela entidade recorrida, despacho final esse que se não encontra minimamente fundamentado de facto e de direito e que ofende os preceitos legais retro indicados, nos termos e para os efeitos do artigo 615º nºs 1 alíneas b) e d) do C.P.C, situação que a manter-se contende, em toda a linha e extensão, com as regras do ónus da prova a que alude o artigo 350º do C.C. “ex vi” artigo 366º nº 5 do C.T, uma vez que, no seu entender, foi elidida ou afastada a presunção “júris tantum” prevista no nº 4 do normativo em causa, pelos argumentos factuais aduzidos pelo trabalhador na sua missiva dirigida à entidade patronal, após o “términus” de férias do trabalhador e família;
10-
De facto, esta a doutrina e a jurisprudência citados, a melhor e mais adequada interpretação do comando legal ancorado no artigo 366º nº 5 do C.T, tendo em conta os factos vertidos e analisados pelo Tribunal “a quo” revogando assim a decisão lavrada por este Tribunal, o que se requer;
Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, revogado / declarado inválido o despacho/ sentença proferido pelo Tribunal “a quo” pelas razões apontadas nestas alegações de recurso de Apelação, devendo a ação prosseguir os seus termos até final com a consequente produção de prova nos autos sobre a matéria de facto alegada e articulada pelas partes na presente ação laboral.
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A Ré contra-alegou, concluindo que
1. O Recorrente recebeu a compensação pelo despedimento no dia 10 de Agosto de 2017 e só 26 dias depois, no dia 5 de Setembro de 2017, tentou devolver à Recorrida tal compensação;
2. Nos termos do art.º 366.º, n.º 4 do Código do Trabalho, presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista nesse artigo;
3. A referida presunção pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último (n.º 5 do mesmo artigo);
4. Conforme bem conclui a douta sentença recorrida, este “em simultâneo” tem sido encarado como tendo um carácter quase imediato;
5. Embora não exista um prazo para devolver a compensação, a palavra legalmente usada de “em simultâneo” tem de ter um sentido útil e esse necessariamente é o de algo que sucede em acto contínuo, de imediato;
6. Não aceitando o despedimento e querendo impugná-lo, o trabalhador deverá proceder à devolução da compensação imediatamente após o recebimento ou em prazo curto, sob pena de, assim não procedendo, cair sob a alçada da presunção legal de aceitação do despedimento consignada no n.º 4 do art. 366.º, do Código do Trabalho (Acórdão do STJ de 17/03/2016 - processo n.º 1274/12.0TTPRT.P1.S1, em que é Relatora a Conselheira Ana Luísa Geraldes, in www.dgsi.pt - em que está em causa precisamente um caso em que o trabalhador recebeu a compensação pelo despedimento no dia 10 de Agosto e apenas a devolveu 26 dias depois, no dia 5 de Setembro);
7. Impõe-se, pois, que o trabalhador seja diligente no sentido de verificar que recebeu a compensação e a devolva imediatamente à entidade empregadora;
8. Pretendendo impugnar o seu despedimento, o Recorrente teria de ser diligente e devolver à Recorrida a compensação logo que a mesma lhe foi paga;
9. E, para o efeito, o Recorrente deveria ter-se inteirado com urgência do valor a devolver e proceder a tal devolução à Recorrida num prazo curto e logo que possível;
10.Na comunicação da decisão de despedimento, efectuada em 12 de Julho de 2017, o Recorrente foi expressamente informado pela Recorrida de que a compensação pelo despedimento lhe seria paga até 12 de Agosto de 2017 através de transferência bancária para a conta na qual recebia a sua remuneração mensal;
11. Pelo que, a fim de ilidir a presunção prevista no art.º 366.º, n.º 4 do Código do Trabalho, o Recorrente teria de ser diligente e, logo que recebesse a compensação, teria de a devolver à Recorrida, conforme estabelece o n.º 5 do mesmo artigo;
12. O Recorrente optou antes por manter a compensação pelo despedimento na sua posse durante 26 dias e só então tentou devolvê-la à Recorrida;
13. O Recorrente não invocou qualquer circunstância exterior à sua vontade que o tenha impedido de devolver à Recorrida a compensação pelo despedimento “em simultâneo” com o seu recebimento;
14. O Recorrente alegou antes que foi de férias no mês de Agosto e só quando regressou e recebeu o extracto do banco se apercebeu do pagamento da compensação;
15. No entanto, o Recorrente foi às instalações da Recorrida no dia 16 de Agosto de 2017 para entregar os instrumentos de trabalho que tinha em sua posse e recebeu nessa data o recibo de vencimento que indicava o pagamento da compensação pelo despedimento;
16. De igual modo, em 1 de Setembro de 2017 o Recorrente esteve presente na audiência de partes realizada nos presentes autos;
17. Quer no dia 16 de Agosto de 2017, quer no dia 1 de Setembro de 2017, o Recorrente não estava ausente por motivo de “férias”, contrariamente ao que alega;
18. Ao não ter devolvido a compensação pelo despedimento em simultâneo com o despedimento, ou num espaço muito curto de tempo, o Recorrente não ilidiu a presunção prevista no art.º 366.º, n.º 4 do Código do Trabalho;
19. Pelo que o Tribunal a quo interpretou correctamente a presunção prevista no art.º 366.º, n.º 4 do Código do Trabalho, que cabia ao Recorrente ilidir, nos temos do n.º 5 do mesmo artigo, o que não fez.
Termos em que, e nos mais que Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, com mais sabedoria e experiência, doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao presente recurso e confirmada a douta decisão recorrida, com o que fará JUSTIÇA
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A Exma Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal da Relação, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os autos foram aos vistos aos Exmos Desembargadores-Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir
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II–Objecto
Nos termos do disposto nos art 635º nº 4 e 639º nº1 e 3 do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do art. 1º, nº 2, alínea a) e 87º nº 1 do Código de Processo do Trabalho, é pelas conclusões que se afere o objecto do recurso, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.
No presente caso, atendendo ao teor das conclusões, a questão a decidir é se o recorrente logrou ilidir a presunção de aceitação do despedimento, a que se refere o art. 366º nº 5 do CT.
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III–Fundamentação de Facto.

São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância, tendo este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 607º nº4 do CPC, aditado o facto 11, com suporte no documento junto a fls 79:
1)- O Autor trabalhou por conta e sob a direcção da Ré.
2)- No dia 21 de Junho de 2017 a Ré informou o Autor, que dele tomou conhecimento, da sua intenção de proceder ao despedimento por extinção do posto de trabalho, com os motivos que constam de fls. 45 a 47v, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
3)- No dia 12 de Julho de 2017 a Ré informou o Autor, que dele tomou conhecimento, apesar de se ter recusado a assinar, da decisão de despedimento por extinção do posto de trabalho, com os motivos que constam de fls. 56 a 59v, e cujo teor se dá por integralmente reproduzido, cfr. fls. 61.
4)- Na referida carta era mencionado que foi decidido ”fixar o montante da compensação em  Euros 3.640 (…). Este montante, bem como os créditos vencidos a que V. Exa tenha direito por efeito da cessação do contrato de trabalho, ser-lhe-ão pagos até 12 de agosto através de transferência bancária para a conta em que recebia a sua remuneração mensal”.
5)- No dia 10 de Agosto de 2017 a Ré procedeu ao pagamento ao Autor do valor da compensação, de €3.700, por meio de transferência bancária para a qual foi processado o pagamento do vencimento, e outros créditos, tudo no total de €12.968,23, valores descriminados detalhadamente no recibo de vencimento.
6)- No dia 5 de Setembro de 2017 o Autor pretendeu devolver a compensação à Ré, rejeitando a alegada extinção do posto de trabalho, o que fez por meio de transferência bancária.
7)- No dia 14 de Agosto de 2017 o Autor intentou a presente acção de impugnação de despedimento.
8)- No dia 30 de Agosto de 2017 teve lugar audiência de partes destes autos na qual esteve presente o Autor, o seu mandatário e o mandatário da Ré.
9)- No dia 16 de Agosto de 2017 o Autor deslocou-se à Ré entregando o veículo que lhe estava cedido, e outros objectos, recebe o certificado de trabalho, o documento para requerer o subsídio de desemprego, tendo-lhe sido entregue o recibo de vencimento referente às contas finais.
10)- No dia 4 de Setembro de 2017 o Autor envia carta à Ré na qual comunica que não aceita o despedimento e que devolve a compensação por transferência bancária.
11)- Apresenta a seguinte justificação para a devolução da compensação na data referida em 10): “Com efeito, ausentei-me com a família de férias, dentro e fora do país, pelo que não tive acesso imediato à minha conta bancária razão pela qual procedi, logo que tomei conhecimento da transferência efectuada pela empresa, por receção e consulta do meu extracto bancário, a essa devolução no montante disponibilizado.
Assim, para que não restem dúvidas, informo que não aceito o despedimento promovido pela empresa por alegada extinção do posto de trabalho e, por via disso, só agora tendo tomado nota da transferência efectuada pela empresa pela receção e consulta do extracto bancário, informo que procedi à devolução/transferência para o NIB da empresa do montante colocado à disposição por essa empresa a título de “caducidade”.
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IV–Apreciação do Recurso.
Cumpre agora apreciar e decidir se o Recorrente logrou ilidir a presunção de aceitação do despedimento prevista no art. 366º nº5 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009 de 12 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pela Lei 23/2012 de 25 de Junho, aplicável ao presente caso considerando a data do despedimento do Autor e Recorrente – Julho de 2017 – e a data da entrada em vigor do referido diploma legal, a saber, 01 de Agosto de 2012.

Como resulta do relatório, a sentença recorrida entendeu ter o Autor, com a sua conduta omissiva de entrega da compensação paga pela Ré, considerado que o mesmo aceitou o despedimento, não logrando ilidir a presunção legal em vigor.

Desde já se adianta que temos o mesmo entendimento da sentença recorrida.

Vejamos.

O art. 366º do CT, aplicável ao caso por força do disposto no artigo 372º do CT, consagra, em caso de despedimento por extinção do posto de trabalho, o direito do trabalhador a uma compensação, calculada nos termos da regra aí contida, estabelecendo o nº5 desse preceito legal a presunção de que este “aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo.”

Entre o demais, do pagamento desta compensação depende a licitude do despedimento, como resulta do disposto no art. 384º d) do CT.
Solução idêntica decorria já do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Dec.Lei 64-A/89 de 27-02, cujo art. 23º nº3 determinava que “O recebimento pelo trabalhador da compensação a que se refere o presente artigo vale como aceitação do despedimento”, o que ditava a impossibilidade de recurso ao tribunal para requerer a suspensão judicial do despedimento, como resultava do disposto no art. 25º nº1 do mesmo diploma legal.

Pelo seu interesse com vista à determinação do sentido e alcance do preceito legal em causa, transcreve-se aqui a resenha legislativa e doutrinária referida no Acórdão desta Relação de 10 de Abril de 2013[1]:
Era então entendimento dominante, embora não uniforme, que o n.º3, do art.º 23.º, estabelecia uma presunção absoluta ou juris et de jure, logo, inilidível [n.º 2 do art.º 350.º do C.C]. O recebimento da compensação correspondia, sem mais, à aceitação do despedimento [Cfr. entre outros, Ac. STJ, de 13-04-2005, Processo n.º 04S3160, SOUSA PEIXOTO].
Esse entendimento era defendido por Bernardo da Gama Lobo Xavier, argumentando, para além do mais, que "(..) a disponibilização da indemnização como requisito de licitude do despedimento envolvia uma vantagem importante para os trabalhadores à qual corresponderia - como contrapartida - deixar-se o empregador sem surpresas contenciosas." [O Despedimento Colectivo no Dimensionamento da Empresa, Verbo, 2000, p. 562/563].
No mesmo sentido, Pedro Furtado Martins, escrevia “Visando atenuar estas drásticas consequências, já se defendeu que a aceitação da compensação constituiria uma mera presunção ilidível não obstando à impugnação judicial do despedimento. Trata-se de uma leitura que nos parece frontalmente contrária à letra e ao espírito da lei e que julgamos não ter apoio numa alegada inconstitucionalidade da solução legal. A este propósito, deve salientar-se que diversas decisões judiciais têm concluído pela improcedência da acção de impugnação precisamente com fundamento no recebimento da compensação em análise" [Cessação do Contrato de Trabalho", Principia, Cascais, 1999, p.110].
Essa solução da lei foi posteriormente afastada com a eliminação do n.º3, do art.º 23.º LCCT, operada pela Lei n.º32/99, de 18 de Maio.
Com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, em 1.12.2003, foi revogada a LCCT, vindo o art.º 401.º, n.º 4 a retomar parcialmente aquela solução originária, já que agora o texto da lei, ao não fazer qualquer menção expressa em contrário, permite concluir que se passou a consagrar um presunção ilidível, por aplicação do n.º2, do art.º 350.º do CC. Com efeito, nos termos do disposto nesta norma do Código Civil, em regra, as presunções legais têm natureza relativa, só sendo juris et de jure quando a lei proibir a admissibilidade de prova em contrário.
Por conseguinte, o recebimento da compensação faz operar a presunção legal de aceitação do despedimento, mas ela pode ser ilidida, não ficando precludida a possibilidade de impugnação do despedimento. Porém, como assinala Pedro Furtado Martins, “(..) ficou por esclarecer o que seria necessário para que o trabalhador afastasse a presunção e, mais concretamente, se bastaria para o efeito que declarasse expressamente que não aceitava o despedimento , caso em que o mero recebimento da compensação, não excluiria a possibilidade de impugnação judicial” [Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Principia, Cascais, 2012, pp. 361].
Com a revisão de 2009, o legislador manteve a presunção nos mesmos termos e procurou resolver aquela dúvida, passando a exigir expressamente que o trabalhador, para a ilidir, em simultâneo, entregue ou ponha à disposição do empregador, por qualquer forma, a totalidade da compensação pecuniária recebida. Originariamente essas normas encontravam-se, respectivamente, nos n.ºs 4 e 5, do art.º 366.º.
Entretanto, com as alterações introduzidas pela Lei 23/2012, de 23 de Junho, aquelas normas passaram a constar, respectivamente, dos n.ºs 5 e 6, do mesmo artigo, neste último tendo sido acrescentado que a devolução pode ser efectuada ao fundo de compensação que tiver suportado o pagamento da compensação. A redacção é a que se encontra transcrita no ponto anterior.
Contudo, como igualmente assinala Pedro Furtado Martins, ”não obstante a relevância do esclarecimento efectuado em 2009, a redacção do preceito não é inteiramente conseguida. Desde logo, porque fica por saber qual o acto que deve ser praticado «em simultâneo» com a devolução da compensação. Julga-se que só poderá ser a comunicação do trabalhador da não-aceitação do despedimento que terá de ser feita «em simultâneo» com a devolução da compensação. Mas também nos parece que a simples devolução da compensação ao empregador será suficiente para a afastar a presunção estabelecida no n.º5, mesmo se não for acompanhada de declaração expressa da recusa em aceitar o despedimento. (..) A devolução da compensação constitui um comportamento concludente que só pode ser razoavelmente interpretado como significando a recusa de aceitar o despedimento. (..) Já o contrário não se pode afirmar, sendo certamente isso que a lei quis significar. A mera comunicação da não-aceitação do despedimento não acompanhada da devolução da compensação não é suficiente para afastar a presunção de aceitação” [Op. cit. p. 362].” (sic)

Do exposto resulta que o CT/2009, ao contrário do CT/2003, determina que a presunção de aceitação do despedimento só não opera se o trabalhador devolver a compensação ou a colocar à disposição do empregador (“A presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último.” (sic nº5 do art. 366º do CT)

Considerando que o empregador, a quem incumbia a prova do facto exceptivo da aceitação do despedimento pelo trabalhador (excepção peremptória), foi dispensado de o fazer, por força da presunção prevista no art. 366º nº5 do CT/2009, é ao trabalhador/Autor que incumbe fazer a prova de que ilidiu a presunção, ou seja, de que a aceitação da compensação não é sinónimo de aceitação do despedimento. Trata-se, portanto, nos termos do disposto no art. 350º nº2 do C.Civil, de fazer prova contrária ao facto presumido, que o mesmo é dizer de fazer prova da vontade peremptória de não aceitar o despedimento de que foi alvo.

No caso, o elemento literal de interpretação da norma, nada surpreende que favoreça, na nossa perspectiva e com o devido respeito por opinião contrária, a conclusão de que basta uma declaração com a alegação de uma qualquer motivação, ainda que razoável, para se considerar estar ilidida a presunção.

Acresce que, e apelando ao elemento histórico de interpretação, o legislador sempre se mostrou avesso a que o trabalhador mantivesse em seu poder a compensação devida pelo empregador quando discorda do despedimento e pretende impugná-lo. E a prová-lo temos a concretização expressa, no actual CT, desta tomada de posição que já resultava inequivocamente da LCCT, pretendendo sempre, à excepção do que aconteceu na Lei 32/99 de 18 de Maio, estabelecer a presunção de que, recebendo a compensação, o trabalhador aceita o despedimento.

Como se afirma no Ac do STJ de 09-12-2010[2], proferido com referência ao CT/2003, mas actual, por maioria de razão, face ao disposto no CT em vigor – “O legislador revela-se particularmente hostil ao acto do recebimento da compensação pelo trabalhador quando este, não obstante esse recebimento, ainda pretenda questionar o despedimento de que foi alvo, pois a versão original da LCCT e o Código de Trabalho de 2009 inviabilizam, na prática, qualquer reacção do trabalhador que conserve em seu poder a compensação recebida.[3]

Mas este entendimento resulta também do princípio da boa fé que subjaz a todo o ordenamento jus laboral – cfr art. 126º do CT. De facto, “[A] disponibilização da compensação é uma forma de demonstração de boa fé da entidade empregadora e da sujeição da mesma a parâmetros legais no recurso a esta forma de cessação da relação de trabalho e não visa a resolução dos problemas sociais associados ao desemprego dos trabalhadores. Ela decorre da obrigação da reparação dos danos sofridos pelo trabalhador decorrentes da perda do seu posto de trabalho associada a motivos de natureza objectiva não decorrentes de um acto ilícito e de culpa do empregador.
(…)
Na verdade, a disponibilização da compensação não visa antecipar o pagamento de quaisquer indemnizações a que o trabalhador se sinta com direito decorrente de uma eventual ilicitude do despedimento, ou resolver os problemas sociais derivados do despedimento … não conferindo o sistema jurídico qualquer direito sobre esse quantitativo ao trabalhador despedido que pretenda impugnar o despedimento e não concorde com o mesmo[4]

Na verdade, o direito à compensação pela cessação da relação laboral fundamenta-se na cessação do contrato por motivos lícitos por parte do empregador, correspondendo a uma forma de responsabilidade civil pela prática de facto lícito. Não obstante, o pagamento pelo empregador dessa compensação no prazo referido no art. 383º c), corresponde a um imperativo legal, que comina o seu incumprimento com a ilicitude do despedimento.

Não aceitando o despedimento, e, portanto, a sua licitude, a lei exige que o trabalhador seja coerente e diligente e que, logo que receba a compensação, informe o empregador, não só do seu recebimento, mas também da sua discordância em aceitar tal despedimento como lícito, e do seu propósito de o impugnar. E o princípio da boa-fé exige ainda, e fundamentalmente, que a compensação recebida, afinal o que fundamenta a presunção de aceitação do despedimento, seja devolvida ou colocada na disponibilidade do empregador. Não é admissível que a entidade empregadora, cumprindo uma determinação legal que não depende da sua vontade, com uma cominação tão grave como a da ilicitude do despedimento e com as consequências que essa ilicitude acarreta, visse depois o trabalhador optar por manter na sua posse a indemnização, limitando-se a subscrever uma declaração em que afirma que não aceita o despedimento como lícito, pretendendo impugná-lo. Na verdade, a disponibilidade da compensação, como afirma Bernardo da Gama Lobo Xavier (supra citado a propósito da solução plasmada na LCCT) envolve uma importante vantagem para o trabalhador, que constitui, em reverso, a garantia que o empregador tem de que este não impugnará o despedimento, na prossecução do superior interesse de pacificação nas relações jurídicas.

A não aceitação do despedimento depende pois da única atitude que verdadeiramente tem a veleidade de o demonstrar, em boa fé, qual seja, a devolução da compensação ou a sua colocação na disponibilidade do empregador.

Volvendo ao caso dos autos, constata-se que, no dia 12 de Julho de 2017, a Ré comunicou ao Autor a decisão de fazer cessar o contrato de trabalho. Nessa altura, comunicou-lhe também o montante da compensação e a data até quando a mesma seria paga – ponto 4) dos factos provados.

O Autor, em 05-09-2017, declarou pretender devolver a compensação à Ré, rejeitando o alegado despedimento.

Fundamenta a devolução tardia nos seguintes argumentos:
- estava de férias quando a compensação foi depositada;
- não tinha acesso à sua conta bancária, apenas tomando conhecimento dos depósitos de quantias na sua conta pelo extracto em papel pois não tem cartão associado à conta.
Pretende o Autor que a decisão seja revogada para o processo prosseguir para julgamento com produção de prova sobre o por si alegado.

A sentença decidiu que:Invoca o A. que foi de férias, dentro e fora dos pais, e nessa medida não teve acesso à sua conta bancária, até porque não tinha cartão multibanco associado à mesma.
Não cremos que tal facto careça de produção de prova na medida em que os factos ora assentes demonstram que no caso concreto, os 26 dias que decorreram excederam claramente o limite de diligência mediano exigível ao trabalhador para ilidir a presunção devolvendo a quantia da compensação em causa.
Vejamos.
Dia 10 de agosto o A. recebe a compensação e outros valores que ascendem a doze mil euros.
Na sua ótica não dá por nada na medida em que está de férias.
Mas desde dia 12 de Julho de 2017 que o A. sabe que até ao dia 12 de Agosto de 2017 irá ser creditada a importância da compensação na sua conta bancária. E isso significa que a partir de dia 12 de Agosto se o A. não cuida de aferir do seu extracto bancário foi apenas porque não o quis fazer, ou não foi suficientemente diligência para disso se interessar.
Mas mais se dirá.
Seis dias depois de o A. receber a compensação desloca-se à R. e recebe cópia do recibo de vencimento de fls. 61v, e apercebe-se que o valor da compensação foi creditado, tal como a R. tinha informado quase um mês antes que iria fazer, e pelo valor e mesma via que tinha referido que faria.
E nessa data, 16 de Agosto, ou uns dias depois, deveria o A. ter procedido à devolução. Mas não o fez.
No fim do mês de Agosto, dia 30 de Agosto, o A. pessoalmente desloca-se a este Tribunal e tem lugar a audiência de partes onde foi tentada, sem sucesso, a conciliação.
E quiçá da conversa entre mandatários resulta então o que até então o A. não se tinha apercebido: a lei exige a devolução da compensação. E só dias depois dessa diligência, já dia 5 de Setembro de 2017 é que o A. tenta devolver a compensação.
Andou mal o A.. Ou agiu sem a diligência que lhe era exigível, ou desconhecia a obrigação legal de proceder “em simultâneo” (leia-se, de imediato, no mais curto espaço de tempo possível) à devolução de tais valores.
Não existiu qualquer circunstância exterior à sua vontade que o impedisse de o fazer (como seria o caso de porventura tal valor ser penhorado e não ter meios de o devolver) e mesmo a possível justificação de férias seria equivalente a uma falta de diligência da sua parte, apenas a si imputável.
Em suma, ao devolver 26 dias a compensação que tinha recebido por força do despedimento por extinção do posto de trabalho, quando tomou conhecimento desse recebimento em momento muito anterior, e sabendo quase um mês antes de receber a dita quantia que a mesma iria ser creditada nessa data, o A. agiu sem a diligência necessária para ilidir a presunção do art. 366º nº 5 do CT, tendo-se pois por aceite o despedimento.
E tal faz proceder a exceção deduzida pela R., donde cumpre absolver a mesma do pedido.

Concordamos inteiramente, havendo muito pouco mais a dizer. Na verdade, ainda que os factos alegados pelo Autor resultassem provados, ainda assim, consideramos não existir qualquer fundamento válido para ilidir a presunção a que se refere o artigo 366º nº4 do CT, pois o Autor sabia, desde o dia 12 de Julho de 2017, quando iria ser colocada à disposição a compensação. O facto de estar de férias não o isenta de estar atento pois estava consciente de que estava em curso o seu despedimento e que a entidade patronal iria fazer o depósito da compensação. Tal argumento apenas poderia ser atendido se estivesse completamente isolado e sem possibilidade de aceder à conta, o que não foi alegado. Se, não estando isolado, teve ou não concreto acesso à conta (repare-se que se trata da conta bancária onde recebia a sua retribuição), é algo que não tem qualquer interesse para o caso uma vez que o Autor sabia que lhe iria ser depositada a compensação e quando tal ocorreria. Não verificou tal depósito porque entendeu não o fazer, não porque desconhecesse que o mesmo iria ocorrer.

Acresce que o Autor, tal como resulta dos factos, teve ainda posterior conhecimento da transferência do valor da compensação, como resulta do ponto 9 dos factos provados. E nem nesse momento devolveu a compensação.

O Autor pretende isolar os momentos da disponibilização da compensação e da sua aceitação, mas a partir do momento em que a compensação é depositada na conta onde o trabalhador recebe a sua retribuição, tem dela conhecimento. Se não a devolve imediatamente, aceita-a. 

Ou seja, o Autor não alegou (e provou), como lhe competia, que devolveu à Ré a compensação que lhe foi paga ou que a colocou na disponibilidade da Ré num prazo razoável -(“ (…)tendo tal devolução de ocorrer num prazo relativamente curto (e ponderado por critérios de oportunidade e razoabilidade) após o seu recebimento e como uma das formas de manifestação de oposição à referida cessação do contrato de trabalho.”[5].Na verdade, apenas 26 dias depois de a ter recebido, o Autor fez um depósito a favor da Ré da referida quantia.

Não merece censura a sentença recorrida ao ter decidido em momento processual anterior ao julgamento, não sendo produzida prova sobre as razões alegadas pelo Autor para a não devolução da compensação em momento anterior.

Como já supra referimos, não tendo procedido à devolução da compensação ou não a tendo colocado na disponibilidade da empregadora, num prazo razoável e que revelasse a sua boa-fé, o Autor não logrou ilidir a presunção de aceitação do despedimento, o que significa que aceitou esse despedimento.

Procede assim a excepção peremptória invocada pela Ré, extinguindo-se o direito do trabalhador de impugnar o despedimento.

Em consequência do exposto, improcede o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
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V–Decisão
Face a todo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso interposto por AAA, e, em consequência, decidem confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
***


Lisboa,21-03-2018



(Paula de Jesus Jorge dos Santos)
(1ª adjunta – Paula Sá Fernandes)
(2º adjunto - José Feteira)



[1]Proc 940/09.1TTLSB.L1-4.
[2]Proc.4158/05.4TTLSB.L1.S1.
[3]No mesmo sentido, Pedro Furtado Martins in Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª edição, pág. 363.
[4]Ac. do STJ de 03-4-2013 – Proc. 1777/08.0TTPRT.P1.S1.
[5]Sic acórdão desta Relação de 01-09-2015 - Proc. 348/12.1TTMR.L1.