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TRANSPORTE RODOVIÁRIO
CONDUTOR
FISCALIZAÇÃO
DOCUMENTOS
EMPREGADOR
Sumário
Do artigo 13º da Lei nº 27/2010 de 30.8. extrai-se que a empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional, excepto se provar ou demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo ii do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
(Elaborado pela relatora)
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.
Relatório:
AAA, Lda, com sede na Rua (…), inconformada com a decisão proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) que lhe aplicou a coima no valor de € 3.672,00 pela prática de uma contra-ordenação muito grave prevista no ponto i) da al.a) do nº 7 do artigo 15º do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Regulamento (CE) nº 561/2006 e na al.a) do nº 1 do artigo 25º da Lei nº 27/2010, de 30.08 e punível nos termos da al.a) do nº 4 e do nº 6 do artigo 14º da referida Lei, veio impugnar judicialmente tal decisão nos termos e com os fundamentos constantes de fls.88 a 108 dos autos e cujo teor se dá por reproduzido e pedindo, a final, que a impugnação seja julgada provada e procedente e, em consequência: –Seja declarada a nulidade do auto de notícia por falta de fundamentação e consequente limitação do direito de defesa da Arguida, nos termos dos artigos 153º, nº 2 e 163º do CPA, 374º, nº 2 e 379º nº 1 al.a) do CPP; – Seja declarada a nulidade da decisão administrativa por falta de fundamentação e consequente limitação do direito de defesa da Arguida, nos termos dos artigos 153º, nº 2 e 163º do CPA, 374º nº 2 e 379º nº 1 al.a) do CPP. – Seja a AAA Lda, absolvida da infracção que lhe é imputada no auto de contra-ordenação, por ausência de censura do facto alegadamente praticado, atento os factos que descreve. A ACT apresentou alegações invocando, em resumo, a intempestividade do recurso, a inexistência da arguida nulidade da decisão administrativa e que não existe nos autos nenhum indício objectivo que revele que, no momento da autuação, o condutor estava na posse de um cartão tacográfico e que o tivesse apresentado aos agentes de fiscalização e que, ainda assim, o cartão justificava, ou não, os 28 dias anteriores ao dia da fiscalização.
O recurso foi admitido.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento tendo, de seguida, sido proferida a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, o Tribunal decide: 1.– Manter a condenação da «AAA LDA..» pela prática de uma contra-ordenação muito grave prevista e punível pelos artigos 25º, n.º 1, alínea a), e 14º, n.º 4, alínea a), da Lei n.º 27/2010 de 30/08, e com efeito, a pagar uma coima de € 2.856,00. 2.– Absolver « AAA LDA...» da reincidência. 3.–Condenar « AAA LDA...» no pagamento das custas do processo, na proporção do decaimento, que se fixa em 2/3, cuja taxa de justiça fixa em 3 Uc´s. 4.– Após trânsito, comunique com cópia.”
Inconformada, a arguida recorreu e apresentou as seguintes conclusões: “1.– Foi a arguida condenada nos presentes autos, “pela prática de uma contra-ordenação muito grave prevista e punível pelos artigos 25º, nº 1, alínea a), e 14º, n.º 4, alínea a), da Lei n.º 27/2010 de 30/08, e com efeito, a pagar uma coima de € 2865,00. 2.– Todavia sem fundamento, nem fáctico, nem jurídico, como infra se tentará explanar. 3.– Não fora bastante o Tribunal a-quo aplicar lei já revogada (Lei 27/2010), a sentença recorrida nem, sequer, fundamenta a culpa da arguida. 4.–Não analisa o elemento subjectivo da culpa, elemento essencial para a determinação concreta da coima a aplicar. 5.– Pelo que, considera a Recorrente que a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece tanto de vício por inaplicabilidade do regime legal aplicado à Recorrente, como de vício de falta de fundamentação, nos termos dos artigos 374.º, n.º 2 do CPP, bem como, por violação objectiva do Regulamento (UE) 165/2014 do Parlamento Europeu de 4 de Fevereiro de 2014, bem como é nula nos termos da al. c) do nº 1 do art. 279º do CPP.
I–Das “irregularidades” ocorridas na sessão de julgamento: 6.– Conforme melhor consta da sentença recorrida, o Tribunal a-quo decidiu, sem qualquer hipótese de contraditório ou, sequer de audição da arguida, de inverter a ordem de produção de prova. 7.–Determina o artigo 341º do Código de Processo Penal (aplicável por remissão do artigo 60 da Lei n.º 107/2009, para o artigo 41º do Decreto-lei 433/82) que a produção de prova deve respeitar a ordem seguinte: apresentação dos meios de provas indicados pelo Ministério Público [alínea b)]e após apresentação dos meios de prova indicados pelo arguido. 8.– Esta imposição legal vem ao encontro de toda a estrutura do nosso processo penal, nos termos do qual o objecto do processo é delimitado pela acusação deduzida no mesmo e, com uma base acusatória, ou seja, incumbe, tratando-se de crime público ou semi- público, e no caso concreto, em processo contra-ordenacional, nos termos das normas supra descritas, ao Ministério Público provar os factos inseridos na acusação e consequentemente de forma inequívoca abalar o principio constitucionalmente consagrado do in dubio pro reu, isto vale por dizer que não incumbe por qualquer forma ao arguido o ónus de provar a sua inocência.- 9.– Como tal e considerando a normal legal supra referida em que o legislador utiliza a expressão "A produção de prova deve..." decorre a saciedade que o Tribunal deve por todos os meios fazer/esgotar numa primeira linha a prova de acusação e só após passar à prova da defesa. 10.– O que não foi feito no caso concreto. 11.– Ora, com este comportamento, o Tribunal a-quo violou, quer o artigo 341º do CPP quer o princípio do in dúbio pro reo previsto no artigo 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP. 12.– É que, a inversão da produção de prova, da forma como o foi, impediu a arguida, naquele momento, de prosseguir a sua estratégia de defesa que, poderia, no limite, basear-se em “ficar quieta”, esperando que o Ministério Público fizesse prova dos factos constantes da acusação - art. 47 da Lei 107/2009. 13.– Mais! A inversão da produção de prova foi feita sem qualquer despacho prévio, sem qualquer requerimento, nem da defesa nem da acusação, sendo, portanto, NULA por falta de fundamentação, sendo que influiu, naturalmente, na decisão do mérito da causa, deitando por terra toda a estratégia da defesa. 14.– A inversão da produção de prova, sem prévio despacho sujeito a contraditório, é nula e terá que apreciada por esse Venerando Tribunal, anulando-se, portanto, todos os actos praticados posteriormente aos mesmo. 15.– Pois que, praticou acto que a Lei não prevê, violando, como se disse, os direitos de defesa da Arguida e, consequentemente, violando disposições constitucionais, sem qualquer tipo de fundamentação (nem o caso concreto o exigia, note-se). 16.– Deverá, pois, anular-se todo o processado posteriormente.
II–DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONUNCIA/FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO 17.– Nos ternos da al. c) do nº 1 do art. 279º do CPP, é nula a sentença “c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. 18.– O Tribunal a quo não se pronunciou sobre as nulidades invocadas no recurso da decisão administrativa, limitando-se a tecer uma consideração vaga e genérica sobre as mesmas "porquanto não se verifica nenhuma das nulidades invocadas”, mas não diz porquê. 19.– Ou seja, o Tribunal de primeira instância, efectivamente, não apreciou nenhuma das nulidades invocadas, o que, naturalmente, origina a nulidade da sentença ora em crise. 20.– A arguida invocou (I) a NULIDADE DO AUTO DE NOTICIA, e a (II) NULIDADE DA DECISÃO ADMINISTRATIVA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. 21.– Na sentença ora recorrida não há uma só linha sobre a apreciação destas nulidades. 22.– Nem a fundamentação para a sua procedência ou improcedência. 23.– O Auto de noticia é, desde logo, nulo porque o agente autuante nem fez constar as provas que colheu no momento da fiscalização! 24.– Não existindo a concreta indicação dos dias em que supostamente estavam em falta os discos do tacógrafo, nem a identificação dos dias de descanso semanal regular (para os quais não é necessário apresentar formulário) não pode a Arguida defender-se adequadamente, nem tão pouco, se pode concluir que houve a prática da alegada infracção. 25.– Esta falta de indicação, que originou a nulidade do auto, não foi apreciada pelo Tribunal de primeira instância, que nada disse sobre este assunto. 26.– Portanto, a nulidade do auto originou que, a arguida se não pudesse defender convenientemente no processo administrativo. 27.– Pelo que, a sentença será, necessariamente nula por falta de fundamentação. 28.– O mesmo quanto à segunda nulidade invocada. 29.– Ou seja, a decisão administrativa era, como é, nula por falta de fundamentação. 30.– Nulidade que o tribunal a-quo nada disse. 31.–A decisão administrativa é nula, porquanto, é insuficiente graças à sua falta de fundamentação e falta de indicação de prova. 32.– A decisão administrativa viola o disposto no artigo 374.º, n.º 2 do CPP, ao não incluir, nos factos imputados à Arguida, a narração das circunstâncias objetivas e subjectivas da sua actuação; ao não contextualizar, com factos concretos, o comportamento imputado à Arguida e ao não identificar os meios de prova em que assenta as suas conclusões, assim criando, dificuldades ao exercício da cabal defesa da Arguida. 33.– O mesmo exactamente, quanto à sentença recorrida. 34.– Que é nula pelos mesmos motivos, por não ter apreciado a nulidade invocada da decisão administrativa. 35.– Ao agir como agiu o Tribunal a quo vou o disposto no art. al. c) do nº 1 do art. 279º do CPP.
III–DA INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DADA COMO PROVADA (CULPA) / FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO 36.– A sentença recorrida também não tem uma única linha sobre o lamento subjectivo da culpa. 37.–Afinal, a arguida foi condenada porquê? Teve um comportamento negligente porquê? Que outro comportamento lhe era exigível? 38.– O Tribunal a quo condenou a Recorrente na prática negligente dia infracção sem sequer indicar um facto provado que corroborasse a existência de culpa na forma negligente. 39.– A Recorrente logrou afastar a sua culpa nos termos dos artigos 13.º, n.º 2 da Lei 27/2010 (se aplicável, mas já lá vamos). 40.– Pois, como por diversas vezes afirmado e provado nos autos, 41.– É a Recorrente quem organiza a actividade de transporte, nomeadamente, quem coloca no terreno os meios materiais e humanos, determinando o seu número, horário de funcionamento, serviços a efectuar, tempos de repouso e todos os outros meios organizacionais necessários à prossecução da sua actividade de transporte de passageiros. 42.– Para tanto, instrui todos os seus motoristas quanto às normas e procedimentos a observar nos transportes de passageiros e planeia as viagens de maneira a que sejam observadas as normas regulamentares relativas a períodos de condução e repouso, nomeadamente elaborando folhas de itinerário, horários e escalas que compreendem os períodos de repouso e pausas obrigatórios. 43.– Além disso, a sede da Recorrente é no Porto, o que implica, necessariamente, que seja materialmente impossível à Recorrente verificar em permanência se os seus motoristas cumprem as normas relativas aos períodos de condução e repouso, bem como, se possuem toda a documentação legalmente exigível, pese embora estar assente nos autos que a arguida ministra formação aos seus motoristas. (que mais pode fazer a arguida?) 44.– Não pode, assim, ser imputado à Recorrente um juízo subjectivo de culpa, ainda que a título de negligência, quanto aos factos descritos na sentença, uma vez que aquela fornece aos seus motoristas toda a preparação necessária e adequada ao desempenho da sua actividade profissional em condições de segurança e em conformidade com as disposições legais e regulamentares. Nessa senda,
Da Responsabilidade da Recorrente: 45.–Estatui o artigo 13.º da Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, que: “1- A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do Território Nacional”. 46.– Ainda quanto à matéria da responsabilidade impõe-se a referência ao normativo consagrado no artigo 10.º do Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, o qual dispõe que: “2- As empresas transportadoras devem dar instruções adequadas aos condutores e efectuar controles regulares, para assegurar o cumprimento quer do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro quer do capítulo II do presente Regulamento. 3- As empresas de transportes são responsáveis por qualquer infracção cometida pelos condutores da empresa, ainda que a infracção tenha sido cometida no território de outro Estado-Membro”. 47.– Já no que concerne à culpa do agente e ao regime da sua responsabilidade, feita análise no que respeita à culpa in instruendo e in vigilando, a considerar o consagrado na Lei n.º 27/2010, de 30 de Agosto, no seu artigo 13.º, n.º 2 que estabelece que: “A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3812/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março”. 48.– Concluindo, o dever de respeito dos tempos de condução e repouso impõe-se ao empregador na medida em que, no âmbito do seu poder determinativo e conformativo da prestação laboral, deverá criar as condições a que possa a prestação laboral ser executada pelo trabalhador em conformidade com o que a lei, nessa matéria, impõe. 49.– Desde logo, está provado que arguida organiza o trabalho por forma a que o seu motorista, que foi fiscalizado, tivesse apresentado a totalidade dos discos ou, em sua substituição, documentos comprovativos e justificativos para ausência dos mesmos - vide à contrario facto 7 da decisão administrativa dado como não provado. Ou seja, 50.– A Recorrente dá instruções adequadas aos trabalhadores, organizando a sua jornada de trabalho e certificando-se através de um controlo regular do cumprimento escrupuloso do Regulamento (CEE) n.º 3812/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e do capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, ou o Regulamento (UE) n.º 165/2014 51.– Prova disso é que, organizou acções de formação para os seus trabalhadores (facto dado como provado nos autos). 52.– Ora, se alguma infracção contra-ordenacional ocorreu, foi cometida pelo motorista, que contrariando as instruções da Recorrente. 53.– Além disso, o Tribunal a quo nem sequer analisou a questão da existência ou não de benefício para a Recorrente na prática das alegadas infracções, o que teria todo o relevo na determinação concreta da coima a aplicar. 54.– Assim, tendo a Recorrente agido no cumprimento do dever que lhe é adstrito, por força do exercício da actividade transportadora, para com os seus trabalhadores e com este motorista em concreto, não pode ser imputada a esta a prática de uma infracção, a que não deu azo e tudo fez para a evitar. Recorde-se, 55.– Os requisitos das decisões judiciais em matéria contra-ordenacional vêm enumerados no artigo 39.º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, estando previstos, no regime geral, no artigo 58º do RGCO e, remissivamente, com as necessárias adaptações, nos artigos 374º e 375º do Código de Processo Penal (de ora em diante CPP). 56.– Neste sentido, o legislador definiu contra-ordenação como “todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima” (cfr. artigo 1º do RGCO). 57.– Por outro lado, estabelece-se no artigo 8.º, nº 1 do mesmo diploma que “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”, ficando, porém, “ressalvada a punibilidade da negligência nos termos gerais” – (cfr. n.º 3 do mesmo artigo). 58.– Face a estes dois normativos conclui António Beça Pereira que “constitui contra ordenação todo o facto: ilícito, típico, culposo e punível com coima” 59.– Por isso, à semelhança do que se passa em sede de direito penal, também o direito contra-ordenacional só pode actuar se a conduta do agente em causa preencher um tipo-de-ilícito. 60.– De igual modo, em matéria de contra-ordenações laborais, estabelece o artigo 548.º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro) que “constitui contra-ordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima”. 61.–Dispõe, ainda, o artigo 25º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro, que: “1- A decisão que aplica a coima e ou as sanções acessórias contém: a)- A identificação dos sujeitos responsáveis pela infração; b)- A descrição dos factos imputados, com a indicação das provas obtidas; c)- A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d)- A coima e as sanções acessórias.”
62.– No mesmo sentido, o artigo 58.º, n.º 1 do RGCO. 63.– Ora, as exigências estabelecidas nas supra mencionadas normas visam permitir à arguida, ora Recorrente, saber que factos lhe foram imputados e como foram apurados, que normas foram tidas como infringidas e em que é que se estribou a decisão/sentença, incluindo a aplicação daquela coima em concreto e não outra. 64.– Simas Santos e Lopes de Sousa referem que “os requisitos previstos neste artigo para a decisão condenatória visam assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão. Por isso as exigências aqui feitas deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos” (in “Contra-Ordenações - Anotações ao Regime Geral”, 2ª edição, 2002, pág. 334). 65.– Todavia, no caso sub judice nem a decisão administrativa, nem tão pouco a sentença judicial do Tribunal a quo lograram fundamentar correctamente as suas decisões. 66.– Pelo que, apesar de já ter passado pelo crivo da Autoridade das Condições para o Trabalho, bem como, pelo crivo do Tribunal Judicial, a Recorrente continua sem perceber em que facto se baseia a alegada culpa que lhe é imputada nos presentes autos. 67.– Visto que, a Recorrente já logrou ilidir tal presunção de culpa, tanto na sua defesa dirigida à entidade administrativa, como, também, na impugnação judicial dirigida ao Tribunal a quo. 68.– Aliás, o próprio Tribunal a quo confirma que a Recorrente logrou provar que ministrava formação a todos os seus trabalhadores na sentença proferida, contudo, ainda assim, condenou a Recorrente. 69.– Sem apreciar a questão da culpa e da exclusão da responsabilidade. 70.– Com efeito, a sentença judicial não pode ser omissa quanto à integração de todos os elementos típicos. 71.– Veja-se, ainda, a contradição, por um lado, ficou provado (à contrário) que a arguida organiza o trabalho dos seus trabalhadores por forma os mesmos cumpram as normas dos tempos de condução. Mas, por outro lado, 72.– O Tribunal dá como provado que (facto 8 da decisão administrativa) “A arguida atuou da forma descrita (qual???), descurando os seus deveres de fiscalização e direcção da actividade de condução do seu trabalhador e dos documentos obrigatórios que devem acompanhar essa mesma actividade, enquanto empregadora, não procedendo com o cuidado a que segundo as circunstâncias estava obrigada e de que era capaz, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei, actuando com negligência”. 73.– Ora, das duas uma, ou a Arguida organiza o trabalho, ou descura ou deveres e, com isso, actua com negligência… 74. Naturalmente, essa descrição dos factos deve conter os elementos objectivos e subjectivos da contra-ordenação - os factos narrados na sentença devem ser os suficientes (e não contraditórios) para deles se extrair a subsunção nos elementos objetivos da norma típica e o dolo e/ou a negligência. 75.– Como ensina o Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 14.01.2009 (DR, Iª Série de 13.02.2009 e www.dgsi.pt): “A circunstância de se tratar de uma contra-ordenação não altera este quadro, pois de acordo com o artigo 1.º do RGCO, na redacção dada pelo DL n.º 244/95, de 14-09, constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal em que se comine uma coima, assim se afastando a possibilidade de punição a título de contra-ordenação independentemente do carácter censurável do facto». (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.06.2003, Proc. n.º 1875/03 – 5.ª, ibidem). 76.– Também no domínio do Direito Penal, a propósito do artigo 13.º da respectiva lei substantiva, do qual, como se disse, o artigo 8.º, n.º 1, do RGCO, é reprodução, a doutrina e a jurisprudência têm sustentado a mesma interpretação (vide Figueiredo Dias, Velhos e Novos Problemas da Doutrina da Negligência em Direito Penal, Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, 1.ª edição, 2002, Universidade Católica Portuguesa, págs. 665-666; Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 1.º vol., Parte Geral, 3.ª edição, Rei dos Livros, 2002, anotação ao artigo 15.º, pág. 233; Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2004, pág. 629 e ss.). 77.– E, mais detalhadamente: «O dolo é a expressão geral da culpa. A negligência, apesar de progressiva subida de nível da sua importância, é uma forma degradada e relativamente excepcional (Cavaleiro de Ferreira), que não constitui categoria atenuada de dolo e se assume como algo essencialmente distinto dele (Jescheck/Weigend, cit. [Tratado de Derecho Penal, versão espanhola, 5.ª edição], 605 e seguintes). (...) A realização do tipo, por via de negligência, decorre duma «desatenção, contrária ao dever, acerca do cuidado exigido no âmbito da relação». Doutro lado, segundo o critério hoje dominante, a negligência não é ou não é apenas uma forma de culpa (cfr. nota 4. ao artigo 13.º). Como tipo especial de conduta punível, ela é mais (ou antes) uma forma de conduta e uma forma de culpa. Essencialmente, não admite tentativa, nem, segundo a doutrina alemã, comparticipação, porque apenas se coaduna com a actuação paralela, acessória ou colateral ou ainda com a autoria mediata (pela dolosa utilização da conduta negligente de outrem). Reporta-se, de resto, ao desvalor da conduta e ao desvalor do resultado, no terreno da evitabilidade da realização do tipo. A «causação negligente de um resultado» não é o mesmo que «causação + negligência», porquanto tal igualdade conduziria ao versari in re illicita, preso a responsabilidade pelo acaso, de todo estranha ao Direito Penal (Wessels, cit. [Direito Penal -Parte Geral (Aspectos Fundamentais)], 146)» (Código Penal Anotado e Comentado, Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, Quid Juris, 2008, notas 4 ao art. 13.º e 7 ao art. 15.º, págs. 92 e 99, respectivamente)”. 78.– Não basta, por isso, para a integração da negligência a mera existência de um resultado e uma qualquer referência ao dever de conhecer a lei, na decisão administrativa. 79. Muito menos é suficiente e aceitável que a sentença judicial proferida pelo Tribunal a quo nem sequer se pronuncie a este respeito! 80.– Ora, na decisão, não se descrevem factos a partir dos quais se possa inferir a imputação subjectiva da ora Recorrente. 81.– Ora, só pode afirmar-se a existência de culpa (seja ela sob a forma de dolo ou negligência) se o sujeito da infração, conhecendo os seus deveres, voluntariamente os incumprir, podendo actuar de modo diverso – e só pode escolher incumprir quem tem os meios para cumprir (e decide não o fazer). 82.– Por outro lado, e mais uma vez o dizemos, não é indiferente que a conduta do infrator preencha o elemento subjectivo do dolo ou da negligência, não sendo correcto afirmar que, quando um não exista, necessariamente existirá o outro. O elemento subjectivo, repete-se, carece de factos que o demonstrem, e que têm que estar expressamente consignados na matéria de facto considerada provada, sob pena de não poderem ser adequadamente sindicados - como acontece no caso vertente. 83.– A este propósito, cabe notar que tanto a autoridade administrativa, como o Tribunal a quo nas decisões proferidas, expressam a convicção de que a entidade empregadora, mesmo que organize o trabalho dos seus motoristas de modo a que estes possam cumprir os regulamentos comunitários, dê instruções adequadas aos condutores (em que se inclui a respetiva formação) e efetue controlos regulares para assegurar o cumprimento dos regulamentos, ainda assim é responsável por qualquer infração cometida pelos condutores só tendo hipótese de escapar à condenação se demonstrar que a infração resultou da conduta inadequada do trabalhador. 84.– E, apesar de todo o alegado e provado pela Recorrente nos autos, considera o Tribunal a quo que a Recorrente não o fez. 85.– Cabe perguntar: eliminadas todas as atividades de formação, informação e controlo elencadas pela Recorrente, o que restaria ao empregador para demonstrar a culpa do trabalhador? 86.– Afigura-se-nos, com o devido respeito, que tal posição arranca de uma concepção puramente objetiva da responsabilidade das empresas, a todos os títulos inaceitável, e sem correspondência nos textos legais. 87.– E é tanto mais assim quanto é certo que, partindo de tal quadro conceptual, torna-se impossível distinguir a actuação dolosa da actuação negligente (e sabemos que a punibilidade das condutas está dependente da existência de um destes elementos subjetivos, os quais se mostram fundamentais na graduação das sanções aplicáveis), já que a responsabilização existiria sempre, assente apenas nos resultados lesivos confirmados (ou seja, a objectiva violação das normas comunitárias). 88.– Deste modo, a sentença do Tribunal a quo baseia-se em formulações conclusivas e vazias de conteúdo, que não têm nos factos considerados provados qualquer apoio, já que dos mesmos nada consta a este respeito.
89.– De acordo com a jurisprudência do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 07.12.2012, processo n.º 1378/11.6TASTR.E1, disponível em www.dgsi.pt, precisamente acerca da apreciação do elemento subjectivo da culpa nos recursos de contra-ordenação: “O STJ tem revelado unanimidade, ao que sabemos, propugnando, por exemplo em 6-11-2008, que “uma imputação de factos tem que ser precisa e não genérica, concreta e não conclusiva, recortando com nitidez os factos que são relevantes para caracterizarem o comportamento contra-ordenacional, incluindo as circunstâncias de tempo e lugar. Para além disso, deve conter os elementos do tipo subjectivo do ilícito contra-ordenacional (…)” (todos disponíveis em www.dgsi.pt)” 90.– Motivo pelo qual, a sentença proferida pelo Tribunal a quo viola o disposto no artigo 374.º, n.º 2 do CPP, bem como, em certa medida, o disposto no art. 410, nº 2 al. a) do mesmo Código, ao não incluir, nos factos imputados à Recorrente, a narração das circunstâncias objetivas e subjectivas da sua actuação; ao não contextualizar, com factos concretos, o comportamento imputado à Recorrente e ao não identificar os meios de prova em que assenta as suas conclusões, assim criando, dificuldades ao exercício da cabal defesa da Recorrente, e ao não identificar, concretamente, os factos em que se baseou o juízo de culpabilidade (há insuficiência de matéria de facto dada como provada para criar um juízo de culpabilidade).
IV–DA REVOGAÇÃO DO REGIME DA LEI 27/2010. 91.– A regulamentação referente à introdução do aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários, aconteceu por via do Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985.
92.– Neste diploma, o legislador estabeleceu no seu artigo 15.º nº 3 que: 3. Os condutores devem: — certificar-se da concordância entre a marcação horária na folha e a hora legal do país onde o veículo foi matriculado, — preocupar-se em accionar os dispositivos de comutação que permitem distinguir os seguintes grupos de tempo a registar: a)- Sob o símbolo : o tempo de condução: b)- Qualquer «outro trabalho», entendido como qualquer actividade distinta da condução, tal como definida na alínea a) do artigo 3.º da Directiva 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Março de 2002, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem actividades móveis de transporte rodoviário ( 9 ), bem como qualquer trabalho prestado ao mesmo ou a outro empregador dentro ou fora do sector dos transportes, deve ser registado sob o símbolo c)- A «disponibilidade», definida na alínea b) do artigo 3º da Directiva 2002/15/CE, deve ser registada sob o símbolo . d)- Sob o símbolo: as interrupções da condução e os períodos de repouso diário.
93.– Este regulamento foi sucessivamente alterado por indecifrável, quer no processo em papel, quer no histórico). 94.– Ao longo dos anos foi necessário transpor estas normas e o seu competente regime sancionatório (último) para o ordenamento jurídico nacional, surgindo assim a Lei n.º 27/2010. Este diploma legal surge com o seguinte objecto: “A presente lei transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Directivas nºs 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro, na parte respeitante a: a)- Regime sancionatório da violação, no território nacional, das disposições sociais constantes do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março; b)- Controlo, no território nacional, da instalação e utilização de tacógrafos de acordo com o Regulamento (CE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e da aplicação das disposições sociais constantes do regulamento referido na alínea anterior. “
95.– Daí o artigo 25.º da Lei n.º 27/2010, versar sobre a matéria da apresentação de dados a agente encarregado da fiscalização. 96.– Sucede que, anos depois, é publicado o Regulamento (UE) n.º 165/2014, do Parlamento e Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014, o qual veio revogar o Regulamento (CE) n.º 3821/85, de acordo com o artigo 47.º daquele diploma legal. 97.– O qual, como não poderia deixar de dizer, refere no seu artigo 44.º que: “os Estados-Membros comunicam à Comissão o texto das disposições legislativas, regulamentares e administrativas que adoptarem nas matérias reguladas pelo presente regulamento, o mais tardar 30 dias após a data da respetiva adoção e pela primeira vez até 2 de março de 2015”. 98.– Uma vez que, o Regulamento apesar de ser directamente aplicável a todos os Estados membros, necessita, com frequência, de ser concretizado por cada um desses mesmos Estados. 99.– A propósito, sublinham João e Luiz Mota Campos: “(…) o regulamento não se apresenta sempre como um acto normativo completo, plenamente aplicável e exequível «per si». Acontece, por vezes, que o regulamento surge como um acto incompleto no sentido de que não figuram no seu dispositivo todas as disposições necessárias à sua boa execução. Nestes casos, cumpre aos Estados-membros prover às omissões verificadas (…).” 100.–Contudo, até ao momento, pelo menos que seja do conhecimento da Arguida, não houve qualquer elaboração de lei no sentido de estabelecer o regime sancionatório da violação, no território nacional, das disposições constantes no Regulamento (UE) n.º 165/2014. 101.– E se houve, certamente não será a Lei n.º 27/2010 (elaborada quatro anos antes da publicação deste Regulamento!). 102.–Posto isto, parece, na nossa humilde opinião, existir uma omissão legislativa do Estado Português no tocante ao poder-dever de regulamentar o regime sancionatório das infracções ao Regulamento (UE) n.º 165/2014. É que repare-se, 103.– Preceitua o artigo 1.º do RGCO que, “constitui contra-ordenação todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima”. 104.–Consagrando-se, assim, uma primeira vertente do princípio da legalidade. 105.–Deste princípio decorre que para a conduta humana assumir a dignidade de uma infração torna-se indispensável que coincida formalmente com a descrição feita numa norma legal que preveja, directa ou indirectamente, a aplicação de uma coima. 106.–Acrescenta o artigo 1.º, n.º 1 do Código Penal (de ora em diante CP), que ninguém pode ser punido criminalmente por facto que não esteja descrito e não seja passível de pena em lei anterior ao momento da prática do facto, disposição legal em consonância com o disposto no artigo 29.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (de ora em diante CRP). 107.–Portanto, não podemos simplesmente verificar que existe uma lacuna na lei e recorrer à analogia para autuar. 108.–A propósito, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28.06.2017, processo n.º 3793/16.0T8BRR.L1-4: “Afigura-se-nos ser este o caso dos autos. Está em causa o sancionamento da falta de apresentação do formulário, já que quanto às folhas o veículo estava isento, como a sentença recorrida refere. Porém, reconhecida a existência da lacuna não pode a mesma ser preenchida por via de interpretação extensiva – ou não seria lacuna -, e nem por analogia, atento o princípio da legalidade.” 109.–E, ainda, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n.º 2010/16.7T8BRR: “Assumiu-se na sentença que, por força do art.º 2º/g) da Portaria 222/2008 de 5/03, o veículo descrito nos autos estava isento das obrigações ali mencionadas. Ora, a contraordenação imputada à arguida foi a prevista no art.º 25º/1-b) da Lei 27/2010, de 30/08, lei esta que estabelece o regime sancionatório aplicável à violação das normas respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na atividade de transporte rodoviário, transpondo a Directiva n.º 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Directivas n.º 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro. De acordo com a norma tipificadora, constitui contraordenação muito grave a não apresentação, quando solicitada por agente encarregado da fiscalização, (b) de cartão de condutor, das folhas de registo utilizadas e de qualquer registo manual e impressão efetuados, que o condutor esteja obrigado a apresentar. Vigora em matéria contraordenacional o princípio da legalidade de acordo com o qual só será punido como contraordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática (art.º 2º do DL 433/82 de 27/10, aplicável ex vi art.º 549º do CT). Por outro lado, constitui contraordenação laboral o facto típico, ilícito e censurável que consubstancie a violação de uma norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito de relação laboral e que seja punível com coima (Artº 548º do CT). Ora, evidenciando a sentença que o veículo reportado nos autos estava isento das obrigações cujo incumprimento é pressuposto do facto típico, não vemos como, sem mácula para o indicado princípio da legalidade, sancionar a arguida pela contraordenação que lhe foi imputada. Refere a sentença que uma Decisão da Comissão de 12/04/2007 previu a obrigação de um formulário relativo às disposições em matéria social no domínio das atividades de transporte rodoviário, a qual no seu considerando (1) consigna que, “Nos termos da Directiva 2006/22/CE, a Comissão elaborará um formulário eletrónico, que possa ser imprimido, destinado a ser utilizado quando o condutor tiver estado em situação de baixa por doença ou de gozo de férias anuais, ou quando tiver conduzido outro veículo, isento da aplicação do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março de 2006, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, que altera os Regulamentos (CEE) n.º 3821/85 e (CE) n.º 2135/98 do Conselho e revoga o Regulamento (CEE) n.º 3820/85 do Conselho”. E conclui que o condutor estava obrigado a apresentar o formulário a que se reporta tal Decisão por ser essa a única forma de o agente autuante poder apurar qual a real situação do veículo e do seu condutor.
Discordamos de uma tal conclusão. Efetivamente a referida Decisão estabeleceu, tendo como destinatários os Estados Membros, um formulário a preencher pelo empregador nos casos de condução de veículo não abrangido pelo Regulamento (CE) nº 561/2006. Tal instrumento é obrigatório para os Estados Membros conforme emerge de quanto se dispõe no art.º 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
Contudo, da existência do formulário a preencher para estes específicos casos não decorre diretamente a instituição de uma qualquer contraordenação, situação que carece de lei instituidora. É, aliás, a própria sentença que assume que a lei é omissa quanto às consequências de não apresentação do anexo a que se refere a Decisão, visto não prever qualquer sanção ou responsabilidade contraordenacional. Todavia, vem a concluir que não estando punida a omissão em causa, há uma lacuna que tem que ser integrada por via interpretativa. Cumpre antes de mais salientar que a interpretação extensiva não serve a integração de lacunas. Esta é regulada pela analogia. E, em matéria de qualificação criminal ou contra-ordenacional não é permitido o recurso à analogia (art.º 1º/3 do CP), situação que constituiria violação expressa do já mencionado princípio da legalidade. Na verdade, em matéria de direito sancionatório público aplicam-se, no essencial, as garantias vigentes no direito penal, especialmente aquelas que se prendem com a segurança, certeza, confiança e previsibilidade, estando fora de causa a interpretação analógica e, bem assim, a extensiva sempre que da mesma resultem questionadas aquelas garantias. Assim, se do art.º 25º/1-b) da Lei 27/2010 – norma tipificadora – não consta a menção à obrigação de apresentação do formulário referido na citada Decisão, não pode o intérprete decidir pela respetiva inclusão no tipo legal ou partir do pressuposto que é intenção do legislador a respetiva inclusão.
(…) Não estando a conduta tipificada pelo mencionado art.º 25º/1-b) – que, repete-se, traduz a contraordenação imputada ab initio -, não há contraordenação, devendo, pois, a arguida ser absolvida”.
110.– Ora, a Arguida foi condenada ao abrigo de uma legislação revogada tacitamente e que, caso ainda assim se não entenda, sempre se dirá que, terá que lhe ser aplicado este Regulamento (UE) n.º 165/2014, ao abrigo do principio da Lei mais favorável e, portanto, ser a mesma absolvida por falta de lei punitiva interna.
V–DA ALTERAÇÃO DA DECISÃO. 111.– Dos factos dados como provados, ainda que a sentença não seja nula, sempre a Arguida teria que ser absolvida. 112.– Pois que, logrou afastar o juízo de culpabilidade que sobre si impendia, conforme supra se disse. 113.– Pelo que, deverá a sentença ser revogada, o que se requer.” Termina pedindo que o recurso seja julgado totalmente provado e procedente e, em consequência, seja a sentença recorrida revogada e substituída por outra que absolva a arguida da prática das contra-ordenações constantes dos autos. Assim se fazendo a sã e prudente JUSTIÇA!
O recurso foi admitido.
O Ministério Público contra-alegou e, sem formular conclusões, invocou que o recurso peca por falta de objecto, que a decisão recorrida não merece reparo e que o recurso é manifestamente improcedente.
Neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença.
Notificada a arguida do parecer, não respondeu.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
De acordo com os artigos 33º nº 1 e 50º do Regime Processual das Contra-ordenações Laborais e de Segurança Social (Lei 107/2009 de 14 de Setembro) e, subsidiariamente, com os artigos 403º nº 1 e 412º nº 1 do CPP aplicável ex vi do artigo 74º nº 4 do DL nº 433/82 de 27 de Outubro e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in DR, série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraia da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação dos vícios indicados no nº 2 do artigo 410º do CPP.
Não obstante a extensão das conclusões onde, salvo o devido respeito, desnecessariamente, a Recorrente, cita jurisprudência e doutrina que já foi citada nas alegações e na conclusão 93, também desnecessariamente e de modo indecifrável, tal como no artigo 180º das alegações, enumera as alterações ao Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1985, mesmo assim, é possível delas extrair-se que no presente recurso importa apreciar as seguintes questões: 1ª- Das alegadas irregularidades ocorridas na audiência de julgamento 2ª- Se a sentença padece do vício da nulidade. 3ª- Se o auto de notícia é nulo. 4ª- Se a decisão administrativa é nula. 5ª- Se a sentença padece do vício a que alude a al.a) do nº 2 do artigo 410º do CPP. 6ª- Se a arguida deve ser absolvida.
Fundamentação de facto.
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
- os elencados em 1), 2), 3), 4), 8) e 10 da decisão administrativa, fls.77 e 78 dos autos.
- A arguida ministra formação aos motoristas.
Para uma melhor compreensão passamos a transcrever os factos da decisão administrativa que o Tribunal a quo considerou provados: 1– No dia 22/10/2016, pelas 9:40 foi realizada uma acção de fiscalização pela Polícia de Segurança Pública (PSP) na Praça das Portagens da Ponte 25 de Abril, A2, Almada, fls.2 dos autos. 2– No decurso da referida acção foi identificado o condutor (…), condutor da aqui arguida, o qual conduzia um veículo pesado de passageiros, com a (…), fls.2 dos autos. 3– O condutor não apresentou a totalidade dos discos diagramas ou impressões referentes aos 28 dias anteriores ao dia da fiscalização. 4– O condutor apresentou unicamente o disco relativo ao dia da fiscalização e ao dia 21/01/2016. 8– A arguida actuou da forma descrita, descurando os seus deveres de fiscalização e direcção da actividade de condução do seu trabalhador e dos documentos obrigatórios que devem acompanhar essa mesma actividade, enquanto entidade empregadora, não procedendo com o cuidado a que segundo as circunstâncias estava obrigada e de que era capaz, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei, actuando com negligência. 10- A arguida apresentou um volume de negócios para o ano de 2015 no montante de € 5.592.603,00.
Relativamente ao ponto 8 da decisão administrativa que o Tribunal a quo considerou provado, obviamente que em tal ponto não poderá ser considerada a frase “ a arguida actuou da forma descrita”, na medida em que a actuação que é descrita é imputada ao seu condutor, nem a expressão “actuando com negligência”, a qual constitui matéria de direito e não de facto.
Assim, importa rectificar o ponto 8 dos factos provados nos seguintes termos: “A arguida actuou descurando os seus deveres de fiscalização e direcção da actividade de condução do seu trabalhador e dos documentos obrigatórios que devem acompanhar essa mesma actividade, enquanto entidade empregadora, não procedendo com o cuidado a que segundo as circunstâncias estava obrigada e de que era capaz, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei.”
O tribunal a quo não julgou provado que: A)– O motorista apresentou o cartão de condutor ao agente autuante. B)– A condenação a que se alude em 9) da decisão administrativa, por decisão transitada em julgado. Fundamentação de direito Comecemos, então, por apreciar as alegadas irregularidades ocorridas na audiência de discussão e julgamento. A este propósito invoca a arguida, em síntese, que o Tribunal a quo decidiu, sem qualquer hipótese de contraditório ou, sequer de audição da arguida, sem qualquer despacho prévio, sem qualquer requerimento, nem da defesa nem da acusação, inverter a ordem de produção da prova, violando o disposto no artigo 341º do Código de Processo Penal quanto à ordem de produção dos meios de prova e o princípio do contraditório, o que impediu a arguida de prosseguir a sua estratégia de defesa, pelo que a inversão da produção de prova é nula por falta de fundamentação, posto que influiu na decisão do mérito da causa, deitando por terra toda a estratégia da defesa, devendo, consequentemente, anular-se todos os actos praticados posteriormente ao mesmo.
Vejamos: A audiência de discussão e julgamento iniciou-se no dia 23.10.2017 e nela estiveram presentes a testemunha arrolada pelo Ministério Público (…) e tendo faltado nesse dia o ilustre mandatário da arguida, Dr. (…) e as testemunhas arroladas pela arguida, (…) e (…). Em tal sessão, face ao requerimento do ilustre mandatário da arguida, então junto a fls. 150 dos autos, foi proferido despacho que adiou a realização da audiência de julgamento para o dia 6 de Novembro de 2017, pelas 9h30m (fls.153 e 154) Na audiência de julgamento de 6 de Novembro de 2017 estiveram presentes, o ilustre mandatário da arguida, as testemunhas arroladas pela arguida, (…) e (…) e a testemunha arrolada pelo recorrido, (…) (fls.171). Iniciada a audiência, a Mmª Juiz, sem que antes tivesse havido qualquer requerimento do Ministério Público, da arguida ou da recorrida, ordenou a produção de prova que se iniciou pela audição das testemunhas arroladas pela arguida – (…) e (…)- seguindo-se a audição da testemunha arrolada pelo Ministério Público - (…) (fls.171 e 172). Finda a produção de prova, foi concedida a palavra ao Ministério Público e ao ilustre mandatário da arguida, proferindo-se, de imediato, a sentença. Não consta da acta da audiência de discussão e julgamento qualquer requerimento de oposição à ordem adoptada pelo Tribunal a quo quanto à produção de prova. Ora, tendo a infracção imputada à arguida ocorrido no dia 22.1.2016, são aplicáveis as normas da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro que aprova o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social. Para além do que se dispõe nos artigos 40º,42º, 43º, 44º, 45º e 47º da referida Lei sobre a audiência de julgamento e sobre a prova, a verdade é que nela nada se diz sobre a ordem de produção de prova. E sendo assim, por força do disposto no artigo 60º da Lei nº107/2009, de 14 de Setembro que remete para os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra-ordenações (DL n.º 433/82, de 27 de Outubro), que por força do seu artigo 41º nº 1 manda aplicar, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal, sempre que o contrário não resulte daquele diploma, no caso, a ordem de produção da prova rege-se pelo disposto no artigo 341º do Código de Processo Penal. De acordo com o mencionado preceito legal, a produção da prova deve respeitar a ordem seguinte: a) Declarações do arguido; b) Apresentação dos meios de prova indicados pelo Ministério Público, pelo assistente e pelo lesado; c) Apresentação dos meios de prova indicados pelo arguido e pelo responsável civil. Assim, no caso, a ordem de produção da prova deveria ter sido a seguinte: a apresentada pelo Ministério Público, seguida da apresentada pela arguida, o que não se cumpriu.
Ora, de acordo com o disposto no artigo 118º do CPP, norma que consagra o princípio da legalidade e aplicável ao caso por força das normas remissivas acima referenciadas: “1- A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na lei. 2- Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato ilegal é irregular. 3- As disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova.” Ora, o artigo 341º não comina a nulidade para a inobservância da ordem de produção de prova, tratando-se, pois, de um acto irregular.
E quanto às irregularidades rege o disposto no artigo 123º do CPP que estabelece: “1– Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do ato a que se refere e dos termos subsequentes que possa afetar quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado. 2– Pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando ela puder afetar o valor do ato praticado.” Ora, conforme decorre da acta da audiência de discussão e julgamento, os interessados estiveram presentes e não arguiram a irregularidade manifestada na ordem de produção da prova, pelo que tal irregularidade, na medida em que não foi arguida, não pode determinar a invalidade de tal acto e dos termos subsequentes. Em consequência, não procede o pedido de anulação do acto de produção da prova e termos subsequentes, conforme pretende a arguida, improcedendo, nesta parte, o recurso. ****
Apreciemos, agora, se a sentença padece do vício da nulidade. Nesta sede, defende a arguida, em primeiro lugar, que a sentença é nula por omissão de pronúncia nos ternos da al. c) do nº 1 do art. 279º do CPP (certamente por lapso a arguida refere o artigo 279º quando tal vício está previsto no artigo 379º do CPP),dado que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a arguida nulidade do auto de notícia e da decisão administrativa por falta de fundamentação, sendo que na sentença recorrida não há uma só linha sobre a apreciação destas nulidades.
Apreciando.
De acordo com a al.c) do nº 1 do artigo 379º do CPP, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Assim e como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.12.2013, in www.dgsi.pt “I - A omissão de pronúncia significa ausência de apreciação e de decisão por parte do tribunal sobre questões que os sujeitos processuais lhe submeteram ou sobre questões que sejam de conhecimento oficioso (isto é, que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação), quer digam respeito à relação material, quer à relação processual. (…)” Regressando ao caso constata-se que no recurso de impugnação judicial a arguida suscitou a nulidade do auto de notícia por, alegadamente, este não estar instruído com as provas obtidas em sede de fiscalização, padecendo de irremediável ilegalidade, bem como arguiu a nulidade da decisão administrativa por se ter motivado única e exclusivamente no auto de notícia que está inquinado e pediu, a final, que seja declarada a nulidade do auto de notícia e da decisão administrativa por falta de fundamentação e consequente limitação do direito de defesa da arguida.
A sentença procedeu ao enquadramento jurídico dos factos nos seguintes termos: “Subsumindo os factos ao direito, dúvidas não soçobram em afirmar que se mostram preenchidos os elementos objetivos e subjetivo, na modalidade de negligência, da contra-ordenação prevista e punível pelos artigos 25º, n.º 1, alínea a), e 14º, n.º 4, alínea a), da Lei n.º 27/2010 de 30/08, por cuja prática a arguida terá que ser condenada porquanto não se verifica nenhuma das nulidades invocadas, sendo suficientes os factos levados ao auto de notícia e à decisão administrativa para que a arguida conheça a imputação, o direito aplicável e dela se possa defender. No que tange ao valor da coima concreta, ponderada a gravidade da contraordenação (transporte de crianças), o diminuto grau de culpa, a boa situação económica da arguida (€5.592.603,00 de volume de negócios no ano anterior) e as medianas exigências de prevenção geral, afigura-se-nos, dado que inexiste reincidência, que a dosimetria da coima deve ser encontrada próxima do limite mínimo, julgando-se ajustado o valor correspondente a 28 UC´s (€ 2.856,00). Donde, tudo ponderado, é de absolver da reincidência e manter a condenação, com alteração embora do valor da coima. “ Ora, embora se reconheça que a sentença recorrida disse pouco, mesmo muito pouco, sobre as invocadas nulidades do auto de notícia e da decisão administrativa que reconheceu terem sido invocadas pois no respectivo relatório refere que a arguida “Alega, com relevo, que o auto de notícia e a decisão administrativa são nulos por falta de fundamentação, prova e limitação do direito de defesa (…)”, a verdade é que sobre elas se pronuncia quando refere que “não se verifica nenhuma das nulidades invocadas, sendo suficientes os factos levados ao auto de notícia e à decisão administrativa para que a arguida conheça a imputação, o direito aplicável e dela se possa defender.” E porque a sentença se pronunciou sobre tais nulidades, resta concluir que não se verifica a alegada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, improcedendo esta pretensão da arguida. Questão diversa é a da arguida não concordar com o entendimento do Tribunal a quo quanto às arguidas nulidades, o que deve ser apreciado em sede de eventual erro de julgamento, não em sede de nulidade da sentença. Embora a arguida, salvo o devido respeito, misture nulidade da sentença por omissão de pronúncia, com nulidade da sentença por falta de fundamentação, o certo é que das conclusões 32. e 33. extrai-se que a arguida ainda está a invocar que a sentença é nula por falta de fundamentação quando refere que a decisão administrativa viola o disposto no artigo 374.º, n.º 2 do CPP, ao não incluir, nos factos imputados à Arguida, a narração das circunstâncias objectivas e subjectivas da sua actuação, ao não contextualizar, com factos concretos, o comportamento imputado à Arguida e ao não identificar os meios de prova em que assenta as suas conclusões, assim criando, dificuldades ao exercício da cabal defesa da Arguida, o mesmo exactamente, quanto à sentença recorrida
Ora, dispõe o artigo 374º do CPP: I– (...). 2– Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.” Atenta a sua pertinência quanto a esta matéria, chamamos à colação o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.01.2011, in www.dgsi.pt, onde se afirma: “(…) IIº- De acordo com o art.374, nº2, CPP, a fundamentação da sentença penal, é composta por dois grandes segmentos, um consiste na enumeração dos factos provados e não provados, outro na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal; IIIº-O exame crítico deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova, foram valorados num certo sentido e outros não o foram ou seja, a explicação dos motivos que levaram o tribunal a considerar certos meios de prova como idóneos e/ou credíveis e a considerar outros meios de prova como inidóneos e/ou não credíveis, e ainda na exposição e explicação dos critérios, lógicos e racionais, utilizados na apreciação efectuada; (…)” Regressando ao caso, constata-se que a sentença recorrida se inicia com o relatório, seguido da enunciação dos factos que o Tribunal a quo considerou provados, da indicação dos meios de prova que levaram a tal consideração, da enunciação dos factos não provados e das razões em que ancorou a não prova de tais factos e, por fim, procede à subsunção dos factos ao direito e profere a decisão.
Assim, dúvidas não existem de que a sentença recorrida está conforme ao disposto no artigo 374º do CPP, não se verificando a arguida nulidade por falta de fundamentação.
E se a arguida discorda da fundamentação do Tribunal a quo e se entende que tal fundamentação não é suficiente para determinar a sua condenação, então, a questão já se coloca no âmbito de eventual erro de julgamento e não de nulidade da sentença por falta de fundamentação.
Consequentemente, improcede a arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação. **** Apreciemos, agora, se o auto de notícia é nulo. A este propósito invoca a arguida, em resumo, que o auto de notícia é nulo porque o agente autuante não fez constar as provas que colheu no momento da fiscalização, não existindo a concreta indicação dos dias em que supostamente estavam em falta os discos do tacógrafo, nem a identificação dos dias de descanso semanal regular (para os quais não é necessário apresentar formulário), pelo que não pôde a Arguida defender-se convenientemente no processo administrativo.
Vejamos:
Nos termos do nº 2 do artigo 13º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro “ Sem prejuízo do disposto em legislação especial, há lugar a auto de notícia quando, no exercício das suas funções o inspector do trabalho ou da segurança social, verificar ou comprovar, pessoal e directamente, ainda que por forma não imediata, qualquer infracção a normas sujeitas à fiscalização da respectiva autoridade administrativa sancionada com coima.”
Por seu turno, dispõe o artigo 15º da citada Lei, sob a epígrafe “Elementos do auto de notícia, da participação e do auto de infracção”: “1– O auto de notícia, a participação e o auto de infracção referidos nos artigos anteriores mencionam especificamente os factos que constituem a contra-ordenação, o dia, a hora, o local, as circunstâncias em que foram cometidos e o que puder ser averiguado acerca da identificação e residência do arguido, o nome e categoria do autuante ou participante, ainda relativamente à participação, a identificação e a residência das testemunhas. 2– Quando o responsável pela contra-ordenação seja uma pessoa colectiva ou equiparada, indica-se sempre que possível, a sede da pessoa colectiva e a residência dos respectivos gerentes, administradores ou directores. 3– No caso de subcontrato, indica-se, sempre que possível, a identificação e a residência do subcontratante e do contratante principal.” Assim e como se escreve no Acórdão deste Tribunal e Secção de 6.2.2017, in www.dgsi.pt “A materialidade deste tipo de documento significa, pois, que nele devem “ser relatados os factos materiais sensorialmente perceptíveis que constituem a contra-ordenação, especificando-se o dia, a hora, o local, e as circunstâncias em que foram cometidos, bem como a identificação do arguido, dos ofendidos e do autuante”. Devendo do mesmo ainda constar “… a referência às disposições legais que prevêem e punem a infracção, bem como a coima e sendo caso a sanção acessória (art.º 15.º n.º 1 e ar.º 17.º a 19.º)”. Cfr. Manuel M. Roxo e Luís C. Claudino “ O Processo de Contra-Ordenação Laboral e de Segurança Social”, Almedina, 2009, pág. 49.” (…) O que o agente autuante deve verter no auto de notícia é o que observa, o que verifica e atesta, isto é, factos, comportamentos, situações.”
No caso, resulta que da participação de fls. 5 dos autos consta a data e hora da ocorrência, a identificação do autuante, o local da ocorrência, que foi presenciada pela PSP, a identificação do infractor, a identificação de uma testemunha da ocorrência, a identificação do veículo propriedade da arguida, bem como a seguinte descrição: “ No dia 22/01/2016, pelas 9h40, na Praça da Portagem 25 da Ponte 25 de Abril, em Almada, Comarca de Lisboa fiscalizei o veículo pesado de passageiros, matrícula (…), propriedade de AAA, Lda, com sede na (…), contribuinte fiscal nº (…); conduzido por (…), titular da carta de condução nº (…), Bilhete de Identidade nº (…).
No ato de fiscalização o veículo efectuava um serviço de transporte de crianças. Na inspecção efectuada ao tacógrafo analógico instalado no veículo e às folhas de registo (discos) do motorista constatei a (s) seguinte infracção (ões): Foi solicitado ao condutor os últimos 28 folhas de registos (discos) ou impressões utilizadas no tacógrafo, tendo o mesmo apresentado unicamente o disco (diagrama) do dia da fiscalização e dia 21/01/2016. Alegou que no final da jornada diária de trabalho entrega os discos (diagramas) à entidade patronal. Infracção: art.25.º n.º 1 Lei n.º 27/2010, de 30 AGO c/ refª art.º 36.º n.º 1-1 Regulamento (UE) n.º 165/2014 de 4 FEV Punição:art.º 14.º n.º 4 al.a) e n.º 6 ambos da Lei n.º 27/2010 de 30 AGO Coima: 2.652,00 euros a 39 780,00 euros (negligência) muito grave Destino: Autoridade para as Condições do Trabalho Arguido: AAA, Lda. (…).” Do exposto resulta claro que o auto de notícia cumpre o disposto no artigo 15º da Lei nº 107/2009, de 14.9. sendo perfeitamente perceptíveis os dias em que estavam em falta os discos do tacógrafo, bem como a prova que o agente autuante recolheu no momento, nenhuma omissão existindo que obstasse ou limitasse a defesa da arguida no processo administrativo, sendo certo que a arguida apresentou defesa no processo administrativo (fls. 88 a 108vº) da qual resulta que compreendeu as infracções que lhe foram imputadas, tanto a nível objectivo como subjectivo e respectiva punição. Consequentemente, julga-se improcedente a invocada nulidade do auto de notícia. **** Debrucemo-nos, agora, sobre a questão de saber se a decisão administrativa é nula. Defende a arguida, em síntese, que a decisão administrativa é nula porquanto é insuficiente graças à sua falta de fundamentação e falta de indicação de prova, que tal decisão viola o disposto no artigo 374.º, n.º 2 do CPP ao não incluir, nos factos imputados à Arguida, a narração das circunstâncias objectivas e subjectivas da sua actuação, ao não contextualizar, com factos concretos, o comportamento imputado à Arguida e ao não identificar os meios de prova em que assenta as suas conclusões, assim criando, dificuldades ao exercício da cabal defesa da Arguida.
Dispõe o artigo 25º da Lei nº 107/2009, de 14.9: 1– A decisão que aplica a coima e ou as sanções acessórias contém: a)- A identificação dos sujeitos responsáveis pela infracção; b)- A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas; c)- A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão; d)- A coima e as sanções acessórias.
2– Da decisão consta também a informação de que: a)- A condenação se torna definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada nos termos dos artigos 32.º a 35.º; b)- Em caso de impugnação judicial, o tribunal pode decidir mediante audiência ou, caso os sujeitos responsáveis pela infracção, o Ministério Público e o assistente, quando exista, não se oponham, mediante simples despacho. 3- A decisão contém ainda a ordem de pagamento da coima no prazo máximo de 10 dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão. 4- Não tendo o arguido exercido o direito de defesa nos termos do n.º 2 do artigo 17.º e do n.º 1 do artigo 18.º, a descrição dos factos imputados, das provas, e das circunstâncias relevantes para a decisão é feita por simples remissão para o auto de notícia, para a participação ou para o auto de infracção. 5- A fundamentação da decisão pode consistir em mera declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas de decisão elaborados no âmbito do respectivo processo de contra-ordenação.”
Conforme decorre da decisão administrativa que consta de fls. 83 dos autos dela consta: “ (…) concordo com a proposta acima referida, a fls. 62 a 69 dos autos, que aqui dou por inteiramente reproduzida nos termos do nº 5 do Artº 25º da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, passando a fazer parte integrante da presente decisão.”
E a proposta de decisão que passou a fazer parte integrante da decisão administrativa identifica os sujeitos processuais, a infracção imputada à arguida, o local para onde foi endereçada a notificação da contra-ordenação, refere que a arguida exerceu o seu direito de defesa, conhece dos pressupostos processuais e da requerida apensação de outros processos, na fundamentação elenca os factos provados e os não provados, expondo a motivação, subsume os factos ao direito, indicando a infracção praticada pela arguida, debruça-se sobre a moldura da coima aplicável e propõe que seja aplicada à arguida a coima de 36UC. Ou seja, a decisão administrativa, que incorporou a proposta de decisão, mostra-se devidamente fundamentada e permite, assim, à arguida exercer o seu direito de defesa, que não se vislumbra em que medida foi beliscado.
Por conseguinte, não enferma a decisão administrativa da arguida nulidade. ****
Apuremos, agora, se a sentença padece do vício a que alude a al.a) do nº 2 do artigo 410º do CPP. Sobre esta questão, invoca a arguida, em resumo, que o Tribunal a quo condenou-a pela prática negligente da infracção sem sequer indicar um facto provado que corroborasse a existência de culpa na forma negligente, que em tal decisão não se descrevem factos a partir dos quais se possa inferir a imputação subjectiva da ora Recorrente, pelo que a sentença proferida pelo Tribunal a quo viola o disposto no artigo 374.º, n.º 2 do CPP, bem como o disposto no art. 410, nº 2 al. a) do mesmo Código ao não incluir, nos factos imputados à Recorrente, a narração das circunstâncias objectivas e subjectivas da sua actuação, ao não contextualizar, com factos concretos, o comportamento imputado à Recorrente e ao não identificar os meios de prova em que assenta as suas conclusões, assim criando, dificuldades ao exercício da cabal defesa da Recorrente, e ao não identificar, concretamente, os factos em que se baseou o juízo de culpabilidade, existindo, assim, insuficiência de matéria de facto dada como provada para criar um juízo de culpabilidade.
De acordo com o artigo 410º do CPP: “1– Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida. 2– Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a)- A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; (…)”. Ora, nos termos do artigo 51º nº 1 da Lei nº 107/2009 de 14 de Setembro, “ “Se o contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.” Contudo, oficiosamente, o Tribunal deve conhecer dos vícios a que alude o artigo 410º do CPP. No caso, está em causa o vício a que alude a al.a) do nº2, do artigo 410º do CPP, o qual deverá resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Ou seja, o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada terá de resultar do texto da sentença recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, não servindo para se concluir pela existência de tal vício quaisquer outros elementos constantes dos autos e terá de impossibilitar um juízo de condenação ou de absolvição do arguido. Sobre esta alínea afirma-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.6.2017, in www.dgsi.pt”:A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), o qual ocorrerá sempre quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito. Ora a tal respeito diremos que o vício previsto na al. a), do nº 2 do citado art.410º, do CPP, trata consabidamente de uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito. Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, no “ Curso de Processo Penal”, Vol. III, pag.339/340 «é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada». Antes de mais, é necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão, que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, que são coisas distintas, e como tal não podem ser confundidas.” E como se refere, também, no Acórdão do mesmo Tribunal, de 8 de Março de 2016, igual pesquisa, “o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto verifica-se quando a matéria de facto apurada fica aquém do necessário para se poder proferir uma decisão de condenação ou de absolvição do arguido”. Ora, analisada a matéria de facto provada, podemos afirmar que nesta não se manifesta qualquer lacuna que impossibilite o Tribunal de proferir uma decisão de condenação ou de absolvição da arguida, pelo que improcede a arguição do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto. ****
Apreciemos, por fim, se a arguida deve ser absolvida.
Nesta sede, defende a Recorrente que: -O regime da Lei nº 27/2010 está revogado, pois foi publicado o Regulamento (UE) n.º 165/2014, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de Fevereiro de 2014, o qual veio revogar o Regulamento (CE) n.º 3821/85 regulamentado pela referida Lei, que, até ao momento, não houve qualquer elaboração de lei no sentido de estabelecer o regime sancionatório da violação, no território nacional, das disposições constantes no Regulamento (UE) n.º 165/2014 e se houve, certamente não será a Lei n.º 27/2010 (elaborada quatro anos antes da publicação deste Regulamento!), pelo que existe uma omissão legislativa do Estado Português no tocante ao poder-dever de regulamentar o regime sancionatório das infracções ao Regulamento (UE) n.º 165/2014, que a Arguida foi condenada ao abrigo de uma legislação revogada tacitamente e que, caso ainda assim se não entenda, sempre se dirá que terá que lhe ser aplicado o Regulamento (UE) n.º 165/2014, ao abrigo do principio da Lei mais favorável e, portanto, ser a mesma absolvida por falta de lei punitiva interna.
Vejamos:
De acordo com o artigo 1º da Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto: “1– A presente lei transpõe para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2006/22/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, alterada pelas Directivas nºs 2009/4/CE, da Comissão, de 23 de Janeiro, e 2009/5/CE, da Comissão, de 30 de Janeiro, na parte respeitante a: a)- Regime sancionatório da violação, no território nacional, das disposições sociais constantes do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março; b)- Controlo, no território nacional, da instalação e utilização de tacógrafos de acordo com o Regulamento (CE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e da aplicação das disposições sociais constantes do regulamento referido na alínea anterior. 2– A presente lei regula, ainda, o regime sancionatório da violação das disposições sociais constantes do Acordo Europeu Relativo ao Trabalho das Tripulações dos Veículos que Efectuem Transportes Internacionais Rodoviários (AETR). 3– O regime estabelecido no capítulo iii é também aplicável a infracções cometidas no território de outro Estado que sejam detectadas em território nacional, desde que não tenham dado lugar à aplicação de uma sanção. “
Por seu turno, o artigo 26º do Regulamento (CE) nº 561/2006 alterou o nº 7 do artigo 15º do Regulamento (CEE) nº 3821/85 e introduziu-lhe a seguinte redacção:
O n.º 7 passa a ter a seguinte redacção: «7. a)- Sempre que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo em conformidade com o anexo I, deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo: i)as folhas de registo da semana em curso e as utilizadas pelo condutor nos 15 dias anteriores; ii)- o cartão de condutor, se o possuir; e iii)- qualquer registo manual e impressão efectuados durante a semana em curso e nos 15 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.o 561/2006. No entanto, após 1 de Janeiro de 2008, os períodos referidos nas subalíneas i) e iii) abrangerão o dia em curso e os 28 dias anteriores;
b)-Sempre que o condutor conduza um veículo equipado com um aparelho de controlo de acordo com o anexo 1 B, deve poder apresentar, a pedido dos agentes encarregados do controlo: i)- o cartão de condutor de que for titular, ii)- qualquer registo manual e impressão efectuados durante a semana em curso e nos 15 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.º 561/2006, e iii)- as folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea anterior, no caso de ter conduzido um veículo equipado com um aparelho de controlo de acordo com o anexo I. No entanto, após 1 de Janeiro de 2008, os períodos referidos na subalínea ii) devem abranger o dia em curso e os 28 dias anteriores;
c)- Os agentes autorizados para o efeito podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) nº 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados ou impressos, registados pelo aparelho de controlo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, através da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de qualquer disposição, como as previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 16.º».
Por sua banda, o Regulamento (UE) nº 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Fevereiro de 2014 relativo à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários, que revoga o Regulamento (CEE) nº 3821/85 do Conselho relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários e que altera o Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, no seu artigo 1º dispõe: “1.– O presente regulamento estabelece as obrigações e os requisitos relacionados com a construção, instalação, utilização, ensaio e controlo dos tacógrafos utilizados nos transportes rodoviários para verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n.º 561/2006, da Diretiva 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (4) e da Diretiva 92/6/CEE do Conselho (5). Os tacógrafos devem cumprir os requisitos do presente regulamento no que se refere às condições de construção, instalação, utilização e ensaio. 2.– O presente regulamento estabelece as condições e os requisitos ao abrigo das quais as informações e os dados que não sejam dados pessoais, registados, tratados ou armazenados pelo tacógrafo podem ser utilizados para fins distintos da verificação do cumprimento dos atos a que se refere o n.º 1.”
O artigo 33º do mesmo Regulamento sob a epígrafe “Responsabilidade das empresas de transporte” refere que: “1.– Cabe às empresas de transportes assegurar que os seus condutores estão devidamente formados e instruídos sobre o bom funcionamento do tacógrafo, seja ele digital ou analógico, e efetuar controlos regulares para velar por que os seus condutores façam uma utilização correta do tacógrafo e não lhes dar incentivos diretos nem indiretos que possam fomentar a má utilização do tacógrafo. As empresas de transportes distribuem aos condutores dos veículos equipados com tacógrafo analógico um número suficiente de folhas de registo, tendo em conta o caráter individual das folhas de registo, a duração do serviço e a eventual necessidade de substituir as folhas de registo danificadas ou apreendidas por um agente de controlo autorizado. As empresas de transportes entregam aos condutores apenas folhas de modelo homologado, adequadas ao aparelho instalado no veículo. Se o veículo estiver equipado com um tacógrafo digital, a empresa de transportes e o condutor certificam-se de que, tendo em conta a duração do serviço, a impressão de dados a partir do tacógrafo a pedido de um agente de controlo pode ser corretamente efetuada em caso de controlo. (…). 3.– A empresa de transportes é responsável pelas infrações ao presente regulamento cometidas pelos seus condutores ou pelos condutores que estão à sua disposição. Todavia, os Estados-Membros podem tornar esta responsabilidade dependente da infração ao primeiro parágrafo do nº 1 do presente artigo e ao artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento (CE) n.º 561/2006, por parte da empresa de transportes.”
Por seu turno, o artigo 36º do mencionado regulamento estatui sob a epígrafe “Registos que devem acompanhar o condutor”: “1.– Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo analógico, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem: i)- As folhas de registo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores; ii)- O cartão de condutor, se o possuir; e iii)- Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, tal como previsto no presente regulamento e no Regulamento (CE) n.o 561/2006.
2.– Se conduzirem um veículo equipado com tacógrafo digital, os condutores devem apresentar, quando os agentes de controlo autorizados o solicitem: i)- O seu cartão de condutor; ii)- Qualquer registo manual e impressão efetuados durante o dia em curso e nos 28 dias anteriores, nos termos do presente regulamento e no Regulamento (CE) n.o 561/2006; iii)- As folhas de registo correspondentes ao período referido na alínea ii), no caso de terem conduzido um veículo equipado com tacógrafo analógico.
3.– Os agentes autorizados de controlo podem verificar o cumprimento do Regulamento (CE) n.º 561/2006 através da análise das folhas de registo ou dos dados, visualizados, impressos ou descarregados registados pelo tacógrafo ou pelo cartão de condutor ou, na falta destes meios, da análise de qualquer outro documento comprovativo que permita justificar o incumprimento de quaisquer disposições, como as do artigo 29.º, n.º 2, e do artigo 37.º, n.º 2, do presente regulamento.”
Ora, face a estas normas, entendemos que com este Regulamento se mantêm as obrigações já existentes no âmbito dos anteriores Regulamentos no que respeita às empresas e aos registos que devem acompanhar o condutor, pelo que, nesta parte, não vislumbramos qualquer tratamento mais favorável que justificasse a sua aplicação, sem mais, sem prejuízo de os Regulamentos serem directamente aplicáveis na ordem interna.
Por seu turno, refere o artigo 46.º do dito Regulamento, sob a epígrafe “Medidas transitórias”: “Se os atos de execução referidos no presente regulamento não forem adotados de modo a poderem ser aplicados quando este o for, mantém-se transitoriamente em vigor o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, inclusive no seu Anexo I B, até à data de aplicação dos atos de execução referidos no presente regulamento.”
Ora, face à citada norma e uma vez que, conforme refere a Recorrente, o Estado Português ainda não adoptou as medidas de implementação do Regulamento (UE) nº 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 4 de Fevereiro de 2014, mantém-se em vigor, embora transitoriamente, o Regulamento (CEE) n.º 3821/85, não se verificando qualquer lacuna nesta matéria.
E sendo assim, como entendemos ser, mantém-se em vigor a Lei nº 27/2010 de 30 de Agosto, a qual é aplicável ao caso em análise.
Mas ainda entende a Recorrente que o Tribunal a quo condenou-a na prática negligente da infracção sem sequer indicar um facto provado que corroborasse a existência de culpa na forma negligente, que logrou afastar a sua culpa tanto na defesa dirigida à entidade administrativa como ao Tribunal, nos termos dos artigos 13.º, n.º 2 da Lei nº 27/2010 e que o próprio Tribunal a quo confirma que a Recorrente logrou provar que ministrava formação a todos os seus trabalhadores, que a sentença proferida condenou-a sem apreciar a questão da culpa e da exclusão da responsabilidade, que na decisão não se descrevem factos a partir dos quais se possa inferir a imputação subjectiva da ora Recorrente e que a sentença do Tribunal a quo baseia-se em formulações conclusivas e vazias de conteúdo, que não têm nos factos considerados provados qualquer apoio, já que dos mesmos nada consta a este respeito.
Dispõe o artigo 13º da Lei nº 27/2010 de 30.8: “1– A empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional. 2– A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo ii do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março. 3– O condutor é responsável pela infracção na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22.º 4– A responsabilidade de outros intervenientes na actividade de transporte, nomeadamente expedidores, transitários ou operadores turísticos, pela prática da infracção é punida a título de comparticipação, nos termos do regime geral das contra-ordenações.”
Da citada norma extrai-se que a empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, ainda que fora do território nacional, excepto se provar ou demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo ii do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março.
Analisada a factualidade provada constata-se que a arguida não fez essa prova.
Com efeito, apenas resultou provado que no dia 22/10/2016, pelas 9:40 foi realizada uma acção de fiscalização pela Polícia de Segurança Pública (PSP) na (…), fls.2 dos autos, que no decurso da referida acção foi identificado o condutor (…), condutor da aqui arguida, o qual conduzia um veículo pesado de passageiros, com a matrícula (…), fls.2 dos autos, que o condutor não apresentou a totalidade dos discos diagramas ou impressões referentes aos 28 dias anteriores ao dia da fiscalização, que o condutor apresentou unicamente o disco relativo ao dia da fiscalização e ao dia 21/01/2016 e que a arguida actuou descurando os seus deveres de fiscalização e direcção da actividade de condução do seu trabalhador e dos documentos obrigatórios que devem acompanhar essa mesma actividade, enquanto entidade empregadora, não procedendo com o cuidado a que segundo as circunstâncias estava obrigada e de que era capaz, bem sabendo que a sua conduta era punida por lei.
E nem se diga que o facto de ter ficado provado que a arguida ministra formação aos seus trabalhadores é suficiente para afastar a sua responsabilidade.
Com efeito, como se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.10.2015, in www.dgsi.pt, cujo entendimento perfilhamos, “I - A Lei 27/2010 veio consagrar uma das soluções previstas pelo art. 10º, nº 3, do Regulamento [(CE) n.º 561/2006], qual seja uma forma mitigada da responsabilidade objectiva ou presumida. II– Para exonerar a empregadora da responsabilidade por infracção da obrigação de apresentação do cartão de motorista, pelo trabalhador, não basta a prova da formação ou instruções dadas ao trabalhador, sendo necessário que a arguida demonstre que efectuou as diligências necessárias para que não ocorresse tal omissão.”
No caso, não ficaram provadas quaisquer diligências por parte da arguida que permitissem ao Tribunal concluir que aquela actuou de modo a que o condutor pudesse apresentar os elementos que lhe foram exigidos quando foi fiscalizado e que a falha nessa apresentação se deveu unicamente a actuação do condutor.
Acresce que da matéria de facto provada e, em especial do ponto 8 dos factos provados, extrai-se, sem dificuldades, o elemento subjectivo, sendo certo que é patente que a arguida compreendeu perfeitamente qual a infracção que lhe foi imputada e a que título, pelo que também não assiste razão à Recorrente nesta parte.
Por fim, refira-se que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa a que alude a Recorrente e de que a ora relatora foi adjunta reporta-se ao formulário a preencher pelo empregador nos casos de condução de veículo não abrangido pelo Regulamento (CE) nº 561/2006, o que não é o caso dos autos, pois não foi invocado, nem resulta provado que o veículo em questão não estava abrangido pelo mencionado Regulamento, daí que o entendimento plasmado no citado acórdão não seja aplicável ao caso dos autos.
Em consequência, o recurso deverá ser julgado improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.
Decisão. Face ao exposto, acorda-se, em conferência, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3UC.
Lisboa, 21 de Março de 2018
Maria Celina de Jesus de Nóbrega Paula de Jesus Jorge dos Santos