LIBERDADE CONDICIONAL
Sumário

Não é de conceder a liberdade condicional a recluso que, tendo cumprido já metade da pena de 12 anos e 8 meses de prisão pela prática de um crime de homicídio simples e de um crime de detenção de arma proibida, as exigências de prevenção especial são ainda de considerar, tanto mais que o mesmo insiste em mencionar que o homicídio foi acidental e refuta a intenção de matar, não sendo, por consequência, possível formular um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do recluso.

Texto Integral

Proc. N.º N° 566/12.2TXEVR-O.E1
Reg. N.º 1000

Acordam, em conferência, na 1ª Subsecção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1 - Por sentença de 28-11-2017, proferida no PGLC. n.º 566/12.2TXEVR-O, do Tribunal de Execução de Penas da Comarca de Évora - Secção Única, não foi concedida a liberdade condicional ao recluso, BB, melhor identificado nesses autos, actualmente preso no Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, que havia sido condenado, por decisão proferida no Proc. 130/10.0JAF AR, da actual 1ª Secção Criminal (Juiz 3) da Instância Central de Faro, e por factos de 14/4/2010, na pena de 12 (doze) anos e 8 (oito) meses de prisão, pela prática dos crimes de homicídio simples e detenção de arma proibida.

2 - O arguido, inconformado, interpôs recurso dessa decisão. Nas suas alegações apresentou as seguintes conclusões:
A. Quanto à prevenção geral, o Tribunal continua a entender que, não obstante o bom comportamento prisional e o apoio exterior de que beneficia, esta finalidade desaconselha que o ora Recorrente possa beneficiar de tal regime.
B. Nesta sede, o Tribunal baseia-se apenas no argumento de que, tendo sido a condenação pela prática dos crimes de homicídio simples e detenção de arma proibida, a liberdade condicional defraudaria a confiança da comunidade no funcionamento do sistema penal.
C. Assim sendo, estaria em causa o requisito previsto no art. 61.°, n. ° 2, b) do C.P., que não admite a libertação se ela não se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
D. O Recorrente compreende a preocupação do Tribunal. Porém, repugna a ideia de que o alarme social se retire ipso facto da circunstância de o ora Recorrente ter sido condenado por, maxime, um crime de homicídio simples.
E. Não há - para o efeito de definir o que é ou não susceptível de afectar a defesa da ordem e da paz social - crimes de catálogo, isto é, crimes cuja prática gere sempre e sem ponderação da situação concreta - uma situação incompatível com a previsão do art. 61.°, n.º 2, b do C.P.
F. Ora, in casu, o Tribunal não procede a qualquer apreciação da situação concreta do Recorrente, a fim de verificar se, na situação dos autos, seria posta em causa a paz e a ordem social.
G. Na verdade, o Tribunal ignorou toda a factualidade inerente à situação dos autos - designadamente a que supra se e1encou nos n.ºs 14 a 16 da motivação do recurso -, limitando-se a invocar um perigo geral decorrente da natureza do crime, o que, ressalvado o devido respeito, corresponde a uma leitura errónea do disposto do art. 61.°, n." 2, b) do C.P., cujo requisito tem de ser verificado em função de cada caso concreto.
H. Fazendo-se essa apreciação do caso concreto - idade do Recluso, o seu bom comportamento, projectos pessoais e profissionais, acordo de reparação, ausência de conflito com a família da vítima, saídas jurisdicionais sem ocorrências, cumprimento de quase 2/3 da pena e parecer favorável por maioria do Conselho Técnico -, não é aceitável a conclusão a que chegou a decisão recorrida, uma vez que, nas circunstâncias do caso, não parece que gere alarme social na comunidade a concessão da liberdade condicional a quem, tendo atingido o meio da pena em 14/08/2016 - data sobre a qual já passaram praticamente 16 meses! -, revela o comportamento enunciado.
I. O entendimento normativo dado ao art. 61.°, n.º 2, b) do C.P., no sentido de que a incompatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social se retira - e ipso facto - da natureza do crime praticado, sem considerar as circunstâncias concretas que envolvem a situação do recluso, é inconstitucional, por violação de um princípio de proporcionalidade, ínsito no art. 18.°, n.º 2 da C.R.P., o que se argui.
J. Pelo exposto, entendemos que não existe razão de prevenção geral que justifique a recusa da aplicação da liberdade condicional ao Recorrente
K. Quanto à prevenção especial, o Tribunal entende que, "apesar de todo o período de tempo decorrido, o recluso continua a recusar a versão dos factos que se deu como provada, classificando o sucedido como acidente. Que o não foi!", situação em que centra a sua argumentação quanto à existência de uma razão dessa natureza para justificar a recusa do pedido do Recluso.
L. Mas o Tribunal procedeu a uma errónea interpretação das palavras do ora Recorrente.
M. Quando o Recluso refere que não agiu com intenção de matar, quer dizer que não agiu de forma premeditada. É isto mesmo que consta do relatório elaborado pela Direcção Geral de Reinserção Social: "Sendo este o seu primeiro e único contacto com o sistema de justiça, apresenta uma postura de arrependimento perante o crime que cometeu, contextualizando o crime num incidente não premeditado .
N. Sabendo que os factos pelos quais foi condenado não estão ora em causa, sempre se dirá que, nas peças recursórias que interpôs, o ora Recorrente nunca negou ter agido com dolo (eventual), ainda que contextualizado pela relação conflituosa que vinha mantendo com o seu vizinho - a infeliz vítima -, tendo sempre demonstrado um enorme - e sincero, como considera a decisão recorrida - arrependimento pelo sucedido.
O. De qualquer forma, uma versão do Recorrente não completamente coincidente com a que foi dada como assente pelo Tribunal que o condenou nunca poderia justificar o receio de que, uma vez em liberdade, não conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, não podendo consubstanciar o juízo da decisão recorrida quanto à verificação de uma razão de prevenção especial justificativa da recusa do pedido formulado.
P. Cumpre ainda referir que, entre o hiato de tempo decorrido desde que foi proferida a decisão que não concedeu a antecipação da liberdade condicional ao ora Recorrente (datada de 4/12/2015) até à presente data, o ora Recorrente tem beneficiado de saídas jurisdicionais, todas gozadas com êxito, e foi, em 31/03/2016, colocado em regime aberto para o interior - cfr. facto assente sob o n.º 7.
Q. Acresce, e este segmento é especialmente importante (até tendo em conta o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24/01/2017, que se pronunciou sobre o pedido de liberdade condicional, aquando do meio da pena), que o ora Recorrente já celebrou um acordo de reparação com os familiares da vítima, o qual tem vindo a ser cumprido, o que é muitíssimo relevante como sinal externo do arrependimento sentido.
R. Mau grado a gravidade do crime cometido, a situação concreta do recluso, considerando que já cumpriu mais de metade da pena - aliás, quase 2/3 justifica a sua libertação condicional - sujeita às condições que venham a ser julgadas adequadas -, o que deve ser avaliado em função de um princípio de proporcionalidade e tendo em vista que uma das finalidades nucleares da pena é a reintegração do agente na sociedade (cfr. art. 40.°, n.º 1, do C.P.).
S. Assim, julga o Recorrente que a decisão recorrida avaliou erroneamente o preenchimento dos requisitos previstos no art. 61.°, n.º 2, do C.P., os quais se devem julgar preenchidos, quer quanto à prevenção geral, quer quanto à prevenção especial.
Termos em que o recurso merece provimento, com as legais consequências, concedendo-se ao Recorrente a liberdade condicional que lhe foi recusada.”

3 - Foi dado cumprimento ao preceituado no art. 411º n.º 6, do C.P.P., tendo o M.ºP.º apresentado a sua resposta, concluindo: “(…)
“l- Por sentença proferida no âmbito dos autos à margem referenciados, não foi concedida a liberdade condicional a BB, na sequência da renovação anual da instância após cumprimento de metade da pena (em 14-8-2016) de 12 anos e 8 meses de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples e de um crime de detenção de arma proibida.
2- Tal decisão baseou-se nos elementos constantes dos autos, designadamente no teor dos relatórios da DGRSP (Serviço de Educação/Tratamento Penitenciário e Serviço de Reinserção Social), das declarações do recluso e da sua ficha biográfica.
3- A esses elementos estão subjacentes razões de prevenção especial que se fazem sentir em relação ao recluso, derivadas de uma interiorização crítica relativa à prática dos crimes e suas consequências ainda em grau não adequado, tendo em conta a persistência com que o mesmo utiliza factores de neutralização da sua culpa.
4- Acresce o facto de não se encontrarem ultrapassadas as exigências de prevenção geral positiva, fazendo com que uma libertação tão antecipada colida com os sentimentos de repulsa e de alarme social sentidos pela comunidade em relação ao crime de homicídio, tornando-a incompatível com a defesa da ordem e da paz social.
5- Por consequência, não se mostrando verificados os pressupostos materiais/substanciais previstos nas alíneas a) e b) do n º 2 do artigo 61 º do CP, não é legalmente admissível a concessão da liberdade condicional.
6 - Pelo que bem andou o Tribunal “a quo” ao não conceder a liberdade condicional ao recluso, sendo evidente que na decisão recorrida foi feita uma correcta e adequada ponderação dos factos e aplicação do direito.
Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as negar provimento ao recurso interposto por BB e confirmar a sentença recorrida.
Assim, farão V.as Ex.as a costumada justiça.”

4 - O Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, concluindo:
“Concordo com o entendimento geral do Ministério Público na primeira instância, constante da Resposta de fls. 11 a 19, que aqui se dão por reproduzidas, ao recurso interposto pelo arguido BB do despacho que lhe recusou a liberdade condicional
Estou ainda de acordo com o argumento de que a ponderação sobre as exigências de prevenção geral não deve incidir exclusivamente sobre o crime praticado, devendo também tomar em consideração as circunstâncias concretas que envolvem a situação do arguido.
Contudo, no caso dos autos, sou do entendimento que as circunstâncias concretas da situação do arguido não são suficientes para derrogar a exigência de cautela imposta pela seriedade e gravidade da ilicitude cometida, nos termos da alínea b) do n.º 2 do art. ° 61° do CP, em articulação com o n° 3 da mesma norma.
Sou do entendimento que o despacho recorrido deve ser mantido.”.

5 - Foi dado cumprimento ao disposto no art. 417º do C.P.P.

6 - Foram colhidos os vistos.

Cumpre apreciar e decidir

II - Fundamentação
2.1 - O teor da decisão recorrida, na parte que importa, é o seguinte:
“1 - Por decisão proferida no Proc. 130/10.0JAF AR, da actual 1ª Secção Criminal (Juiz 3) da Instância Central de Faro, e por factos de 14/4/2010, o recluso foi condenada na pena de 12 (doze) anos e 8 (oito) meses de prisão pela prática dos crimes de homicídio simples e detenção de arma proibida.
2 - Reportado o início do cumprimento desta pena a 14/4/2010 [tendo permanecido em medida de coacção de obrigação de permanência na habitação por mais de2 anos], o recluso perfez metade da mesma em 14/8/2016, prevendo-se os 2/3 para 24/9/2018, os 5/6 para 3/11/2020 e o termo em 14/12/2022;
3 - O recluso regista anterior condenação pela prática de um crime de dano, tendo sido punido com pena de multa, já cumprida;
4 - Declarou aceitar a liberdade condicional;
5 - O Conselho Técnico emitiu parecer favorável à libertação condicional do recluso (com único voto desfavorável emitido pelos serviços de educação);
6 - Já o MºPº continua a ser desfavorável a tal;
7 - O recluso está a usufruir de licenças de saída ao exterior desde Julho de 2015 e foi colocado em regime aberto para o interior em 31/3/2016, tendo desenvolvido trabalhos agrícolas, actualmente sendo o responsável pela cancela de acesso à praia sita em espaço do Estabelecimento Prisional;
8 - Continua a apresentar postura isenta de reparos disciplinares;
9 - Frequentou o ensino (EFA B3), tendo em vista o 9° ano de escolaridade, que não concluiu vista a sua colocação em regime aberto para o interior. Participa nas actividades de cariz sócio-cultural promovidas no Estabelecimento Prisional;
10 - Em liberdade condicional irá viver com a mulher, em casa que é sua, e procurar retomar a sua actividade na construção civil, em sociedade com outra pessoa Dispõe ainda da sua pensão de reforma pelo trabalho que prestou em França;
11 - A mulher da vítima habita casa próxima, não tendo havido sinais de conflito ante a presença do recluso, seja durante o cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, seja durante o gozo de licenças de saída;
12 - O recluso já acordou com os familiares da vítima o pagamento faseado das indemnizações a que também foi condenado, tendo entretanto pago uma parte;
13 - O recluso diz-se arrependido do sucedido - que contextualiza em discussão mantida com a vítima, que consigo conflituava por questões de vizinhança - mas continua a negar ter agido com intenção de morte.

B - CONVICÇÃO no TRIBUNAL
Para prova dos factos supra descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos:
a) Certidão da decisão condenatória e da liquidação da pena, a fls. 2 a 18;
b) Certificado do Registo Criminal, a fis.54 a 56;
c) Relatório dos serviços de educação e ficha biográfica do recluso, a fls. 116 a 120;
d) Relatório dos serviços de reinserção social, a fls. 124 a 127;
e) Declarações do recluso, a fls. 137
(…)
No caso dos autos temos por certo que os pressupostos formais para a concessão da liberdade condicional estão reunidos: o recluso já ultrapassou o meio da pena, e aceita uma liberdade com condições.
No entanto, e quanto aos requisitos substanciais, permanece negativa a nossa conclusão.
Desde a última avaliação feita ao percurso do recluso registamos positivamente que o mesmo continua a apresentar uma postura de cumprimento das normas, de trabalho, estando a flexibilizar a pena sem incidentes.
É também positivo o facto de ter já acordado com os familiares da vítima no sentido de cumprir com as obrigações de indemnização impostas por via dos danos que com a sua conduta causou.
Mas, ainda que se tenham tido por diminutas as exigências de prevenção especial atento tudo o referido, nunca é demais salientar que, e apesar de todo o período de tempo decorrido, o recluso continua a recusar a versão dos factos que se deu como provada, classificando o sucedido como acidente. Que o não foi!
Assim, e como também já referido, atenta a natureza dos crimes cometidos, a medida da pena aplicada, a actual fase de execução da mesma (decorreram cerca de 15 meses sobre o seu meio), continuamos a considerar prematura a libertação condicional do recluso, a qual, face à gravidade dos factos, seguramente atentaria contra a necessidade, comunitária, de confiança na vigência do Direito enquanto garante dos direitos fundamentais.
Compreendemos - e já referimos que a situação ocorrida constituiu, até ao momento, episódio único na vida do recluso, muito contextualizado, e que o arrependimento que o mesmo demonstra é sincero. Mas parece-nos que o mesmo deveria ter aproveitado este tempo de reclusão - e que deve ser também de reflexão-e-para aprofundar o seu juízo de auto-crítica e, sem reservas, assumir a totalidade da sua culpa. Passo que ainda não deu e que seguramente o levaria a melhor interiorizar a necessidade da pena imposta.
Neste momento continuamos também a não poder deixar de proteger os bens e valores fundamentais numa sociedade democrática como a nossa - como é a vida humana - sendo que, e face à pena concretamente imposta, a nosso ver essa protecção seria denegada com a colocação do recluso em liberdade condicional.

III - DECISÃO
Pelo que, não concedo ainda a liberdade condicional a BB.
Renovação da instância aos 2/3 da pena (24/9/2018).
(…)”


III - Conclusões do recurso
3.1 - O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso.
Trata-se de um verdadeiro ónus de alegação e motivação do recurso, devendo o recorrente" formular com rigor o que pede ao tribunal".
Ora, as conclusões destinam-se a resumir essas razões que servem de fundamento ao pedido, não podendo confundir-se com o próprio pedido pois destinam-se a permitir que o tribunal conhecer, de forma imediata e resumida, qual o âmbito do recurso e os seus fundamentos.
Como se viu, a lei exige conclusões em que o recorrente sintetize os fundamentos e diga o que pretenda que o juiz decida, certamente porque são elas que delimitam o objecto do recurso.
Não pode o tribunal seleccionar as questões segundo o seu livre arbítrio nem procurar encontrar no meio das alegações, por vezes extensas e pouco inteligíveis, o que lhe pareça ser uma conclusão.
As conclusões constituem, por natureza e definição, a forma de indicação explícita e clara da fundamentação das questões equacionadas pelo recorrente e destinam-se, à luz da cooperação devida pelas partes, a clarificar o debate quer para exercício do contraditório, quer para enquadramento da decisão.

3.2 - Portanto, o tribunal de recurso tem de se ater, tão só, às conclusões da motivação, não podendo conhecer de outras considerações e argumentos que não as integrem, para além dos vícios e das nulidades insanáveis.
Assim, as questões suscitadas no presente recurso são:
- O Tribunal a quo deveria ter concedido a liberdade condicional, pois estão preenchidos todos os requisitos do art. 61º, do C.P;
- A alegada incompatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social se retira - e ipso facto - da natureza do crime praticado, sem considerar as circunstâncias concretas que envolvem a situação do recluso, é inconstitucional, por violação de um princípio de proporcionalidade, ínsito no art. 18.°, n.º 2 da C.R.P.

IV - Com interesse para a análise do objecto do recurso refere-se que os elementos carreados para os autos, nomeadamente, os relatórios da DGRSP constantes de folhas 116 e verso (Serviço de Educação/Tratamento Penitenciário) e 124 a 127 (Serviço de Reinserção Social), o CRC junto a folhas 54 a 56 e do auto de declarações do recluso de folhas 1371 extrai-se o seguinte:
- O recluso/recorrente cumpre a pena de 12 anos e 8 meses de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples e de um crime de detenção de arma proibida, imposta no acórdão condenatório proferido no processo aludido Proc. N.º 130/00.0JAFAR, da Instância Central - 1 ª Secção Criminal - J3 - da Comarca de Faro;
O início do cumprimento desta pena ocorreu em 14/4/2010 [tendo permanecido em medida de coacção de obrigação de permanência na habitação por mais de2 anos], o recluso perfez metade da mesma em 14/8/2016, prevendo-se os 2/3 para 24/9/2018, os 5/6 para 3/11/2020 e o termo em 14/12/2022;
- Tem antecedentes criminais, pois que, anteriormente, foi condenado, pela prática de um crime de dano;
- O recluso assume a prática dos crimes com consciência crítica. Diz-se arrependido do sucedido - que contextualiza em discussão mantida com a vítima, que consigo conflituava por questões de vizinhança - mas continua a negar ter agido com intenção de morte. Persiste em enquadrar os factos numa circunstância acidental, apesar da factualidade dada como provada não ser concordante, pelo contrário, com esse contexto;
- Tem comportamento adequado e sem registo disciplinar;
- Encontra-se em RAI, desde 31-3-2016, com pernoita no bairro do monte e trabalha como guarda da cancela da praia da raposa;
- Beneficia de medidas de flexibilização da pena com normalidade (gozou seis LSJ);
- Declarou aceitar a liberdade condicional;
- Perspectiva retomar a sua anterior actividade (gestão de empresa de construção civil);
- Tem apoio por parte da sua companheira e das famílias de ambos.
- A mulher da vítima habita casa próxima, não tendo havido sinais de conflito ante a presença do recluso, seja durante o cumprimento da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, seja durante o gozo de licenças de saída;
- O recluso já acordou com os familiares da vítima o pagamento faseado das indemnizações a que também foi condenado, tendo entretanto pago uma parte;

V - Questões do recurso
5.1 - O recorrente, nos termos já mencionados, equaciona falta de correcção da decisão recorrida, isto é, é injustificado o indeferimento da concessão da liberdade condicional.
A liberdade condicional tem como finalidade a criação de um período de transição entre a prisão e a liberdade, para readaptação do delinquente à vida em sociedade, dado o tempo e os efeitos da reclusão. Resumindo a sua «finalidade específica é de prevenção especial positiva ou de socialização».
O art. 61.º, do CP, especificamente referente à liberdade condicional seus pressupostos e duração, preceitua:
“1 - A aplicação da liberdade condicional depende sempre do consentimento do condenado.
2 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.
3 - O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o condenado a pena de prisão superior a seis anos é colocado em liberdade condicional logo que houver cumprido cinco sextos da pena.
5 - Em qualquer das modalidades a liberdade condicional tem uma duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, até ao máximo de cinco anos, considerando-se então extinto o excedente da pena.2
Os requisitos, formais, da sua concessão são:
O recluso tenha cumprido ½ ou no mínimo, 6 (seis) meses de prisão;
Que aceite ser libertado condicionalmente.
Todavia, a sua concessão, por outro lado, comporta pressupostos, de natureza substancial, que são:
- Que, fundadamente, seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes;
- Que a libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social; (exceptuado o disposto no nº 3 do preceito em causa).
Portanto, a al. a) assegura uma finalidade de prevenção especial enquanto que o da alínea b) prossegue um escopo de prevenção geral.
A efectiva reinserção do condenado social, isto é, a condução da vida, em liberdade, de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes, é o propósito da liberdade condicional. Essa finalidade é conseguida, através da análise das circunstâncias do caso, do passado do condenado, da sua personalidade, do seu desenvolvimento, no decurso da execução da pena de prisão.
Acresce que, a lei impõe, ao ponderar a possibilidade de concessão da liberdade condicional, a exigência de precaver a operatividade da prevenção geral positiva, instituindo que a mesma serve a defesa da sociedade.
No caso concreto, não se questiona a verificação dos requisitos denominados formais, dado que o condenado já cumpriu mais de ½ da pena de prisão em que foi condenado e declarou aceitar a liberdade condicional caso esteja em condições de lhe ser concedida.
Acresce que não esquecemos a jurisprudência fixada pelo STJ no Ac. nº 3/2006, de 23/11/2005, nos seguintes termos: “Nos termos dos n.ºs 5 do artigo 61º e 3 do artigo 62º do Código Penal, é obrigatória a libertação condicional do condenado logo que este, nela consentindo, cumpra cinco sextos de pena de prisão superior a 6 anos ou de soma de penas sucessivas que exceda 6 anos de prisão, mesmo que no decurso do cumprimento se tenha ausentado ilegitimamente do estabelecimento prisional”.
No caso “sub judice” a pena única imposta é superior, mas não se mostra, ainda, cumpridos os cinco sextos de pena.
Relativamente aos restantes pressupostos, os factos provados não eram susceptíveis de integrar um juízo de prognose favorável, de modo a afirmar-se que o recluso conduziria a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes.
Pois que, como é, bem, referido pelo MºPº, na sua resposta: “é inequívoco que o recluso tem vindo a protagonizar um percurso de ressocialização muito positivo. Contudo, quer-nos parecer que embora assuma a prática do crime de homicídio com consciência crítica e arrependimento, o certo é que deve continuar a reflectir sobre a sua conduta criminosa, porquanto persiste em referir o carácter acidental dos factos e a intensão de matar, como factores de neutralização da sua culpa, subsistindo assim razões de prevenção especial que obviam à sua libertação antecipada.
Por seu turno, tendo em conta a natureza e extrema gravidade do crime de homicídio pelo qual o recluso foi condenado e bem assim o momento do cumprimento da pena (os seus 2/3 só serão atingidos em 24-9-2018), persistem as exigências de prevenção geral positiva e a libertação em causa não se revela compatível com a defesa da ordem e da paz social.
(…)
A nosso ver, a decisão sobre a liberdade condicional depende do reconhecimento de que a libertação do recluso não afronta as expectativas comunitárias na validade e na vigência das normas penais violadas, ou seja que a denominada prevenção geral de integração está assegurada.
(…)
Consabido que o crime de homicídio é o crime em que é violado o bem jurídico protegido mais importante, e que é aquele que é causador de maior alarme social, em circunstância alguma pode preponderar a ideia de que a pena cumprida traduz uma situação de semi impunidade do agente, como aconteceria in casu, já que dificilmente se concebe que a comunidade aceite que alguém que cometeu um crime com a gravidade do aqui em causa, cumpra pouco mais de metade da pena cujo quantum é inferior aquele que é o seu limite mínimo legal abstractamente previsto.
Em síntese, tal e como considerou o Tribunal “a quo”, não se mostram verificados os pressupostos materiais/substanciais previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 61º do CP, pelo que não é de conceder a liberdade condicional.”
Concluindo, as exigências de prevenção especial são ainda de considerar e, em consequência, não é possível formular um juízo de prognose favorável quanto ao comportamento futuro do recluso, tanto mais que o mesmo insiste em mencionar que o homicídio foi acidental e refuta a intensão de matar, “factores de neutralização da sua culpa”, que não assume na plenitude, subsistindo assim razões de prevenção especial que obviam à sua libertação antecipada.
Portanto, podemos desde já afirmar, em síntese, que as considerações tecidas se mantêm, no essencial, válidas, não possuindo outros elementos que permitam infirmar o então decidido.
Não sendo possível ajuizar positivamente sobre um futuro comportamento normativo do recluso, não é possível, em consequência, libertá-lo condicionalmente.
É, portanto, perfeitamente justificado afirmar-se que os factos provados não permitiam formular o juízo de prognose favorável no sentido de que o recluso conduziria a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes.
Assim e dada a inexistência desses índices, não esquecendo o bom comportamento do recorrente enquanto recluso, não poderíamos efectuar aquele juízo de prognose favorável à concessão da liberdade condicional.

5.2 - Por tudo o que ficou exposto, não vislumbramos que a decisão recorrida tenha baseado a decisão recorrida com base no “ entendimento normativo dado ao art. 61.°, n.º 2, b) do C.P., no sentido de que a incompatibilidade da libertação com a defesa da ordem e da paz social se retira - e ipso facto - da natureza do crime praticado, sem considerar as circunstâncias concretas que envolvem a situação do recluso, é inconstitucional, por violação de um princípio de proporcionalidade, ínsito no art. 18.°, n.º 2 da C.R.P.,”, pois que como resulta, expressamente, da mesma foram consideradas circunstancias concretas e pessoais do recluso que cotejadas com valores fundamentais numa sociedade democrática como a nossa - como é a vida humana - obstaram a concessão imediata da liberdade condicional, referindo: “ (…) Mas, ainda que se tenham tido por diminutas as exigências de prevenção especial atento tudo o referido, nunca é demais salientar que, e apesar de todo o período de tempo decorrido, o recluso continua a recusar a versão dos factos que se deu como provada, classificando o sucedido como acidente. Que o não foi!
Assim, e como também já referido, atenta a natureza dos crimes cometidos, a medida da pena aplicada, a actual fase de execução da mesma (decorreram cerca de 15 meses sobre o seu meio), continuamos a considerar prematura a libertação condicional do recluso, a qual, face à gravidade dos factos, seguramente atentaria contra a necessidade, comunitária, de confiança na vigência do Direito enquanto garante dos direitos fundamentais.
Compreendemos – e já referimos – que a situação ocorrida constituiu, até ao momento, episódio único na vida do recluso, muito contextualizado, e que o arrependimento que o mesmo demonstra é sincero. Mas parece-nos que o mesmo deveria ter aproveitado este tempo de reclusão - e que deve ser também de reflexão-e-para aprofundar o seu juízo de auto-crítica e, sem reservas, assumir a totalidade da sua culpa. Passo que ainda não deu e que seguramente o levaria a melhor interiorizar a necessidade da pena imposta.
Neste momento continuamos também a não poder deixar de proteger os bens e valores fundamentais numa sociedade democrática como a nossa - como é a vida humana - sendo que, e face à pena concretamente imposta, a nosso ver essa protecção seria denegada com a colocação do recluso em liberdade condicional.”.
Portanto, é por demais evidente, que a decisão recorrida atendeu às circunstâncias concretas, referentes à situação do recluso, como transcrito.
Não vislumbramos, por isso, qualquer inconstitucional, por violação de um princípio de proporcionalidade, ínsito no art. 18.°, n.º 2 da C.R.P. Nem se consegue descortinar o fundamento da arguição dessa violação.
Concluindo, o recurso não merece provimento.

VI - Decisão
Por todo o exposto, e pelos fundamentos indicados, acordam em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4 unidades de conta e demais acréscimos.
(Processado e revisto pela relatora que assina e rubrica as restantes folhas, nos termos do art. 94 n.º 2 do C.P.P.).

Évora, 26/04/2018
Maria Isabel Duarte (relatora)
José Maria Simão