LIBERDADE CONDICIONAL
PRESSUPOSTOS
ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
Sumário

A concessão da liberdade condicional tendo por referência o cumprimento de metade da pena, tem carácter excepcional, não sendo de aplicação automática.
O legislador exige, ainda, que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem e paz social e que seja possível confiar que o condenado não irá reincidir.
De acordo com a literatura criminológica a reincidência é uma constante no tipo de crimes de abuso sexual, dependendo da idade do arguido e de outros factores.
Daí o raciocínio em forma de silogismo: Premissa A – o crime de abuso sexual apresenta elevada taxa de reincidência; premissa B – O arguido cometeu um crime de abuso sexual; Conclusão – O arguido apresenta elevada taxa de reincidência. Ora, tal conclusão, independentemente da validade das premissas, é meramente formal, omite o contexto e a individuação, sendo que estes dois elementos são fulcrais para a decisão do caso concreto.
Colocando-se a possibilidade de reincidência, reconhece-se como útil a elaboração de avaliação/diagnóstico utilizando a escala LS/CMI contemplando especificamente a hipótese de reincidência do arguido.

Texto Integral

Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


..., não se conformando com a decisão que lhe recusou a liberdade condicional, vem dela interpor recurso para este Tribunal da Relação de Lisboa.

Das motivações, extrai as seguintes conclusões:
A) A douta decisão, embora considerando integralmente verificados os pressupostos formais, previstos no art. 61° do Código Penal (cumprimento de mais de metade da pena e declaração de aceitação do recluso), não deu por preenchidos os pressupostos materiais;
B)    Porquanto, quanto ao crime sexual, baseia-se unicamente no tipo genérico "abuso sexual de menor" para concluir a elevada necessidade de prevenção geral, sem olhar ao concreto crime cometido;
C)   Ora, o que está em, causa é uma relação de namoro com uma jovem de apenas 13 anos, mas já bastante mulher, que normalmente sai à noite e vai à discoteca, cujos pais reconhecem que já está em idade de namoro, que teve relações sexuais durante dois meses e não se conhece qualquer mazela ou queixume, enfim, que tem seguramente um desenvolvimento diferente de uma normal "menina" de 13 anos...
D) Aliás, a sua afeição pela pequena na discoteca e o início do namoro começaram num erro em relação à idade, devendo compreender-se que depois de afeiçoado muito mais difícil terá sido desligar-se dela;
E) O recluso está reintegrado na família, cuja companheira não só o perdoou, como o tem visitado a Lisboa, o que demonstra bem, ao menos no seio familiar, o arrependimento dos actos do recluso;
F) O recluso até já permaneceu em casa, como medida de coacção, sendo que o Tribunal de 1.ª Instância considerou, a 21 de Janeiro de 2016, que tal medida "tem-se mostrado eficaz à situação concreta", renovando-a;
G) Ainda que fosse o mais grave o concreto crime cometido (não o tipo de crime, que esse o é certamente), não é a base do pressuposto enunciado no artº 61° do Código Penal, mas fundamento de medida da pena, ou seja, quanto mais grave ou graves os crimes cometidos, maior o tempo da pena de prisão, mais tarde a chegada do meio da pena;
H) Nem no Relatório do Estabelecimento Prisional, nem na douta decisão de fls. se consubstancia em que termos concretos será posta em causa a paz social, pelo contrário, o recluso já beneficiou de medida de permanência na habitação, a qual não pôs de modo algum em causa a paz social, nem foi motivo de reincidência;
A) A decisão recorrida violou assim, entre outras normas, o art. 61° do Código Penal.
Nestes termos, e nos melhores de direito que este Venerando Tribunal doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser a douta decisão de que ora se recorre revogada e substituída por outra que conceda a liberdade condicional ao recluso, ainda que com medidas que o afectem à sua habitação ou ao uso de pulseira electrónica.

Em resposta o M.P. conclui:
1. A decisão de 18-12-2017 denegou a liberdade condicional ao recorrente, com referência ao meio da pena de 7 anos e 2 meses de prisão, atingido em 18-06-2017, estando os dois terços previstos para 28-08-2018, os cinco sextos para 07-11-2019 e o termo da pena para 18-01-2021.
2. Tal pena foi aplicada em cúmulo que englobou tês condenações, pela prática de dois crimes de furto qualificado, um deles tentado e de um crime de abuso sexual de crianças, em trato sucessivo tendo vitimado uma criança com 13 anos de idade, repetidamente. 
3. O recorrente não interiorizou a gravidade dos seus comportamentos desviantes, demonstra fraca motivação para a mudança e mantém uma atitude deficiente relativamente aos seus crimes, especialmente o de natureza sexual. Com efeito, desculpabiliza-se não só com alegado erro quanto à idade da vítima mas também com o facto de a considerar “bastante mulher, experiente” e de não lhe ter causado “qualquer mazela”.
4. O recorrente evidencia debilidades ao nível da maturidade e afigura-se tendencialmente impulsivo e autocentrado, pelo que precisa de evoluir e consolidar o seu percurso de forma a reunir as condições intrínsecas para poder beneficiar desta medida e cumprir com as correspectivas obrigações subjacentes.
5. Por outro lado, não restam quaisquer dúvidas de que são muito elevadas as necessidades de prevenção geral in casu, e que a concessão da medida, neste momento, afrontaria, indiscutivelmente, as finalidades que devem presidir à execução da pena de prisão, deixando desprotegidos os muito sensíveis bens jurídicos repetidamente violados.
6. Como bem salientou o tribunal recorrido, a libertação do recluso, nesta altura, transmitiria um enfraquecimento da ordem jurídica potenciador de delitos desta natureza e defraudaria, a confiança da comunidade no funcionamento do sistema penal e a protecção dos mais preciosos bens jurídicos contemplados pelo nosso sistema legal.
7.   A decisão recorrida não merece qualquer censura, baseou-se nos elementos instrutórios todos desfavoráveis à concessão da medida, fez uma correta interpretação e aplicação do direito, mormente, do art. 61º n.º 2 als. a) e b) do Código Penal, sendo acertada, adequada e justa para a situação deste recluso.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso, nos moldes e com as consequências supra referidas, devendo manter-se, na íntegra, a sentença recorrida, assim se fazendo a habitual e a costumada JUSTIÇA!

Neste Tribunal da Relação o Exmo. PGA emite parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi observado o disposto no art. 417.º do CPP.

Colhidos os vistos e realizada a Conferência cumpre apreciar e decidir.

A questão suscitada é a da verificação (ou não verificação) dos pressupostos para a concessão da liberdade condicional ao meio da pena que o condenado se encontra a cumprir.
Vejamos o teor da sentença recorrida nos excertos fundamentais para a apreciação do recurso:
«(…)

II.FUNDAMENTAÇÃO.

A)De facto.

i)- Factos mais relevantes:
1. Circunstâncias do caso: o recluso cumpre a pena de 7 anos e 2 meses de prisão, aplicada no processo n.° 120/10.3PBRGR do juiz 1 do juízo central cível e criminal de Ponta Delgada, que, para além da própria, cumulou as penas aplicadas ao arguido nos processos n.° 85/13.0PTBDL e il.° 255/14.3JAPDL, pela prática de um crime de abuso sexual de criança em trato sucessivo e dois crimes de furto qualificado, sendo um na forma tentada, consubstanciado, o crime sexual, em, durante cerca de dois meses, ter mantido cópula vaginal com uma menor de 13 anos de idade.
2. Marcos de cumprimento da pena: início em 21/11/2014 (assinalando-se, ainda, o desconto de 1 ano e 3 dias); meio em 18/06/2017, dois terços em 28/08/2018, cinco sextos em 07/11/2019 e termo em 18/01/2021.
3. Vida anterior do recluso: tem 31 anos de idade; é oriundo de agregado familiar disfuncional e de parcos recursos socioeconómicos e culturais; possui o 4.° ano de escolaridade, apresentando dificuldades na escrita e leitura; o seu percurso escolar foi caracterizado por dificuldades de aprendizagem; o seu percurso profissional foi instável, com frequentes mudanças de empregador e períodos de inatividade, vindo a depender economicamente dos progenitor e de apoios estatais; aos cerca de 20 anos de idade iniciou uma relação marital, da qual nasceram dois filhos; há indícios de que tal relação era também disfuncional e desprovida de afetos positivos, com suspeitas de um quadro de violência doméstica; a sua companheira aparenta padecer de um défice cognitivo; na decisão cumulatória o recluso vem descrito como evidenciando um funcionamento psicológico egocêntrico e imaturo, tendendo a tornar decisões de forma pouco ponderada e a agir em função das suas necessidades imediatas, com desrespeito pelos direitos e interesses do outro; tem antecedentes criminais pela prática dos crimes de condução sem habilitação legal (vários), ofensa á integridade física (vários), furto qualificado, roubo, resistência e coação sobre funcionário e injúria agravada; já anteriormente cumpriu pena de prisão.
4. Personalidade do recluso e evolução durante o cumprimento da pena: atitude face ao crime — refere ter cometido os crimes de furto por imaturidade; não revela qualquer sentido crítico relativamente ao crime sexual por que cumpre pena; verbaliza arrependimento; atividade ocupacional/ensino/formação profissional — trabalha desde 30/10/2017; programas específicos e/ou outras atividades socioculturais — está pouco disponível para aderir a medidas facilitadores da sua ressocialização; medidas de flexibilização da pena — não beneficiou, até à data, de qualquer medida de flexibilização.
5. Rede exterior: enquadramento/apoio familiar/perspetiva futura - beneficia de apoio da família, que o visita, pese embora resida nos Açores; em meio livre pretende voltar a viver em casa dos pais, com a companheira e os dois filhos menores; o agregado é ainda composto por um irmão do recluso, maior de idade; a companheira do recluso depende do rendimento social de inserção; a mãe do recluso é doméstica e o pai recebe uma pensão de cerca de €380,00 mensais; o irmão do recluso trabalha como pedreiro; em meio livre o condenado tem trabalho assegurado numa empresa de construção civil.

ii) Motivação da matéria de facto:
A convicção do tribunal no que respeita a matéria de facto resultou da decisão condenatória junta aos autos, da ficha biográfica e do certificado de registo criminal do recluso, do relatório junto aos autos elaborado pela equipa técnica única, dos esclarecimentos prestados em conselho técnico e das declarações do recluso.

B)De direito.

A liberdade condicional tem como escopo "o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. Com tal medida [...] espera o Código fortalecer as esperanças de uma adequada reintegração social do interessado, sobretudo daquele que sofreu um afastamento mais prolongado da colectividade" (Leal-Henriques e Simas Santos, in "Código Penal", Rei dos Livros, 1.° vol., 2.a ed., pág. 504).
Assim, a finalidade primária da liberdade condicional "é a reinserção social do cidadão recluso, sendo certo que, até serem atingidos os dois terços da pena, esta finalidade está limitada pela exigência geral preventiva de defesa da sociedade" (Anabela Rodrigues, in "A Fase de Execução das Penas e Medidas de Segurança no Direito Português", BMJ, 380, pág. 26).
Efetivamente, verificados que estejam, como estão no presente caso, os requisitos de ordem formal — quais sejam o cumprimento de metade da pena com um mínimo absoluto de seis meses (período de tempo a partir do qual, na perspetiva do legislador, a pena tem potencialidade de já ter cumprido as suas finalidades) e o consentimento do recluso (art. 61.° do código penal, de ora em diante designado CP) -, o legislador exige, ainda, que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem e paz social (art. 61.° n.° 2 al. b) do CP). Pretende-se, pois, dar ênfase à prevenção geral, traduzida na proteção dos bens jurídicos e na expetativa que a comunidade deposita no funcionamento do sistema penal. Não estando assegurado este requisito, não poderá ser concedida a liberdade condicional, ainda que o condenado revele bom prognóstico de recuperação.
Este prognóstico de recuperação consubstancia o último dos pressupostos materiais: o legislador apenas permite a libertação condicional caso haja fundada expetativa de que, em liberdade, o condenado conduzirá a sua vida responsavelmente, sem cometer crimes (art. 61.° n.° 2 al. a) do CP). Apela-se, em suma, à prevenção especial, na perspetiva de ressocialização e prevenção da reincidência. Na avaliação da prevenção especial terá o julgador de elaborar um juízo de prognose sobre a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e o seu bom comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena.
No que ao presente caso diz respeito, importa frisar, desde logo, as elevadas necessidades de prevenção geral. Os crimes sexuais, mormente o abuso sexual de crianças, geram forte repúdio no seio da sociedade, o que encontra explicação, também, nas consequências gravíssimas que estes crimes podem comportar, deixando as vítimas, em regra, indelevelmente marcadas de forma muito negativa para o resto da sua vida. No caso concreto, considerando, ainda, que o recluso manteve com a menor relações de cópula, estando ainda em cumprimento por dois crimes patrimoniais qualificados e sendo detentor de relevantes antecedentes criminais e prisionais, dificilmente seria compreendida a libertação do perpetrador decorridos apenas seis meses do meio da pena.
Na verdade, a libertação do recluso nesta altura não salvaguardaria o sentimento geral de vigência das normas penais violadas com a prática dos crimes, banalizaria tal prática, atacaria a paz jurídica entre o cidadão e o seu sentimento de que as normas em questão foram suficientemente defendidas através da pena já cumprida, transmitiria um enfraquecimento da ordem jurídica potenciador de delitos desta natureza, defraudaria, em suma, a confiança da comunidade no funcionamento do sistema penal e a proteção de um dos mais preciosos bens jurídicos contemplados pelo nosso sistema legal, qual seja a autodeterminação sexual.
Mas, ainda que assim não fosse, sempre no caso dos autos estão presentes significativas exigências de prevenção especial. Efetivamente, desculpabiliza-se quanto aos crimes patrimoniais e não revela qualquer sentido crítico quanto ao crime sexual, o que aponta no sentido de que não está munido de um inibidor endógeno que obste à reiteração criminal. Na verdade, a assunção dos factos sem desculpabilização e a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências são indispensáveis para uma cabal interiorização do desvalor da conduta e, como tal, essenciais para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Quem não logra percepcionar em plenitude o mal cometido, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta. Como explicitam João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino (in "Reclusão e Mudança" - "Entre a Reclusão e a Liberdade", Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171), sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos.
Por outro lado, denota-se no recluso uma atitude desinvestida, pois que, muito embora apresente défices ao nível da formação escolar e o seu apoio no exterior seja carenciado, não procurou frequentar o ensino e só recentemente começou a trabalhar.
É certo que possui apoio familiar, mas este não se revelou à data dos factos minimamente contentor, pelo que não é de esperar que agora surta um efeito dissuasor sobre o recluso.
Por outro lado, o adequado comportamento disciplinar de ...não releva sobremaneira. Como se lê no acórdão do tribunal da relação de Lisboa, de 21/01/2015, proferido no processo n.° 7164/10.3TXLSB, o bom comportamento prisional não é nada que não seja exigível a um recluso, que conhece as consequências dos incumprimentos ao nível disciplinar, sendo insuficiente, por si só, para que se conceda uma liberdade condicional.
As elevadas exigências de prevenção especial decorrentes do historial de vida disfuncional do recluso e dos seus vastos antecedentes criminais e prisionais não estão, pois, debeladas.
Assim, não obstante o facto de o recluso ter começado a trabalhar no estabelecimento prisional e possuir enquadramento laboral no exterior, razões de prevenção geral e especial ditam que o tribunal acompanhe o parecer desfavorável unânime do conselho técnico e do Ministério Público, no sentido de não ser concedida ao recluso, neste momento, a liberdade condicional.

III.DECISÃO.
Em face de todo o exposto, não concedo a liberdade condicional a ....
A eventual concessão de liberdade condicional será reapreciada aquando do marco dos dois terços da pena, ou seja, em 28 de agosto de 2018.
Para o efeito, deverá a secção solicitar, com 90 (noventa) dias de antecedência, o envio, no prazo de 30 (trinta) dias, de relatório versando os aspetos previstos no art. 173.° do CEPMPL, bem como a ficha biográfica e o certificado de registo criminal do recluso.
Registe, notifique e comunique de acordo com o disposto no art. 177.° n.° 3 do CEPMPL.»

Vejamos.

A liberdade condicional facultativa encontra-se prevista no n.° 2 do artigo 61.° do Código Penal, que tem a seguinte redacção:

«2 O tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena e no mínimo seis meses se:
a)- For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e da paz social.».

A primeira ilação que se retira deste normativo é o de que a concessão da liberdade condicional ao abrigo deste preceito legal, tendo por referência o cumprimento de metade da pena, tem carácter excepcional, não sendo de aplicação automática.

Para o efeito da sua concessão, além dos requisitos formais, o tribunal deverá verificar se, em concreto, se encontram preenchidos os dois requisitos materiais que são cumulativos.

O primeiro requisito diz respeito às razões de prevenção especial, seja positiva - de reinserção social - ou negativa - na perspectiva de que o condenado não cometa novos crimes; o segundo requisito acentua as finalidades da execução das penas - protecção dos bens jurídicos, manutenção da confiança da comunidade na tutela da norma jurídica violada e reintegração do agente na sociedade -, nos termos do artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal.

Como já acima referimos, a questão que se coloca no presente recurso centra-se na verificação (ou não) dos requisitos materiais necessários à concessão da liberdade condicional, uma vez que se atingiu o primeiro marco legal, mais concretamente o cumprimento de metade da pena aplicada ao recorrente. Em causa está o cumprimento de uma pena única de 7 anos e 2 meses de prisão, resultante de um cúmulo jurídico pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, um crime de abuso sexual de crianças, em trato sucessivo, e de um crime de furto qualificado.

Uma vez que o recluso já atingiu a metade da sua pena de prisão (superior a 6 meses), a liberdade condicional facultativa pode ter lugar se, obtido o necessário consentimento do condenado, se verificarem os requisitos do artigo 61.º, n.º 2, do Código Penal, ou seja, se a mesma for adequada às necessidades de prevenção geral e especial.

O recorrente deu o seu consentimento. Assim, os requisitos formais para a concessão da liberdade condicional encontram-se preenchidos.

Contudo, o legislador exige, ainda, que a libertação se revele compatível com a defesa da ordem e paz social e que seja possível confiar que o condenado não irá reincidir.

Como bem se refere na sentença recorrida: “o legislador apenas permite a libertação condicional caso haja fundada expetativa de que, em liberdade, o condenado conduzirá a sua vida responsavelmente, sem cometer crimes (art. 61.° n.° 2 al. a) do CP). Apela-se, em suma, à prevenção especial, na perspetiva de ressocialização e prevenção da reincidência. Na avaliação da prevenção especial terá o julgador de elaborar um juízo de prognose sobre a conduta do recluso no que respeita a reiteração criminosa e o seu bom comportamento futuro, a aferir pelas circunstâncias do caso, antecedentes, personalidade e evolução durante o cumprimento da pena”.

Assim a sentença pondera que “os crimes sexuais, mormente o abuso sexual de crianças, geram forte repúdio no seio da sociedade, o que encontra explicação, também, nas consequências gravíssimas que estes crimes podem comportar, deixando as vítimas, em regra, indelevelmente marcadas de forma muito negativa para o resto da sua vida. No caso concreto, considerando, ainda, que o recluso manteve com a menor relações de cópula, estando ainda em cumprimento por dois crimes patrimoniais qualificados e sendo detentor de relevantes antecedentes criminais e prisionais, dificilmente seria compreendida a libertação do perpetrador decorridos apenas seis meses do meio da pena”.

Adiante acrescenta, ainda, “...desculpabiliza-se quanto aos crimes patrimoniais e não revela qualquer sentido crítico quanto ao crime sexual, o que aponta no sentido de que não está munido de um inibidor endógeno que obste à reiteração criminal. Na verdade, a assunção dos factos sem desculpabilização e a reflexão autocrítica sobre a conduta criminosa e suas consequências são indispensáveis para uma cabal interiorização do desvalor da conduta e, como tal, essenciais para que se conclua que o condenado está munido de um relevante inibidor endógeno. Quem não logra percecionar em plenitude o mal cometido, dificilmente possui mecanismos passíveis de evitar a repetição da sua conduta. Como explicitam João Luís de Moraes Rocha e Sónia Maria Silva Constantino (in "Reclusão e Mudança" - "Entre a Reclusão e a Liberdade", Vol. II, Pensar a Reclusão, Almedina, pág. 171), sem interiorização da responsabilidade dificilmente será possível alterar comportamentos”.

E finalmente acentua a “atitude desinvestida, pois que, muito embora apresente défices ao nível da formação escolar e o seu apoio no exterior seja carenciado, não procurou frequentar o ensino e só recentemente começou a trabalhar”.

O que na sentença se consigna é suficiente para afastar o juízo de prognose favorável de que depende a concessão da liberdade condicional neste marco da pena.

Mas mais e no que respeita às necessidades de prevenção geral.

Neste particular não existem quaisquer dúvidas quanto à gravidade dos factos e dos crimes pelos quais o recorrente foi condenado, o que resulta, desde logo, da respectiva moldura penal.

O crime sexual aqui em causa é particularmente grave e gera repulsa social e elevado alarme social.

Assim, sendo elevadas as necessidades de prevenção geral, a concessão da medida pretendida pelo recorrente, nesta fase, afrontaria a necessidade de estabilização das expectativas comunitárias na validade das normas jurídicas violadas.

Importa concluir pelo acerto da decisão da 1.ª instância na não concessão da liberdade condicional no marco de metade da pena.

Apenas uma derradeira nota sobre a questão da individuação da pena que vem formulado no recurso. A determinado passo afirma-se “quanto ao crime sexual, baseia-se unicamente no tipo genérico "abuso sexual de menor" para concluir a elevada necessidade de prevenção geral, sem olhar ao concreto crime cometido”; ora, no caso dos autos, não foi só com base na elevada necessidade de prevenção, como acima se deixou dito, outra argumentação fáctica foi coligida para se chegar à conclusão exarada na sentença. No entanto, tem o recorrente alguma razão quando afirma que o aludido tipo de crime por si só leva à conclusão da exigência da prisão em nome da prevenção geral. Tal significa, dito de outra forma, que de acordo com a literatura criminológica a reincidência é uma constante no tipo de crimes de abuso sexual, dependendo da idade do arguido e de outros factores que para o caso não importa referir.

Daí o raciocínio em forma de silogismo: Premissa A – o crime de abuso sexual apresenta elevada taxa de reincidência; premissa B – O arguido cometeu um crime de abuso sexual; Conclusão – O arguido apresenta elevada taxa de reincidência. Ora, tal conclusão, independentemente da validade das premissas, é meramente formal, omite o contexto e a individuação, sendo que estes dois elementos são fulcrais para a decisão do caso concreto.
Considerando que na apreciação aos 2/3 da pena a questão da possibilidade da reincidência se vai colocar ao tribunal, determina-se que à sentença recorrida se adite a solicitação  à DGRSP, reinserção social, de elaboração por técnico habilitado de avaliação/diagnóstico utilizando LS/CMI em que se contemple especificamente a questão da possibilidade de reincidência do arguido pois o mero relatório integrado não satisfaz tal especificidade, relevante para ulterior apreciação e decisão.

Pelo exposto, julga-se neste Tribunal da Relação de Lisboa o recurso interposto não provido, determinando-se, no entanto, que a sentença recorrida acrescente na sua parte final quando determina o que a secção deve solicitar para apreciação aos 2/3 da pena, a solicitação à DGRSP de elaboração por técnico habilitado de avaliação/diagnóstico utilizando LS/CMI em que se contemple especificamente a questão da possibilidade de reincidência do arguido.

Custas a cargo do recorrente, sendo a taxa de justiça em 3 UC.



Lisboa,07/03/2018



Ana Paula Grandvaux (Desembargadora Relatora)
Maria da Conceição Gomes (Desembargadora Adjunta)
Moraes Rocha (Presidente da 3.ª secção Criminal)