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CONTRATO DE TRABALHO
RETRIBUIÇÃO
REGIME DE TRABALHO
ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO
COMPLEMENTO
ASSÉDIO MORAL
Sumário
I - Pese embora a natureza retributiva do complemento devido a título de isenção de horário de trabalho, não existe violação do princípio da irredutabilidade da retribuição se a entidade patronal denuncia o acordo de IHT que previa a sua vigência até que uma das partes o denunciasse com a antecedência mínima de 2 meses. II - O facto de o trabalhador ter sido retirado do IHT e ter sido colocado na Direcção de Recuperação de Baixos Montantes, totalmente composta por trabalhadores considerados excedentários, que rejeitaram as propostas da instituição bancária, entidade empregadora, para que rescindissem os contratos de trabalho e, ou passassem situação de reforma, por si só não significa que esteja sem efectuar qualquer tarefa e desocupado. III - Não existe assédio moral se se conclui que não se verifica a não ocupação efectiva do trabalhador, se não existiu violação do princípio da irredutabilidade da retribuição, nem se provou que a cessação do pagamento do complemento de IHT visou pressioná-lo a resolver o contrato por acordo ou decidir-se pela reforma antecipada.
Texto Integral
Processo n.º20645/16.6T8PRT.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1521
Adjuntos: Dr. Domingos José de Morais
Dra. Paula Leal de Carvalho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto I
B… instaurou, em 20.10.2016, no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto – Juiz 2, acção declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra Banco C… S.A., pedindo a condenação do Réu a reconhecer que os montantes pagos ao Autor pelo Réu que vão descritos no recibo de vencimento daquele como «complemento» e «isenção de trabalho» são parte integrante da retribuição, não podendo por esse motivo ser unilateralmente retirados e a pagar ao Autor A) A totalidade da retribuição acordada com o Réu, e que ilegalmente foi desconstruída entre nível, complemento e isenção de horário de trabalho; B) €6.323,04, de diferença bruta entre os montantes pagos e os acordados desde 31.07.2015 até à presente data; C) Os juros vencidos, no montante de € 156,83, e os vincendos, até efectivo e integral pagamento; D) € 20.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais. Pede ainda a condenação do Réu a regularizar junto do Fisco, SAMS e SBN a situação do Autor em conformidade com o acordado.
O Autor fundamenta os seus pedidos nos seguintes factos: em 13.05.1986 foi admitido, por contrato a termo, ao serviço do D…, E.P, mediante a remuneração global de 248.684$00, acrescido de diuturnidades e subsídio de alimentação. Em 24.02.2000 o Autor suspendeu o contrato de trabalho e passou na mesma data a prestar serviço para Leasing D1… S.A. O D…, S.A. foi adquirido por fusão pelo Réu. Em 21.06.2004 o Autor suspendeu novamente o contrato de trabalho com o Réu passando a prestar serviço à E… exercendo a actividade correspondente às funções de técnico recuperação de crédito, com a categoria de promotor comercial, nível 9, e auferindo a remuneração global de € 1.510,00. O Autor recebe, desde data que não consegue precisar, um montante denominado como Isenção de Horário de Trabalho (IHT), mas que na realidade é parte integrante da sua retribuição, sendo certo que o Autor não praticava IHT. Ao longo dos anos sempre o Réu pagou ao Autor um complemento denominado, nos recibos de vencimento, ISENÇÃO HORAR. AUT, COMPL VENC/D. EXCL, ISENÇÃO HORÁRIO, COMPLEM. VENCIMENTO, o qual era pago conjuntamente com os subsídios de férias e de natal. Por carta datada de 09.04.2015, o Réu comunicou ao Autor que cessava o pagamento da “retribuição adicional” a partir de 01.07.2015, o que aconteceu, não obstante o Autor ter manifestado o seu desacordo. Anteriormente o Réu convidou o Autor a resolver o seu contrato de trabalho, e como este tivesse recusado, foi considerado “excedentário” e alocado a uma unidade orgânica que o Réu criou, denominada Direcção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM), unidade integralmente composta por trabalhadores que rejeitaram as propostas de rescisão do contrato de trabalho, a qual não tem praticamente qualquer tipo de actividade efectiva, servindo, apenas, para punir os trabalhadores que para lá foram transferidos em face da recusa da proposta de despedimento e/ou reforma. Com as descritas condutas o Réu violou o princípio da irredutibilidade da retribuição, o direito à ocupação efectiva e actuou em assédio – artigos 58º e 59º da CRP, 29º, 127º, nº1, al. c) e 129º, nº1, alíneas b) e c) do CT.
O Réu contestou alegando que em circunstância alguma foi reduzido ao Autor o seu vencimento, que a IHT não foi instituída na data da celebração do contrato de trabalho com o D… mas no decurso da mesma, sendo certo que as funções que o Autor exerce na DRBM não justificam a manutenção do regime de IHT e por isso o Réu, legitimamente, o retirou ao Autor. Nega que o Autor esteja desocupado ou sem funções e repudia a prática de qualquer assédio moral esclarecendo que o Banco passou por uma complexa dificuldade económica e financeira que o obrigou a tomar medidas com vista a evitar a rotura total, medidas que passaram pela reorganização, por diminuição do tamanho da sua estrutura, com fusão de Direcções e Departamentos, encerramento de Agências e diminuição dos custos com os recursos humanos, sendo que a criação da DRBM teve por finalidade resolver a questão do crédito “mal parado”, onde aí se incluiu o Autor. Conclui pela improcedência da acção.
O Autor veio responder. A Mmª. Juiz a quo considerou não escritos os artigos do articulado resposta em que o Autor não se pronuncia quanto a documentos juntos pelo Réu. De seguida, dispensou a realização de audiência prévia bem como a identificação do objecto do processo e dos temas da prova, proferiu despacho saneador e fixou à acção o valor de €30.000,01. Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal e foi proferida sentença, em 13.07.2017, a julgar a acção improcedente e a absolver o Réu dos pedidos.
O Autor veio recorrer pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que julgue a acção procedente, concluindo do seguinte modo: 1. Todos os factos provados e erradamente julgados – 38 a 40, 46 a 48, 58 a 60, 64, 66 a 70, 72 a 88, 90 a 92, 99 e 100 – e todos os factos não provados e erradamente julgados – i) a xxiv) – teriam que ter sido elencados como não provados ou provados, respectivamente, pelos motivos amplamente abordados ao longo das alegações. 2. Resulta das provas dos autos: a) O Autor não trabalhava em regime de IHT; b) O Réu sempre pagou um montante adicional ao do nível em que o Autor estava integrado, configurando-o ou nomeando de formas diversas; c) O Réu denominava essas rubricas como ISENÇÃO HORAR.AUT, COMPL.VENC/D.EXCL, ISENÇÃO HORÁRIO ou COMPLEM. VENCIMENTO; d) O Réu manipulava o montante dessa rubrica, uma vez que quando diminuía a nomeada de ISENÇÃO HORÁRIO, aumentava a de COMPLEM. VENCIMENTO, mantendo-se o trabalhador a auferir do mesmo montante; e) Era um valor sujeito ao princípio da irredutibilidade e, por esse motivo, não poderia ter sido retirado; f) O Réu integrou o Autor na DRBM em consequência de este não ter aceitado cessar o vínculo de trabalho, provocando desgosto, tristeza e frustração, assediando-o por essa via; g) Essa actuação merece a tutela indemnizatória do direito. 3. Tal resulta da conjugação dos seguintes meios de prova: depoimentos de F…, G… e do Autor; documentos juntos aos autos com a petição, em especial os documentos 5 a 179; documentos juntos aos autos com a contestação, em especial os documentos 1 a 8 (acordos de IHT) e 9 a 14. 4. Defendeu o Autor que o Réu “procedeu a uma desconstrução da sua retribuição em variadas rubricas, com as mais diversas denominações, e que teve como epílogo a diminuição ilegal da retribuição que acordou aquando da celebração dos diversos contratos de trabalho que foi outorgando com o Réu ou empresas do seu grupo”. 5. Até Julho de 2015 o Réu abonou o Autor com um montante que era verdadeira retribuição e que denominava de IHT “Só deixando de fazê-lo a partir do momento em que se tornou evidente que este não aceitaria o seu despedimento. A consideração dessa remuneração é contratual, ab initio, e destina-se a remunerar o trabalhador pelo seu trabalho em si e não por qualquer acréscimo horário”. 6. E isso resulta do facto de o Autor ter celebrado diversos contratos de trabalho com empresas do grupo do Réu “onde sempre foi fixado o valor remuneratório global, e que lhe foi comunicado como tal”. 7. A sentença faz deficiente valoração da prova, uma vez que resultou claro dos elementos probatórios carreados aos autos que o montante que era pago, e que vinha sendo nomeado de IHT não era mais do que remuneração e, por esse motivo, sujeita ao princípio da irredutibilidade. 8. Resulta dos documentos juntos aos autos: a) que o Autor auferia em 24.02.2000 o valor de 248.684$00, ou seja, cerca de €1.240,00, acrescido de diuturnidades e subsídios a que possa ter direito; b) que o Autor em Dezembro de 2001 auferia, em rubrica ISENÇÃO HORAR.AUT o montante de €457,97; c) que o Autor, no mês de Janeiro de 2002, viu essa rubrica diminuir para o montante de €216,34, surgindo contudo nova rubrica nomeada COMPL.VENC/D.EXCL, abonando-o no valor de €222,74, ou seja, e somando tais parcelas, o montante de €439,08, praticamente o valor descrito em b); d) que o Autor, por confronto com o recibo de vencimento de Novembro de 2013, auferia a título de ISENÇÃO HORÁRIO o valor de €342,44, e de COMPLM.VENCIMENTO o valor de €152,93, ou seja, e somando as parcelas, € 495,37. 9. Não existe justificação para que 17 anos após auferir 248.684$00 a título de remuneração global possa ser actualmente abonado, a título de vencimento base, com o montante de €1.346,21, ou seja cerca de só mais €100,00, num sector de actividade que promove a progressão remuneratória na carreira por via da antiguidade. 10. No ano de 2000 o salário mínimo nacional era de €318,20, sendo actualmente de €557,00, ou seja, evoluiu positivamente em 17 anos €238,80. 11. O Autor progrediu na carreira remuneratória em 17 anos, no sector bancário, um valor inferior em cerca de €100,00 ao que progrediu o SMN. 12. Conjugados os documentos referidos em 8 é possível entender que o Autor foi admitido ao Banco e assim tratado no processo de mobilidade geográfica em várias empresas do Grupo onde esteve a prestar serviço, com um valor de remuneração global base claramente superior àquele previsto nas cláusulas de expressão pecuniária dos ACT em vigor nas respectivas datas. 13. Por forma ao Réu enquadrar o Autor na estrutura remuneratória do Banco, supriu o impacto negativo do vencimento pelo nível da tabela do ACT procedendo ao pagamento do restante por via de um complemento de vencimento que integra ab initio a remuneração do trabalhador e, por esse motivo, sujeito ao princípio da irredutibilidade. 14. É facilmente perceptível esta conclusão pela análise dos documentos 12 e 13 juntos aos autos com a contestação e descritos em ii e iii das alegações. 15. O Réu manipulava as rubricas retributivas do Autor, já que se diminuía o montante nomeado de IHT, aumentava o nomeado de complemento de vencimento para que o trabalhador não sentisse o impacto negativo no montante líquido a perceber no final do mês, aquando do pagamento. 16. Errou a Mmª. Juiz a quo ao considerar que o Autor sabia que estava sujeito ao regime de IHT, fundando essa convicção nas declarações assinadas por ele e justas aos autos pelos documentos 1 a 8 com a contestação. 17. Essas declarações foram assinadas por via do cumprimento de uma mera formalidade, onde o Réu solicitava aos trabalhadores que apusesse a sua assinatura no mesmo, não curando sequer de explicar o conteúdo de tais documentos ao mesmo, como se percebe pelo depoimento da testemunha F… e pelo depoimento da testemunha G…. 18. Resulta claro destes depoimentos que os documentos 1 a 8 juntos com a contestação não eram mais do que uma forma que o Banco tinha de justificar a possível permanência do trabalhador nas instalações do Banco fora do horário normal de trabalho, até porque o seu conteúdo nunca foi explicado ao trabalhador. 19. Decide mal a sentença quando considera que “ao contrário do alegado pelo autor não ficou provado que o regime IHT tivesse sido acordado ab initio, contratualmente, nem que tivesse sido acordada logo no início da relação laboral. O que se provou – como o próprio autor admitiu nas declarações que prestou – é que tal IHT foi instituída no decurso da relação laboral, ainda com o D… e depois transitou para o C… por força da fusão ocorrida, sendo que o C… recorria a este mecanismo por exigir uma maior disponibilidade de tempo dos seus trabalhadores do que era habitualmente praticado no sector bancário”. 20. Resulta da petição inicial que o Autor nunca alegou que havia contratualizado a IHT com o Banco ab initio. 21. Na realidade, o montante pago a este com a nomenclatura de IHT, complemento de vencimento, complemento de dedicação exclusiva ou outro que o Banco quisesse apelidar não é mais do que o resultado da desconstrução do vencimento global bruto do trabalhador, e está sujeito ao princípio da irredutibilidade. 22. Conjugados os documentos citados e os testemunhos indicados, considera-se que os factos 38 a 40, 46 a 48, 58 a 60, 64, 66 a 70 e 72 a 74 deveriam sempre ter sido considerados como não provados ou, no que aos acordos de IHT assinados diz respeito, deveria ter sido considerado provado que eles foram na realidade assinados, mas não resulta de tal aceitação expressa do seu conteúdo. 23. Não se compreende em que é que se baseia a decisão recorrida para dar como provados os factos 38 e 39, vagos e não concretizados ou fundamentados, como sejam os de «na medida do possível», e em especial o facto 39. 24. Não fica concretizado desde quando, se desde a criação do C… ou de outro Banco qualquer, ou desde que altura específica é que existe essa vacuidade que é a «política contratual consistente numa exigência acrescida de esforço de trabalho aos seus trabalhadores». 25. Nenhum documento junto aos autos permite essa conclusão, e muito menos nenhuma testemunha asseverou esse conteúdo, já que o C… foi fundado em 1985 e nenhuma das testemunhas inquiridas é dessa origem. 26. O Autor auferia um montante a título de IHT não porque prestasse serviço nesse regime, não porque houvesse tal acordado, mas sim porque esta foi a forma encontrada pelo Réu para harmonizar o seu vencimento contratualizado aquando da admissão ao D… com as linhas orientadoras do C…, desconstruindo-o e enquadrando-o em rubricas autónomas, mas de cariz retributivo e sujeitas ao princípio da irredutibilidade. 27. E ainda deveriam ter sido considerados pela mesma via provados os factos não provados i) a iv), alterando-se a decisão por tal motivo e decidindo como no pedido. 28. Colocou-se ainda nos autos a questão seguinte: se a colocação do Autor na DRBM, atribui ao mesmo o direito de ser indemnização pela via de comportamentos assediantes. 29. Resulta da decisão recorrida que mal foi decidida esta questão, uma vez que encontram-se os autos munidos de prova profusa de onde se infere o contrário do decidido. 30. Nunca poderiam os factos provados 73 a 82 e 86 ser considerados como tal, uma vez que os mesmos não passam de um conjunto de conclusões, sobre a qual nem sequer foi produzida prova, e por tal motivo deveriam ser tidas como não escritas. 31. Resulta provado que o Autor foi integrado numa Direcção criada para manter artificialmente ocupados os trabalhadores que rejeitaram os convites para cessação do contrato de trabalho, por via de rescisão ou passagem à situação de reforma. 32. O Réu qualificou o Autor como «excedentário» e, a par dos outros excedentários, alocou-o a uma unidade orgânica criada para o efeito, que era a de reunir no mesmo local os «indesejados», o que criou condições muito adversas para todos os trabalhadores exercerem a sua função. 33. Por este motivo não se compreende que a sentença dê como provado o facto 88. 34. Não se compreende o que se pretende entender por «resolver a questão do crédito designado vulgarmente por mal parado». É que se a resposta for a de encontrar soluções para recuperar crédito em mora, essa já estava encontrada, uma vez que o Banco havia externelizado o serviço – facto 90. 35. Nunca poderia ser considerada a causa da criação da DRBM a solução para o Banco recuperar o crédito «mal parado» quando na realidade essa solução já tinha sido encontrada em outsourcing. 36. Aquele facto entra logo em contradição com o facto 31. A razão da criação desta unidade orgânica foi a de erigir um local destinado a albergar os indesejados, e não uma opção estratégica de reunir um grupo de profissionais vocacionados para a recuperação de crédito em mora. 37. Não podia ainda considerar a sentença como provado o facto 99, uma vez que não foi junto qualquer documento aos autos de onde resulte tal número, nem sequer foi inquirida qualquer testemunha que soubesse, com conhecimento de causa, que montante é que foi recuperado e, a ter existido, se foi na DRBM Norte ou Sul. 38. Os factos provados 73 a 82, 86 a 88 e 91 deveriam ter sido dados como não provados e considerados provados os factos ix) a xiii). 39. Merece assim o Autor a tutela reparadora e indemnizatória do direito em resultado da actuação ilícita do Banco. 40. O Autor teve problemas em cumprir com as suas obrigações por via da retirada da IHT, bem como se sentiu triste, abalado, alterado, receoso, humilhado, por esse facto, e por ter sido colocado na DRBM e ser considerado «excedentário», o que resulta claro do depoimento das testemunhas G…, F…, bem como as declarações de parte do Autor. 41. Conjugados estes depoimentos com a demais prova, deverá ser o Autor ressarcido pelos danos sofridos peticionados. 42. Face à matéria probatória carreada aos autos, conjugados os depoimentos citados com os documentos apontados, resulta que não poderia o Banco deixar de pagar ao Autor o montante que apelida de IHT, uma vez que é retribuição e, por isso, está sujeito ao princípio da irredutibilidade. 43. Devendo também ser considerada a actuação do Réu ilícita, pela forma e modo de criação e colocação do Autor na DRBM, merecendo esta, pelos motivos aduzidos nas alegações e matéria de direito, a tutela reparadora do direito.
O Réu veio contra alegar pugnando pela manutenção da decisão recorrida concluindo do seguinte modo: 1. O Autor prestou trabalho num registo de isenção de horário, pagando-lhe o Réu a respectiva remuneração, conforme acordos celebrados ao longo do tempo, devidamente chancelados pela Inspecção do Trabalho sempre que legalmente exigível. 2. Num ciclo económico muito adverso que impôs o refinanciamento do Réu, acedeu este a um empréstimo estatal, concedido a troco de exigências diversas designadamente a redução dos recursos humanos e custos dos mesmos. 3. Conseguidos no âmbito de uma negociação com os sindicatos representativos dos trabalhadores através da redução transversal dos ordenados e de um programa de revogação de contrato de trabalho por acordo com os trabalhadores, de modo a evitar um despedimento colectivo. 4. No rescaldo deste programa de redução de efectivos, subsistiram trabalhadores que se tornaram excedentários face às obrigações assumidas que garantiram o refinanciamento e a solvabilidade do Réu. 5. Por esse motivo, o Réu emprenhou-se em encontrar uma solução que assegurasse a sua ocupação efectiva, criando para o efeito uma DRBM, alocando trabalho de recuperação de crédito até então desenvolvido num regime de outsourcing feito por empresas externas com as quais diminuiu ou cessou a prestação de serviços acordada. 6. O volume e tipo de trabalho desenvolvido na DRBM, não justificava que os trabalhadores a esta afectos prestassem o seu trabalho em regime de isenção de horário, pelo que o Réu comunicou a estes trabalhadores, entre os quais o Autor, a cessação daquele regime de isenção, passando estes a trabalhar apenas dentro do horário de trabalho, e deixando de receber a remuneração afecta àquele esforço adicional. 7. Desde meados de 2015 que os trabalhadores afectos à DRBM que haviam sido considerados excedentários por imposição das obrigações assumidas pelo Réu junto do Estado para garantir a sua solvabilidade, e a quem tinha sido proposta a cessação do vínculo laboral, foram contactados sempre que o Réu conseguia formular uma proposta melhor de cessação do contrato de trabalho. 8. O Réu agiu sempre de acordo com a legalidade, e na contingência alegada, no cumprimento dos mais elevados padrões de correcção para com estes seus trabalhadores, a quem conseguiu, em coordenação com os sindicatos, manter os postos de trabalho e evitar um despedimento colectivo por todos absolutamente indesejado.
O Banco/Réu veio ainda juntar as passagens dos depoimentos a que fez alusão nas contra alegações.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido da não alteração da decisão quanto à matéria de facto impugnada pelo Autor, pela não verificação da violação do princípio da irredutibilidade e do dever de ocupação efectiva, concluindo pela improcedência do recurso.
Admitido o recurso, corridos os vistos, cumpre decidir.
* * * II
Matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo [na sentença passou-se, em termos de numeração, do facto com o nº18 para o facto com o nº21, pelo que aqui se consigna os factos procedendo à correcção da numeração sendo que qualquer referência aos mesmos se fará, a partir de agora, ao aqui consignado no acórdão]. 1. O Réu é uma instituição de crédito e exerce a actividade bancária. 2. Participou nas negociações e outorgou o ACT para o Grupo C…, cuja última versão integral se encontra publicada no BTE, 1ª série, nº39, de 22.10.2011, IRCT que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros. 3. O Autor encontra-se filiado no Sindicato dos Bancários do Norte (SBN) onde figura como sócio nº…... 4. O Autor foi admitido ao serviço do D…, E.P., por contrato a termo celebrado em 13.05.1986. 5. Por contrato datado de 24.02.2000, o Autor suspendeu o contrato de trabalho descrito em 3, passando na mesma data a prestar serviço à LEASING D1… – S. A. 6. Esta sociedade integrava o Grupo C…/D…. 7. Pelo descrito contrato o Autor auferia a título de remuneração mensal global o montante de 248.684$00, acrescido das diuturnidades e subsídio de alimentação. 8. O D…, S.A. foi adquirido por fusão no Réu, num negócio concluído por registo em 30.06.2000. 9. Por contrato datado de 21.06.2004, o Autor suspendeu novamente, e por tempo indeterminado, o seu contrato de trabalho com o Réu, passando a prestar serviço à E…, A.C.E., auferindo para o efeito a remuneração global de €1.510,00, acrescida das diuturnidades que vinha auferindo e respectivos subsídios, aí se incluindo uma verba para isenção de horário de trabalho. 10. Por tal contrato o Autor continuou a exercer “a actividade correspondente às funções de Técnico Recuperação Crédito, com a categoria de Promotor Comercial, o nível 9 de retribuição”. 11. O Autor auferia nesta data a remuneração global de €1.510,00, estando aí incluída uma verba para isenção de horário de trabalho. 12. O Autor presta serviço ao Réu ou a empresas do seu Grupo, desde 13.05.1986. 13. Ao longo dos anos subsequentes sempre o Réu pagou ao Autor um complemento ainda que dando-lhe no recibo de vencimento as denominações ISENCAO HORAR.AUT, COMPL.VENC/D.EXCL, ISENCAO HORARIO, ou COMPLEM.VENCIMENTO. 14. Este complemento era também pago conjuntamente com o subsídio de férias e o subsídio de natal. 15. Em Janeiro de 2001 o Réu pagou ao Autor um complemento salarial denominado ISENCAO HORAR.AUT, no valor de €426,11. 16. Em Novembro de 2002 o Réu pagou ao Autor complementos salariais (COMPL.VENC/D.EXCL, ISENCAO HORARIO) no valor de €446,00 (sendo €230,67 por IHT). 17. Em Novembro de 2007 o Réu pagou ao Autor complementos salariais (COMPLEM.VENCIMENTO, ISENCAO HORARIO) no valor de €468,20 (sendo €297,35 por IHT). 18. Já em 2015 os referidos complementos salariais eram de €518,02 (sendo €351,28 de IHT). 19. Embora com as mais diversas designações e montantes variáveis, o Réu sempre foi pagando ao Autor uma importância a título de complementos salariais pelo trabalho por este prestado. 20. Por carta datada de 09.04.2015, a Ré informou o Autor que “foi superiormente decidido fazer cessar o referido regime [de IHT] e, consequentemente, o pagamento da retribuição adicional, com efeitos a partir de 01.07.2015”. 21. Por carta datada de 20.04.2015, o Autor respondeu àquela missiva, não dando o seu acordo à retirada daquele complemento, e que dizia o seguinte: “No seguimento da carta recebida, referente à cessação isenção horário de trabalho, venho por este meio expor o seguinte. Desde há vários anos que o valor da referida isenção tem feito parte do descritivo das remunerações mensais. O valor correspondente à referida isenção contou inclusive para o cálculo da taxa de esforço, aquando da concessão do Crédito Habitação contraído e como é do V. conhecimento, em 2012. No início de 2014 fui integrado no G… (…), por forma a aumentar o prazo pagamento dos financiamentos (até 70 anos) e consequente redução da prestação mensal. De notar, que apesar das reduções salariais, para todos os colaboradores do H…, sempre cumpri com as responsabilidades assumidas. Assim, deixo à V. análise e sensibilidade para o tema, a possibilidade de evitar, a redução da retribuição mensal, que é utilizada, somente, no cumprimento das responsabilidades que possuo com o Banco e que é do conhecimento de V.Ex.ª. Fico a aguardar a atenção de V. Ex.ª. para o tema. Antecipadamente grato”. 22. O Réu respondeu à carta do Autor com uma datada de 08.05.2015 reiterando o conteúdo da primeira. 23. Com a retirada do IHT o Autor sentiu dificuldades no cumprimento de obrigações já assumidas. 24. A atitude do Réu provocou no Autor sentimentos de desânimo, tristeza, desmotivação e sentimento de desprestígio e humilhação. 25. O Autor passou a sentir desânimo e falta de prazer nas actividades que habitualmente gosta. 26. Anteriormente à retirada do IHT, o Autor foi «convidado», por mais do que uma vez, a rescindir o seu contrato de trabalho, por acordo. 27. Tendo o Autor rejeitado todas as propostas de rescisão contratual. 28. Por ter sido considerado pelo Réu como «excedentário», o Autor foi colocado numa unidade orgânica que a Ré criou de novo, denominada Direcção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM). 29. Unidade orgânica essa – a referida DRBM – totalmente composta por trabalhadores considerados excedentários e que rejeitaram as propostas do Réu para que rescindissem os seus contrato de trabalho e/ou passassem à situação de reforma. 30. O Autor pretende continuar a trabalhar, desempenhando a sua actividade profissional. 31. O Autor é empregado bancário, actualmente com 23 anos de antiguidade ao serviço do Réu e que vive à custa do seu trabalho. 32. O Réu e o D…, S.A., foram instituições de crédito distintas na década de 90 sofreram um processo de integração que se consumou na fusão da segunda na primeira, já no ano de 2000. 33. O Réu incorporou por fusão, além do D…, outras instituições financeiras como o Banco I… e o Banco J…. 34. A fusão foi ocorrendo progressivamente desde o início da década, sendo que em meados da mesma já os titulares dos órgãos da administração eram quase todos os mesmos designadamente era o mesmo o Presidente do Conselho de Administração de ambas as instituições. 35. O D… e o Réu, no qual aquele se estava integrar, tinham políticas e estruturas retributivas distintas e complexas de harmonizar, complexidade que aumentava por existirem ainda outras instituições financeiras a integrar o Grupo, cada uma com a sua política de retribuição [não escrito]. 36. Que, na medida do possível, haveria que dissipar em ordem a assegurar o princípio constitucional para trabalho igual, salário igual [não escrito]. 37. O C… sempre teve uma política contratual consistente numa exigência acrescida de esforço de trabalho aos seus trabalhadores, razão pela qual foi implementado o regime legal de IHT, com o pagamento da respectiva retribuição [não escrito]. 38. Foram acordadas tabelas salariais especiais com o Sindicato dos Quadros para permitir a integração e harmonização das retribuições antes da celebração de ACT próprio. 39. Que em termos de contratação colectiva, e no que respeita ao Sindicato em que o Autor é filiado, se veio a concretizar no final de 2001, com a outorga do denominado ACT C… e sua entrada em vigor em 01.01.2002. 40. O regime de isenção de horário de trabalho era praticado pelo C… relativamente a um elevado número dos seus trabalhadores, permitindo ao C… exigir a prestação de trabalho num horário mais alargado do que o Sector em regra exigia. 41. Esta política facilitou a integração do D…, entre outros, no C…, porque permitia parametrizar por cima quer a prestação de trabalho, quer a retribuição. 42. Aquando da integração e no âmbito dos recursos humanos foram adoptadas, entre outras, 2 operações: - verificar em que medida os trabalhadores em integração deveriam prestar trabalho em regime de isenção de horário de trabalho, com a respectiva retribuição; - relativamente aos trabalhadores do D…, verificar em que empresa do grupo C…/D… deveriam ser colocados, tendo presente que o processo em curso poderia levar, como levou, à fusão de Empresas do mesmo género anteriormente concorrentes, sem perca de direitos para os trabalhadores que tivessem que ser deslocados por terem sido colocados no «campo» de trabalhadores em mobilidade. 43. Ou ainda, como sucedeu também com o Autor, a colocação de trabalhadores num ACE do Grupo, a E… criado entre outros motivos, para aglutinar os trabalhadores do grupo C…/D… de modo a assegurar a mobilidade de trabalhadores dentro do Grupo sem que estes tivessem que estar constantemente no sobressalto de alteração formal de entidade patronal, emergente da constante extinção, fusão, alienação e criação de dezenas e dezenas de empresas então em efervescência por imperativo do processo de fusão dos dois grupos financeiros. 44. Com o processo de integração, e por interesse do C…/D…, foi acordado com o Autor um regime de isenção de horário de trabalho, tendo-lhe sido atribuída, nos termos do ACT (o ACTV) a retribuição correspondente a uma hora de trabalho suplementar. 45. Acordo que foi comunicado à Inspecção do Trabalho. 46. Em 09.09.1999, foi reiterado o acordo de isenção de horário de trabalho no qual foi atribuído ao Autor uma remuneração correspondente a 2 horas de trabalho suplementar. 47. O que ficou a constar ainda de um acordo de alteração da estrutura de remuneração. 48. Em que o valor da segunda hora de isenção de horário de trabalho é composto por um aumento efectivo de retribuição e um valor adveniente da rubrica COMPLEMENTO DE VENCIMENTO/DEDICAÇÃO EXCLUSIVA, que passou de 27.474$00 para zero escudos. 49. Aumentando assim a retribuição global do Autor em 17.074$00 (248.684,00 – 231.610,00). 50. Sendo que em Dezembro de 2001, com efeitos a Janeiro de 2002, o Réu (C… LEASING) reduziu a retribuição de IHT de duas para uma hora, fazendo regressar a diferença à rubrica COMPLEMENTO DE VENCIMENTO/DEDICAÇÃO EXCLUSIVA. 51. O valor pago a título de IHT correspondeu sempre a 21,5% ou 46,50% (ou valor próximo consoante redacção do ACT) do vencimento base (na concepção ACT) ou do nível remuneratório. 52. Neste processo de fusão em progressão, justificou-se que em Fevereiro de 2000 o Autor fosse colocado numa empresa do Grupo (de facto), a LEASING D1… nas mesmas condições de prestação de trabalho que o Autor tinha no D…. 53. Por essa razão foi celebrado entre o Autor e o D… e a LEASING D1… um acordo tripartido, pelo que o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e o D… ficava suspenso. 54. Mantendo-se como se refere na sua cláusula 4ª, nº1: “1. O segundo outorgante, enquanto ao serviço do terceiro outorgante, manterá a totalidade dos direitos de que era titular e dos deveres a que estava vinculado enquanto ao serviço do primeiro outorgante, incluindo os benefícios sociais em cada momento por este conferidos aos demais trabalhadores que estejam a seu cargo”. 55. Por efeito daquele acordo o Autor passou a trabalhar para aquela empresa nas mesmas condições em que trabalhava para o D…. 56. O Autor e o Réu (LEASING D1…) reiteraram em 08.03.2000 o regime de IHT existente, comunicando-o à Inspecção do Trabalho. 57. Repetindo a declaração de vontade em 18 de Agosto do mesmo ano em virtude da alteração dos valores remuneratórios, e comunicando-o à Inspecção do Trabalho. 58. E posteriormente em 27.05.2003 por a LEASING D1… ser extinta por fusão com o K…, para o qual se transmitiu por esse efeito o contrato de trabalho do Autor. 59. Porém, e conforme estipulado naquele acordo o mesmo veio a caducar. 60. E consequentemente o Autor regressaria ao D… não fosse este estar já fundido com o C…, que por força de lei adquiriu todos os direitos e todas as obrigações do D…, designadamente a de receber nos seus quadros os seus trabalhadores nos mesmos termos em que estes se enquadravam no Banco incorporado. 61. Assim, o Autor passou a ser trabalhador do C… nos mesmos termos que era trabalhador do D…, e que eram os mesmos da LEASING D1… e K… por efeito do acordo constante do documento de folhas 26. 62. Por essa razão, o C… e o Autor reiteraram o regime de isenção implementado entre as partes em 05.02.2004. 63. Em Junho de 2004, o Autor e o Réu e K…, com o propósito de melhor gerir os recursos humanos celebraram um contrato tripartido pelo qual o Autor e o Réu suspendiam o seu contrato de trabalho, e aquele celebrava um contrato de trabalho com a mencionada K…, cuja extinção implicaria a cessação da suspensão e o consequente regresso do Autor ao C…. 64. Na sequência deste acordo foi instituído entre o Autor e a E… um regime de IHT, tendo o Autor passado a auferir nesta data a retribuição global de €1.510,00, aí se englobando uma retribuição por IHT. 65. Também com a E… o Autor celebrou um acordo de IHT. 66. A E… veio no entanto a ser extinta, e por força do consignado no acordo tripartido celebrado com o Réu, o Autor regressou ao C… e também aí e em sintonia com a vontade já anteriormente declarada, outorgou em 15.02.2006 com o Réu um acordo de IHT. 67. Este acordo vigorou até à comunicação feita pelo Réu ao Autor até 30.06.2015. 68. Neste acordo, à semelhança dos demais, são citadas as normas e cláusulas ao abrigo das quais é celebrado. 69. O Autor não tinha qualquer IHT acordada no início da relação laboral com o D…. 70. A IHT foi instituída no decurso da relação laboral ainda com o D…, e transitou para o C… por força da fusão ocorrida. 71. O regime de IHT caracterizou assim, até à comunicação da sua retirada em 2015, a relação laboral entre Réu e Autor que estava por isso isento de cumprir horário, e obrigado a sempre que necessário e nos termos acordados, prolongar a sua estada no local de trabalho [não escrito]. 72. O Réu podia retirar o regime de IHT ao Autor, o que fez, nos termos previstos na lei e no ACT aplicável, dando ao Autor o tempo prévio previsto na lei e no ACT (dois meses) [não escrito]. 73. Porque as funções que actualmente desempenha na DRBM não justificam que o trabalho seja prestado em regime de IHT [não escrito]. 74. Internamente o Réu enfrentou dificuldades de mercado, quer no plano dos particulares, com aumento de desemprego, que provocou quebra na poupança e consequentemente nos depósitos, e uma impossibilidade prática de os particulares acederem ao crédito, aliada à dificuldade em cumprirem com as suas obrigações em curso. 75. Quer no plano das empresas, tendo-se registado um aumento de insolvências, o que aumentou as situações de crédito mal parado, obrigando a proceder a aumentos de capital onde os já accionistas participaram com grande presença, e à injecção de capital do Estado, por meios dos conhecidos CoCos. 76. Situação que foi agravada por ter sido chamado, à semelhança de outras instituições financeiras a contribuir para o Fundo de Garantia de Depósitos e Fundo de Resolução, a fim de suportar o funcionamento do sistema bancário, e evitar uma crise sistémica no sector, minorando, pelo menos, o encargo que iria recair sobre os contribuintes. 77. Também no plano internacional o Réu teve de lutar, e continua a fazê-lo actualmente, contra a queda de outras economias onde tinha investimentos muito significativos em relação à sua dimensão, e que entraram em colapso, como foi o caso da Grécia e Roménia, ou de países onde ainda mantém investimentos como em Angola e Polónia, cujas economias por razões diversas, mas públicas, criaram climas económicos de grande adversidade aos investimentos feitos pelo Réu e que inicialmente todos os indicadores apontavam como bons, e que na verdade o foram, até à crise que obrigou o País a requerer ajuda internacional. 78. A intervenção do Estado supra mencionada, obrigava por parte deste, cuja intervenção foi condicionada pelas instituições europeias supervisoras, à imposição de condições duras em muitas das suas vertentes, designadamente na vertente dos recursos humanos do Réu. 79. E que passavam pela reorganização por diminuição do tamanho da sua estrutura, com fusão de Direcções e Departamentos, encerramentos de Agências. 80. E diminuição dos custos com os recursos humanos, que perspectivava um despedimento colectivo. 81. O que foi evitado, mas para o efeito foi necessário, e reconhecido pelos Sindicatos que representam os trabalhadores, proceder à diminuição da massa salarial do Réu, e ao ajuste dos seus recursos humanos. 82. Da articulação entre o Réu e os Sindicatos representativos dos trabalhadores foi possível alcançar um Memorandum de Entendimento, publicado no BTE nº12/2014 de 29.03.2014, e extensível ao Sindicato em que o Autor é filiado por Portaria 113/2014 de 26.05, que procurando a estabilização financeira do Réu, alterou diversas cláusulas do ACT aplicável, designadamente a 156ª. 83. Tendo os trabalhadores admitido a tomada de algumas medidas restritivas dos salários, incluindo a sua não evolução e a realização de cortes salariais, com o compromisso do Banco Réu a não proceder a despedimentos colectivos, se conseguisse com as medidas tomadas, os parâmetros impostos pela Direcção Geral da Concorrência da União Europeia – clª156º-F acrescida pelo mencionado Memorandum. 84. Mas permitindo-se negociar nas melhores condições possíveis a saída de algumas centenas de trabalhadores, que de acordo com o citado Memorandum deveriam ser 7.100 até 2017. 85. O Réu promoveu um conjunto de condições negociais que apresentou aos trabalhadores que desejassem sair do Banco, ou que o Réu com base nas avaliações e prestações desempenhadas ao longo do contrato de trabalho tivesse a percepção de que aportavam menos eficiência. 86. Simultaneamente, tendo em vista resolver a questão do crédito designado vulgarmente por «mal parado» foi criada a Direcção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM) [eliminado]. 87. Entre os recursos humanos afectos a tal Direcção está o Autor. 88. O Réu diminuiu o trabalho de recuperação de crédito atribuído a Empresas externas em regime de outsoursing, para gerar trabalho aos trabalhadores que eram excedentários por força da reorganização imposta ao Réu. 89. A DRBM possui uma actividade que contribui para os resultados do Banco, e a colocação do Autor nessa Direcção garantiu a sua ocupação efectiva. 90. A DRBM é responsável pela recuperação de baixos montantes, actividade que, à data da criação daquela Direcção, era parcialmente assegurada por uma empresa prestadora de serviços, e passou a ser assegurada por trabalhadores do Banco, para viabilizar a sua ocupação. 91. Em Março de 2015, após ter sido prestada formação específica a todos os trabalhadores, foi entregue a cada um, uma carteira de clientes em incumprimento há mais de 45 dias, e com exposição até €2.000,00. 92. As tarefas atribuídas aos trabalhadores da DRBM passavam por contactar esses clientes, estabelecer acordos de pagamento e garantir o cumprimento dos acordos estabelecidos. 93. Alguns trabalhadores que saíram daquela Direcção foram entretanto recolocados noutras áreas do Réu. 94. A dimensão das carteiras dos que permaneceram nesta Direcção aumentou, uma vez que os clientes afectos às carteiras dos primeiros, foram redistribuídos pelos demais. 95. Por se considerar que tal poderia produzir um impacto operacional positivo no fluxo de recuperação do Banco, no dia 06.07.2015 foi incluída nas filas de trabalho da DRBM uma carteira de clientes com exposição de €2.000,00 até €25.000,00 o que aumentou o âmbito daquela Direcção e a dimensão das carteiras trabalhadas. 96. Este alargamento a clientes com níveis de exposição até €25.000,00 exigiu nova acção de formação para todos os trabalhadores, dado que o processo de recuperação nesses clientes implica um grau de complexidade acrescido. 97. Desde que a DRBM foi criada, em Fevereiro e até final do ano de 2015, foi recuperado para o Banco um valor superior a €3.000.000,00 em clientes pertencentes à sua carteira. 98. No entanto, esta gestão do trabalho, não justifica ainda, num contexto global de conjugação dos diversos factores envolvidos, designadamente financeiros, recursos humanos existentes, e volume de trabalho em curso, a atribuição de IHT ao Autor [não escrito].
Foram dados como não provados os seguintes factos
i) O Autor recebesse um montante descrito como IHT no seu descritivo de remunerações, mas que na realidade fosse parte integrante da sua retribuição, sem prejuízo do que demais se deu como assente. ii) O Autor, enquanto funcionário do Réu, não praticasse IHT. iii) A actuação do Réu, ao retirar o IHT, tenha sido ilegal. iv) O corte que o Réu operou na retribuição mensal do Autor tenha sido arbitrário e ilegal, agravado pela ausência de explicação que permita ao Autor aceitar como se pode alterar unilateralmente a retribuição acordada e contratualizada aquando do seu ingresso ao serviço do Réu. v) O Réu permaneça em incumprimento desde Julho de 2015, bem sabendo que o faz, nunca curando de voltar a cumprir com as suas obrigações de modo a que se restabeleça a «paz contratual» entre Autor e Réu. vi) O comportamento do Réu legitime no Autor sentimentos de revolta e indignação, sem prejuízo do que demais se deu como assente. vii) Os convites do Réu ao Autor para rescindir o contrato de trabalho tenham sido feitos sob ameaças e pressões várias, desde 2012 até ao presente. viii) O Réu tenha sido considerado «excedentário» por recusar rescindir o seu contrato de trabalho. x) A DRBM sirva apenas para manter artificialmente ocupados os trabalhadores do Réu que se recusaram a aceitar propostas de rescisão contratual e/ou de passagem à situação de reforma. xi) Esta Direcção não tenha praticamente qualquer tipo de actividade efectiva. xii) A DRBM sirva apenas e tão só para punir os trabalhadores que para lá foram transferidos pela não aceitação da proposta de despedimento e/ou reforma. xiii) O Autor, ao exercer funções na DRBM, tenha visto reduzida de forma drástica o volume de trabalho que lhe era confiado, para uma situação de quase paralisação. xiv) Esta Direcção praticamente não desenvolva qualquer actividade da competência do Autor, nem qualquer outra, em clara retaliação pela não aceitação do despedimento. xv) O Autor seja credor da quantia de €6.323,04, acrescida de juros à taxa legal de €156,83. xvi) O Réu até Julho de 2015 e ao abonar o Autor – conforme acordado, aliás – a título de IHT, o fizesse configurando aquele montante verdadeira retribuição, só deixando de fazê-lo a partir do momento em que se tornou evidente que o Autor não aceitaria o seu despedimento. xvii) A consideração dessa remuneração seja contratual, ab initio, e se destinasse a remunerar o trabalhador pelo seu trabalho em si e não por qualquer acréscimo horário. xviii) Assumindo nessa consideração especial importância o facto de o Autor ter celebrado diversos contratos de trabalho com empresas do grupo do Réu, onde sempre foi fixado o valor remuneratório global, e que tal lhe tenha sido comunicado como tal. xix) O inadimplemento obrigacional do Réu tenha resultado de uma conduta censurável que, unilateralmente e sem fundamento válido, se locupletou, mensalmente, de parte significativa da retribuição mensal do Autor, e o alocou a uma unidade orgânica sem qualquer actividade da área de competência do Autor, em clara violação do dever de ocupação efectiva, sem prejuízo do que demais se deu como assente. xx) O Réu ao reduzir o complemento a que o Autor tinha direito, nas condições em que o fez, tenha violado o princípio da irredutibilidade da retribuição e que a mesma seja ilegal. xxi) O Réu, com o seu comportamento, tenha violado o direito à ocupação efectiva do Autor, e tenha actuado em assédio, violando os artigos 58º e 59º da CRP e 29º, 127º, nº1, al. c) e 129º, nº1, alíneas b) e c) do CT. xxii) Ao ser transferido para uma Direcção que não tem conteúdo funcional, o trabalhador tenha visto ser coarctado o seu direito à ocupação efectiva, em violação dos artigos 58º e 59º da CRP e 29º, 127º, nº1, al. c) e 129º, nº1, alíneas b) e c) do CT. xxiii) Com a transferência para o DRBM, bem como com a retirada, quer parcial, quer total, da IHT, o Réu tenha visado pressionar o trabalhador a aceitar ou a sua reforma antecipada, ou o seu despedimento. xxiv) Com o objectivo de o levar a aceitar ou a reforma antecipada, ou o despedimento que não deseja e tenham sido coarctados diversos direitos ao trabalhador, designadamente o direito à irredutibilidade da remuneração, bem como o direito à ocupação efectiva. xxv) O Réu não tenha relevado para efeitos de concessão de crédito o valor pago a título de IHT de forma igual à retribuição sujeita à irredutibilidade, mas de acordo com as qualidades próprias desta, sem prejuízo do que demais se deu como assente.
* * * III Objecto do recurso.
1. Da alteração da decisão sobre a matéria de facto. 2. Da violação do princípio da irredutibilidade. 3. Da violação do direito de ocupação efectiva e do assédio moral. 4. Da indemnização por danos não patrimoniais.
* * * IV Da alteração da decisão sobre a matéria de facto.
Os factos 36, 37, 38, 44, 45, 46, 56, 57, 58, 62, 64, 65, 66, 67, 68, 70, 71, 72. As alíneas i), ii), iii), iv).
O Tribunal a quo deu como provado: 36. Que, na medida do possível, haveria que dissipar em ordem a assegurar o princípio constitucional para trabalho igual, salário igual. 37. O C… sempre teve uma política contratual consistente numa exigência acrescida de esforço de trabalho aos seus trabalhadores, razão pela qual foi implementado o regime legal de IHT, com o pagamento da respectiva retribuição. 38. Foram acordadas tabelas salariais especiais com o Sindicato dos Quadros para permitir a integração e harmonização das retribuições antes da celebração de ACT próprio. 44. Com o processo de integração, e por interesse do C…/D…, foi acordado com o Autor um regime de isenção de horário de trabalho, tendo-lhe sido atribuída, nos termos do ACT (o ACTV) a retribuição correspondente a uma hora de trabalho suplementar. 45. Acordo que foi comunicado à Inspecção do Trabalho. 46. Em 09.09.1999, foi reiterado o acordo de isenção de horário de trabalho no qual foi atribuído ao Autor uma remuneração correspondente a 2 horas de trabalho suplementar. 56. O Autor e o Réu (LEASING D1…) reiteraram em 08.03.2000 o regime de IHT existente, comunicando-o à Inspecção do Trabalho. 57. Repetindo a declaração de vontade em 18 de Agosto do mesmo ano em virtude da alteração dos valores remuneratórios, e comunicando-o à Inspecção do Trabalho. 58. E posteriormente em 27.05.2003 por a LEASING D1… ser extinta por fusão com o K…, para o qual se transmitiu por esse efeito o contrato de trabalho do Autor. 62. Por essa razão, o C… e o Autor reiteraram o regime de isenção implementado entre as partes em 05.02.2004. 64. Na sequência deste acordo foi instituído entre o Autor e a E… um regime de IHT, tendo o Autor passado a auferir nesta data a retribuição global de € 1.510,00, aí se englobando uma retribuição por IHT. 65. Também com a E… o Autor celebrou um acordo de IHT. 66. A E… veio no entanto a ser extinta, e por força do consignado no acordo tripartido celebrado com o Réu, o Autor regressou ao C… e também aí e em sintonia com a vontade já anteriormente declarada, outorgou em 15.02.2006 com o Réu um acordo de IHT. 67. Este acordo vigorou até à comunicação feita pelo Réu ao Autor até 30.06.2015. 68. Neste acordo, à semelhança dos demais, são citadas as normas e cláusulas ao abrigo das quais é celebrado. 70. A IHT foi instituída no decurso da relação laboral ainda com o D…, e transitou para o C… por força da fusão ocorrida. 71. O regime de IHT caracterizou assim, até à comunicação da sua retirada, em 2015, a relação laboral entre Réu e Autor que estava por isso isento de cumprir horário, e obrigado a sempre que necessário e nos termos acordados, prolongar a sua estada no local de trabalho. 72. O Réu podia retirar o regime de IHT ao Autor, o que fez, nos termos previstos na lei e no ACT aplicável, dando ao Autor o tempo prévio previsto na lei e no ACT (dois meses).
Foram dadas como não provadas as seguintes alíneas: i) O Autor recebesse um montante descrito como IHT no seu descritivo de remunerações, mas que na realidade fosse parte integrante da sua retribuição, sem prejuízo do que demais se deu como assente; ii) O Autor, enquanto funcionário do Réu, não praticasse IHT; iii) A actuação do Réu, ao retirar o IHT, tenha sido ilegal; iv) O corte que o Réu operou na retribuição mensal do Autor tenha sido arbitrário e ilegal, agravado pela ausência de explicação que permita ao Autor aceitar como se pode alterar unilateralmente a retribuição acordada e contratualizada aquando do seu ingresso ao serviço do Réu.
A Mmª. Juiz a quo, para fundamentar a decisão quanto à matéria de facto, atendeu ao teor dos contratos de trabalho constantes de folhas 24 e seguintes, aos vários recibos de vencimentos, aos acordos relativos ao regime de IHT – folhas 78 e seguintes – à comunicação da IHT – folhas 86 – bem como ao depoimento das testemunhas L…, G…, F…, M…, N…, O…, P…, Q… e às declarações prestadas pelo Autor, deixando consignado que “da análise conjugada de todos estes depoimentos foi possível ao Tribunal concluir, por um lado, que o autor efectivamente trabalhava para além do horário de trabalho, assim se justificando a IHT. Também foi feita prova da crise que assolou a actividade e entidades bancárias, quer a nível nacional quer a nível internacional, dos compromissos que o Réu assumiu com os Sindicatos dos trabalhadores designadamente ao nível da redução de despesas e de funcionários, da qualificação do autor e de outros funcionários como «excedentário» e a colocação do mesmo, bem como de outros funcionários na DRBM. Destes depoimentos foi ainda possível aferir da actividade da DRBM, que paulatinamente fazendo sentido para o banco, a ponto de prescindir dos serviços prestados por terceiros em regime de outsorcing” (…).
Defende o Autor que a matéria dada como provada e a matéria dada como não provada – e supra indicada – deve ser dada como não provada e como provada, respectivamente.
Indica para tal os seguintes meios de prova: o documento nº.3, 5 a 179 da petição, nº1 a 8 e 9 a 14 da contestação, nº12 e 13 apresentados em 11.01.2017, nº95 apresentado em 15.12.2016 e o depoimento das testemunhas F… e G….
Cumpre, previamente, analisar se o apelante deu cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640º do CPC.
Nos termos do artigo 640º do CPC “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo do poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (…).
O apelante deu cumprimento ao determinado nas alíneas a) e c) do nº1 do artigo 640º do CPC, mas o mesmo não se pode dizer relativamente ao determinado na al. b) do nº1 do mesmo preceito legal.
Com efeito, o apelante faz referência a dois depoimentos mas não os relaciona com os concretos factos que no seu entendimento justificam a requerida alteração. Na verdade, a indicação dos referidos depoimentos, sem que os mesmos sejam relacionados com cada um dos factos que o apelante impugna, torna incompreensível a requerida alteração da decisão quanto à matéria de facto atendendo ao considerável número de factos provados e não provados que impugnou, em bloco. O mesmo se diga quanto à indicação da prova documental tendo em conta que o apelante faz a sua indicação sem relacionar tal prova com cada um dos factos supra indicados.
Acresce dizer que o recorrente, no que concerne ao determinado na al. a) do nº2 do artigo 640º do CPC, indica [inicialmente] o começo e o termo dos depoimentos e das suas declarações, o que não corresponde ao determinado no referido preceito legal, e [mais à frente] indica as concretas passagens dos depoimentos das testemunhas acima referidas [dando cumprimento ao determinado na al. a) do nº2 do artigo 640º do CPC] e até procede à transcrição desses excertos mas não relaciona esses mesmos depoimentos, na parte que transcreve, com os concretos factos que pretende ver alterados.
Deste modo, ao abrigo do disposto no artigo 640º, nº1, al. b) do CPC, rejeita-se o recurso em sede de apreciação da referida matéria de facto.
Contudo, e mesmo admitindo que assim não é [e sem prejuízo do que mais adiante se vai dizer em termos de alteração oficiosa da matéria de facto] e considerando que os factos 36 e 38 se reportam a tabelas salariais e os factos 37, 44 a 46, 56 a 58, 62, 64 a 68, 70 a 72 à isenção do horário de trabalho (IHT) a pretensão do apelante improcede. Com efeito, relativamente aos factos relacionados com tabelas salariais, nada referiram de concreto as testemunhas G… [trabalhadora bancária desde 1985 e fazendo parte da Comissão de Trabalhadores do C…] e F… [actualmente reformado tendo trabalhado no Réu 35 anos fazendo parte dos Órgãos Sociais do Sindicato dos Bancários]. E quanto aos factos relacionados com a IHT as referências que fizeram aos acordos de IHT não foi que eles não existiram mas que seriam antes um modo «de defesa» do Réu perante o «aparecimento» da Inspecção do Trabalho; contudo não negaram o «culto do trabalho» por parte do Réu, relativamente aos seus trabalhadores, para além do horário do trabalho. Inclusivamente o Autor, em declarações, não negou que tivesse assinado os acordos de IHT referindo que pediam para os assinar e assinavam e nunca pensou que a assinatura do referido documento conduziria à retirada do montante que recebia.
Relativamente às alíneas i), ii), iii) e iv) deixamos expressa a nossa posição mais adiante. Os factos 71, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79, 80, 84, 85, 86, 89. As alíneas ix), x), xi), xii), xiii).
O Tribunal a quo deu como provado: 71. O regime de IHT caracterizou assim, até à comunicação da sua retirada em 2015, a relação laboral entre Réu e Autor que estava por isso isento de cumprir horário, e obrigado a sempre que necessário e nos termos acordados, prolongar a sua estada no local de trabalho. 72. O Réu podia retirar o regime de IHT ao Autor, o que fez, nos termos previstos na lei e no ACT aplicável, dando ao Autor o tempo prévio previsto na lei e no ACT (dois meses). 73. Porque as funções que actualmente desempenha na DRBM não justificam que o trabalho seja prestado em regime de IHT. 74. Internamente o Réu enfrentou dificuldades de mercado, quer no plano dos particulares, com aumento de desemprego, que provocou quebra na poupança e consequentemente nos depósitos, e uma impossibilidade prática de os particulares acederem ao crédito, aliada à dificuldade em cumprirem com as suas obrigações em curso. 75. Quer no plano das empresas, tendo-se registado um aumento de insolvências, o que aumentou as situações de crédito mal parado, obrigando a proceder a aumentos de capital onde os já accionistas participaram com grande presença, e à injecção de capital do Estado, por meios dos conhecidos Cocos. 76. Situação que foi agravada por ter sido chamado, à semelhança de outras instituições financeiras a contribuir para o Fundo de Garantia de Depósitos e Fundo de Resolução, a fim de suportar o funcionamento do sistema bancário, e evitar uma crise sistémica no sector, minorando, pelo menos, o encargo que iria recair sobre os contribuintes. 77. Também no plano internacional o Réu teve de lutar, e continua a fazê-lo actualmente, contra a queda de outras economias onde tinha investimentos muito significativos em relação à sua dimensão, e que entraram em colapso, como foi o caso da Grécia e Roménia, ou de países onde ainda mantém investimentos como em Angola e Polónia, cujas economias por razões diversas, mas públicas, criaram climas económicos de grande adversidade aos investimentos feitos pelo Réu e que inicialmente todos os indicadores apontavam como bons, e que na verdade o foram, até à crise que obrigou o País a requerer ajuda internacional. 78. A intervenção do Estado supra mencionada, obrigava por parte deste, cuja intervenção foi condicionada pelas instituições europeias supervisoras, à imposição de condições duras em muitas das suas vertentes, designadamente na vertente dos recursos humanos do Réu. 79. E que passavam pela reorganização por diminuição do tamanho da sua estrutura, com fusão de Direcções e Departamentos, encerramentos de Agências. 80. E diminuição dos custos com os recursos humanos, que perspectivava um despedimento colectivo. 84. Mas permitindo-se negociar nas melhores condições possíveis a saída de algumas centenas de trabalhadores, que de acordo com o citado Memorandum deveriam ser 7.100 até 2017. 85. O Réu promoveu um conjunto de condições negociais que apresentou aos trabalhadores que desejassem sair do Banco, ou que o Réu com base nas avaliações e prestações desempenhadas ao longo do contrato de trabalho tivesse a percepção de que aportavam menos eficiência. 86. Simultaneamente, tendo em vista resolver a questão do crédito designado vulgarmente por «mal parado» foi criada a Direcção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM). 89. A DRBM possui uma actividade que contribui para os resultados do Banco, e a colocação do Autor nessa Direcção garantiu a sua ocupação efectiva.
E deu como não provado: ix) A DRBM sirva apenas para manter artificialmente ocupados os trabalhadores do Réu que se recusaram a aceitar propostas de rescisão contratual e/ou de passagem à situação de reforma. x) Esta Direcção não tenha praticamente qualquer tipo de actividade efectiva. xi) A DRBM sirva apenas e tão só para punir os trabalhadores que para lá foram transferidos pela não aceitação da proposta de despedimento e/ou reforma. xii) O Autor, ao exercer funções na DRBM, tenha visto reduzida de forma drástica o volume de trabalho que lhe era confiado, para uma situação de quase paralisação. xiii) Esta Direcção praticamente não desenvolva qualquer actividade da competência do Autor, nem qualquer outra, em clara retaliação pela não aceitação do despedimento.
O apelante pretende que os factos provados e não provados – supra indicados – sejam considerados não provados e provados, respectivamente. Indica o apelante os depoimentos das testemunhas já atrás referidas – G… e F… – e ainda as suas declarações prestadas em audiência [indica as concretas passagens que no seu entender justificam a requerida alteração].
O recorrente não relaciona os referidos depoimentos com os concretos factos que no seu entendimento justificam a requerida alteração. Era seu ónus relacionar os depoimentos com cada um dos factos que impugna. Ao não ter assim actuado o apelante torna incompreensível a requerida alteração da matéria de facto, atendendo ao considerável número de factos provados e não provados que impugnou, em bloco.
Mesmo admitindo que assim não é [e sem prejuízo do que mais adiante se vai dizer em termos de alteração oficiosa da matéria de facto] certo é que o Tribunal a quo atendeu a outros depoimentos para considerar a referida matéria de facto provada e não provada, nomeadamente os depoimentos prestados por M… [o qual trabalha na DRH do Réu desde 2007, e relatou os factos que conduziram o Réu a pedir a ajuda do Estado e os procedimentos que foi obrigado a cumprir por causa desse pedido, incluindo as negociações que se processaram com os Sindicatos], P… [trabalha no Réu desde 1996, e está nos Recursos Humanos] e Q… [Director dos Recursos Humanos da Ré, trabalha no Banco Réu desde 1987]. Todas estas testemunhas depuseram quanto aos factos aqui em apreço sendo que a convicção do Tribunal a quo [e também a deste Tribunal] forma-se a partir da análise crítica de toda a prova e não apenas através dos depoimentos indicados pelo apelante. Acresce dizer que o apelante não indica a razão por que se deve valorizar os depoimentos das testemunhas que indica, em detrimento das demais e que atrás indicamos.
Relativamente às alíneas ix), x), xi), xii), xiii) deixamos expressa a nossa posição mais adiante.
Deste modo, rejeita-se a apreciação da matéria de facto nesta parte e igualmente se julga improcedente a pretensão do apelante.
O apelante indicou ainda, nas conclusões de recurso, os factos 81, 82, 83, 88, 90 e 98 e ainda as alíneas v), vi), vii), viii), xiv) a xxiv). No entanto, não indicou nas alegações de recurso, como devia, os meios de prova fundamento dessa alteração, a determinar a rejeição do recurso nesta parte – artigo 640º, nº1, al. b) do CPC.
Contudo, outras questões o apelante coloca à apreciação deste Tribunal e que vamos conhecer de seguida.
Diz o apelante não compreender em que é que se baseia a sentença para dar como provado o que consta dos factos assentes com os nºs.36 e 37 [35.O D… e o Réu, no qual aquele se estava integrar, tinham políticas e estruturas retributivas distintas e complexas de harmonizar, complexidade que aumentava por existirem ainda outras instituições financeiras a integrar o Grupo, cada uma com a sua política de retribuição. 36.Que, na medida do possível, haveria que dissipar em ordem a assegurar o princípio constitucional para trabalho igual, salário igual. 37. O C… sempre teve uma política contratual consistente numa exigência acrescida de esforço de trabalho aos seus trabalhadores, razão pela qual foi implementado o regime legal de IHT, com o pagamento da respectiva retribuição] atendendo a que os mesmos são vagos e não concretizados ou fundamentados e “não fica concretizado desde quando, se desde a criação do C… ou de outro banco qualquer, ou desde que altura especifica é que existe essa vacuidade que é a política contratual consistente numa exigência acrescida de esforço de trabalho aos seus trabalhadores”. Defende que nenhum documento foi junto a demonstrar essa conclusão e nenhuma testemunha asseverou esse conteúdo [transcrevemos o que consta do nº35 dos factos provados na medida em que o sentido do nº36 não se alcança sem que se relacione o mesmo com o nº35].
Desde já se afirma que se acompanha o apelante, na medida em que o que consta dos factos 35 e 36 são meras conclusões de ordem genérica e vaga.
Com efeito, as conclusões apenas se podem extrair de factos concretos e precisos que tenham sido alegados. Ou seja, apenas os factos materiais podem ser objecto de prova, e não os juízos de valor ou juízos jurídicos.
Neste sentido foi decidido nos acórdãos do STJ de 14.01.2015, de 29.04.2015 e de 28.01.2016 em www.dgsi.pt
Na verdade, no nº35 dos factos assentes não se concretiza as políticas de remuneração seguidas pelo D…, as seguidas pelo Réu e pelas instituições financeiras que integravam o Grupo [para o Tribunal poder concluir se elas eram distintas e complexas de harmonizar], sendo que o nº36 se traduz numa conclusão de ordem jurídica.
Deste modo, e ao abrigo do artigo 607º, nº4 e nº5 do CPC declaram-se não escritos os nºs.35 e 36 dos factos provados.
Sufragamos igual entendimento, pelos mesmos motivos, relativamente ao que consta do nº37, na medida em que deveria o Réu localizar minimamente no tempo quando iniciou a política de esforço, com a correspondente implementação da IHT.
Ou seja, o nº37 da factualidade provada é igualmente de conteúdo genérico e como tal, ao abrigo do artigo 607º, nº4 e nº5 do CPC, se declara não escrito.
Refere também o apelante que os nºs.71 a 80 e 84 da matéria de facto são um conjunto de conclusões e como tal não poderiam ser considerados provados [71. O regime de IHT caracterizou assim, até à comunicação da sua retirada em 2015, a relação laboral entre Réu e Autor que estava por isso isento de cumprir horário, e obrigado a sempre que necessário e nos termos acordados, prolongar a sua estada no local de trabalho. 72. O Réu podia retirar o regime de IHT ao Autor, o que fez, nos termos previstos na lei e no ACT aplicável, dando ao Autor o tempo prévio previsto na lei e no ACT (dois meses). 73. Porque as funções que actualmente desempenha na DRBM não justificam que o trabalho seja prestado em regime de IHT. 74. Internamente o Réu enfrentou dificuldades de mercado, quer no plano dos particulares, com aumento de desemprego, que provocou quebra na poupança e consequentemente nos depósitos, e uma impossibilidade prática de os particulares acederem ao crédito, aliada à dificuldade em cumprirem com as suas obrigações em curso. 75. Quer no plano das empresas, tendo-se registado um aumento de insolvências, o que aumentou as situações de crédito mal parado, obrigando a proceder a aumentos de capital onde os já accionistas participaram com grande presença, e à injecção de capital do Estado, por meios dos conhecidos CoCos. 76. Situação que foi agravada por ter sido chamado, à semelhança de outras instituições financeiras a contribuir para o Fundo de Garantia de Depósitos e Fundo de Resolução, a fim de suportar o funcionamento do sistema bancário, e evitar uma crise sistémica no sector, minorando, pelo menos, o encargo que iria recair sobre os contribuintes. 77. Também no plano internacional o Réu teve de lutar, e continua a fazê-lo actualmente, contra a queda de outras economias onde tinha investimentos muito significativos em relação à sua dimensão, e que entraram em colapso, como foi o caso da Grécia e Roménia, ou de países onde ainda mantém investimentos como em Angola e Polónia, cujas economias por razões diversas, mas públicas, criaram climas económicos de grande adversidade aos investimentos feitos pelo Réu e que inicialmente todos os indicadores apontavam como bons, e que na verdade o foram, até à crise que obrigou o País a requerer ajuda internacional. 78. A intervenção do Estado supra mencionada, obrigava por parte deste, cuja intervenção foi condicionada pelas instituições europeias supervisoras, à imposição de condições duras em muitas das suas vertentes, designadamente na vertente dos recursos humanos do Réu. 79. E que passavam pela reorganização por diminuição do tamanho da sua estrutura, com fusão de Direcções e Departamentos, encerramentos de Agências. 80. E diminuição dos custos com os recursos humanos, que perspectivava um despedimento colectivo. 84. Mas permitindo-se negociar nas melhores condições possíveis a saída de algumas centenas de trabalhadores, que de acordo com o citado Memorandum deveriam ser 7.100 até 2017].
Os nºs.71, 72 e 73 são meras conclusões que se prendem com a solução de direito já que em discussão está se o complemento auferido pelo Autor, ao longo dos anos, a título de IHT, estava relacionado única e exclusivamente com a prática do regime de isenção de horário de trabalho.
Deste modo, e ao abrigo do artigo 607º, nº4 e nº5 do CPC declaram-se não escritos os nºs.71, 72 e 73 dos factos provados.
Os demais factos [74 a 80 e 84], não obstante o seu conteúdo algo vago, não devem ser eliminados da matéria de facto tendo em conta que todos eles estão relacionados, de algum modo, com a crise que o País sofreu, e que é do conhecimento público. Por outro lado, as testemunhas ouvidas em audiência fizeram alusão a esses factos e os mesmos permitem compreender o circunstancialismo dado como provado nos factos 26 a 30 [26. Anteriormente à retirada do IHT, o Autor foi «convidado», por mais do que uma vez, a rescindir o seu contrato de trabalho, por acordo.27. Tendo o Autor rejeitado todas as propostas de rescisão contratual. 28. Por ter sido considerado pelo Réu como «excedentário», o Autor foi colocado numa unidade orgânica que a Ré criou de novo, denominada Direcção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM). 29. Unidade orgânica essa – a referida DRBM – totalmente composta por trabalhadores considerados excedentários e que rejeitaram as propostas do Réu para que rescindissem os seus contratos de trabalho e/ou passassem à situação de reforma. 30. O Autor pretende continuar a trabalhar, desempenhando a sua actividade profissional].
Defende o apelante a contradição entre os factos 86, 88 e 29 [86.Simultaneamente, tendo em vista resolver a questão do crédito designado vulgarmente por «mal parado» foi criada a Direcção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM). 88.O Réu diminuiu o trabalho de recuperação de crédito atribuído a Empresas externas em regime de outsoursing, para gerar trabalho aos trabalhadores que eram excedentários por força da reorganização imposta ao Réu. 90. ADRBM é responsável pela recuperação de baixo montantes, actividade que, à data da criação daquela direcção, era parcialmente assegurada por uma empresa prestadora de serviços, e passou a ser assegurada por trabalhadores do banco, para viabilizar a sua ocupação. 28. Por ter sido considerado pelo Réu como «excedentário», o Autor foi colocado numa unidade orgânica que o Réu criou de novo, denominada Direcção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM). 29. Unidade orgânica essa – a referida DRBM – totalmente composta por trabalhadores considerados excedentários e que rejeitaram as propostas do Réu para que rescindissem os seus contratos de trabalho e/ou passassem à situação de reforma] considerando que em face do que consta dos referidos factos “nunca poderia ser considerada a causa da criação da DRBM a solução para o Banco recuperar o crédito «mal parado», quando na realidade essa solução já tinha sido encontrada em outsourcing”, resultando, assim, que a razão da criação da DRBM não constituiu uma estratégica de reunir um grupo de trabalhadores para a recuperação de crédito. Que dizer?
Da conjugação dos factos 28, 29, 88 e 90 decorre que os trabalhadores excedentários foram colocados na DRBM e que para gerar trabalho para aos mesmos, e ocupá-los, o Réu «transferiu/diminuiu» o trabalho de recuperação de crédito atribuído a Empresas externas.
Daqui resulta que a DRBM não foi criada para resolver a questão do crédito mal parado mas a situação dos trabalhadores excedentários e como seria necessário dar-lhes trabalho o Réu entendeu que todos estes excedentários deveriam trabalhar no «crédito mal parado» apesar de o mesmo estar a ser tratado por entidades externas. Por isso, existe contradição entre o dado como provado no facto 86 e os factos 28, 29 e 88 e, deste modo, se elimina o facto 86.
O facto 97.
O Tribunal deu como provado: Desde que a DRBM foi criada, em Fevereiro e até final do ano de 2015, foi recuperado para o Banco um valor superior a €3.000.000,00 em clientes pertencentes à sua carteira [tal facto corresponde, parcialmente, ao alegado pelo Réu no artigo 112 da contestação].
Refere o apelante que não foi junto qualquer documento a demonstrar o valor indicado “nem sequer foi inquirida qualquer testemunha que soubesse, com conhecimento de causa, que montante é que foi recuperado e, a ter existido se foi na DRBM Norte ou Sul”.
Improcede a pretensão do apelante em ver tal matéria dada como não provada por duas razões: a primeira porque no artigo 112 da contestação não se faz alusão à localização – norte/sul – da DRBM não cabendo aqui, já que o Tribunal a quo também não o fez, fazer a referida distinção; a segunda porque a testemunha M…, que trabalha na DRH do Réu desde 2007, referiu tal montante, como se pode ver na transcrição feita a folhas 738 verso dos autos, podendo nós concluir, atendendo às funções exercidas por essa testemunha e segundo as regras da experiência, que ela tinha conhecimento desse facto.
Cumpre agora, oficiosamente, e pelas razões já indicadas [as conclusões apenas se podem extrair de factos concretos e precisos que tenham sido alegados. Ou seja, apenas os factos materiais podem ser objecto de prova, e não os juízos de valor ou juízos jurídicos] dar como não escrito o facto 98e não escritas as alíneas i), ii), iii), iv), v), vii), ix), x), xi), xii), xiii), xiv), xv), xvii), xviii), xix), xx), xxi), xxii) e xxiii) da matéria de facto não provada.
Assim, considera-se assente a factualidade constante do item II do presente acórdão, com as alterações a que se procedeu [não escritos os factos 35, 36, 37, 71, 72, 73, 98, alíneas i), ii), iii), iv), v), vii), ix), x), xi), xii), xiii), xiv), xv), xvii), xviii), xix), xx), xxi), xxii) e xxiii) da matéria de facto não provada e eliminado o facto 86].
* * * V Da violação do princípio da irredutibilidade.
Consta da decisão recorrida o seguinte: “No caso concreto, provou-se que, pelo menos desde a data da fusão do D… e até 01.07.2015 o Réu pagou ao Autor retribuição que incluía uma verba por isenção de horário de trabalho” (…) “considerando que o Réu pagou ao Autor, mensalmente, pelo menos desde a fusão do D… (registada no ano de 2000) até 01.07.2015, uma importância a título de retribuição especial por isenção de horário de trabalho, a referida prestação dadas as características de periodicidade e regularidade (no sentido de que o Réu empregador se obrigou a pagar, e pagou, com determinada normalidade temporal, o valor em causa) não podem deixar de assumir natureza retributiva. Não obstante, embora assente o carácter retributivo daquela prestação, daí não se pode concluir, sem mais, que a mesma não possa ser retirada ao Autor” (…) “Demonstrou-se que o pagamento da rúbrica «isenção de horário de trabalho» dependia da prestação de funções cuja extensão poderia implicar uma disponibilidade de tempo quando fosse necessário prolongar a sua estada no local de trabalho. Ora, tal isenção de horário deixou de ser necessária quando o Autor foi colocado na DRBM, circunstância que o Réu logrou demonstrar” (…). Concluiu a Mmª. Juiz a quo ser legítima, em face da matéria de facto provada, a retirada ao Autor do complemento de IHT até porque o Réu ilidiu a presunção a que aludem os artigos 249º, nº3 do CT/2003 e 258º, nº3 do CT/2009.
O apelante discorda referindo: resulta dos factos provados que o Réu manipulava as rúbricas retributivas do Autor, já que se diminuía o montante intitulado de IHT, aumentava o que apelidava de Complemento de Vencimento, por forma a o trabalhador não sentisse o impacto negativo no montante líquido a receber no final do mês, ou seja, o montante que era pago ao Autor, intitulado de IHT, não era mais do que remuneração, e por isso sujeito ao princípio da irredutibilidade. Analisemos então.
Tendo em conta a factualidade prova – nomeadamente os recibos de vencimento do Autor de Janeiro de 2001 até Agosto de 2016 e ainda as fichas recapitulativas do processamento dos ordenados do Autor desde 1997 a Dezembro de 2000 – podemos concluir o seguinte: 1. Desde o ano de 1997 até Setembro de 1999 foi pago ao Autor uma quantia, a título de vencimento base, outra quantia intitulada IHT, correspondente a 21,43% do seu vencimento base e diuturnidades, acrescida de outra quantia intitulada Complemento Vencimento; 2. A partir de Outubro de 1999 até Dezembro de 2001 foi pago ao Autor uma quantia, a título de vencimento base, outra quantia intitulada IHT, correspondente a 46,43% do seu vencimento base e diuturnidades sem que lhe fosse pago qualquer montante a título de Complemento Vencimento; 3. Desde Janeiro de 2001 até Junho de 2015 foi pago ao Autor uma quantia, a título de vencimento base, outra quantia intitulada IHT, correspondente a 21,50% do seu vencimento base e diuturnidades, acrescida de outra quantia intitulada Complemento Vencimento; 4. A partir de Julho de 2015 é pago ao Autor uma quantia, a título de vencimento base, outra quantia intitulada Complemento Vencimento e deixa de ser processado no recibo de vencimento a quantia intitulada IHT.
Mas continuemos.
Em Dezembro de 2001 [altura em que ao Autor era pago o vencimento base de €887,61 a que acresceu €457,97 de IHT correspondente a 46,43% da sua retribuição base e diuturnidades – facto 50] o vencimento global do Autor [somando a retribuição base e a IHT] era de €1.345,58.
Em Janeiro de 2002 o vencimento global era de igual montante [não obstante o vencimento base ser de €906,50, a que acresceu €216,34 de IHT correspondente a 21,50% da sua retribuição base e diuturnidades, a que acresceu, para igualar o montante global de €1.345,58, o denominado Complemento Vencimento de €222,74].
Em Janeiro de 2004 foi pago ao Autor o vencimento base de €960,00 acrescido de €236,72 de IHT [correspondente a 21,50% da sua retribuição base e diuturnidades] e ainda da quantia de € 215,36 a título de Complemento Vencimento. Mas em Fevereiro de 2004 como a sua retribuição base aumentou para o valor de €1.070,50, a que corresponde a IHT de €260,47, o Réu processou, a título de Complemento Vencimento, quantia inferior - €179,03 – à que tinha processado no mês de Janeiro. Contudo, o montante global pago, a título de remuneração base, IHT e Complemento Vencimento, no mês em que ocorre o aumento do vencimento base, Fevereiro 2004, é sempre superior [passa de €1.412,08 para €1.510,00].
O que referimos quanto aos meses de Janeiro e Fevereiro de 2004 ocorre também quanto aos meses de Dezembro de 2007 e Janeiro de 2008 [neste mês o vencimento base do Autor sobe de €1.187,71 para €1.279,90, a IHT de 297,35 para €317,17 e o Complemento baixa de €170,85 para €152,93 não obstante o salário global, nos termos já indicados, subir de €1.655,91 para €1.750,00]. Em Junho de 2015 o Complemento Vencimento sobe para €166,74 [aumento de €13,81] e assim se mantém no momento em que deixa a verba IHT de ser paga [€351,28] passando o montante global, no que a estes itens respeita, de €1.864,23 para €1.512,95.
De tudo o que se deixou exposto resulta que o Réu, ao longo dos anos, pagou ao Autor quantia global [entenda-se retribuição base acrescida de IHT e de Complemento Vencimento, como decorre da análise dos vários recibos de vencimento] que foi sendo aumentada, não obstante a variação de montante quanto às parcelas vencimento base [este por força das actualizações salariais previstas no ACT] IHT e Complemento vencimento [em Janeiro de 1998 a quantia global era de 205.518$00, em Janeiro de 2000 era de 248.684$00, em Dezembro de 2001 era de €1.345,58, em Janeiro de 2004 era de €1.412,08, em Fevereiro de 2004 era de €1.510,00, em Dezembro de 2007 era de €1.655,91, em Janeiro de 2013 era de €1.841,58, em Janeiro de 2015 era de €1.864,23] até que esse aumento foi «quebrado» em Julho de 2015, com a retirada da verba denominada IHT.
Por outras palavras: desde 1997 até Julho de 2015 foi pago ao Autor uma quantia que nos recibos de vencimento constava com a denominação IHT, a qual era incluída no subsídio de férias e no subsídio de natal [facto 14].
Mas não é pelo facto de no recibo de vencimento do trabalhador constar que determinada quantia é paga a título de IHT que se deve concluir estarmos perante um complemento remuneratório devido ao modo de desenvolvimento da prestação e como tal não integra a remuneração em sentido estrito/retribuição [só esta está sujeita ao princípio da irredutibilidade] na medida em que a elaboração pelo empregador do recibo de vencimento não se destina a fazer prova dos pagamentos efectuados ao trabalhador, e muito menos a que título esse pagamento ocorre.
Por isso, e atento o disposto nos artigos 82º, nº3 da LCT, 249º, nº3 do CT/2003 e 258º, nº3 do CT/2009, o Autor goza da presunção de que a referida verba – apelidada nos recibos de vencimento como IHT – constitui retribuição. Aliás, é o que resulta dos factos provados sob os nºs. 7, 9, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19 [7. Pelo descrito contrato o Autor auferia a título de remuneração mensal global o montante de 248.684$00, acrescido das diuturnidades e subsídio de alimentação. 9. Por contrato datado de 21.06.2004, o Autor suspendeu novamente, e por tempo indeterminado, o seu contrato de trabalho com o Réu, passando a prestar serviço à E…, A.C.E., auferindo para o efeito a remuneração global de €1.510,00, acrescida das diuturnidades que vinha auferindo e respectivos subsídios, aí se incluindo uma verba para isenção de horário de trabalho. 11. O Autor auferia nesta data a remuneração global de €1.510,00, estando aí incluída uma verba para isenção de horário de trabalho. 13. Ao longo dos anos subsequentes sempre o Réu pagou ao Autor um complemento ainda que dando-lhe no recibo de vencimento as denominações ISENCAO HORAR.AUT, COMPL. VENC/D.EXCL, ISENCAO HORARIO, ou COMPLEM.VENCIMENTO. 14. Este complemento era também pago conjuntamente com o subsídio de férias e o subsídio de natal. 15. Em Janeiro de 2001 o Réu pagou ao Autor um complemento salarial denominado ISENCAO HORAR.AUT, no valor de €426,11. 16. Em Novembro de 2002 o Réu pagou ao Autor complementos salariais (COMPL.VENC/D.EXCL, ISENCAO HORARIO) no valor de €446,00 (sendo €230,67 por IHT). 17. Em Novembro de 2007 o Réu pagou ao Autor complementos salariais (COMPLEM.VENCIMENTO, ISENCAO HORARIO) no valor de €468,20 (sendo €297,35 por IHT). 18. Já em 2015 os referidos complementos salariais eram de €518,02 (sendo €351,28 de IHT). 19. Embora com as mais diversas designações e montantes variáveis, o Réu sempre foi pagando ao Autor uma importância a título de complementos salariais pelo trabalho por este prestado].
E posto isto, cumpre verificar se o Réu ilidiu, como lhe compete, a referida presunção, ou seja, se o Réu logrou provar que a quantia paga ao Autor, e denominada nos recibos de vencimento como IHT, se destinava a compensar o trabalhador por ele estar sujeito ao regime de isenção de horário de trabalho. Se assim concluirmos, então, tal complemento não está abrangido pelo princípio da irredutibilidade – artigos 129º, nº1, al. d) e 258º, nº4, do CT/2009.
Na clª51ª do ACT celebrado entre o C…, S.A, e o Sindicato dos Bancários do Norte – publicado no BTE, 1ª série, nº48, de 29.12.2001 – sob a epígrafe “Isenção de Horário de Trabalho” determinava-se o seguinte: “1. Poderão ser isentos de horário de trabalho os trabalhadores que desempenhem funções de direcção, de gerência, de chefia ou funções técnicas e, em geral, todos os que desempenhem cargos de confiança. 2. Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se cargos de confiança, todos aqueles a que o conselho de administração especificadamente atribua o carácter de autonomia, representação, lealdade, fiscalização, formação específica ou confidência, independentemente da categoria profissional do trabalhador, sendo como tal ser considerados, nomeadamente, os seguintes: a) Os que são exercidos por procuradores ou por trabalhadores que exerçam regularmente as suas funções fora da unidade a que pertencem, sem controlo imediato da respectiva hierarquia; b) Os que envolvam poderes delegados para atender, representar ou negociar com os clientes ou outras entidades, em nome da entidade patronal; c) Os que impliquem responsabilidade pela recepção e guarda de valores ou documentos confidenciais; d) Os que tenham subjacente a realização de auditorias ou a fiscalização dos serviços da entidade patronal; e) Os que pressuponham uma formação específica na concepção, preparação ou controlo da estratégia e objectivos da entidade patronal, ou na elaboração de estudos, pareceres, análises ou projectos que fundamentem ou constituam suporte das decisões do conselho administração; f) Os que são exercidos em apoio directo aos membros do conselho de administração.3. O regime de isenção termina com a verificação do prazo pelo qual foi estabelecido ou, não tendo sido fixado qualquer prazo, por determinação unilateral da entidade patronal comunicada ao trabalhador com a antecedência mínima de dois meses. 4. A isenção de horário de trabalho não pode determinar a prestação de trabalho por um período superior a duas horas para além do período normal de trabalho diário, sendo o tempo diário de trabalho máximo aferido em termos médios, pelo período de referência de dois meses” (…).
Por sua vez, a clª91ª, sob a epígrafe “Retribuição da isenção de horário de trabalho” determinava o seguinte: “1. Os trabalhadores isentos de horário de trabalho têm direito a uma retribuição adicional que não será inferior ao valor resultante da aplicação das percentagens de 21,5% ou 46,5% ao montante do nível pelo qual estão a ser remunerados acrescido das diuturnidades a que tenham direito, consoante os trabalhadores excedam, em média, o correspondente período de trabalho em uma ou duas horas, respectivamente” (…).
A clª53ª do ACT publicado no BTE, 1ª série, nº4, de 29.01.2005 [em vigor na data da celebração do acordo de isenção de horário de trabalho referido nos factos 66 e 67] sob a epígrafe “Isenção de horário de trabalho”, determinava: “1. Poderão ser isentos de horário de trabalho os trabalhadores que desempenhem funções de direcção, de gerência, de chefia ou funções técnicas e, em geral, todos os que desempenhem cargos de confiança. 2. Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se cargos de confiança, todos aqueles a que o conselho de administração especificamente atribua o carácter de autonomia, representação, fiscalização, formação específica ou confidência, independentemente da categoria profissional do trabalhador, podendo como tal ser considerados, nomeadamente, os seguintes: a) Os que são exercidos por procuradores ou por trabalhadores que exerçam regularmente as suas funções fora da unidade a que pertencem, sem controlo imediato da respectiva hierarquia; b) Os que envolvam poderes delegados para atender, representar ou negociar com os clientes ou outras entidades, em nome da entidade patronal; c) Os que impliquem responsabilidade pela recepção e guarda de valores ou documentos confidenciais; d) Os que tenham subjacente a realização de auditorias ou a fiscalização dos serviços da entidade patronal; e) Os que pressuponham uma formação específica na concepção, preparação ou controlo da estratégia e objectivos da entidade patronal, ou na elaboração de estudos, pareceres, análises ou projectos que fundamentem ou constituam suporte das decisões do conselho de administração; f) Os que são exercidos em apoio directo aos membros do conselho de administração. 3. O alargamento da prestação a um determinado número de horas por semana, a título de isenção de horário de trabalho, não pode determinar a prestação de trabalho por um período superior a dez horas para além do período normal de trabalho semanal, sendo o tempo diário de trabalho máximo aferido em termos médios, pelo período de referência previsto no nº.1 ou no nº.2 da cláusula 48ª. 4. A isenção de horário de trabalho não prejudica o direito aos dias de descanso previstos na lei e na cláusula 56ª deste acordo, incluindo o descanso mínimo de onze horas seguidas entre dois períodos diários de trabalho consecutivos. 5. Os nºs.2 e 3 da cláusula 47ª não são aplicáveis aos trabalhadores isentos de horário de trabalho. 6. O regime de isenção termina com a verificação do prazo pelo qual foi estabelecido ou, não tendo sido fixado qualquer prazo, por comunicação da entidade patronal ou do trabalhador com a antecedência mínima de dois meses”. E a clª93ª do mesmo ACT, sob a epígrafe “Retribuição da isenção de horário de trabalho” referia o seguinte: “1. Os trabalhadores isentos de horário de trabalho têm direito a uma retribuição mensal adicional que não será inferior ao valor resultante da aplicação das percentagens de 21,5% ou 46,5% ao montante do nível pelo qual estão a ser remunerados acrescido das diuturnidades a que tenham direito, consoante os trabalhadores prestem trabalho por um período médio de cinco ou dez horas para além do correspondente período semanal de trabalho, respectivamente. 2. O pagamento da retribuição adicional é devido até três meses depois da isenção terminada, salvo se os trabalhadores tiverem sido avisados nos termos do nº6 da cláusula 53ª”.
Cumpre então perguntar: a verba paga como IHT visava compensar o Autor por ele estar sujeito ao regime de isenção de horário de trabalho? É o que vamos analisar de seguida.
Em causa está o acordo escrito de isenção de horário de trabalho celebrado em 15.06.2006 – factos 66 e 67, a folhas 85 dos autos – o qual vigorou até Julho de 2015.
Na data da celebração do referido acordo estava em vigor o CT/2003.
O acordo de IHT deve obedecer à forma escrita – artigo 177º, nº1 do CT/2003 – e deve ser enviado à Inspecção Geral do Trabalho – nº3 do mesmo artigo – sendo certo que o não cumprimento da referida formalidade [envio à IGT] constitui contra ordenação grave nos termos do artigo 659º, nº1 do CT/2003.
Consta do acordo de IHT celebrado em 15.06.2006 que o Autor tem “ a categoria profissional de PROMOTOR COMERCIAL, desempenhando regularmente funções de confiança, envolvendo a delegação de poderes para atender, representar ou negociar com os clientes, em nome da entidade patronal, exercendo regularmente as suas funções fora da unidade a que pertence, sem controlo imediato da respectiva hierarquia. Colocado no nível 09 do IRCT” (…) “com uma retribuição base de € 1.1.27,5 acrescida do valor das diuturnidades de” (…) “é acordado que o desempenho da actividade laboral contratada entre as partes passará a estar sob o regime de ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO sem sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho. Pela isenção de horário de trabalho, o colaborador tem direito a receber uma retribuição especial, no montante de €274,32, estipulada na clª93ª do IRCT aplicável, que não é inferior à retribuição correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia calculada sobre a retribuição base acrescida do valor das diuturnidades, a ser paga com a periodicidade mensal” (…) “O presente acordo vigora até que uma das partes o denuncie com a antecedência mínima de dois meses”.
O referido acordo de IHT, na modalidade de isenção total – artigo 178º, nº1, al. a) do CT/2003 e alíneas a) e b) do nº2 da clª53ª do ACT/2005 – mostra-se assinado pelo Autor, sendo certo que o mesmo não veio alegar, nem provou, que a declaração nele aposta não correspondeu à sua vontade ou que foi afectada por algum vício (simulação, erro, dolo, coacção). E igualmente quanto aos demais pedidos de isenção de HT anteriores a 2006, o Autor não alegou, nem provou que o acordo dado se encontrava igualmente viciado.
Assim, ao assinar o dito acordo o Autor não podia desconhecer que pela perda de disponibilidade que o regime de isenção de horário de trabalho acarreta era compensado com a verba aí indicada [o que aliás tinha já acontecido quando deu o seu acordo aos pedidos de isenção de HT referidos nos factos 46, 56, 57, 58, 62, 65].
Acresce dizer que tal complemento não ficou a constar dos vários contratos de trabalho celebrados pelo Autor, ou seja, a sua atribuição não decorre do próprio contrato de trabalho, o que igualmente afasta a sua natureza retributiva.
E finalmente, o Autor não provou, não obstante ter assinado o acordo de isenção de horário de trabalho celebrado em 2006, ter sempre trabalhado no horário pré-definido pelo Réu, horário que nem sequer alegou qual seria [por isso, declaramos não escrita a al. ii) dos factos não provados por a mesma apenas se traduzir numa conclusão «o Autor, enquanto funcionário do Réu, não praticasse IHT»].
Assim sendo, logrou o Réu provar que o Autor esteve sujeito ao regime de IHT e como tal a quantia que consta dos recibos de vencimento traduz o pagamento da retribuição especial a que se alude no acordo de IHT.
Resta averiguar se tal IHT poderia ter sido declarada cessada pelo Réu, com a consequente retirada da retribuição especial auferida a esse título.
Como já referido, as partes fizeram constar do acordo de IHT que o mesmo vigoraria até que uma das partes o denunciasse com a antecedência mínima de dois meses, ou seja, ficou salvaguardada a possibilidade de denúncia unilateral do regime de IHT [o que é permitido pelo ACT]. E foi o que o Réu fez.
Assim, e pese embora a natureza retributiva do complemento devido a título de IHT, podemos concluir não ter ocorrido violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
Aliás, tem sido este o entendimento do STJ, ao considerar que a prestação por isenção de horário de trabalho apenas é devida enquanto persistir a situação que lhe serve de fundamento, podendo a entidade empregadora suprimir a mesma logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição – acórdão do STJ de 22.09.2011 em www.dgsi.pt.
Neste sentido é também o acórdão desta Secção Social de 10.10.2016 [relatado pela aqui 2ª adjunta] e cujo sumário é o seguinte: “I.O princípio da irredutibilidade da retribuição não é extensivo a toda e qualquer prestação que tenha natureza retributiva, havendo que apreciar, caso a caso, da concreta função ou razão da sua atribuição de tal modo que, cessando licitamente a causa justificativa da sua atribuição, poderá igualmente cessar o pagamento da contrapartida correspondente. II. É este o caso da isenção de horário de trabalho, em que o trabalhador não fica sujeito, na medida da isenção concedida, aos limites do horário de trabalho fixado, podendo, dentro do limite dessa isenção, ser-lhe exigida a prestação de trabalho e sem que o trabalhador possa reclamar o pagamento do correspondente trabalho que seria considerado como suplementar. E, daí, que deva o trabalhador ser por isso compensado com a atribuição de um acréscimo remuneratório, vulgo subsídio de isenção de horário de trabalho. III. Mas, pese embora a natureza retributiva de tal prestação, ela não está sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição, podendo deixar de ser paga se cessar licitamente a causa justificativa da sua atribuição, qual seja a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho”.
Improcede, assim, a pretensão do apelante.
* * * VI
Da violação do direito de ocupação efectiva e do assédio moral.
Concluiu-se na sentença recorrida não ter o Autor demonstrado “a intenção do Réu em o perturbar ou constranger, não se tendo provado os convites para aceitar «despedimento por acordo», nem que haja qualquer tipo de ameaça do Réu nesse sentido. Do que vem sendo exposto resulta que não se provou a permanente pressão no sentido de rescisão, do mesmo modo que também não se provou que o Autor tenha a sua actividade paralisada e que haja uma efectiva violação do direito de ocupação efectiva. É certo que se provou o estado de espírito de tristeza, desgosto e desmotivação, mas isso não implica que os sentimentos do Autor tenham na sua origem uma conduta ilícita por parte do Réu” (…)
O Autor argumenta assim: resulta provado que o Autor foi integrado numa Direcção criada para manter artificialmente ocupados os trabalhadores que rejeitaram os convites para cessação dos contratos de trabalho, por via de rescisão ou passagem à situação de reforma. O Réu qualificou o Autor como «excedentário» e, a par dos outros excedentários, alocou-o a uma unidade orgânica criada para o efeito, que era a de reunir no mesmo local os «indesejados», o que criou condições muito adversas para todos os trabalhadores exercerem a sua função. O Autor teve problemas em cumprir com as suas obrigações por via da retirada da IHT, bem como se sentiu triste, abalado, alterado, receoso, humilhado, por esse facto, e por ter sido colocado na DRBM e ser considerado «excedentário», devendo também ser considerada a actuação do Réu ilícita, pela forma e modo de criação e colocação do Autor na DRBM, merecendo esta, pelos motivos aduzidos nas alegações e matéria de direito a tutela reparadora do direito. Analisemos então.
Nos termos do artigo 129º, nº1, al. b) do CT/2009 “É proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho”.
Da conjugação da factualidade provada resulta não se ter provado que o Autor se encontre desocupado. Na verdade, o facto de ele ter sido colocado na DRBM, por si só, não significa que ele esteja sem efectuar qualquer tarefa. E não estando provada a não ocupação do Autor não há que falar da obrigação do empregador não obstar injustificadamente à prestação efectiva do trabalho.
Passemos agora à questão do assédio.
Determina o artigo 15º do CT/2009 que o empregador e o trabalhador “ gozam do direito à respectiva integridade física e moral”.
Nos termos do artigo 29º do mesmo Código – na redacção dada pela Lei nº73/2017 de 16.08, que entrou em vigor em 01.10.2017 – “ 1. É proibida a prática de assédio. 2. Entende-se por assédio todo o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.
Segundo Maria do Rosário Palma Ramalho o assédio pode revestir várias formas: o assédio sexual e o assédio com conotação sexual, o assédio moral discriminatório e o assédio moral não discriminatório. O assédio moral discriminatório, “em que o comportamento indesejado e com efeitos hostis se baseia em qualquer factor discriminatório que não o sexo (artigo 29º, nº1)” [actual nº2 do mesmo artigo] e o assédio moral não discriminatório, “quando o comportamento indesejado não se baseia em nenhum factor discriminatório, mas, pelo seu carácter continuado e insidioso, tem os mesmos efeitos hostis, almejando, em última análise, afastar aquele trabalhador da empresa (mobbing)” (…) – Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 3ª edição, página 177.
Rita Jorge Pinheiro defende que “o mobbing caracteriza-se pela prática de determinados comportamentos, pela sua duração/repetição e pelas consequências correspectivas, a nível físico e psíquico, sofridas pelo trabalhador às mãos dos seus superiores, colegas, subordinados ou terceiros estranhos ao vínculo contratual. Com efeito, o assédio moral é constituído por situações e comportamentos evolutivos de «exuberância polimórfica», que têm o seu início em pequenos apontamentos de conduta com carácter inofensivo e inócuo, escalando na graduação da violência sub-reptícia empregue para atingir os objectivos do mobber. Estes comportamentos, que na sua individualidade não assumem, necessariamente, carácter ilícito, quando ponderados no seu conjunto, consubstanciam um acto ilícito” – Questões Laborais, nº42, páginas 409/410
Posto isto, avancemos para o caso em apreço. Provou-se: 26. Anteriormente à retirada do IHT, o Autor foi «convidado», por mais do que uma vez, a rescindir o seu contrato de trabalho, por acordo. 27.Tendo o Autor rejeitado todas as propostas de rescisão contratual. 28.Por ter sido considerado pelo Réu como «excedentário», o Autor foi colocado numa unidade orgânica que a Ré criou de novo, denominada Direcção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM). 29. Unidade orgânica essa – a referida DRBM – totalmente composta por trabalhadores considerados excedentários e que rejeitaram as propostas do Réu para que rescindissem os seus contratos de trabalho e/ou passassem à situação de reforma. 74. Internamente o Réu enfrentou dificuldades de mercado, quer no plano dos particulares, com aumento de desemprego, que provocou quebra na poupança e consequentemente nos depósitos, e uma impossibilidade prática de os particulares acederem ao crédito, aliada à dificuldade em cumprirem com as suas obrigações em curso. 75. Quer no plano das empresas, tendo-se registado um aumento de insolvências, o que aumentou as situações de crédito mal parado, obrigando a proceder a aumentos de capital onde os já accionistas participaram com grande presença, e à injecção de capital do Estado, por meios dos conhecidos CoCos. 76. Situação que foi agravada por ter sido chamado, à semelhança de outras instituições financeiras a contribuir para o Fundo de Garantia de Depósitos e Fundo de Resolução, a fim de suportar o funcionamento do sistema bancário, e evitar uma crise sistémica no sector, minorando, pelo menos, o encargo que iria recair sobre os contribuintes. 77.Também no plano internacional o Réu teve de lutar, e continua a fazê-lo actualmente, contra a queda de outras economias onde tinha investimentos muito significativos em relação à sua dimensão, e que entraram em colapso, como foi o caso da Grécia e Roménia, ou de países onde ainda mantém investimentos como em Angola e Polónia, cujas economias por razões diversas, mas públicas, criaram climas económicos de grande adversidade aos investimentos feitos pelo Réu e que inicialmente todos os indicadores apontavam como bons, e que na verdade o foram, até à crise que obrigou o País a requerer ajuda internacional. 78. A intervenção do Estado supra mencionada, obrigava por parte deste, cuja intervenção foi condicionada pelas instituições europeias supervisoras, à imposição de condições duras em muitas das suas vertentes, designadamente na vertente dos recursos humanos do Réu. 79. E que passavam pela reorganização por diminuição do tamanho da sua estrutura, com fusão de Direcções e Departamentos, encerramentos de Agências. 80. E diminuição dos custos com os recursos humanos, que perspectivava um despedimento colectivo. 81.O que foi evitado, mas para o efeito foi necessário, e reconhecido pelos Sindicatos que representam os trabalhadores, proceder à diminuição da massa salarial do Réu, e ao ajuste dos seus recursos humanos. 82. Da articulação entre o Réu e os Sindicatos representativos dos trabalhadores foi possível alcançar um Memorandum de Entendimento, publicado no BTE nº12/2014 de 29.03.2014, e extensível ao Sindicato em que o Autor é filiado por Portaria 113/2014 de 26.05, que procurando a estabilização financeira do Réu, alterou diversas cláusulas do ACT aplicável, designadamente a 156ª. 83. Tendo os trabalhadores admitido a tomada de algumas medidas restritivas dos salários, incluindo a sua não evolução e a realização de cortes salariais, com o compromisso do Banco Réu a não proceder a despedimentos colectivos, se conseguisse com as medidas tomadas, os parâmetros impostos pela Direcção Geral da Concorrência da União Europeia – clª156º-F acrescida pelo mencionado Memorandum. 84. Mas permitindo-se negociar nas melhores condições possíveis a saída de algumas centenas de trabalhadores, que de acordo com o citado Memorandum deveriam ser 7.100 até 2017. 85. O Réu promoveu um conjunto de condições negociais que apresentou aos trabalhadores que desejassem sair do Banco, ou que o Réu com base nas avaliações e prestações desempenhadas ao longo do contrato de trabalho tivesse a percepção de que aportavam menos eficiência. 88. O Réu diminuiu o trabalho de recuperação de crédito atribuído a Empresas externas em regime de outsoursing, para gerar trabalho aos trabalhadores que eram excedentários por força da reorganização imposta ao Réu. 89. A DRBM possui uma actividade que contribui para os resultados do Banco, e a colocação do Autor nessa Direcção garantiu a sua ocupação efectiva. 90. A DRBM é responsável pela recuperação de baixos montantes, actividade que, à data da criação daquela Direcção, era parcialmente assegurada por uma empresa prestadora de serviços, e passou a ser assegurada por trabalhadores do Banco, para viabilizar a sua ocupação.
Para fundamentar o invocado assédio moral o Autor veio alegar que o Réu lhe coarctou o direito à irredutibilidade da remuneração – cessando o pagamento do complemento a título de IHT – e o direito à ocupação efectiva tendo em vista levá-lo a aceitar a resolução do contrato de trabalho por mútuo acordo ou a sua reforma antecipada.
Não se provou a não ocupação efectiva do Autor e concluiu-se pela não violação do princípio da irredutibilidade. E igualmente não se provou que o «corte» do referido complemento visou «pressionar» o Autor a resolver o seu contrato de trabalho por acordo ou «partir» para a reforma antecipada. Aliás, a matéria de facto provada permite concluir que o Réu passou por uma situação de grave sustentabilidade, tendo sido obrigado a recorrer à ajuda do Estado, e que ao assim proceder teve que reduzir custos e suprimir postos de trabalho dando origem a que alguns trabalhadores fossem considerados «excedentários», como foi o caso do Autor.
Deste modo, e não se verificando os pressupostos do invocado assédio, improcede a pretensão do apelante.
* * * VII Da indemnização por danos não patrimoniais.
A Mmª. Juiz a quo concluiu não se terem verificado os pressupostos para a condenação do Réu no pagamento de danos de natureza não patrimonial, já que não se provou a violação do direito de ocupação efectiva e provou-se a licitude da cessação do regime de IHT.
O apelante reclama o direito a ser indemnização com fundamento em condutas ilícitas do Réu que se traduzem na redução da remuneração, da sua não ocupação efectiva e no assédio moral, peticionando a quantia de €20.000,00 a esse título.
Tendo em conta que o Autor não logrou provar qualquer das descritas condutas por parte do Réu necessariamente terá de improceder o pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
* * *
Termos em que se julga a apelação improcedente e se confirma a decisão recorrida.
* * *
Custas da apelação a cargo do apelante.
* * *
Porto, 11.04.2018
Fernanda Soares
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho