RESPONSABILIDADES PARENTAIS
QUESTÕES DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
INTERESSE DO MENOR
Sumário


I. O interesse do menor, que preside à regulação do exercício das responsabilidades parentais passa necessariamente pela garantia das condições materiais, sociais, morais e psicológicas, que possibilitem à criança um desenvolvimento afectivo integral, estável e harmonioso, havendo que atender à idade da criança, sexo, grau de desenvolvimento e relacionamento com os progenitores.
II. Quanto aos progenitores há que atender à sua capacidade na satisfação das necessidades do filho, salientando-se o afecto que nutrem pela criança, a sua dedicação ao bem-estar desta e ainda as condições morais e económicas tendentes a proporcionar-lhe um ambiente familiar adequado ao seu desenvolvimento e crescimento.
III. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho devem ser exercidas em comum por ambos os progenitores, só podendo este exercício conjunto ser afastado, quando contrário ao interesse da criança, por decisão fundamentada do tribunal.
IV. O clima de crispação entre os pais, por si só, não é suficiente para afastar um dos progenitores da decisão quanto aos assuntos de particular importância para a vida do filho.
V. As dificuldades de relacionamento entre os progenitores, na sequência de separação ocorrem em muitos casos, para não se dizer na maioria, cabendo-lhes saber distinguir, a ambos, em prol do interesse das crianças, o que são as suas divergências pessoais daquilo em que devem convergir para o bem-estar dos filhos comuns.

Texto Integral


Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – Relatório
1. Nos presentes autos de alteração da regulação das responsabilidades parentais, instaurados na sequência da alegação pelos progenitores, AA e BB, de incumprimentos recíprocos quanto ao regime de convívio dos filhos comuns, CC, DD e EE, fixado em anterior acordo de regulação das responsabilidades parentais [realizada a conferência a que alude o artigo 42º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro, à qual faltaram os requeridos, solicitada à segurança social a recolha e elaboração de informação sobre as condições de ambos os progenitores para o exercício das responsabilidades parentais relativas às crianças e circunstâncias relevantes para a definição da guarda e termos de convívio com o progenitor não residente e fixação de pensão de alimentos, que constam de fls. 134 a 137 e 148 a 152 e foram notificadas aos progenitores nos termos e para os efeitos do artigo 25º do citado diploma, após realização das demais diligências instrutórias (designadamente a audição das crianças EE e DD no âmbito dos respectivos processos de promoção e protecção, que foram apensados aos autos principais) e ouvido o Ministério Público], foi proferida sentença, na qual se decidiu “ao abrigo do preceituado nos artigos 42º e segs. do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, e 1905, 1906, 1912 e 2003 do Código Civil, proceder à alteração da regulação das responsabilidades parentais relativamente às crianças CC, DD e EE, filhas de AA e BB nos seguintes termos:
1. As crianças DD e EE fixam residência com o progenitor.
2. As responsabilidades parentais relativas aos assuntos correntes e os assuntos de particular importância para a vida das crianças CC (na parte não afectada pela medida protectiva de apoio para autonomia de vida), DD e EE, serão exercidas, em exclusivo, pelo progenitor.
3. O convívio entre as crianças DD e EE e a progenitora ocorrerá na localidade de residência daquelas, um dia em cada fim-de-semana (das 10h00 às 21h30), podendo as crianças tomar uma refeição com a progenitora no dia de natal (25 de Dezembro), no primeiro dia do ano (1 de Janeiro) e no Domingo de Páscoa, bem como tomar uma refeição com a progenitora no dia dos respectivos aniversários e no dia de aniversário desta (sempre na localidade de residência das crianças).
4. O regime de convívios das crianças com a progenitora será suspenso durante o período em que estas estiverem de férias com o progenitor (assegurando-se, contudo, que as crianças tomam uma refeição com a progenitora no dia de natal ou no primeiro dia do ano), o qual não poderá ser superior a 20 dias.
5. Nos fins-de-semana em que as crianças estiverem fora da localidade de residência o convívio das mesmas com a progenitora será assegurado com a toma de uma refeição com a progenitora num dia da semana seguinte, sem prejuízo do horário escolar das crianças.
6. A progenitora contribuirá com a quantia mensal de € 50 (cinquenta euros) por cada criança, DD e EE, a título de pensão de alimentos, a pagar até ao dia 8 de cada mês e que será actualizada em Janeiro de cada ano de acordo com a taxa de inflação.
7. Cessa a obrigação do progenitor entregar à progenitora qualquer quantia a título de alimentos no que diz respeito à Jéssica.”

2. Inconformada veio a requerida interpor recurso, concluindo pelo pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais relativas aos menores nos seguintes termos [segue transcrição das conclusões do recurso]:
a) Não existe fundamento, nem está devidamente fundamentada, a decisão de atribuição do exercido exclusivo das responsabilidades parentais ao pai;
b) A decisão de atribuição do exercício exclusivo das responsabilidades parentais ao pai deverá ser mudada para:
2. As responsabilidades parentais relativas aos assuntos correntes caberão ao progenitor com quem as crianças estiverem no momento, sendo as responsabilidades parentais relativas aos assuntos de particular importância exercidas em conjunto por ambos os progenitores.
c) O regime de visitas estabelecido não permite uma relação de grande proximidade com a mãe.
d) Não existe fundamento para que tenha sido estabelecido um regime de convívio com a mãe tão rígido e limitativo dos contactos entre esta e as crianças.
e) É nosso modesto entendimento que as cláusulas n.º 3 a 5 do acordo deverão ser alteradas, permitindo-se um convívio das crianças com a mãe mais próximo e producente que o actual, nomeadamente:
I. Deverá ser estabelecido que a mãe poderá ter as crianças consigo um fim de semana de quinze em quinze dias, de sexta, após as actividades escolares, a Domingo;
II. Isto, sem prejuízo de poder visitar os menores e com estes tomar uma refeição um dia por semana, se assim lhe for possível;
III. Mais deverá ser estabelecido que metade de todo o período das férias escolares das crianças deverão ser passadas com a mãe;
IV. Deverá ser ainda estabelecido que as crianças passarão a véspera de Natal com a Mãe e o dia de Natal com o Pai, alternando-se sucessivamente nos anos seguintes;
V. A passagem de ano deverá ser passada alternadamente com cada um dos progenitores;
VI. No dia do seu aniversário, as crianças tomarão uma refeição com cada um dos progenitores;
VII. Os custos com as viagens feitas pelas crianças, para convívio com a mãe, deverão ser repartidos por ambos os progenitores.
f) Foi violado o art.º 1906.º n.º 1, n.º 5 e n.º 7 do Código Civil.

3. Contra-alegou o Ministério Público pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

4. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Entretanto, foram juntos aos autos diversos requerimentos e documentos dando conta de situações de eventuais incumprimentos da decisão tomada nos presentes autos, que deram origem à abertura de apensos por incumprimento (cf. despachos de 12/09/2017 e de 20/09/2017, e despacho de 19/09/2017 do relator nos presentes autos).
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a decidir:
(i) Se deve ser alterada a decisão quanto ao exercício das responsabilidades parentais, que na sentença foi atribuído em exclusivo ao pai; e
(ii) Se deve ser modificado o regime de visitas.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. CC, DD e EE, nascidos a 23.05.2000, 19.03.2004 e 16.01.2007, respectivamente são filhos de AA e BB.
2. Por decisão homologatória do acordo dos progenitores proferida a 15.10.2008, no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais das crianças, foi fixada a residência das mesmas com a progenitora mantendo os progenitores, em conjunto, o exercício das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância para a vida das mesmas; foi fixado um regime de visitas das crianças ao progenitor não residente e fixada pensão de alimentos a cargo do progenitor no montante de € 450,00 bem como a comparticipação, em partes iguais, dos progenitores nas despesas de saúde e de educação das crianças, mediante apresentação de comprovativo.
3. Por sentença datada de 12.01.2012, proferida no âmbito do processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais (actual apenso D), intentado pelo progenitor contra a progenitora, a requerer a alteração da residência das crianças, foi homologado acordo de alteração da regulação das responsabilidades parentais com pormenorização do regime de convívio e contactos entre o progenitor e as crianças.
4. O progenitor deduziu incidente de incumprimento contra a progenitora (actual apenso C), alegando incumprimento do regime de convívio com os filhos e no âmbito da conferência de pais datada de 30.04.2014, foi proferida sentença que homologou o acordo dos progenitores no sentido de manterem o regime de visitas constante do acordo de alteração das responsabilidades parentais, desistindo o progenitor do pedido de indemnização formulado e retomando-se de imediato o convívio entre o progenitor e os menores.
5. Após o aludido acordo quer o progenitor quer a progenitora juntaram aos autos diversos documentos a suscitarem o incumprimento do acordo de alteração das responsabilidades parentais quanto ao regime de convívio e visitas das crianças.
6. As crianças deixaram de visitar o progenitor em Julho de 2014, alegando a CC desentendimentos com o progenitor aquando de uma visita ao mesmo e não actuando a progenitora por forma a retomar os aludidos contactos.
7. A progenitora, entretanto, veio a ter outro filho do seu último companheiro, actualmente com 2 anos de idade.
8. Durante o tempo em que viveram com a progenitora e apesar desta não ter trabalho a CC e os irmãos limpavam a casa, arrumavam os quartos e tomavam conta do irmão mais novo.
9. Em Julho de 2015 a progenitora foi residir para Beja, com os filhos.
10. A CC apresentava grande absentismo escolar e acabou por abandonar a escola.
11. A progenitora apesar de contactada pela escola nunca compareceu na mesma nem mostrou interesse pelo assunto.
12. A referida situação foi reportada à CPCJ de Beja, que iniciou processo de promoção e protecção.
13. Entretanto e após a CC ter iniciado uma relação de namoro com um individuo com 22 anos de idade, a que a mãe inicialmente não se opôs, a progenitora dos menores foi residir para São Matias com a CC, o DD, a EE e o FF (filho do último relacionamento da progenitora) e os quatro passaram a integrar o agregado familiar dos avós maternos, composto também por dois irmãos da progenitora (um rapaz com 22 e uma rapariga, a GG, com 13 anos de idade).
14. Todavia e na sequência de uma discussão entre a progenitora e a CC esta fugiu de casa no dia 1 de Março de 2016 e pernoitou em casa do namorado, o que veio a dar origem ao acolhimento judicial urgente da CC por decisão proferida a 04.03.2016.
15. Com data de 01 de Junho de 2016 e porque a mesma se recusava a integrar o agregado familiar de qualquer um dos progenitores foi proferida decisão que homologou o acordo de promoção e protecção no âmbito do qual a jovem e os progenitores acordaram na aplicação da medida de promoção e protecção de acolhimento residencial pelo período de 6 meses.
16. Com data de 23.06.2016 a CC fugiu da instituição e apenas retomou à mesma a 28.10.2016, em execução de mandados de condução, tendo encetado fuga no dia seguinte.
17. Durante o período em que esteve ausente da instituição a CC ora contactava com o progenitor ora contactava com a progenitora mas recusava sempre integrar o agregado familiar dos mesmos, mantendo-se a residir com o namorado e integrando ambos o agregado familiar deste.
18. Em 25 de Novembro de 2016 foi proferida sentença que homologou acordo de promoção e protecção com aplicação à jovem CC da medida de promoção e protecção de apoio para autonomia de vida pelo período de 12 meses, com revisões semestrais, com vista à proporcionar à CC autonomia que a habilite a viver por si só e adquirir progressivamente autonomia de vida, promovendo-se acções com vista ao reforço dos laços da mesma com os progenitores.
19. Actualmente a jovem CC rompeu a relação de namoro com o HH e integra o agregado familiar de uma irmã deste, maior.
20. DD e EE passaram a integrar o agregado familiar do progenitor na sequência de processo de promoção e protecção e após a progenitora os ter entregue ao progenitor em Junho de 2016, depois de ter abandonado, com a sua mãe e irmã GG, a casa do padrasto, na sequência de uma discussão com este, e uma vez que não tinha condições para ter as crianças na sua companhia.
21. Em 13 de Junho de 2016 foi subscrito acordo de promoção e protecção referente às crianças DD e EE, com aplicação da medida de apoio junto do progenitor, por seis meses.
22. O agregado familiar do progenitor é composto pelo mesmo, pela sua actual companheira e uma filha do casal, com 7 anos de idade e reside numa ampla moradia familiar, que dispõe de quatro quartos com casas de banho próprias, implantada numa quinta, com terreno circundante, dispondo de comodidades e indicadores de conforto (espaço e equipamentos lúdicos – piscina), apresentando a casa condições de comodidade, higiene e arrumação;
23. As crianças DD e EE integraram, nessa altura, os estabelecimentos de ensino (a EE integrou o 4º ano e o DD o 7º), apresentando resultados positivos e evolução positiva.
24. Enquanto se encontram com o progenitor as crianças apresentam-se no estabelecimento de ensino de forma assídua e pontual e o progenitor revela-se como pessoa interessada e solícita.
25. O progenitor acompanha as crianças em consultas de especialidade nas áreas que carecem (IRIS/estomatologia/correcção dentária e urologia).
26. As crianças participam com agrado e sem imposições nas tarefas e rotinas familiares, em moldes compatíveis com a sua idade e desenvolvimento (fazem a cama e põem a mesa) em paridade com a irmã consanguínea.
27. O DD e a EE são envolvidos pelo progenitor em actividades lúdicas familiares conjuntas.
28. O progenitor propicia o contacto dos filhos com a família materna, mantendo estes contacto com os avós maternos e a irmã Jéssica e também com a progenitora (embora as conversas entre a progenitora e os filhos seja efectuada em alta voz e ouvidas pelo progenitor).
29. O progenitor aufere remuneração enquanto membro de órgão estatutário de duas empresas, auferindo remuneração mensal superior a 900€.
30. A progenitora, após deixar os filhos com o progenitor, foi residir para casa do avô/bisavô das crianças, em Setúbal, com o filho de 2 anos de idade e a irmã GG.
31. Pouco depois passou a residir, também em Setúbal, mas num apartamento cedido por um terceiro, composto por dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma casa de banho, dormindo com o filho FF num quarto e a GG (irmã) no outro.
32. Em Outubro de 2016 iniciou trabalho em part-time como assistente operacional no Hospital de Outão, auferindo uma remuneração de € 371,00.
33. No entanto cessou tal actividade no mês seguinte e não lhe é conhecida outra actividade desde então.
34. Após a EE ter ido passar consigo o Natal de 2016 (o DD recusou) e porque a mesma pedia para ficar a residir consigo a progenitora não voltou a entregar a criança ao progenitor e a EE esteve um período de tempo sem frequentar as aulas.
35. A situação acabou por implicar a inscrição da EE na escola da área de residência da progenitora.
36. A EE sente afecto por ambos os progenitores mas pretender ficar a residir com a progenitora, com quem sente maior afinidade.
37. O DD sente afecto por ambos os progenitores mas pretende manter residência com o progenitor.
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B) – O Direito
1. Na sentença recorrida procedeu-se à alteração das responsabilidades parentais dos filhos comuns dos requeridos, fixando-se a residência das crianças DD e EE com o progenitor, ao qual se atribuiu em exclusivo o exercício das responsabilidades parentais relativas aos assuntos correntes e aos assuntos de particular importância na vida das crianças, sendo em relação à CC na parte não afectada pela medida protectiva de apoio para autonomia de vida referida nos autos, e estabeleceu-se um regime de visitas à progenitora.
A recorrente discorda desta decisão no que respeita à atribuição do exercício em exclusividade das responsabilidades parentais ao pai, por entender que não existe fundamento para tanto, e quanto ao regime de visitas fixado, alegando que não permite uma relação de grande proximidade com a mãe, propondo um regime mais alargado.

2. A alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais está prevista e regulada no artigo 42º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro), correspondente ao anterior (revogado) artigo 183º da OTM.
Como decorre do n.º 1 daquele preceito, “[q]uando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais”
Em matéria de regulação/alteração do exercício das responsabilidades parentais, a decisão do tribunal deve ser sempre norteada pelo interesse superior da criança (consagrado no artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança), atendendo às circunstâncias concretas do momento em que é proferida.
Nos termos do artigo 1906.º do Código Civil, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores (n.º 1); quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores (n.º 2), sendo que o exercício das responsabilidades parentais relativas aos actos da vida corrente do filho cabe ao progenitor com quem ele reside habitualmente, ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente (n.º 3). Estabelece o mesmo preceito que “o tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro” (n.º 5).
Com relevância, o mesmo artigo 1906.º determina que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles (n.º 7).
E este interesse do menor passa necessariamente pela garantia das condições materiais, sociais, morais e psicológicas, que possibilitem à criança um desenvolvimento afectivo integral, estável e harmonioso, havendo que atender à idade da criança, sexo, grau de desenvolvimento, relacionamento com os progenitores, bem como a sua capacidade de adaptação ao ambiente extra familiar.
Releva ainda a capacidade dos progenitores na satisfação das necessidades do filho, salientando-se o afecto que nutrem pela criança, a sua dedicação ao bem-estar desta e ainda as condições morais e económicas tendentes a proporcionar um ambiente familiar adequado ao desenvolvimento e crescimento do menor.

3. Na decisão recorrida procedeu-se à alteração do regime da regulação até então vigente com os seguintes fundamentos:
«(…) No caso temos que no âmbito da regulação inicial das responsabilidades parentais das crianças CC, DD e EE, a residência das mesmas foi fixada com a progenitora e foi estabelecido um regime de visitas ao progenitor, regime este cujos sucessivos incumprimentos conduziram à presente acção.
No decurso da presente acção a CC, já com 16 anos de idade, veio a incompatibilizar-se com os seus progenitores, dos quais ganhou autonomia (com a aplicação de medida protectiva de apoio para a autonomia de vida), tornando inútil, nesta altura, qualquer tomada de posição quanto à sua residência e convívio.
No caso das crianças DD e EE, verificou-se que, depois de um largo período de interrupção de visitas ao progenitor, passaram a integrar o agregado familiar deste na sequência de um acordo de processo de promoção e protecção e pela circunstância da progenitora não ter condições (pessoais, profissionais e habitacionais) para os manter consigo.
Numa visita da EE à progenitora aquela pediu-lhe para ficar a residir consigo e a progenitora recusou a sua entrega ao progenitor, claramente contra o acordado no âmbito do acordo de promoção e protecção, com consequências negativas para a Iris que ficou sem frequentar a escola durante alguns dias.
Segundo ressalta da matéria de facto provada as crianças, apesar das suas eventuais preferências, demonstram sentir afecto por ambos os progenitores.
O progenitor reúne as condições desejáveis ao normal e estável desenvolvimento destas crianças.
Já a progenitora, apesar do afecto que possa sentir pelos filhos, não reúne as mesmas condições para assegurar um estável e normal desenvolvimento das crianças (a sua vida, há mais de dois anos, é pautada pelo desemprego, por alterações sucessivas de residência e instabilidade emocional e financeira).
Para além do mais não promoveu, ao longo dos anos e contra aquilo que lhe era exigível enquanto progenitora guardiã, que os filhos mantivessem contacto ou uma boa relação com o progenitor.
Assim sendo não existem dúvidas que, apesar da preferência da Iris por fixar residência com a progenitora, esta não reúne, de momento, as condições para ter os filhos a seu cargo pelo que se decide fixar a residência das crianças com o progenitor, por se este que em melhores condições se encontra de proporcionar um estável desenvolvimento aos filhos.
O clima de constante crispação entre os progenitores é impeditivo da partilha das responsabilidades parentais pelo que o tribunal decide atribuir ao progenitor, em exclusivo, o exercício das responsabilidades parentais das crianças CC, EE e DD, sem prejuízo do progenitor ter a obrigação de dar conhecimento à progenitora, das circunstâncias de particular importância para a vida dos filhos.
No que concerne ao convívio das crianças com a progenitora, atenta a necessidade daquelas não serem sucessivamente confrontadas com as alterações de residência da progenitora e para que não volte a suceder o que sucedeu com a EE, sem esquecer o afecto que une as crianças à mãe e que é do interesse das mesmas manterem relação afectiva com ambos os progenitores, o tribunal entende que esse convívio deverá ser efectuado na localidade de residência das crianças, um dia em cada fim-de-semana (das 10h00 às 21h30), podendo as crianças tomar uma refeição com a progenitora no dia de natal (25 de Dezembro), no primeiro dia do ano (1 de Janeiro) e no Domingo de Páscoa, bem como tomar uma refeição com a progenitora no dia dos respectivos aniversários e no dia de aniversário desta (sempre na localidade de residência das crianças).
O regime de convívios das crianças com a progenitora será suspenso durante o período em que estas estiverem de férias com o progenitor (assegurando-se, contudo, que as crianças tomem uma refeição com a progenitora no dia de natal ou no primeiro dia do ano), o qual não poderá ser superior a 20 dias.
Nos fins-de-semana em que as crianças estiverem fora da localidade de residência o convívio das mesmas com a progenitora será assegurado com a toma de uma refeição com esta num dia da semana seguinte, sem prejuízo do horário escolar das crianças.»

4. Como decorre do excerto decisório que transcrevemos a alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais, no que respeita à guarda dos menores surgiu na sequência de sucessivos incumprimentos e incapacidade da progenitora para propiciar aos menores o contacto e convívio com o pai e, principalmente por se haver concluído que a progenitora, com a qual as crianças anteriormente residiam, fruto da situação de desemprego, sucessivas alterações de residência e instabilidade emocional e financeira, era incapaz de assegurar um estável e normal desenvolvimento das crianças.
Convém recordar que a progenitora, por não ter condições de manter as crianças DD e EE na sua companhia, por ter saído de casa do padrasto onde com elas residia, com a sua mãe e irmã, entregou-as ao progenitor em Junho de 2016, tendo as crianças ficaram a residir com este no âmbito da medida de promoção e protecção de apoio ao progenitor fixada nos processos de promoção e protecção apensos aos presentes autos.
A fixação da residência das crianças junto do progenitor, mais não é do que o culminar desta situação de entrega provisória e encontra ainda justificação no facto ser o progenitor quem reúne as condições imprescindíveis a uma estabilidade de vida e ao são desenvolvimento físico e mental das crianças, que a vivencia em família propiciam, como os factos provados evidenciam, sem esquecer o contacto com a família materna.

4. Mas a recorrente não se insurge com a fixação da residência das crianças junto do progenitor (estamos apenas a referir-nos ao DD e à EE, porquanto a CC está sujeita a uma medida autónoma no âmbito do respectivo processo de promoção e protecção). O seu inconformismo reside, em primeiro lugar, no facto de se ter atribuído ao progenitor o exercício exclusivo das responsabilidades parentais quanto aos assuntos correntes e aos assuntos de particular importância para a vida das crianças, propondo, em alternativa, que “as responsabilidades parentais relativas aos assuntos correntes caberão ao progenitor com quem as crianças estiverem no momento, sendo as responsabilidades parentais relativas aos assuntos de particular importância exercidas em conjunto por ambos os progenitores”.
Diz a recorrente, a este respeito que a Lei n.º 61/2008 de 31 de Outubro, que acolheu grande parte dos princípios do Direito da Família Europeu Relativos às Responsabilidades Parentais, publicados em 2007, na sequência do trabalho realizado pela Comissão de Direito da Família Europeu, adoptando a regra do exercício comum das responsabilidades parentais, como resulta da redacção actual do artigo 1906.° do Código Civil, e que qualquer excepção a esta regra, do exercício conjunto das responsabilidades parentais nas questões de particular importância, deverá ser fundamentada, e, no caso, o clima de crispação entre os pais, em que se fundamentou a sentença, não é suficiente para impedir a partilha das responsabilidades parentais.
De facto, o único argumento que encontramos na decisão recorrida para afastar a partilha das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância relativas à vida das crianças é, efectivamente, “o clima de constante crispação entre os progenitores”, o que se nos afigura insuficiente para implementação da restrição do exercício destas responsabilidades.
Na verdade, embora a dificuldade de relacionamento entre os progenitores dificulte a tomada de decisões conjuntas, este critério, por si só, não pode servir de obstáculo a uma tal medida restritiva. É necessário algo mais, designadamente que esteja provada a incapacidade ou o desinteresse do progenitor visado em tomar ou participar nessas decisões, o que não se verifica ser o caso.
Infelizmente, as dificuldades de relacionamento entre os progenitores, da sequência de separação ocorre em muitos casos, para não se dizer na maioria, cabendo-lhes saber distinguir, a ambos, em prol do interesse das crianças, o que são as suas divergências pessoais daquilo em que devem convergir para o bem-estar dos filhos comuns.
Assim, se quanto aos assuntos correntes se compreende que atento o facto de as crianças residirem com o progenitor e com este passarem a maior parte do tempo, face ao regime de visitas implementado, deve competir a este o exercício das responsabilidades parentais relativas quanto aos assuntos correntes da vida das crianças DD e EE, já não se encontra justificação, em face da factualidade assente neste momento, e é com esta que se decide a questão, para a restrição ao exercício conjunto das responsabilidades parentais quanto às questões relativas aos assuntos de particular importância para a vida das crianças, impondo-se a alteração da decisão recorrida neste aspecto.

5. Quanto ao regime de visitas, não obstante concordarmos com a recorrente no sentido de que o regime imposto é restritivo dos contactos das crianças DD e EE com a mãe, posto que com a restante família materna e com a irmã CC está provado que o progenitor propicia esses contactos (cf. ponto 28 dos factos provados), em face da factualidade apurada nos autos, não vemos que neste momento haja margens para a alteração pretendida pela progenitora, no sentido de poder passar com as crianças um fim-de-semana de 15 em 15 dias, e de as ter consigo metade do período de férias, e bem assim a alteração pedida quanto aos períodos festivos.
E tal impossibilidade resulta não só de a progenitor residir a cerca de 300 Km da residência das crianças, como diz nas alegações, como pelo facto de não ter condições económicas para fazer deslocar as crianças, pois está desempregada, e não vemos como se possa exir que seja o progenitor a custear as deslocações. Se é difícil à progenitora deslocar-se para ver as crianças, muito mais difícil será custear a sua deslocação ao Algarve para levar as crianças consigo para Setúbal, depois entrega-las em casa do progenitor e, por fim regressar à sua residência em Setúbal.
Acresce que, face às mudanças de residência verificadas nos últimos anos, não está demonstrado que a progenitora tenha também habitação com o mínimo de condições para manter consigo as crianças aos fins-de-semana e em períodos de férias.
Veja-se, por exemplo, que o último apartamento que se sabe ter sido habitado pela recorrente em Setúbal foi cedido por um terceiro, só tem dois quartos e o filho FF já dormia num quarto e a irmã Iara no outro.
A esta situação de precaridade económica e habitacional junta-se ainda a necessidade de acautelar que situações como a que sucedeu no Natal de 2016, em que a progenitora não entregou a EE ao pai e que acabou por implicar a inscrição da criança em escola da área de residência da progenitora. Recorda-se a este respeito que a criança EE tinha sido entregue ao pai no âmbito do acordo de promoção e protecção de 13 de Junho de 2016.
Atentas estas circunstâncias o regime de visitas implementado, embora não seja o desejável, é o possível no momento, sem prejuízo, como nos parece evidente, poder vir a ser alterado, em face de incumprimentos ou alteração das circunstâncias que presidiram à sua estipulação.

6. Porém, não encontramos fundamento para a inclusão na regulação da cláusula 5ª, tal como está redigida, onde se estipula que “nos fins-de-semana em que as crianças estiverem fora da localidade de residência o convívio das mesmas com a progenitora será assegurado com a toma de uma refeição com a progenitora num dia da semana seguinte, sem prejuízo do horário escolar das crianças.”
Uma tal cláusula propicia ao incumprimento da regulação, bastando que para isso o pai faça deslocar as crianças para fora da localidade de residência, para que a progenitora não possa estar com elas no dia que lhe compete nesse fim-de-semana, limitando-se os contactos à “toma de uma refeição com a progenitora num dia da semana seguinte”, o que implicará, no caso de entretanto a progenitora estar a trabalhar não se poder deslocar ao Algarve para ver os filhos. Não queremos com isto dizer que tal cláusula será aproveitada para tal fim, situação em que teria que se intervir imediatamente, mas dado o clima de crispação entre os progenitores a situação deve ficar devidamente acautelada.
Assim, tal cláusula deve ser alterada de modo a que quando as crianças não se encontrem na localidade da residência ao fim-de-semana, seja por razões escolares, desportivas ou até por lazer, a mãe tenha direito a estar elas nos 2 dias do fim-de-semana imediato (em vez de um dia apenas), nas condições referidas na cláusula 3ª, devendo o progenitor dar prévio conhecimento à progenitora daquela ausência, para evitar a sua deslocação.

7. Embora resulte do que acima já se disse, não é por demais salientar que as decisões tomadas, ainda que confirmadas em recurso, podem ser alteradas, posto que ocorra alteração das circunstâncias que presidiram à sua prolação, como resulta do n.º 1 do artigo 42º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
E fazemos esta ressalva em face dos vários requerimentos juntos aos autos já em fase de recurso, quer quando o processo se encontrava ainda em 1ª instância, quer após a sua remessa a esta Relação, que foram objecto de despacho, em que eram relatadas situações de incumprimentos e até de eventuais situações de perigo, que deram origem a abertura dos competentes incidentes, onde estão a ser averiguadas, e comunicação aos processos respectivos, que não foram nem podiam ser apreciadas neste recurso, e que poderão vir a resultar em posterior alteração da decisão aqui tomada.

8. Deste modo, procede parcialmente a apelação, alterando-se a decisão recorrida em conformidade com o acima decidido.

C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. O interesse do menor, que preside à regulação do exercício das responsabilidades parentais passa necessariamente pela garantia das condições materiais, sociais, morais e psicológicas, que possibilitem à criança um desenvolvimento afectivo integral, estável e harmonioso, havendo que atender à idade da criança, sexo, grau de desenvolvimento e relacionamento com os progenitores.
II. Quanto aos progenitores há que atender à sua capacidade na satisfação das necessidades do filho, salientando-se o afecto que nutrem pela criança, a sua dedicação ao bem-estar desta e ainda as condições morais e económicas tendentes a proporcionar-lhe um ambiente familiar adequado ao seu desenvolvimento e crescimento.
III. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho devem ser exercidas em comum por ambos os progenitores, só podendo este exercício conjunto ser afastado, quando contrário ao interesse da criança, por decisão fundamentada do tribunal.
IV. O clima de crispação entre os pais, por si só, não é suficiente para afastar um dos progenitores da decisão quanto aos assuntos de particular importância para a vida do filho.
V. As dificuldades de relacionamento entre os progenitores, na sequência de separação ocorrem em muitos casos, para não se dizer na maioria, cabendo-lhes saber distinguir, a ambos, em prol do interesse das crianças, o que são as suas divergências pessoais daquilo em que devem convergir para o bem-estar dos filhos comuns.
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
a) Alterar os pontos 2 e 5 da regulação das responsabilidades parentais relativas às crianças CC, DD e EE, filhas de AA e BB, que passam a ter o seguinte teor:
2. As responsabilidades parentais relativas aos assuntos correntes da vida das crianças DD e EE são exercidas pelo progenitor e as referentes aos assuntos de particular importância para a vida das crianças CC (na parte não afectada pela medida protectiva de apoio para autonomia de vida), DD e EE, serão exercidas em conjunto por ambos os progenitores.

5. Nos fins-de-semana em que as crianças estiverem fora da localidade de residência a progenitora poderá conviver com as crianças DD e EE nos 2 dias do fim-de-semana imediato, das 10h00 às 21h00 de cada um dos dias, devendo o progenitor comunicar previamente à progenitora tal ausência.

b) Confirmar a sentença recorrida quanto ao mais decidido.

Custas a cargo da recorrente e recorrido na proporção de ½ para cada, sem prejuízo do apoio judiciário.

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Évora, 26 de Abril de 2018

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(Francisco Xavier)

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(Maria João Sousa e Faro)

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(Florbela Moreira Lança)