CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
INDICAÇÃO DO MOTIVO JUSTIFICATIVO
TRABALHADOR IMPEDIDO TEMPORARIAMENTE DE PRESTAR TRABALHO
SUBSTITUIÇÃO
MESMO POSTO DE TRABALHO
POSTO DE TRABALHO DIVERSO
NÚCLEO ESSENCIAL DAS FUNÇÕES
Sumário

I - A exigência legal da indicação do motivo justificativo é uma consequência do caráter excepcional que a lei atribui à contratação a termo e do princípio da tipicidade funcional que se manifesta no art.º 140.º: o contrato só pode ser (validamente) celebrado para certos fins e na medida em que estes o justifiquem.
II - Para que a substituição de trabalhador impedido temporariamente de prestar trabalho seja possível e conforme às exigências legais, não é forçoso que o trabalhador substituto contratado a termo vá desempenhar exactamente as mesmas funções que eram exercidas pelo substituído. Se a força de trabalho deste último, desde que salvaguardados os seus direitos, podia ser utilizada consoante a entidade empregadora entendesse mais adequado e necessário, não se vê razões objectivas para se impor que o trabalhador contratado a termo para o substituir não possa ser colocado em posto de trabalho diverso, desde que o núcleo essencial das funções que vai executar tenha correspondência com aquelas que eram desempenhadas pelo trabalhador substituído.
III - A locução “mesmo posto de trabalho” do n.º1, do art.º 143.º do CT tem em vista “as concretas tarefas desempenhadas pelo trabalhador a substituir, o que acentua a ideia de individualização do posto de trabalho”. Não basta “o exercício das mesmas funções para que se possa concluir pela existência do mesmo posto de trabalho, pois a ideia de individualização do posto de trabalho (um posto, um homem), liga-o às funções prestadas por um trabalhador num determinado contexto organizativo e numa concreta estrutura hierárquica em que esteja inserido”.

Texto Integral

APELAÇÃO n.º 27258/15.8T8PRT.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 B... intentou a presente acção declarativa, como processo comum, emergente contrato individual de trabalho, contra C..., E.P.E., pedindo a que seja julgada procedente, em consequência:
a) Considerando-se o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e Ré, em 06 de janeiro e 2010, como um contrato de trabalho por tempo indeterminado, concomitantemente declarando-se a nulidade do contrato de trabalho celebrado a 04 de junho de 2011;
b) Considerando-se como ilícito o despedimento levado a cabo pela Ré, e em consequência:
c) Condenando-se a Ré a pagar à Autora a indemnização legal bem como demais créditos salariais, tudo computado em € 6.325,39 (podendo-se compensar a importância que a Autora já declarou ter recebido da Ré e que importa o valor de € 4.680,02), ou à reintegração da Autora, caso seja esta a sua escolha a efectuar até ao termo da discussão em Audiência Final de Julgamento;
d) Condenando-se a Ré a pagar todas as remunerações que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
e) Condenando-se a Ré a pagar à Autora o trabalho suplementar prestado, na importância que se vier a apurar em sede de incidente de liquidação nos termos do art.º 378.º do CPC.
Para sustentar os pedidos alegou, no essencial, que foi admitida, por contrato de trabalho a termo incerto celebrado a 06 de Janeiro de 2011, para desempenhar para a R. as funções de enfermeira em substituição de uma colega de trabalho temporariamente ausente, colega que, quando regressou ao serviço, foi integrada em unidade diversa daquela onde a A. sempre laborou.
Em 04 de Junho de 2011, no dia imediatamente subsequente à cessação daquele primeiro contrato, celebrou um outro com a R., igualmente a termo incerto e para desempenhar as mesmas funções, mas desta vez mencionando-se como justificação a substituição um seu colega que, quando se ausentou temporariamente do C... e quando a este regressou, não trabalhava no serviço de cuidados paliativos, no qual a A., desde o início da contratação até à cessação do vínculo laboral, sempre cumpriu as suas funções de Enfermeira.
Este contrato foi feito cessar por comunicação da Ré de 13 de Abril de 2015, com efeitos em 13 de junho de 2015, em virtude da extinção do motivo da contratação, ou seja, pelo suposto regresso do trabalhador enfermeiro.

Defende que o segundo contrato de trabalho a termo incerto é nulo, pois foi uma fuga à convalidação num vínculo sem termo, caso típico de fraude à lei. Em consequência, o contrato de trabalho a termo incerto celebrado a 06 de Janeiro de 2011, convalidou-se num contrato de trabalho por tempo indeterminado.
A Ré não pode invocar a caducidade do contrato de trabalho celebrado a 04 de Junho de 2011, por se estar perante um verdadeiro contrato de trabalho por tempo indeterminado. Ao fazê-lo, consubstanciou um despedimento ilícito.
Finalmente, alegou ter direito ao pagamento de todo o trabalho suplementar que prestou e que não lhe foi pago pela Ré, mas não conseguir calcular o respectivo valor, dado os registos de ponto encontrarem-se na posse da Ré, dizendo que essa importância deverá ser apurada em sede de incidente de liquidação.
Procedeu-se a audiência de partes, não se tendo logrado obter o acordo.
Notificada para o efeito, a A Ré veio contestar, contrapondo que no primeiro contrato de trabalho firmado, a substituição foi direta e no segundo foi indireta, sendo que ambas as substituições são legalmente permitidas, aduzindo que na gestão de recursos humanos de enfermagem, estas substituições não podem deixar de ser implementadas nestes termos, por substituições indirectas, através de ‘mobilidade interna’ para a melhor eficácia dos serviços e integração harmoniosa dos trabalhadores, sempre que o concreto posto de trabalho temporariamente vago exija uma diferenciação que o profissional recrutado no exterior não detenha.
Alega, ainda, que é uma entidade pública empresarial integrada na Administração indirecta do Ministério da Saúde, estando sujeita à legalidade substantiva e adjectiva de contratação de recursos humanos e ainda à legalidade da tutela administrativa. Os contratos de trabalho, mesmo a termo resolutivo não seguem integralmente as normas do Código do Trabalho no que concerne à conversão dos contratos, vigorando o princípio da inconvertibildade dos contratos de trabalho a termo resolutivo.
A contratação de recursos humanos na saúde, nas Unidades hospitalares EPE, é fortemente condicionada, dependente de autorização casuística e fundamentada e obedece a procedimentos de recrutamento e selecção públicos, por efeitos da reforma do DL 233/2005, de 29-12. Sucede que a autora não foi opositora a qualquer procedimento de recrutamento e selecção, mas sim beneficiária de um convite directo associado à apresentação de uma candidatura que espontaneamente apresentara.
Concluiu pugnando pela improcedência da acção, em consequência sendo absolvida dos pedidos formulados pela autora.
Foi proferido despacho saneador.
Foi fixado o valor da causa em € 12.270,90.
Na consideração da causa não apresentar complexidade fáctica que tornasse necessário fixar a matéria sobre a qual cumpre ainda produzir prova, foi dispensada a fixação dos temas de prova, a que o artigo 596º do Código do Processo Civil.
Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença concluída com o dispositivo seguinte:
«Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, em consequência:
a) Declaro que o contrato de trabalho celebrado entre a A., B..., e a R., C..., EPE, em 6 de janeiro de 2010 foi-o por tempo indeterminado;
b) Declaro que o despedimento da A. levado a cabo pela R. foi ilícito;
c) Condeno a R. a reintegrar a A.;
d) Mais condeno a R. a pagar à A. todas as remunerações que esta deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença;
e) Determino que, ao valor referido em d), sejam descontados € 3.964,63 (três mil novecentos e sessenta e quatro euros e sessenta e três cêntimos) que a A. já recebeu da R. a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho;
f) Absolvo a R. do restante peticionado;
g) Condeno a A. e a R. nas custas do processo, na proporção de vinte por cento para a primeira e de oitenta por cento para a segunda.
Registe e notifique.
(..)».
I.3 Inconformada com a sentença o Réu apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1.ª À matéria de facto, com base no extracto indicado e na aceitação implícita que a douta sentença faz da matéria, importa, em reapreciação, aditar que «a autora foi contratada pela ré sem a adopção de uma via de concurso público»;
2ª A norma do artigo 143º nº1 do Código do Trabalho reporta-se a um posto de trabalho material e objectivamente considerado e é inaplicável, na imposição de um hiato temporal, à contratação a termo incerto por substituição indirecta de trabalhador ausente;
3ª Isso mesmo inculca a norma do art.º 143º nº 2 ao afastar, para a nova ausência do trabalhador substituído a imposição de qualquer hiato temporal;
4ª A douta sentença recorrida enferma de contradição quando reconhece como validamente fundada a contratação a termo incerto por substituição indirecta de trabalhador ausente, a partir da data da celebração do segundo contrato a termo incerto, reconhecendo a idoneidade desse motivo justificativo e mesmo assim sujeitando a situação de facto à imposição associada à chamada ‘contratação sucessiva’;
5ª A norma conjugada dos arts 143º nº 1 e 147º nºs 1 e 2 do Código do Trabalho de onde decorre que «se considera» como contrato por tempo indeterminado aquele cuja celebração se desvie das normas previstas nos arts 140º e segs não estabelece nenhuma situação de nulidade, originária ou outra, mas uma cominação da conversão do contrato;
6ª Não existe qualquer abuso de direito na invocação da ilegalidade do ‘momento’ do recrutamento do trabalhador antes está a ré plenamente sujeita ao princípio de legalidade nos termos do qual tem a obrigação legal de a invocar (tal como tinha o dever de a não ter cometido);
7ª O facto de a um contrato de trabalho celebrado ente um trabalhador e um hospital EPE se aplicar (à execução) o Código de Trabalho, não obsta, por ter sido esse o propósito do legislador, e vem sendo acolhido pelos Tribunais, que o ‘momento’ do ingresso, do recrutamento, esteja sujeito a norma de direito público, com a sua natureza administrativa própria;
8ª É inconstitucional a solução adoptada pelo Tribunal a quo, porquanto, não obstante o mérito intrínseco da sentença, se desvia do entendimento jurisprudencial dominante, conduzindo a que um contrato a termo incerto se converta num contrato de trabalho por tempo indeterminado perante uma entidade pública empresarial, situada no perímetro da Estado - integrando a sua Administração Indirecta;
9ª Tal jurisprudência estabelece com muita estabilidade que a contratação a termo (e a contratação em geral), com preterição da via de concurso no acesso ao emprego na Administração Pública em sentido amplo implica, pela violação da norma constitucional, a insusceptibilidade da conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado;
10ª «O entendimento sufragado na [douta sentença recorrida] colide, salvo melhor opinião, com o art. 47º, nº 2, da CRP na interpretação que, com força obrigatória geral, foi a acolhida pelo Tribunal Constitucional não apenas no Acórdão 368/2000, de 11.07.2000, mas também no Acórdão desse Tribunal 61/2004 (publicado no DR 1ª Série-A, de 27.02.04), que versa sobre situação em que era empregador um instituto público e em que já existia a figura legal do contrato de trabalho sem termo.
- O princípio do primado do direito comunitário não se sobrepõe, pelo menos, às normas constitucionais e à interpretação que, com força obrigatória geral, delas foi feita pelo Tribunal Constitucional nos mencionados Acórdãos.
Por outro lado, o STJ, de forma uniforme, tem vindo a considerar inconstitucional, por violação do art. 47º, nº 2, da CRP, a interpretação do normativo legal segundo a qual seria permitida a conversão do contrato de trabalho a termo em sem termo, não recusando a aplicação, e respectiva interpretação, das normas que impedem essa conversão com fundamento na inconstitucionalidade por violação do art. 53º da CRP (cfr., por todos, os Acórdãos de 14.11.07, 18.06.08, 01.10.08, 26.11.08, 01.07.09 e 25.11.09, in www.dgsi.pt, Processos 08S2451, 06S2445, 08S1536, 08S1982, 08S3443 e 1846/06.1YRCBR.S1).» [Juíza Desembargadora Paula Alexandra Sottomayor de Carvalho]
11ª «A realidade portuguesa tem mostrado que, em alguns setores, estas medidas não têm impedido situações de abuso. Todavia, tal insucesso não pode ser imputado à proibição da conversão de contrato a termo em contrato sem termo.
Entendemos, por isso, que deve ser reforçada a aplicação e fiscalização das medidas existentes, designadamente existir efetivação da responsabilidade civil e disciplinar em caso de violação dos pressupostos legais»» [op cit].
12ª Ao ter decidido como o fez, violou a douta sentença recorrida as normas dos indicados artigos 143º/1 e 2 e ainda 147º/1 do Código do Trabalho, que deveriam ser convocados como direito aplicável, bem como as normas constitucionais invocadas, vg a do art 47º/2 da CRP
13ª É inconstitucional o entendimento da douta sentença recorrida, porque se desvia do entendimento jurisprudencial dominante e conduz a que um contrato a termo incerto se converta num contrato de trabalho por tempo indeterminado perante uma entidade pública empresarial;
14ª Impondo-se a revogação integral da douta sentença recorrida, nos termos expostos, com a sua substituição por acórdão que determine a inaplicabilidade daquelas normas dos arts 143º e 147º/1 do Código do Trabalho, ou subsidiariamente que declare a inconvertibilidade da contratação em causa, em harmonia com o inciso constitucional.
Conclui pedindo a procedência do recurso, proferindo-se acórdão que revogue a decisão recorrida, com as legais consequências.
I.4 A Recorrida autora apresentou contra alegações finalizadas com as conclusões seguintes:
A – O Tribunal a quo considerou que se verificou a sucessão de contratos a termo incerto e condenou, nomeadamente, a Apelante a reintegrar a Apelada e a pagar-lhe as retribuições todas as remunerações que esta deixou de auferir desde o despedimento ilícito declarado igualmente pelo Tribunal a quo, até ao trânsito julgado da sentença.
B – Não se conformando com a mesma, a Apelante veio dela recorrer alegando, em síntese, que o contrato de trabalho celebrado com a Apelada em 4 junho de 2011 não é “sucessivo” daqueles que se reporta a norma do artigo 143.º do CT, e que como tal, que se não aplicam os artigos 143.º e 147.º, ambos do CT;
C – Diz a Apelante que o reconhecimento pelo Tribunal a quo de que o contrato a termo incerto celebrado com a Apelada em 4 junho de 2001 foi para substituição indirecta e o trabalhador substituto se mantém no mesmo “posto de trabalho” por razões de organização e gestão de recursos, afasta ou impede a aplicação da norma do artigo 143.º n.1 do CT
D – A Apelante tenta aflorar ainda o conceito de “posto de trabalho”, vertido no preceito legal do 143.º do CT, tentando restringir o conceito de posto de trabalho à pessoa do trabalhador substituído.
E – Não assistirá qualquer razão à Apelante, porquanto a ratio legis do art.º 143 n.º1 do CT é impedir a sucessão de contratos a termo e salvas as excepções previstas no n.º 2, - o que não é o caso - não poderá o empregador contratar novamente a termo, quando a cessação não for imputável ao trabalhador. Neste sentido, Pedro Romano Martinez: “ a proibição de ajustar contratos a termo sucessivos assenta na preocupação de evitar situações fraudulentas, para as quais os tribunais sempre estiveram atentos”. (Direito do Trabalho 6.ª Edição, 2013, Almedina, pág. 625).
F - Se por um lado a jurisprudência citada pela Apelante em nada permite retirar tal posição que defende quanto à definição de posto de trabalho, certo é, que o Supremo Tribunal de Justiça por acórdão de 10 de Março de 2011, disponível em www.dgsi.pt, em sentido contrário ao entendimento da Apelante, vem dizer: “o que rege a celebração dos contratos de trabalho sucessivos a termo, relevam as concretas tarefas desempenhadas, pelo trabalhador a substituir, o que acentua a «ideia de individualização do posto de trabalho»”.
G – Conclui-se assim que muito bem esteve o Tribunal a quo, ao considerar que os contratos a termo incertos celebrados entre Apelante e Apelada foram sucessivos, com a inteira correcção na subsunção legal dos artigos atrás citados.
H – Vem a Apelante - em nossa opinião em claro abuso de direito-, afirmar que o contrato celebrado a termo incerto com a Apelada é inválido por preterição de concurso público, em seu entender obrigatório, e que como tal, mal andou o tribunal a quo ao assim não entender, quando afirma: “nem o Decreto-Lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro, nem o Decreto-Lei n.º 247/2009 de 22 de Setembro (que aprovou o regime legal da carreira aplicável aos enfermeiros, designadamente nas entidades públicas empresariais), impõem que a contratação de trabalhadores, no caso pelo C..., seja objeto de qualquer concurso prévio”.
I – Contudo assiste toda a razão ao Tribunal a quo, pois que: -Sendo o C... (Apelante) uma EPE – Empresa Pública Empresarial, aplica-se-lhe o RJSPE, aprovado pelo Dec.Lei. n.º 133/2013 de 3 outubro, onde o seu art.º 17.º dispõe que aos trabalhadores das empresas públicas se aplica o regime jurídico do contrato individual de trabalho, Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro;
- o art.º 12.º do Decreto-Lei n.º 247/2009 prevê a observância de um processo de selecção que inteiramente distinto de concurso público, fazendo depender esse processo de selecção de uma específica previsão em Instrumento de Regulamentação Coletiva de Trabalho;
- Das regras transcritas supra, resulta que inexiste qualquer obrigatoriedade de realização de concurso para admissão da Apelada, apenas prevendo o n.4 d art.º 14 do Dec.Lei n.º 233/2005 de 29 de dezembro que o processo de recrutamento deve ter em consideração a adequação dos profissionais às funções a desenvolver e os princípios de igualdade de oportunidade, da imparcialidade, da boa-fé, da não discriminação e da publicidade.
- Contudo e ainda que não se possa deixar de atender ao disposto no n.º2 do artigo 47.º da Constituição, que determina que todos os cidadãos têm acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso, sempre se dirá que este preceito da lei fundamental admite que mesmo no acesso à função pública a lei abra exceções à regra, sempre que tal se justifique objectivamente.
- Assim, não existe obrigatoriedade de procedimento concursal quando a Administração Pública contrata trabalhadores ao abrigo de um regime laboral de direito privado, sendo apenas aplicáveis os princípios gerais da actividade administrativa quanto ao recrutamento do art.º 266.º n.2 da Constituição e no CPA, e que não resultou terem sido violados.
- Nem tão pouco o concurso público seria adequado atentos no enquadramento das circunstâncias em que a Apelada foi contratada (o que se pretendeu na sua contratação foi a substituição de uma trabalhadora do quadro ausente durante um durante um expectável curto período de tempo, cenário pouco entusiasta para justificar o desenvolvimento de um procedimento concursal.
J – O tribunal a quo veio pela na sua douta Sentença afirmar que a invocação da invalidade do contrato de trabalho a termo incerto por preterição das regras do concurso público, conforme alegou a Apelante, constituiria abuso de direito ao afirmar: “Não obstante, ainda que assim não fosse, não vislumbramos como é que a R,, depois de ter contratado directamente a A. por duas vezes, para exercer as funções de enfermeira, pudesse, decorrido este tempo, lançar mão de uma pretensa invalidade no processo de contratação daquele sujeito processual ativo sem cair na figura do abuso de direito (art.º 334 º do C.Civil)”.
L – A Apelante vem nas suas doutas alegações invocar inexistir abuso de direito na medida em que está, enquanto entidade administrativa, obrigada a invocar as invalidades dos atos por si praticados, e tudo ao abrigo do princípio da legalidade e do CPA.
M – Contudo, tal não corresponde à verdade. O comportamento da Apelante constitui, inequivocamente, abuso de direito, por desde logo, violar os princípios da boa fé e da tutela da confiança, previstos no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição, e do artigo 10.º do CPA, respetivamente, ambos decorrentes do principio do Estado do Direito do artigo 2.º da Constituição; princípios esses que a Apelante como pessoa coletiva pública institucional, está obrigada por força do n.º 3 e n.º4, al. d) do artigo 2.º do CPA.
N – Vem a Apelante defender, ainda, a impossibilidade de conversão do contrato de trabalho a termo incerto celebrado em contrato de trabalho por tempo indeterminado, considerando que, quanto a esta matéria, esteve igualmente mal o tribunal a quo por assim não o considerar. Com efeito, decidiu quanto a esta matéria o tribunal a quo: “(…) julga-se que estará a procurar socorrer-se do que preceitua o art.º 63 n.º 2 da Lei n.º 35/2014 de 20 de junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas: (…);
(…) No entanto e salvo o devido respeito por decisão contrária, considerarmos que o regime jurídico imposto pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas não é de aplicar à aqui contratante, uma vez que esta é, repete-se, uma entidade pública empresarial /cfr. o art.º 2-º nº1 b) da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (…).”
O – Não existe qualquer razão à Apelante, pois esta, enquanto entidade pública empresarial, está sujeita na sua actividade, nomeadamente em assuntos de gestão de recursos humanos, ao direito laboral privado. Assim, mesmo em face do art.º 47.º n.º 2 da Constituição, não está impedida a conversão do contrato de trabalho a termo incerto em contrato de trabalho por tempo indeterminado, pois que, não estamos perante um vínculo público, antes sim, de direito laboral privado.
P – Ainda que assim não se entendesse, o que só academicamente se concebe, a garantia constitucional do acesso à função pública haveria de ceder perante o principio constitucional da segurança no emprego – art.º 53.º CRP – e os princípios da boa fé e protecção da confiança. Sobretudo porque, tratando-se a contratação a termo de um vínculo precário reveste natureza excepcional, e como tal só poderá ocorrer mediante justificação legal e sem ofensa do seu núcleo essencial, o que se aplicará quer nas relações privadas quer nas relações laborais públicas, não havendo aqui qualquer diferença de tratamento à luz do princípio constitucional da igualdade.
Q – Ao que se acrescerá que a Directiva Comunitária (1999/70/CE, do Conselho, de 28 de junho) e o Acordo Quadro a esta anexo, não são compatíveis com a proibição de conversão de contratos a termo em contratos sem termo no setor público, tal qual relevante jurisprudência comunitária.
R – Vem por fim defender a Apelante que o sentido adotado pela sentença recorrida é inconstitucional por se desviar do entendimento jurisprudencial dominante e que conduz que um contrato termo incerto se converta num contrato por tempo indeterminado perante um entidade pública empresarial.
S – Não assistirá qualquer razão à Apelante, também quanto a esta matéria. Com efeito, inconstitucional é o entendimento que a Apelante pretende singrar. Pois que, caso assim fosse, violar-se-ia o art.º 53.º da Constituição e que consagra o princípio da segurança no emprego, bem como os princípios da boa fé e da protecção da confiança nos termos já aduzido nas presentes contra-alegações de recurso.
Conclui pugnando pela improcedência do recurso, mantendo-se a sentença proferida relativamente à matéria posta em causa no recurso.
I.5 A autora interpôs recurso de apelação subordinado, apresentado as respectivas alegações que sintetizou nas conclusões seguintes:
1º A Recorrente foi contratada e termo incerto pela Recorrida, em 6 de janeiro de 2010, para substituir a Enf.ª D..., ausente por gravidez de risco, e que prestava o seu trabalho no serviço de cuidados paliativos;
2.º O supracitado contrato terminou por caducidade, com o regresso da trabalhadora substituída, D..., a 3 de junho de 2011, não se apresentando, contudo, no serviço dos cuidados paliativos, antes sim, no serviço de análises, na sequência de um pedido formulado pela própria.
3.º No dia imediatamente a seguir à cessação do seu contrato de trabalho por caducidade, mais precisamente, a 4 de junho de 2011, a Recorrente celebrou novo contrato a termo incerto com a Recorrida, desta vez, para substituição do Enf.º E..., ausente do seu serviço, desde 01.01.2011 por destacamento para uma Unidade de Saúde Familiar.
4.º No entanto, nunca o Enfermeiro substituído E... trabalhou no serviço de cuidados paliativos, tendo prestado o seu trabalho antes do seu destacamento, no serviço de cuidados intermédios.
5.º O segundo contrato a termo incerto celebrado entre a Recorrente e a Recorrida cessou com o regresso do trabalhador substituído – E... – em 13 de abril de 2015.
6.º Aquando do seu regresso, o Enf.º E... integrou o serviço de medicina.
7.º A Requerente trabalhou, ininterruptamente, no serviço de cuidados paliativos desde o primeiro dia do seu primeiro contrato de trabalho a termo incerto, até ao último dia do segundo contrato a termo incerto celebrado.
8.º Tais factos, foram dados como provados pelo tribunal a quo, e facilmente se alcançam pelos contratos de trabalho juntos aos autos e que em momento algum foram impugnados, bem como, pela prova testemunhal produzida e que se encontra gravada.
9.º Pela factualidade atrás descrita, pretendia a Recorrente que o Mm Tribunal a quo reconhecesse a nulidade do termo do contrato celebrado a 4 de junho de 2011 por inveracidade do mesmo, e como tal, determinasse a conversão desse contrato em contrato sem termo, e concomitantemente, declarasse o despedimento ilícito condenando-se a Recorrida à reintegração da trabalhadora com as consequentes cominações, nomeadamente, o pagamento dos salários vencidos desde o despedimento até transito em julgado da sentença.
10.º A par e em simultâneo, pretendia-se que o Mm Tribunal a quo considerasse a sucessão dos contratos a termo incerto, atingindo-se por esta via, idênticas consequências jurídicas às pretendidas no artigo precedente.
11.º Conseguiu a Recorrente, conforme sentença do Tribunal a quo, a sua reintegração e consequentes cominações legais por despedimento ilícito, por via da decisão pelo Tribunal, que considerou a sucessão dos contratos a termo incerto.
12.º Não conseguiu, contudo a Recorrente, que o Tribunal a quo julgasse procedente a nulidade do termo por inveracidade do mesmo, do contrato a termo incerto celebrado a 4.6.2011, e em consequência determinasse a conversão do aludido contrato em crise, num contrato por tempo indeterminando, pois considerou o Tribunal a quo, - e na nossa ótica mal -, que o segundo contrato a termo celebrado foi para substituição indireta, ao abrigo do poder de direção da empregadora.
13.º Não aceita a Recorrente que o contrato a termo incerto em apreço tenha sido para substituição indireta de trabalhador da Recorrida, por tal não corresponder à realidade, não aderindo à argumentação expendida pela Mm Tribunal no que a esta matéria concerne.
14.º Com efeito, assim não resulta do próprio contrato de trabalho, antes pelo contrário, do mesmo se conclui cristalinamente, que a justificação da sua contratação foi para substituição (direta) do Enf.º E..., ausente por destacamento para uma unidade de saúde familiar.
15.º Além do mais, foi sempre essa realidade que foi afirmada pela Recorrida à Recorrente
16.º Ao demais, sempre se dirá que o segundo contrato a termo incerto considerado para substituição indireta é rigorosamente idêntico ao primeiro contrato a termo incerto celebrado, contrato esse considerado pelo mesmo Tribunal a quo como sendo para substituição direta.
17.º Ora, o contrato de trabalho em crise, nada refere quanto à pretensa substituição indireta, e caso fosse essa a realidade, teria obrigatoriamente que o fazer.
18.º Ora, conforme vasta jurisprudência nestas alegações já referenciada:
a) a factualidade legitimadora da contratação a termo tem que constar do contrato por forma a que, sem recurso a outros elementos externos, se possa concluir da veracidade dos factos invocados e que a contratação em causa visa a satisfação de uma necessidade temporária da empresa e não a excede;
b) os termos do contrato a termo incerto implica as indicações concretas da causa da contratação, em moldes tais que permitam o trabalhador perceber categoricamente a razão e termos da sua contratação;
c) O juízo censório do tribunal no que se refere à conformação legal da justificação, terá que ater-se aos motivos factuais referidos no contrato, sendo irrelevantes todos os demais que extravasando o clausulado, venham a ser aduzidos pelo empregador em juízo;
d) Mesmo que se pudesse cogitar a hipótese, na senda do que o Tribunal a quo decidiu, o que a Recorrente não concebe, ou seja, a admissão da substituição indireta por via de não tornar rígido o poder de direção do empregador, ela exige, enquanto fundamento de validade substancial do termo que tal substituição indireta seja pelo empregador provada em tribunal, nomeadamente que o trabalhador contratado a termo incerto foi substituir quem substituiu aquele que vinha mencionado no contrato. Ora tal, não resultou em momento algum da prova produzida, pelo contrário, apenas foi alegado de forma conclusiva que a substituição foi indireta!
19.º Ficou provado e resultou à saciedade que a Recorrente foi contratada para substituir diretamente o Enf.º E..., que no entanto nunca esteve no serviço onde ininterruptamente, durante quase cinco anos, a Recorrente prestou o seu trabalho – cuidados paliativos -, e nesse sentido a justificação do termo é por isso mesmo inverídica e como tal nulo.
20.º Ficou cristalinamente provado, conforme depoimento da superior hierárquica da Recorrente, Enf.ª F..., tal como resulta do depoimento já parcialmente transcrito nesta alegações que a Recorrente é uma enfermeira já com experiência no serviço de cuidados paliativos, serviço carenciado de profissionais e que não lá poriam qualquer enfermeiro, pelo tipo de exigência e especialidade do tipo de enfermagem exigível.
21.º Resumidamente, a Recorrente é necessária em permanência nos cuidados paliativos e não por substituição, em virtude dela precisarem em permanência e não por temporariamente nos termos que a lei exige para se socorrer da excecionalidade da contratação a termo.
22.º No cotejo do que se aduz, a doutrina na pessoa de Maria Rosário Palma Ramalho, em obra já aqui citada nas alegações: “… em sistemas jurídicos mais restritivos quanto à possibilidade de fazer cessar o contrato de trabalho por parte do empregador (como é o caso do sistema português), o recurso à contratação a termo funciona, na prática, como uma forma de contornar aquele regime restritivo.”
23.º A sentença do Mm Tribunal a quo ao assim ter decidido, violou os artigos 140.º nº1 e 147.º n.º 2 al. a) do CT bem como o art.º 53.º da Constituição
E assim sendo, nestes termos e nos melhores de direito, fará merecida justiça o Mm Tribunal ad quem ao revogar a sentença na parte que no presente recurso se põe em crise
I.6 Respondeu a recorrida Ré, sintetizando as contra-alegações nas conclusões seguintes:
1ª O motivo justificativo para a contratação a termo incerto para substituição de um trabalhador, a que se refere a norma do art.º 142º/2/a) do Código do Trabalho é a própria ausência de um determinado trabalhador, irrelevando se sob essa ausência existe também uma situação de carência de recursos humanos num certo e determinado Serviço dos múltiplos que o empregador tenha;
2ª A simples menção de o contrato de trabalho a termo ser de substituição, com identificação do substituído, constitui formalização bastante para a consubstanciação do motivo justificativo porque nesse segmento de pormenorização estamos perante formalidades “ad probationem” e não perante formalidades “ad substantiam”;
3ª Corresponde à verdade dos factos que o contrato de 4 de Junho de 2011 «preenchia» a vaga correspondente à ausência do enfermeiro identificado no contrato e essa ausência foi comprovada com clareza, através do depoimento do próprio enfermeiro substituído;
4ª A recorrente reflecte como se estivéssemos perante uma contratação com fundamento na parte geral da norma do artigo 140º/1 do Código do Trabalho, onde se estabelece que o contrato a termo «pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade»;
5ª Inconsiderando que quando estamos perante uma contratação de substituição (sendo indiferente se directa ou indirecta) de um trabalhador ausente, é esse o facto que constitui o motivo justificativo e não outro que, a montante, lhe seja conexo ou lhe esteja subjacente;
6ª E inconsiderando que a eventual carência de recursos humanos num determinado Serviço de Acção Médica, quando não constitua fundamento ou motivo justificativo específico da contratação, não torna inverídico ou falso o fundamento real de uma contratação por substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente;
7ª O facto de a um contrato de trabalho celebrado ente um trabalhador e um hospital EPE se aplicar (à execução) o Código de Trabalho, não obsta, por ter sido esse o propósito do legislador, e vem sendo acolhido pelos Tribunais, que o ‘momento’ do ingresso, do recrutamento, esteja sujeito a norma de direito público, com a sua natureza administrativa própria;
8ª É inconstitucional o efeito pretendido pela recorrente subordinada, porquanto, não obstante o esforço de argumentação, colide com o entendimento jurisprudencial dominante, conduzindo a que um contrato a termo incerto se converta num contrato de trabalho por tempo indeterminado perante uma entidade pública empresarial, situada no perímetro da Estado - integrando a sua Administração Indirecta;
9ª Tal jurisprudência dominante estabelece com muita estabilidade que a contratação a termo (e a contratação em geral), com preterição da via de concurso no acesso ao emprego na Administração Pública em sentido amplo implica, pela violação da norma constitucional, a insusceptibilidade da conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado;
10ª «O entendimento sufragado na [alegação de recurso da recorrente subordinada] colide, salvo melhor opinião, com o art. 47º, nº 2, da CRP na interpretação que, com força obrigatória geral, foi a acolhida pelo Tribunal Constitucional não apenas no Acórdão 368/2000, de 11.07.2000, mas também no Acórdão desse Tribunal 61/2004 (publicado no DR 1ª Série-A, de 27.02.04), que versa sobre situação em que era empregador um instituto público e em que já existia a figura legal do contrato de trabalho sem termo. - O princípio do primado do direito comunitário não se sobrepõe, pelo menos, às normas constitucionais e à interpretação que, com força obrigatória geral, delas foi feita pelo Tribunal Constitucional nos mencionados Acórdãos.
Por outro lado, o STJ, de forma uniforme, tem vindo a considerar inconstitucional, por violação do art. 47º, nº 2, da CRP, a interpretação do normativo legal segundo a qual seria permitida a conversão do contrato de trabalho a termo em sem termo, não recusando a aplicação, e respectiva interpretação, das normas que impedem essa conversão com fundamento na inconstitucionalidade por violação do art. 53º da CRP (cfr., por todos, os Acórdãos de 14.11.07, 18.06.08, 01.10.08, 26.11.08, 01.07.09 e 25.11.09, in www.dgsi.pt, Processos 08S2451, 06S2445, 08S1536, 08S1982, 08S3443 e 1846/06.1YRCBR.S1).» [Juíza Desembargadora Paula Alexandra Sottomayor de Carvalho]
11ª «A realidade portuguesa tem mostrado que, em alguns setores, estas medidas não têm impedido situações de abuso. Todavia, tal insucesso não pode ser imputado à proibição da conversão de contrato a termo em contrato sem termo.
Entendemos, por isso, que deve ser reforçada a aplicação e fiscalização das medidas existentes, designadamente existir efetivação da responsabilidade civil e disciplinar em caso de violação dos pressupostos legais»» [op cit].
Conclui pugnando pela improcedência do recurso subordinado.
I.8 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da procedência do recurso da Ré, quer na vertente da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, quer na que respeita ao erro de julgamento na aplicação do direito aos factos; e, no que concerne ao recurso subordinado da autora, pela sua improcedência.
I.9 Colhidos os vistos legais, determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.12 QUESTÃO PRÉVIA: inadmissibilidade do recurso subordinado
Conforme flui do n.º1 do artigo 633.º, do CPC, para que a parte possa recorrer, ainda que subordinadamente, é necessário que haja decaimento, incidindo o recurso sobre a parte da decisão que lhe seja desfavorável.
É certo que a autora não viu a acção proceder na totalidade. Contudo, o recurso não incide sobre a parte em que a autora decaiu, mas antes sobre a questão relativa à validade do termo justificativo do segundo contrato a termo incerto, em concreto, a autora pretende por em causa a decisão da 1.ª instância na parte em que considerou que aquele contrato a termo celebrado foi para substituição indireta, ao abrigo do poder de direção da empregadora, sendo válido o motivo justificativo.
Ora, esse juízo não interferiu com o pedido de declaração de que “o contrato de trabalho celebrado entre a A., B..., e a R., C..., EPE, em 6 de janeiro de 2010 foi-o por tempo indeterminado”, nem com a declaração da ilicitude do despedimento, nem tão pouco com os pedidos relativos aos efeitos legais da mesma.
Por conseguinte, não havendo decaimento, a autora não podia recorrer subordinadamente, tendo feito uso de meio processual inadequado.
Com efeito, embora não pudesse recorrer, assistia-lhe o direito a requerer a ampliação do objecto do recurso, para que este tribunal ad quem reapreciasse também a decisão da 1.ª instância naquela parte em que não acolheu um dos fundamentos da acção (art.º 636.º n.º1, do CPC).
No entanto, pese embora o uso de meio processual inadequado, é evidente que a autora manifestou inequivocamente o propósito de ver reapreciada essa questão por este tribunal de recurso.
Neste quadro, na consideração de se darem por verificados os requisitos previstos no nº 1 do artigo 636º, e tendo em conta os princípios da adequação formal (art.º 193.º 3, do CPC) e da tutela jurisdicional efectiva, entende-se convolar o recurso subordinado interposto pela A. em ampliação do objecto do recurso.
I.11 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas para apreciação consistem em saber se o tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
A - Recurso da Ré:
i) Na decisão sobre a matéria de facto, ao não ter considerado provado que a “a autora foi contratada pela ré sem a adopção de uma via de concurso público”;
ii) Ao entender que a situação em causa está sujeita à imposição associada à chamada ‘contratação sucessiva’;
iii) Ao ter declarado a conversão do contrato a termo em contrato por tempo indeterminado, em violação do art.º 47.º/2 da CRP.
B – Ampliação do objecto do recurso - da autora: ao ter considerado que o segundo contrato a termo celebrado foi para substituição indireta, ao abrigo do poder de direção da empregadora, sendo válido o motivo justificativo.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O elenco factual fixado pelo tribunal a quo é o que se passa a transcrever adiante. Anota-se que se corrige o facto 8, onde por lapso manifesto é mencionado 13 de abril de 2011, quando se pretendia dizer 13 de Abril de 201 (havendo concordância das partes quanto a essa data).
Os factos provados:
1) A A. celebrou com a R. um acordo escrito, datado de 6 de janeiro de 2010, por via do qual foi admitida, a termo incerto, para exercer, de forma subordinada, as funções compreendidas na categoria profissional de Enfermeira, nas instalações da R. sitas à Rua ..., conforme resulta do teor do documento de fls. 16 a 18, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos;
2) Em 2 de maio de 2011 a R. informou por escrito a A. que o acordo aludido em 1) termina no dia 3 de junho de 2011, por força do regresso ao serviço da titular do cargo;
3) A enfermeira substituída, D..., aquando do seu regresso a 3 de maio de 2011, não veio ocupar o seu anterior lugar nos cuidados paliativos, lugar onde havia sido substituída pela A., tendo antes passado a trabalhar no serviço de colheitas de sangue;
4) Aquando do seu regresso ao C..., a colocação da enfermeira D... no serviço de colheitas de sangue ocorreu a pedido da mesma;
5) Em 4 de junho de 2011 a R. celebrou com a A. um novo acordo escrito, por via do qual a admitiu, a termo incerto, para exercer, de forma subordinada, as funções compreendidas na categoria profissional de Enfermeira, nas instalações da R. sitas à Rua ..., conforme resulta do teor do documento de fls. 20 a 22, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos;
6) A partir da data a que se aludiu em 5) a A. permaneceu no serviço de cuidados paliativos no qual foi integrada em 6 de janeiro de 2010;
7) A permanência da A. no serviço de cuidados paliativos mencionada em 6) deveu-se ao facto de aquela ter entretanto adquirido experiência na área;
8) O enfermeiro substituído, E..., quando deixou de trabalhar no C..., em 1 de janeiro de 2011, fazia-o na unidade de cuidados intermédios e, quando regressou ao C..., em 13 de abril de 2015, passou a desempenhar funções no serviço de medicina;
9) Em 13 de abril de 2015 a R. informou por escrito a A. de que o acordo aludido em 5) termina sessenta dias após a receção de tal comunicação, em virtude de ter regressado ao serviço o titular do cargo;
10) Na decorrência, a R. pagou à A. a quantia de € 3.964,63 a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho;
11) Desde 6 de janeiro de 2010 até ao término dos sessenta dias referidos em 9) a A. sempre trabalhou no serviço de cuidados paliativos do C...;
12) A A. prestava o seu trabalho para a R. em sistema de turnos rotativos: o turno da manhã compreendido entre as 8h e as 15h; o turno da tarde compreendido entre as 14h30min e as 21h30min e o turno da noite compreendido entre as 21h e as 8h do dia seguinte;
13) A R. comunicava à A. o horário que esta iria prestar no mês subsequente ao da comunicação;
14) A A. prestou, em datas que não foi possível concretizar, o seu trabalho para a R. para além das 35 horas de trabalho por semana contratualmente previstas;
15) A R., mensalmente, elaborava um mapa onde constavam as horas que cada trabalhador tinha prestado a mais nesse mês, bem como o total de crédito de horas que os mesmos tinham a haver;
16) Sob autorização da R., a A. poderia “descontar” as horas que tinha prestado para além do seu horário de trabalho.
Factos não provados:
Com relevo para a decisão da causa, nada mais foi dado como provado, designadamente que:
a) A R., quando a acumulação do crédito de horas referido em 15) ultrapassasse as cem horas, pagasse algumas horas do trabalho suplementar prestado pelas trabalhadoras, o que, na pessoa da Autora, só tenha acontecido muito pontualmente.
II.2 Alteração da matéria de facto por iniciativa deste Tribunal ad quem
A Relação tem o poder dever de alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, entre outros casos, quando a os factos tidos como assentes ou a prova produzida impuserem decisão diversa (art.º 662.º 1, do CPC).
É justamente o que aqui ocorre.
Nos factos provados 1 e 5 deu-se como provado o seguinte:
1) A A. celebrou com a R. um acordo escrito, datado de 6 de janeiro de 2010, por via do qual foi admitida, a termo incerto, para exercer, de forma subordinada, as funções compreendidas na categoria profissional de Enfermeira, nas instalações da R. sitas à Rua ..., conforme resulta do teor do documento de fls. 16 a 18, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos;
5) Em 4 de junho de 2011 a R. celebrou com a A. um novo acordo escrito, por via do qual a admitiu, a termo incerto, para exercer, de forma subordinada, as funções compreendidas na categoria profissional de Enfermeira, nas instalações da R. sitas à Rua ..., conforme resulta do teor do documento de fls. 20 a 22, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos;
Os contratos em causa foram juntos aos autos e a autora alega quais os motivos justificativos que foram apostos nos respectivos contratos, sendo que os mesmos relevam para a apreciação da causa. Nem os contratos nem a alegação foram impugnados pelo Réu.
Por conseguinte, ao invés de se ter dado simplesmente por reproduzidos os contratos, não só era conveniente, como também mais correcto em termos técnico jurídicos, fazer constar nos factos provados o conteúdo das respectivas cláusulas contendo os motivos justificativos. Assim, alteram-se os factos 1 e 5, aditando-se-lhes essa parte, ficando a constar o seguinte:
1. A A. celebrou com a R. um acordo escrito, datado de 6 de janeiro de 2010, por via do qual foi admitida, a termo incerto, para exercer, de forma subordinada, as funções compreendidas na categoria profissional de Enfermeira, nas instalações da R. sitas à Rua ..., conforme resulta do teor do documento de fls. 16 a 18, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nele fazendo constar, para além do mais: [3.ª] O presente contrato a termo incerto fundamenta-se na previsão do art.º 140.º n.ºs e e 2, alínea a), do Código do Trabalho, justificando-se pela necessidade temporária de substituição da colaboradora D..., ausente por se encontrar de gravidez de risco e maternidade”.
5. Em 4 de junho de 2011 a R. celebrou com a A. um novo acordo escrito, por via do qual a admitiu, a termo incerto, para exercer, de forma subordinada, as funções compreendidas na categoria profissional de Enfermeira, nas instalações da R. sitas à Rua ..., conforme resulta do teor do documento de fls. 20 a 22, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nele fazendo constar, para além do mais: [3.ª] O presente contrato a termo incerto fundamenta-se na previsão do art.º 140.º n.ºs e e 2, alínea a), do Código do Trabalho, justificando-se pela necessidade temporária de substituição do trabalhador enfermeiro E..., ausente por cedência de interesse público para uma USF desde 01-01-2011 e dura pelo período de tempo em que se prolongue essa necessidade que se prevê ser por seis meses.
II.3 Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Pretende o recorrente que se adite à matéria de facto provada o facto seguinte: «a autora foi contratada pela ré sem a adopção de uma via de concurso público».
Alega que na fundamentação de direito o tribunal a quo considerou implicitamente que a recorrida foi contratada sem te sido pela via de concurso público, quando nela consta «... impõe-se agora esclarecer se a contratação da A. pela R. podia ter sido, como foi, por via direta, ou antes tinha de ser precedida de procedimento concursal”, embora a matéria de facto seja omissa quanto a esse ponto.
Entende a recorrente que deve acautelar a consignação desse facto no elenco da matéria provada.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do NCPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, isto é, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Atentos estes princípios, como primeiro passo, impõe-se verificar se algo obsta à apreciação da impugnação.
No que respeita às conclusões, considera-se que foi observado o que se entende como suficiente: o recorrente indica qual o facto que pretende ver provado, defendendo que foi indevidamente omitido.
Quanto ao mais, recorrendo às alegações verifica-se que é feita indicação do meio de prova em que se sustenta, nomeadamente, o testemunho da Senhora Enfermeira G..., bem assim a indicação dos pontos da gravação que se entendem relevantes, sendo ainda feita a transcrição.
Conclui-se, pois, que nada obsta à apreciação da impugnação.
Vejamos então.
Na contestação o R. alegou:
[art.º 33] “a autora (..) não foi opositora a qualquer procedimento de recrutamento e selecção”
[art.º34] “mas sim beneficiária de um convite directo associado à apresentação de uma candidatura que espontaneamente apresentara”.
Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto não se encontra qualquer referência àquela alegação do Réu.
Certo é, porém, que a testemunha acima indicada foi inquirida a este propósito pelo ilustre mandatário do Réu, que inclusive referiu ao Senhor Juiz que pretendia ainda ouvi-la sobre “a matéria dos artigos 30º a 34º da Contestação”.
Referiu a testemunha que na fase final da sua carreira era Enfermeira Supervisora, com uma função intermédia de direcção de enfermagem.
Conforme se retira da transcrição feita pelo recorrente que, sublinha-se, não foi posta em causa pela recorrida, a testemunha prosseguiu, declarando a este propósito, no essencial, o seguinte:
-“Pronto então ... é assim a Enf. B... eu conhecia-a desde pequenina e ... porque ela foi colega da minha filha no infantário. Portanto muitos anos deixei de a ver de estar com ela.
Entretanto cada uma seguiu o seu caminho e entretanto a B... tirou, fez o curso de Enfermagem. Várias vezes me telefonaram se eu poderia arranjar-lhe um lugar no C... uma vez que eu já na altura até era Enfermeira Supervisora. E eu pronto eu era, tinha uma função de gestão intermédia, mas não era eu a Directora, nem era eu a Administração.
Surgiu o caso que um dos serviços aflitíssimo com a falta de pessoal e um dia pedi, entre aspas, fui ter com a Enf. Directora e disse-lhe 'Oh H... estamos realmente com serviços com muita falha de pessoal e temos mesmo necessidade de acudir um dos serviços neste' que na altura era os Cuidados Continuados onde estava a Enf ... Cuidados Paliativos ou Cuidados Continuados, onde estava, onde esteve depois a Enf. B.... E quando eu me vim embora era lá que ela estava. Portanto foi um pedido meu, na altura era possível fazer isso, que a Senhora Enfermeira H... acedeu. Porque de facto juntava-se duas coisas, primeiro a Enf. B... foi-lhe referenciada por mim e por outro lado também tínhamos, estávamos carenciados realmente de pessoal. (..) E foi assim que eu pedi à Enfermeira H..., Enfermeira Directora, para a B... fazer uma substituição temporária.
(…) vai-me desculpar. Tanto mais que eu. Eu ... Já agora se posso dizer ... Acho que sim. Eu como Enfermeira Supervisora cheguei a fazer parte de muitos júris de avaliação de bolsas de enfermeiros e até de ... de .. da parte mais formal de Concurso de Enfermeiros e Auxiliares e etc etc. Sei perfeitamente e de conhecimento pessoal da B.... Sei perfeitamente que não foi com concurso nenhum.»
Em face da prova produzida, ainda que lhe pudesse conferir uma redacção diversa, entende-se que o tribunal a quo deveria ter dado como provado um facto que traduzisse o sentido da alegação do Réu.
A formulação proposta pelo réu não tem a redação correspondente ao que consta nos indicados artigos da contestação, mas inscreve-se no que foi alegado, não se vendo razões que obstem à sua consideração.
Assim, acolhendo-se a impugnação, acrescenta-se um novo facto ao elenco da matéria provada, nos termos seguintes:
17. A autora foi contratada pela ré sem a adopção de uma via de concurso público.
III. MOTIVAÇÃO de DIREITO
Na sentença, na parte que é objecto do recurso principal do Réu e da ampliação do objecto do recurso pela autora, lê-se o seguinte:
-«(..)
Apurado que foi o regime jurídico que deve ser trazido à colação para verificar da bondade das posições manifestadas por ambas as partes, impõe-se agora esclarecer se a contratação da A. pela R. podia ter sido, como foi, por via direta, ou antes tinha de ser precedida de procedimento concursal. A nosso ver, nem o Decreto-lei n.º 233/2005, de 29 de dezembro, nem o Decreto-lei n.º 247/2009, de 22 de setembro (que aprovou o regime legal da carreira aplicável aos enfermeiros, designadamente nas entidades públicas empresariais),impõem que a contratação de trabalhadores, no caso pelo C..., seja objeto de qualquer concurso prévio. Não obstante, ainda que assim não fosse, não vislumbramos como é que a R., depois de ter contratado diretamente a A., por duas vezes, para exercer funções de enfermeira, pudesse, decorrido este tempo, lançar mão de uma pretensa invalidade no processo de contratação daquele sujeito processual ativo sem cair na figura do abuso de direito (art.º 334.º do C. Civil).
(..)
Debrucemo-nos agora sobre o contrato de trabalho a termo incerto com data de 4 de junho de 2011. A propósito deste, restou assente que a R. contratou a A. para desempenhar temporariamente as funções de enfermeira em substituição do enfermeiro E..., ausente do serviço por ter sido cedido a uma Unidade de Saúde Familiar. Do mesmo passo se provou que aquele enfermeiro E..., quando deixou o C... trabalhava na unidade de cuidados intermédios e quanto aí regressou foi integrado no serviço de medicina. Como tal, aquele trabalhador substituído nunca desempenhou funções no serviço onde a A. sempre esteve, seja, o serviço de cuidados paliativos do C.... Estamos perante aquilo a que habitualmente se chama de substituição indireta, ou seja, o trabalhador contratado a termo vai preencher um posto de trabalho distinto daquele que é ocupado pelo trabalhador substituído.
Neste concernente, não vemos que possa existir alguma falsidade do motivo justificativo invocado. O que a R. fez foi, no desenvolvimento do seu poder de direção a que acima se aludiu e sempre com respeito pelas funções inerentes à categoria profissional contratada da A., afetar esta ao serviço onde a mesma já se encontrava há cerca de um ano e meio, valendo-se da experiência profissional pela mesma entretanto adquirida. Acresce que, durante o tempo em que vigorou o contrato de 4 de junho de 2011 e descontado o prazo de aviso prévio, o enfermeiro E... esteve, efetivamente, ausente do C....
Noutro prisma, ficou provado que o contrato de trabalho celebrado entre a A. e a R. em 6 de janeiro de 2010 findou em 3 de junho de 2011, sendo que novo contrato de trabalho a termo incerto foi outorgado pelas mesmas partes em 4 de junho de 2011, com o mesmo objeto funcional do primeiro. Pergunta-se se esta factualidade põe em crise o disposto no art.º 143.º do Código do Trabalho. Este normativo proíbe a admissão, pelo mesmo empregador – ou por sociedade que com este se encontre coligado –, de trabalhador para o mesmo posto de trabalho. Quanto a esta concreta questão, a R., ao novamente contratar a A. a termo incerto, em 4 de junho de 2011, para esta para si exercer as funções de enfermeira – e sendo certo que a A., não só sempre exerceu tais funções, mas até fê-lo no mesmo serviço de cuidados paliativos –, violou o preceituado naquele art.º 143.º, uma vez que não esperou, para poder novamente contratar, pela passagem, desde a cessação do anterior contrato – ocorrida por motivo não imputável à trabalhadora –, do período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato de 6 de janeiro de 2010. A sanção para tal conduta prevê-a o art.º 147.º n.º 1 d) do C. do Trabalho: considera-se o contrato como sem termo.
Em sede de contestação, veio a R. defender a inconvertibilidade do contrato em causa.
Julga-se que estará a procurar socorrer-se do que preceitua o art.º 63.º n.º 2 da Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, que aprovou a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas: o contrato a termo resolutivo não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, caducando no termo do prazo máximo de duração previsto, incluindo renovações, ou, tratando-se de contrato a termo incerto, quando cesse a situação que justificou a sua celebração. No entanto e salvo o devido respeito por opinião contrária, consideramos que o regime jurídico imposto pela Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas não é de aplicar à aqui contratante, uma vez que esta é, repete-se, uma entidade pública empresarial (cfr. o art.º 2.º n.º 1 b) da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas).
Face ao que se deixou ínsito, outra solução não resta que não seja a de considerar sem termo a relação contratual havida entre a A. e a R.».
Discordando a autora do decidido em razão do Tribunal a quo ter entendido que o segundo contrato a termo foi validamente celebrado na consideração de se estar perante uma substituição indireta ao abrigo do poder de direção da empregadora, sendo válido o motivo justificativo, esta questão deve ser apreciada em primeiro lugar por razões de ordem lógica. Com efeito, caso a recorrente tenha razão o contrato será nulo, ficando prejudicada a apreciação da admissibilidade da sucessão de contratos a termo.
III.1 Ampliação do objecto do recurso
Argumenta a recorrente que conforme resulta dos factos provados, o Enfermeiro substituído E... nunca trabalhou no serviço de cuidados paliativos. Antes do seu destacamento, prestou serviço no serviço de cuidados intermédios; e, quando regressou, integrou o serviço de medicina.
E, ainda, que a recorrente trabalhou ininterruptamente no serviço de cuidados paliativos desde o primeiro dia do seu primeiro contrato de trabalho a termo incerto, até ao último dia do segundo contrato a termo incerto celebrado.
Atento esses factos, discorda da sentença por ter julgado válida a justificação do termo, na consideração de se estar perante uma substituição indireta, ao abrigo do poder de direção da empregadora.
Defende que contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, o contrato a termo incerto em causa não foi celebrado para substituição indireta do trabalhador, resultando do próprio contrato de trabalho que a justificação da sua contratação foi para substituição (direta) do Enf.º E..., ausente por destacamento para uma unidade de saúde familiar. O contrato de trabalho nada refere quanto à pretensa substituição indireta, e caso fosse essa a realidade, teria obrigatoriamente que o fazer. A Recorrente é necessária em permanência nos cuidados paliativos e não por substituição.
Em suma, por um lado pretende a recorrente sustentar que em caso de substituição indirecta, o motivo justificativo não satisfaz as exigências legais, por não fazer essa menção; e, por outro, põe em causa que tenha sido contratada para efectivamente substituir o enfermeiro E.... Como melhor se retira das alegações, defende que “o segundo contrato a termo incerto não foi mais do que o meio socorrido pela Recorrida, para manter ao seu trabalho nos cuidados paliativos a Recorrente, por dela precisarem em permanência e, não se pretender a sua contratação por tempo indeterminado”.
Cabe ainda deixar uma nota. A recorrida, para melhor sustentar esta construção, nas alegações faz apelo a extractos dos testemunhos do Enf.º E... e da Enf.ª F..., transcrevendo vários extractos.
Contudo nem das conclusões nem tão pouco das alegações resulta que pretenda impugnar a matéria de facto e, em concreto, este ou aquele facto. Antes pelo contrário, o que a recorrente vem dizer, reportando-se aos factos provados, é que “Os factos ora referidos nas presentes Alegações foram todos devidamente provados, quer pelos documentos juntos, quer pela prova testemunhal prestada, conforme atrás já se evidenciou”.
Por conseguinte, salvo o devido respeito, visando a invocação e transcrição de parte dos testemunhos, tanto quanto se percebe, reforçar os factos provados, a mesma é inútil.
III.1.1Vejamos se assiste razão à recorrente.
Em jeito de enquadramento das questões colocadas, começaremos por uma breve incursão na evolução legislativa relativa ao contrato de trabalho a termo.
O contrato de trabalho a prazo foi admitido pela nossa legislação, primeiramente pelo Decreto-lei n.º 781/76, de 28 de Outubro, e depois, sob a designação de contrato de trabalho a termo, pelos artigos 41.º e seguintes do Decreto-lei n.º 64-A/89 de 27 de Fevereiro.
O regime jurídico introduzido pelo Decreto-lei n.º 781/76, de 28 de Outubro, resultou da necessidade de atenuar as restrições introduzidas ao regime jurídico dos despedimentos no pós 25 de Abril, através de uma liberalização do regime dos contratos a prazo. Com efeito, o contrato a prazo (ou a termo, como posteriormente designado) veio proporcionar a prestação de trabalho durante um certo período temporal, decorrido o qual cessava, permitindo uma desvinculação fácil da relação contratual, com relativamente poucos encargos.
O Decreto-lei n.º 781/76, de 28 de Outubro, veio a ser revogado pelo Decreto-lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, usualmente denominado por LCCT, o qual introduziu alterações substanciais ao regime anterior dos contratos a prazo, que passaram a ser denominados a termo. No essencial essas alterações visaram dificultar significativamente a contratação a prazo, só a permitindo em certos e determinados casos expressamente indicados na lei (artigos 41.º a 53.º).
Procurou, assim, afirmar-se o carácter excepcional a admissibilidade do contrato de trabalho a prazo, imposto pelo princípio da segurança no emprego, consagrado no artigo 53.º da Constituição, como um direito fundamental inserido nos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, de que decorre, como corolário, a vocação da perenidade da relação de trabalho. No preâmbulo da LCCT, mais precisamente na parte relativa à contratação a termo, pode ler-se “Relativamente ao contrato a termo passa a restringir-se a situações rigorosamente tipificadas, das quais umas resultam de adaptação das empresas às flutuações de mercado ou visam criar condições para absorção de maior volume de emprego, favorecendo os grupos socialmente mais vulneráveis, e outras atendem a realidades concretas pacificamente aceites como justificativas de trabalho de duração determinada”.
Visando dar concretização a esse propósito, o art.º 41.º dispunha que “(..) a celebração de contrato a termo só é admitida nos casos seguintes”, assim reafirmando o carácter excepcional do contrato a prazo, depois enumerando um conjunto de situações, possíveis de arrumar em dois grupos de casos: i) um de carácter objectivo, para satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades; ou para lançamento de uma nova actividade de duração incerta; ou início de laboração de uma empresa ou estabelecimento; ii) Outro de carácter mais subjectivo, relacionado com situações específicas dos trabalhadores (p. ex. substituição temporária de trabalhador).
Com a finalidade de permitir um maior controlo dos requisitos substantivos e demais condicionalismos legais, a lei veio estabelecer, na expressão de Bernardo da Gama Lobo Xavier, “severos requisitos formais” para a estipulação do contrato a termo [Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 2.ª ed., Editorial Verbo,1999, p. 290].
Assim, relativamente à correspondente norma do DL 781/76, isto é, ao art.º 6.º, o art.º 42.º do novo diploma veio introduzir a obrigatoriedade de outras novas menções no contrato reduzido a escrito, entre elas surgindo, então, “a indicação do motivo justificativo” [n.º1, al e)], cuja falta de menção passou a ser uma das causas para se considerar o contrato sem termo [n.º3].
Como lapidarmente se afirma em Acórdão do STJ de 9 de Fevereiro de 1993, a exigência legal da indicação do motivo justificativo é uma consequência do carácter excepcional que a lei atribui à contratação termo [publicado em Acórdãos Doutrinais 379, 831].
Contudo, a realidade revelou que essa exigência era facilmente iludida, tendo sido prática generalizada a mera reprodução das fórmulas genéricas do n.º1, do art.º 41.º, mencionando-se que o contrato a termo era celebrado devido a “acréscimo temporário ou excepcional da actividade da empresa”, ou “para execução de tarefa ocasional”, etc.
Ciente dessa realidade e para obstar à legitimação artificiosa do contrato a termo, manifestamente contrária ao pretendido “carácter excepcional” da contratação a termo, o legislador procurou tornar aquela exigência mais rigorosa, intervindo na LCCT através da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto, dispondo o seu artigo 3.º (com a epígrafe “Motivo justificativo na celebração do contrato de trabalho a termo”), o seguinte:
-[1] «A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo, em conformidade com o n.º 1 do artigo 41.º e com a alínea e) do n.º 1 do artigo 42.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, só é atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que integram esse motivo».
Importa notar, como o faz António Monteiro Fernandes, que “Assim, tornou-se claro aquilo que, de algum modo, já se podia deduzir das formulações iniciais da lista de situações justificativas, como condição como condição de consistência e efectividade dessa exigência legal”, para assinalar que esse era já o “entendimento corrente na jurisprudência”, citando os acórdãos seguintes: da Rel. Évora, de 8/11/94, CJ 94, 5,298 e de 8/12/94, BMJ 442,277; da Rel. Porto, de 20/3/95, CJ 95, 2, 246 e de 11/3/96, CJ 96, 2, 255; e, da Rel. de Lisboa, de 13/7/95, CJ 95, 4, 152 [Direito do Trabalho, 14.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 328 e nota 2].
Pese embora aquela alteração, alguns anos volvidos veio o legislador a considerar necessário uma nova intervenção, mais uma vez com o propósito de reforçar a exigência da indicação do motivo justificativo para assim melhor salvaguardar o carácter excepcional do contrato a termo. Essa intervenção foi operada pela Lei n.º 18/ 2001, de 3 de Julho, alterando a LCCT e a Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto. Assim, através do artigo 3.º daquela primeira, o art.º 3.º desta última foi alterado para passar a ter a redacção seguinte:
[1] «A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo, em conformidade com o n.º 1 do artigo 41.º e com a alínea e) do n.º 1 do artigo 42.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, só é atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que objectivamente integram esse motivo, devendo a sua redacção permitir estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado».
Com a entrada em vigor do Código do Trabalho /03, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, foi revogada a generalidade da legislação laboral então existente e dispersa numa pluralidade de diplomas, expressamente mencionada na norma revogatória constante do art.º 12.º da referida lei, entre eles se contando o Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT).
Nesse primeiro Código do Trabalho, a disciplina relativa ao contrato de trabalho a termo certo ou incerto, consta dos artigos 127.º a 145.º, relevando mencionar os artigos 129.º [Admissibilidade do contrato], 130.º [Justificação do termo] e 131.º [Formalidades], posto que no actual Código do Trabalho de 2009, aqui aplicável, àqueles normativos correspondem os seus artigos 140.º, 141.ºe 147.º, sem que haja alteração em termos substantivos.
Assim, na mesma linha da anterior disciplina da LCTT, o contrato de trabalho a termo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades, [n.º1 do art.º 140.º CT/09], constando as mesmas elencadas no n.º2 do mesmo artigo, numa enumeração não taxativa, mas praticamente exaustiva, merecendo aqui menção pela relevância para o caso a alínea a), dispondo:
[a)] Substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, e encontre temporariamente impedido de trabalhar;
Deste mesmo artigo releva ainda assinalar o disposto no n.º5, onde se lê:
[5] Cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo.
Inserindo-se também na linha da anterior disciplina, decorre do artigo do n.º1, do art.º 141.º CT/09, que o contrato deve observar a forma escrita e conter determinadas menções, mencionadas nas alíneas a) a f), entre elas a indicação “(..) do respectivo motivo justificativo” [al. e)]. No que respeita a esta exigência, vem depois o nº 3, do mesmo artigo, dispor que “Para efeitos da alínea e) do n.º1, a indicação do motivo justificativo do termo deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”.
A última referência reporta-se ao artigo 147.º, com a epígrafe “Contrato de trabalho sem termo”, que enumera quais as situações em que o contrato se considera celebrado sem termo (n.º1) ou convertido em contrato de trabalho sem termo (n.º2). Mais pormenorizadamente, cingindo-nos ao que aqui releva, dispõe o aludido artigo o seguinte:
1. Considera-se sem termo o contrato de trabalho:
a) Em que a estipulação do termo tenha por fim iludir as disposições legais que regulam o contrato sem termo.
b) Celebrado fora dos casos previstos nos n.ºs 1, 3 ou 4 do artigo 140.º;
c) Em que falte (..), bem como aquele em que se omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo.
(…)».
Concluindo esta notas, como elucida Monteiro Fernandes, a propósito dos correspondentes artigos do vigente CT/09, mas com inteira aplicação àqueles, «(..) o art.º 141.º/3 CT exige a “menção expressa dos factos” que integram o motivo, “devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”. Assim, não basta referir-se um “acréscimo temporário de actividade”, é exigido que se concretize esse tipo de actividade em que se verifica a intensificação e a causa desta. É necessário, em suma, que a indicação requerida permita duas coisas: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do art.º 140.º; e a realidade e a adequação da própria justificação face à duração estipulada para o contrato. Na verdade, a exigência legal da indicação do motivo justificativo é uma consequência do caráter excepcional que a lei atribui à contratação a termo e do princípio da tipicidade funcional que se manifesta no art.º 140.º: o contrato só pode ser (validamente) celebrado para certos fins e na medida em que estes o justifiquem» [Op. cit., 328/329].
Atento esse duplo objectivo da exigência legal do motivo justificativo, como consequência do carácter excepcional da contratação a termo, só admitindo que o contrato a termo possa ser validamente celebrado para certos fins e na medida em que estes o justifiquem, há sempre que justificar o recurso a esse tipo de contratação, cabendo tal ónus à entidade empregadora, como decorre da conjugação do disposto na al. e), do n.º1 e n.º3, do art.º 141.º CT/09, sob pena de conversão do contrato a termo em contrato sem termo [n.º 1, al. c) do artigo 147.º CT/09].
Este é igualmente o entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Justiça, como se retira do recente Acórdão desta instância, de 22-02-2017 [Proc.º n.º 236/15.0T8AVR.P1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt], em cuja fundamentação se exara o seguinte:
-«(..)
Assim, e conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 2/12/2013, Processo n.º 273/12.6T4AVR.C1.S1, 4ª Secção, consultável em www.dgsi.pt, a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade “ad substantiam”, tendo que integrar, forçosamente, o texto do contrato, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova.[2]
Donde ser de concluir que as fórmulas genéricas constantes das várias alíneas do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho têm de ser concretizadas em factos que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, por forma a permitir a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia legal e que é real a justificação invocada e adequada à duração convencionada para o contrato.
Por isso, tal indicação deve ser feita de forma suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência da necessidade temporária invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, que se comprove que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades[3], cabendo ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, conforme prescreve o n.º 5 do mencionado artigo 140º».
III.1.2 Relevam para a apreciação deste ponto, os factos provados seguintes:
2) Em 2 de maio de 2011 a R. informou por escrito a A. que o acordo aludido em 1) termina no dia 3 de junho de 2011, por força do regresso ao serviço da titular do cargo;
3) A enfermeira substituída, D..., aquando do seu regresso a 3 de maio de 2011, não veio ocupar o seu anterior lugar nos cuidados paliativos, lugar onde havia sido substituída pela A., tendo antes passado a trabalhar no serviço de colheitas de sangue;
4) Aquando do seu regresso ao C..., a colocação da enfermeira D... no serviço de colheitas de sangue ocorreu a pedido da mesma;
5 (com o aditamento que se introduziu) Em 4 de junho de 2011 a R. celebrou com a A. um novo acordo escrito, por via do qual a admitiu, a termo incerto, para exercer, de forma subordinada, as funções compreendidas na categoria profissional de Enfermeira, nas instalações da R. sitas à Rua ..., conforme resulta do teor do documento de fls. 20 a 22, que aqui se dá por integralmente reproduzido, nele fazendo constar, para além do mais: [3.ª] O presente contrato a termo incerto fundamenta-se na previsão do art.º 140.º n.ºs e e 2, alínea a), do Código do Trabalho, justificando-se pela necessidade temporária de substituição do trabalhador enfermeiro E..., ausente por cedência de interesse público para uma USF desde 01-01-2011 e dura pelo período de tempo em que se prolongue essa necessidade que se prevê ser por seis meses.
6) A partir da data a que se aludiu em 5) a A. permaneceu no serviço de cuidados paliativos no qual foi integrada em 6 de janeiro de 2010;
7) A permanência da A. no serviço de cuidados paliativos mencionada em 6) deveu-se ao facto de aquela ter entretanto adquirido experiência na área;
8) O enfermeiro substituído, E..., quando deixou de trabalhar no C..., em 1 de janeiro de 2011, fazia-o na unidade de cuidados intermédios e, quando regressou ao C..., em 13 de abril de 2015, passou a desempenhar funções no serviço de medicina;
9) Em 13 de abril de 2015 a R. informou por escrito a A. de que o acordo aludido em 5) termina sessenta dias após a receção de tal comunicação, em virtude de ter regressado ao serviço o titular do cargo;
III.1.3 Estamos perante um contrato a termo incerto, cuja celebração, conforme estabelecido no n.º3, do art.º 140.º do CT/09, só é permitida nas situações referidas nas situações referidas nas alíneas a) a c) ou e) a h, do n.º2, do mesmo artigo, entre elas as que respeitam à substituição de trabalhadores impedidos temporariamente de presta a sua actividade (al. b)].
A validade da celebração do contrato a termo incerto depende da observância dos requisitos formais, designadamente, a redução a escrito com as menções indicadas pela lei, entre elas, o motivo justificativo, que deve ser feita “com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado” [art.º 141.º n.º 1 al. e) e n.º3].
Em suma, “[É] necessário (..) que a indicação requerida permita duas coisas: a verificação externa de conformidade da situação concreta com a tipologia do art.º 140.º; e a validade e adequação da própria justificação invocada face à duração estipulada no contrato” [Monteiro Fernandes, op. cit, p. 328].
No caso constata-se que esses requisitos foram observados. O contrato a termo incerto celebrado em 4 de Junho de 2011, menciona expressamente que o mesmo justifica-se “ pela necessidade temporária de substituição do trabalhador enfermeiro E..., ausente por cedência de interesse público para uma USF desde 01-01-2011 e dura pelo período de tempo em que se prolongue essa necessidade que se prevê ser por seis meses”.
Não se crê, diversamente do que sustenta a recorrente, que fosse ainda exigível mencionar-se que a contratação de destinava a assegurar a substituição “indirecta” daquele trabalhador, em razão de este, antes de ter sido cedido, prestar serviço na unidade de cuidados intermédios, quando a autora não foi colocada nesse serviço. Aliás, como adiante explicaremos, não cremos sequer que se esteja perante uma substituição “indirecta”.
O que consta da indicação é suficiente para permitir a verificação externa, quer pela trabalhadora quer em juízo, de que o contrato a termo incerto foi celebrado para dar resposta a uma das situações autorizadas pela lei laboral – a substituição de trabalhador ausente temporariamente -, constando devidamente identificado quem é o trabalhador ausente, desde quando, quais as razões dessa ausência e, ainda, a indicação, em termos de probabilidade, do tempo de duração da necessidade.
Questão diversa é já a de saber se o motivo justificativo tem correspondência com a realidade, recaindo sobre a entidade empregadora a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, conforme prescreve o n.º 5, do artigo 140º.
Crê-se que essa prova foi conseguida, visto resultar do facto 8 que o enfermeiro E... deixou de trabalhar no C..., em 1 de janeiro de 2011 e regressou em 13 de abril de 2015. Melhor explicando, quando foi celebrado o contrato de trabalho a termo incerto com a autora já o Réu não podia contar com aquele enfermeiro para prestar a sua actividade, sendo previsível que esse impedimento se prolongasse no tempo, situação suficiente para possibilitar a contratação a termo incerto; por outro lado, durante toda a duração deste contrato o trabalhador substituído esteve efectivamente ausente e, logo, impedido de prestar a sua actividade à entidade empregadora, sendo certo que assim que regressou - em 13 de Abril de 2015 - imediatamente o réu, nessa mesma data, comunicou à autora a cessação do contrato “sessenta dias após a receção de tal comunicação, em virtude de ter regressado ao serviço o titular do cargo” (facto 9).
Resta a questão de saber se no caso é de entender, como ajuizou o Tribunal a quo, ter o contrato a termo incerto sido celebrado para assegurar a necessidade temporária da ré de substituir indirectamente o enfermeiro E....
No entender da autora tal não se verifica, argumentando que aquela invocação consistiu num subterfúgio para a manterem nos cuidados paliativos por dela precisarem em permanência e, não se pretender a sua contratação por tempo indeterminado”.
Pois bem, embora não concordemos com o tribunal a quo quando entendeu estar-se perante uma “substituição indirecta”, sempre se concorda com a decisão sobre esta questão, o que vale por dizer que não acolhemos a argumentação da recorrente. Passamos a justificar esta asserção.
A enfermeira D... – substituída pela autora através do primeiro contrato a termo incerto celebrado - quando regressou ao serviço “não veio ocupar o seu anterior lugar nos cuidados paliativos, lugar onde havia sido substituída pela A., tendo antes passado a trabalhar no serviço de colheitas de sangue”, colocação que (..) ocorreu a pedido da mesma” (factos 3 e 4).
Deduz-se, pois, que de facto seria necessário ou, pelo menos, justificar-se-ia, preencher essa vaga nos cuidados paliativos.
Mas por outro lado, nesse ínterim, o Réu tinha ainda outro lugar de enfermeiro por preencher, em concreto, o de E..., ausente desde 1 de Janeiro de 2011, o qual, quando entrou nessa situação, estava colocado na unidade de cuidados intermédios (facto 8).
O Réu optou por contratar a autora a termo incerto para substituir o enfermeiro E.... Contudo, não a colocou na unidade de cuidados intermédios, antes a mantendo nos cuidados paliativos atendendo ao “ facto de aquela ter entretanto adquirido experiência na área” (facto 6).
Mas repare-se, ainda, que o enfermeiro E... quando regressou também não foi colocado no serviço de origem, mas antes no serviço de medicina, o que significa que não haveria uma necessidade premente de colocar alguém naquele serviço.
Destes factos resulta existir uma efectiva prática de gestão interna que passa pela colocação dos trabalhadores enfermeiros nos serviços onde a entidade empregadora entende que sejam mais necessários, procurando também conciliar o interesse dos próprios. Com efeito, é isso que explica que estes enfermeiros – D... e E... - ao regressarem não fossem colocados nos lugares de origem, mas antes noutros serviços, embora desempenhando funções de enfermeiros.
É certo, que a trabalhadora autora foi mantida a exercer funções em serviço diferente daquele onde prestava trabalho o trabalhador substituído. Contudo, cremos que não será correcto dizer-se que se está perante uma substituição indirecta. A lei não nos dá uma noção de uma coisa e outra, mas como explica o Professor Júlio Manuel Vieira Gomes, [Direito do Trabalho, Coimbra Editora, 2007, pag. 594], “(..) é permitida inequivocamente a substituição em cadeia, na qual o trabalhador contratado a termo não vai ocupar o posto de trabalho do trabalhador substituído, mas sim de um outro trabalhador que, no âmbito, por exemplo, de uma alteração funcional ou do ius variandi foi substituir directamente o trabalhador substituído.”.
Ora, acompanhando-se este entendimento, é forçoso concluir que no caso não podemos considerar estar-se perante uma substituição indirecta, visto que o trabalhador E... não foi substituído por ter ido substituir outro trabalhador, permanecendo na organização do Réu. Na verdade, este trabalhador enfermeiro estava a exercer funções em entidade diferente, significando isso que, em termos práticos, o Réu contava com menos um enfermeiro para prestar a sua actividade, visando a sua substituição preencher essa falta.
Trata-se, pois, de uma substituição directa.
Aquela prática da Ré que acima assinalámos, insere-se no âmbito dos poderes de direcção e gestão da entidade empregadora: “Compete ao empregador estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem” (art.º 97.º do CT). Importa é que o empregador respeite os direitos do trabalhador, designadamente, no que tange à retribuição e categoria (art.º 129.º n.º1, alíneas d) e e)].
Justamente por isso, contrariamente à ideia que está subjacente ao argumento da autora, para que a substituição de trabalhador impedido temporariamente de prestar trabalho seja possível e conforme às exigências legais, não é forçoso que o trabalhador substituto contratado a termo vá desempenhar exactamente as mesmas funções que eram exercidas pelo substituído. Se a força de trabalho deste último, desde que salvaguardados os seus direitos, podia ser utilizada consoante a entidade empregadora entendesse mais adequado e necessário, não se vê razões objectivas para se impor que o trabalhador contratado a termo para o substituir não possa ser colocado em posto de trabalho diverso, desde que o núcleo essencial das funções que vai executar tenha correspondência com aquelas que eram desempenhadas pelo trabalhador substituído.
Neste sentido, em termos elucidativos, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 17-05-2007 [proc.º7S537, Conselheiro Sousa Peixoto, disponível em www.dgsi.pt], onde se lê o seguinte:
-«(..)
Como é evidente, para que o termo aposto num contrato de trabalho seja válido não basta que formalmente esteja correcto, isto é, não basta que do contrato conste um motivo e que esse motivo faça parte do elenco de situações previstas nas alíneas do n.º 1 do art.º 41.º. É indispensável, ainda, que esse motivo exista de verdade e que, de facto, as funções que o trabalhador contratado foi exercer entronquem realmente nesse motivo. Assim, e por exemplo, se um trabalhador é contratado a termo com o fundamento de ir substituir um determinado trabalhador da empresa durante o seu período de férias, não basta (embora também seja indispensável) que do contrato, necessariamente reduzido a escrito, fique a constar isso mesmo. É necessário ainda que o trabalhador identificado no contrato e alegadamente em férias esteja realmente em gozo de férias e que o trabalhador contratado vá exercer as mesmas funções que por ele eram normalmente executadas. Por outras palavras, a verdade formal expressa no contrato tem de corresponder à verdade material da real situação e é certamente por isso que a lei exige que do contrato fique a constar “o nome do trabalhador substituído” (art.º 42.º, n.º 1, al. e), da LCCT).
Contudo, a lei não exige que o trabalhador contratado vá desempenhar exactamente as mesmas concretas tarefas que aquele vinha realizando. Aliás, uma tal exigência seria absolutamente descabida, uma vez que a mesma colocaria em causa o poder de direcção que a lei confere ao empregador, ao atribuir-lhe a competência para fixar os termos em que trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do mesmo e das normas que o regem (art.º 39.º, n.º 1, da LCT - (3).
Na verdade, cabendo à entidade empregadora definir, a cada momento, as tarefas que o trabalhador temporariamente impedido devia realizar (dentro, naturalmente, dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem), não faria sentido que o não pudesse fazer em relação ao trabalhador que o veio substituir. O que realmente interessa é que o trabalhador contratado vá exercer as mesmas funções que o trabalhador substituído vinha prestando. A determinação das concretas tarefas que, no dia a dia, terá de realizar, no respeito pelo quadro funcional da respectiva categoria profissional, é da exclusiva competência do empregador, nos termos do poder de direcção já referido. Nem poderia ser de outro jeito, uma vez que o trabalhador tem de “[o]bedecer à entidade patronal em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho, salvo e na medida em que as ordens e instruções se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias” (art.º 20.º, n.º 1, al. c), da LCT, aqui também aplicável). A necessidade de organização e os interesses do empregador assim o exigem.
Por outras palavras, para efeitos da substituição prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 41.º da LCCT, basta que as tarefas de que o trabalhador contratado a termo foi incumbido de realizar façam parte do conteúdo funcional da categoria profissional do trabalhador que foi substituir. A chamada substituição directa basta-se com isso».
Concluindo, entende-se que se está perante uma substituição directa do Enfermeiro E..., temporariamente impedido de prestar a sua actividade para o Ré, possível face ao disposto nos n.ºs 1, 2 al. a) e n.º3, do artigo 140.º do CT, devidamente justificada e demonstrados os factos dessa justificação, não obstando à sua possibilidade legal de celebração de contrato a termo incerto, o facto da autora ter sido mantida nos cuidados paliativos atendendo ao facto de entretanto ter adquirido experiência nessa área.
Assim, improcede a ampliação do objecto do recurso.
III.2 Recurso do Réu
O recurso do Réu assenta em duas linhas de argumentação distintas.
Em primeiro lugar, vem defender que a norma do artigo 143º nº1 do Código do Trabalho reporta-se a um posto de trabalho material e objectivamente considerado e é inaplicável à contratação a termo incerto por substituição indirecta de trabalhador ausente, ideia que é inculcada pela norma do art.º 143º nº 2, ao afastar, para a nova ausência do trabalhador substituído a imposição de qualquer hiato temporal.
No seu entender o tribunal a quo errou ao reconhecer como validamente fundada a contratação a termo incerto por substituição indirecta de trabalhador ausente, para depois sujeitar essa situação ao disposto no n.º 1 do art.º 143.º.
Prendendo-se com esta questão suscita ainda uma outra [conclusão 5ª], pondo em causa a sentença também em razão de ter considerado que o contrato se considera sem termo desde 6 de janeiro de 2010, isto é, desde a data da celebração do primeiro contrato a termo. Refere o recorrente que da conjugação dos artigos 143º nº 1 e 147º nºs 1 e 2 do CT, não resulta uma situação de nulidade, originária ou outra, mas uma cominação da conversão do contrato.
Em segundo lugar, defende que não existe qualquer abuso de direito na invocação da ilegalidade do ‘momento’ do recrutamento do trabalhador, estando a Ré sujeita ao princípio de legalidade nos termos do qual tem a obrigação legal de a invocar. É inconstitucional a solução adoptada pelo Tribunal a quo, porquanto conduz a que um contrato a termo incerto se converta num contrato de trabalho por tempo indeterminado perante uma entidade pública empresarial, situada no perímetro da Estado - integrando a sua Administração Indirecta.
III.2.1 A primeira linha de argumentação é dirigida à parte da fundamentação da sentença onde se concluiu que o “R., ao novamente contratar a A. a termo incerto, em 4 de junho de 2011, para esta para si exercer as funções de enfermeira – e sendo certo que a A., não só sempre exerceu tais funções, mas até fê-lo no mesmo serviço de cuidados paliativos –, violou o preceituado naquele art.º 143.º, uma vez que não esperou, para poder novamente contratar, pela passagem, desde a cessação do anterior contrato – ocorrida por motivo não imputável à trabalhadora –, do período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato de 6 de janeiro de 2010. A sanção para tal conduta prevê-a o art.º 147.º n.º 1 d) do C. do Trabalho: considera-se o contrato como sem termo”, bem assim quanto à decisão retirada em consequência daquela conclusão:
-“Declaro que o contrato de trabalho celebrado entre a A., B..., e a R., C..., EPE, em 6 de janeiro de 2010 foi-o por tempo indeterminado”.
O artigo 143.º, com a epígrafe “Sucessão de contrato de trabalho a termo”, estabelece o seguinte:
[1] A cessação de contrato de trabalho a termo, por motivo não imputável ao trabalhador, impede nova admissão ou afectação de trabalhador através de contrato de trabalho a termo ou de trabalho temporário cuja execução se concretize no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, celebrado com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo renovações.
[2] O disposto no número anterior não é aplicável nos seguintes casos:
a) Nova ausência do trabalhador substituído, quando o contrato de trabalho a termo tenha sido celebrado para a sua substituição;
b) Acréscimo excepcional da actividade da empresa, após a cessação do contrato;
c) Actividade sazonal;
d) Trabalhador anteriormente contratado ao abrigo do regime aplicável à contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego.
[3] Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.
Resulta deste dispositivo a proibição de contratos sucessivos a termo (ou de trabalho temporário) quando a execução se concretize no mesmo posto de trabalho, sem observância do intervalo fixado na parte final do n.º1, fora das situações descritas nas quatro alíneas do n.º2.
A violação desta proibição tem como efeito considerar-se sem termo o contrato de trabalho celebrado [art.º 147.º n.º1/ al. d)].
Ao estabelecer esta consequência, “o legislador presume que a sucessão de contratos a termo para o mesmo trabalho se destina a dissimular uma situação funcional de natureza permanente” [Monteiro Fernandes, op. Cit., p. 334].
Os n.ºs 1 e 2, do art.º 143.º do actual CT/09, tinham como correspondentes os n.ºs 1 e 2, do art.º 132.º do precedente CT/03, sendo de assinalar que foram introduzidas alterações à primeira daquelas normas, que dispunha:
[1] A cessação, por motivo não imputável ao trabalhador, de contrato de trabalho a termo impede nova admissão a termo para o mesmo posto de trabalho, antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo as suas renovações.
Por seu turno, estas normas do CT/03 tiveram como correspondente o artigo 41.º A, aditado pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, ao Decreto-Lei Nº 64-A/1989, de 27 de Fevereiro, [regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo], que estabelecia:
[Artigo 41º-A Contratos sucessivos]
1 - A celebração sucessiva e ou intervalada de contratos de trabalho a termo, entre as mesmas partes, para o exercício das mesmas funções ou para satisfação das mesmas necessidades do empregador determina a conversão automática da relação jurídica em contrato sem termo.
2 - Exceptua-se do número anterior a contratação a termo com fundamento nas alíneas c) e d) do Nº 1 do artigo 41º.
A proibição de contratos sucessivos, consagrada nestes diferentes normativos, suscitou e, dir-se-á mesmo, continua a suscitar, algumas dificuldades de interpretação.
Uma das dúvidas respeita à questão de saber se este regime é apenas aplicável quando está em causa o mesmo trabalhador, ou se abrange também a sucessão de contratos envolvendo um trabalhador diferente. Nas palavras de Monteiro Fernandes:
- «A ambiguidade desse preceito é quase insuperável. Parece, por um lado, que o regime só se aplica quando se trate do mesmo trabalhador - não quando a “sucessão” de contratos envolve trabalhador diferente. Nesta perspectiva, a ratio do preceito seria a mesma que a da al.j) do art.º 129.º /1CT, onde se proíbe ao empregador a prática de fazer cessar ficticiamente o contrato com um trabalhador para logo a seguir o admitir de novo, visando defraudar a lei. Mas também é plausível o entendimento de que o mesmo regime se aplicará quando se trate de admitir trabalhador diferente – visando, então, impedir o sistemático preenchimento de postos de trabalho (na verdade, permanentes) através de vínculos precários. Inclinamo-nos, com alguma hesitação, para esta segunda leitura, por duas razões: o primeiro tipo de situações estava já coberto e sancionado no art.º 129.º, e afinal, também cabe no âmbito da segunda interpretação, sob o ponto de vista do combate ao recurso sistemático ao contrato a termo”.
No caso em concreto não se coloca esta questão, pois está em causa a mesma trabalhadora, não suscitando dúvida que essa situação é abrangida por este regime.
Outra das dúvidas respeita à determinação do sentido e alcance da actual expressão “mesmo posto de trabalho”, adoptada já no CT/03, mas que já se colocava antes relativamente à expressão “exercício das mesmas funções”, do art.º 41º-A /1, aditado pela Lei n.º 18/2001 ao Decreto-Lei nº 64-A/1989.
Debruçando-se sobre esta problemática, o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 10-03-2011 [proc.º 539/07.7TTVFR.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol, disponível em www.dgsi.pt], sintetizou o entendimento a que se chegou no sumário seguinte:
[1] Para o conceito de posto de trabalho acolhido no n.º 1 do artigo 132.º do Código do Trabalho de 2003, que rege a celebração de contratos de trabalho sucessivos a termo, relevam as concretas tarefas desempenhadas pelo trabalhador a substituir, o que acentua a «ideia de individualização do posto de trabalho».
[2] Sendo diferentes os postos de trabalho em causa em cada um dos contratos de trabalho a termo celebrados entre as mesmas partes, não se verifica infracção ao disposto no n.º 1 do artigo 132.º, termos em que não se pode considerar sem termo o segundo contrato de trabalho a termo firmado.
Para que se perceba as razões jurídicas que sustentam aquelas conclusões, da fundamentação do aresto consta o seguinte:
- «(..)
Decorre do exposto que a solução do problema submetido à apreciação deste Supremo Tribunal passa, necessária e fundamentalmente, pela interpretação do disposto no n.º 1 do artigo 132.º do Código do Trabalho de 2003.
Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).
Ora, o n.º 1 do artigo 132.º dispunha que «[a] cessação, por motivo não imputável ao trabalhador, de contrato de trabalho a termo impede nova admissão a termo para o mesmo posto de trabalho, antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo as suas renovações».
Assim, o normativo em exame proibia a celebração de contratos de trabalho a termo sucessivos para o preenchimento do mesmo posto de trabalho, acentuando a «ideia de individualização do posto de trabalho (um posto, um homem)» (cf. MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 588) e ligando-o às funções prestadas por um determinado trabalhador.
Esta «ideia de individualização do posto de trabalho» acha-se consagrada no n.º 2 do artigo 403.º que, a propósito dos requisitos do despedimento por extinção do posto de trabalho, prescreve que, havendo na secção ou estrutura equivalente uma pluralidade de postos de trabalho de conteúdo funcional idêntico, o empregador, na concretização de postos de trabalho a extinguir, deve observar, por referência aos respectivos titulares, os critérios a seguir indicados — «1.º menor antiguidade no posto de trabalho; 2.º menor antiguidade na categoria profissional; 3.º categoria profissional de classe inferior; 4.º menor antiguidade na empresa» —, os quais se alicerçam nas características dos titulares dos postos de trabalho em confronto.
Tal «ideia de individualização do posto de trabalho» é ainda reforçada pelo teor da alínea a) do n.º 2 do artigo 132.º, ao prever que o disposto no n.º 1 do mesmo normativo não é aplicável no caso de «[n]ova ausência do trabalhador substituído, quando o contrato de trabalho a termo tenha sido celebrado para a sua substituição».
Acresce que o anterior regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, editado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, na redacção introduzida pela Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, ao regular os contratos a termo sucessivos, estabelecia que «[a] celebração sucessiva e ou intervalada de contratos de trabalho a termo, entre as mesmas partes, para o exercício das mesmas funções ou para a satisfação das mesmas necessidades do empregador determina a conversão automática da relação jurídica em contrato sem termo», resultando da comparação deste normativo com o n.º 1 do artigo 132.º, que o critério do «exercício das mesmas funções» foi abandonado por esta norma.
Ora, não pode ser considerado pelo intérprete um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas, como referem os n.os 2 e 3 do artigo 9.º do Código Civil.
Tudo para concluir que o conceito de posto de trabalho acolhido no n.º 1 do artigo 132.º se refere às funções/tarefas desempenhadas pelo trabalhador a substituir.
(..)».
Esta doutrina veio a ser reafirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 26-05-2015 [proc.º 960/11.6TTLRS.L1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt], em cujo sumário, no que aqui releva, foi consignado o seguinte:
I- A sucessão de contratos a termo é regulada no Código do Trabalho de 2009 de modo a impedir uma espiral da contratação a termo, pretendendo o legislador evitar que a cessação dum contrato de duração limitada seja seguida duma nova contratação a termo, seja do mesmo ou doutro trabalhador, implicando esta violação a conversão do contrato em contrato de duração indeterminada, conforme advém do artigo 147º, nº 1, alínea d) do mesmo diploma.
II- Face ao disposto no nº 1 do artigo 143º do CT, a proibição de celebração de sucessivos contratos a termo depende da existência dos seguintes requisitos:
a. que a cessação do primeiro contrato seja devida a razões não imputáveis ao trabalhador;
b. inexistência dum período de espera correspondente a um terço da duração do contrato anterior;
c. esta proibição só vale para as situações em que se pretende o preenchimento do mesmo posto de trabalho.
III- Afectar um trabalhador a um determinado posto de trabalho significa encarregá-lo da realização de um conjunto de tarefas que, mercê do processo de divisão e organização de trabalho, foram, em dado momento, autonomizadas no seio da organização produtiva, não bastando o exercício das mesmas funções para que se possa concluir pela existência do mesmo posto de trabalho, pois a ideia de individualização do posto de trabalho (um posto, um homem), liga-o às funções prestadas por um trabalhador num determinado contexto organizativo e numa concreta estrutura hierárquica em que esteja inserido.
Sobre esta questão, na elucidativa fundamentação desse aresto sustentou-se o seguinte:
-«(..)
É tendo em conta que ao contrato a termo deve corresponder a satisfação de necessidades temporárias da empresa que a lei estabelece regras que visam obstar à sua eternização.
(..)
E é nesta lógica que se proíbe também a celebração de contratos a termo sucessivos, conforme resulta do artigo 143º.
(..)
E também a sucessão de contratos a termo é regulada de modo a impedir a espiral da contratação a termo, pretendendo o legislador evitar que a cessação dum contrato de duração limitada seja seguida duma nova contratação a termo, seja do mesmo ou doutro trabalhador, implicando esta violação a conversão do contrato em contrato de duração indeterminada, conforme advém do referido artigo 147º, nº 1, alínea d).
Resulta com efeito do artigo 143.º do CT (Sucessão de contrato de trabalho a termo) que:
(..)
Trata-se dum regime que já vinha do artigo 132.º do CT/2003, que sob a epígrafe “Contratos sucessivos”, dispunha que a cessação, por motivo não imputável ao trabalhador, de contrato de trabalho a termo impedia nova admissão a termo para o mesmo posto de trabalho, antes de decorrido um período de tempo equivalente a um terço da duração do contrato, incluindo as suas renovações (n.º 1).
No entanto, e tal como acontece agora, esta proibição não era aplicável aos casos de nova ausência do trabalhador substituído, quando o contrato de trabalho a termo tenha sido celebrado para a sua substituição; nos casos de acréscimos excepcionais da actividade da empresa, após a cessação do contrato; e nas situações de actividades sazonais, entendendo o legislador quer se trata de novas necessidades temporárias justificativas duma nova contratação a termo, mesmo sem se observar o período de espera exigido pelo preceito.
E também não se aplica às situações de trabalhador anteriormente contratado ao abrigo do regime aplicável à contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego, entendendo o legislador que se trata duma promoção do emprego, que apesar de ser temporário, justifica de per si a celebração de novo contrato de trabalho mesmo sem observância do período de espera.
Diga-se ainda que este regime da proibição de contratos a termo sucessivos já remontava ao artigo 41º-A do DL nº 64-/89 de 27/2 (LCCT), norma que fora introduzida pela Lei nº 18/2001 de 3 de Julho, e donde resultava que a celebração sucessiva e ou intervalada de contratos de trabalho a termo entre as mesmas partes, para o exercício das mesmas funções ou para satisfação das mesmas necessidades do empregador, determinava a conversão automática da relação jurídica em contrato sem termo.
Assim, por força deste regime já se considerava como um só contrato aqueles casos de contratações a termo sucessivas do mesmo trabalhador, e sem que entre elas tenha decorrido o período de seis meses que o legislador previa no artigo 46º/3 da LCCT para se contratar outro trabalhador para ocupar o mesmo posto de trabalho, desta forma se pretendendo proteger o trabalhador do risco da espiral de contratações a termo.
Analisando esta evolução legislativa, constatamos que a proibição da contratação sucessiva da lei actual e do código do Trabalho de 2003 exige que se trate duma nova admissão ou duma afectação de trabalhador contratado a termo para ocupar o mesmo posto de trabalho, enquanto o regime da LCCT impedia a celebração sucessiva e ou intervalada de contratos de trabalho a termo entre as mesmas partes, mas para o exercício das mesmas funções ou para satisfação das mesmas necessidades do empregador.
(..)
Assim e face ao disposto no nº 1 do artigo 143º do CT, a proibição de celebração de sucessivos contratos a termo depende da existência dos seguintes pressupostos:
a. que a cessação do primeiro contrato seja devida a razões não imputáveis ao trabalhador;
b. inexistência do período de espera correspondente a um terço da duração do contrato anterior;
c. por fim, esta proibição na sucessão de contratos a termo só vale para as situações em que se pretende o preenchimento do mesmo posto de trabalho.
(..)
Mas estaremos perante o preenchimento do mesmo posto de trabalho para que funcione a proibição resultante do mesmo preceito, com a consequente conversão do contrato em contrato de duração indeterminada, conforme concluiu a Relação?
São vários os preceitos do CT que utilizam o conceito de “posto de trabalho”, bastando a título de exemplo, e ainda no contexto da contratação a termo, mencionar o nº 4 do artigo 144º, que obriga o empregador a afixar informação relativa à existência de “postos de trabalho” permanentes que estejam disponíveis na empresa ou no estabelecimento; e o nº 5 do artigo 148º relativo à contagem do limite de três anos de duração máxima do contrato a termo.
Por outro lado, basta atentar nos artigos 367º e seguintes, preceitos que estabelecem o regime do despedimento do trabalhador por extinção de “posto de trabalho”.
O legislador não toma posição sobre o conceito, de modo a fornecer ao intérprete elementos quanto ao respectivo âmbito.
Na doutrina, Furtado Martins, citando Nunes de Carvalho, reporta o posto de trabalho a um certo conteúdo funcional com uma determinada localização hierárquica na organização, estando aqui pressuposta uma divisão de trabalho que subjaz a uma organização produtiva com um mínimo de dimensão e que se manifesta na existência de diferentes postos de trabalho relacionados entre si, entendidos como diferentes conjuntos de tarefas que integram o processo de organização e de divisão do trabalho, conjuntos esses que são agregados em diferentes funções, de cuja execução são encarregues diferentes trabalhadores.
E assim, afectar um trabalhador a um determinado posto de trabalho significa encarregar esse trabalhador da realização de um conjunto de tarefas que, mercê do processo de divisão e organização de trabalho foram, em dado momento, autonomizadas no seio da organização produtiva.
E conclui aquele autor que o conceito de posto de trabalho coincide com a função ou conjunto de tarefas localizado organizacionalmente, isto é, numa concreta organização produtiva, que é fruto do modo como o respectivo titular decide organizar e dividir o trabalho necessário ao seu funcionamento e de cuja execução é encarregue um trabalhador.
Por isso, e citando Monteiro Fernandes, considera que é essencial à dimensão jurídico-laboral da noção “a ideia de individualização do posto de trabalho (um posto de trabalho um homem)”.
Neste sentido se pronuncia também o acórdão deste Supremo Tribunal de 10/3/2011, processo nº 539/07.7TTVFR.P1.S1, e que embora respeite a uma situação disciplinada pelo Código do Trabalho de 2003 mantém plena actualidade, donde se conclui que para o conceito de posto de trabalho acolhido no n.º 1 do artigo 132.º do Código do Trabalho de 2003, que rege a celebração de contratos de trabalho sucessivos a termo, relevam as concretas tarefas desempenhadas pelo trabalhador a substituir, o que acentua a ideia de individualização do posto de trabalho.
(..)
Concluímos assim que afectar um trabalhador a um determinado posto de trabalho significa encarregá-lo da realização de um conjunto de tarefas que, mercê do processo de divisão e organização de trabalho foram, em dado momento, autonomizadas no seio da organização produtiva, não bastando o exercício das mesmas funções para que se possa concluir pela existência do mesmo posto de trabalho, pois a ideia de individualização do posto de trabalho (um posto, um homem), liga-o às funções prestadas por um trabalhador num determinado contexto organizativo e numa concreta estrutura hierárquica em que esteja inserido.
(..)».
Acolhemo-nos a este entendimento. Mas antes de entrar nesta questão, começaremos por nos pronunciar quanto aos efeitos retirados pelo tribunal a quo ao ter concluído que o segundo contrato – celebrado em 4 de Junho de 2011 – violou o disposto no n.º1, do art.º 143.º do CT, vindo a decidir:
-“Declaro que o contrato de trabalho celebrado entre a A., B..., e a R., C..., EPE, em 6 de janeiro de 2010 foi-o por tempo indeterminado”.
Pois bem, tem razão a recorrente quando sustenta que o tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação do disposto no art.º 147.º 1, al. d), do CT. Como se deixou acima assinalado, a violação da proibição de contratação sucessiva estabelecida pelo n.º1 do art.º 143.º, tem como efeito considerar-se sem termo o contrato de trabalho celebrado [art.º 147.º n.º1/ al. d)].
Para que se verifique essa violação é sempre necessário que a contratação a termo em relação à qual se efectua essa aferição tenha sido precedida de uma outra contratação a termo, a qual pode, ou não, ter sido celebrada validamente. Mas o que está em causa no n.º1, do art.º 143.º é a validade do contrato que sucede àquele anterior e não este. Por isso mesmo, o art.º 147.º n.º 1 al. d, estabelece que [1]“(C)onsidera-se sem termo o contrato de trabalho: [d] (C)elebrado em violação do disposto no n.º1 do art.º 143.º”, não estendendo essa sanção ao contrato anterior.
Parafraseando o acórdão de 27-05-2013, desta Relação [Proc.º 1019/11.1TTBCL.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt] “a verificação do vício resultante da violação do art. 143º, nº 1, afeta a validade do contrato a termo que é celebrado em sua violação (o contrato sucessor) e não já a validade da caducidade do anterior contrato que havia sido validamente celebrado mas que, entretanto, cessou”.
Portanto, ao ter concluído que o contrato celebrado em 4 de Junho de 2011, violou-se o disposto no art.º 143.º n.º1. O Tribunal a quo apenas poderia ter decidido considerar-se sem termo esse mesmo contrato, não existindo fundamento legal para ter reportado esse efeito ao primeiro contrato, celebrado em 6 de janeiro de 2010.
Prosseguindo para a questão fulcral. Entendeu o Tribunal a quo que a celebração do 2.º contrato, em 4 de Junho de 2011, violou o disposto no art.º 143.º 1, em razão da autora ter permanecido a exercer as mesmas funções de enfermeira e no mesmo serviço de cuidados paliativos, tal como aconteceu durante o primeiro contrato a termo.
Reconhecemos que a questão não é isenta de dificuldades. Contudo, adianta-se já, afigurar-se-nos não ocorrer essa violação.
Acolhendo-nos ao entendimento defendido nos citados arestos do Supremo Tribunal de Justiça, a locução “mesmo posto de trabalho” do n.º1, do art.º 143.º, tem em vista “as concretas tarefas desempenhadas pelo trabalhador a substituir, o que acentua a ideia de individualização do posto de trabalho”. Não basta “o exercício das mesmas funções para que se possa concluir pela existência do mesmo posto de trabalho, pois a ideia de individualização do posto de trabalho (um posto, um homem), liga-o às funções prestadas por um trabalhador num determinado contexto organizativo e numa concreta estrutura hierárquica em que esteja inserido”.
No caso, é certo que a autora continuou a exercer as funções de enfermeira no mesmo serviço de cuidados paliativos. Contudo, o que releva é motivo que justificou a sua contratação a termo incerto – e que se julgou válido - isto é, a substituição do trabalhador E..., impedido de prestar a sua actividade para o Réu, por ter sido cedido a outra entidade.
No primeiro contrato a termo a autora substituiu a enfermeira D... no serviço em que esta desempenhava funções, mas como já se viu, esta quando regressou não veio ocupar o mesmo lugar (a pedido da própria). Se porventura esta enfermeira tivesse de novo ficado temporariamente impedida de prestar a sua actividade para a Ré por qualquer outra razão, não haveria qualquer obstáculo a nova contratação da autora a termo incerto para a substituir, embora permanecesse no mesmo serviço e no desempenho das mesmas funções, pois deixava de ser aplicável a regra do n.º1, conforme determinado pelo n.º2, al. a), visto que nesse caso estar-se-ia perante “[N]ova ausência de trabalhador substituído, quando o contrato de trabalho a termo tenha sido celebrado para sua substituição”.
Se a ideia que deve prevalecer na interpretação da norma é a da “individualização do posto de trabalho (um posto/um homem)”, parece-nos que fará sentido admitir-se como possível a contratação da autora a termo incerto, apesar de manter o exercício de funções no mesmo serviço, quando a justificação dessa contratação é a substituição de um outro trabalhador que efectivamente estava ausente.
Em termos rigorosos é inquestionável que o Réu tinha menos um trabalhador enfermeiro ao seu serviço e, logo, desde que necessitasse de o substituir, podia suprir essa ausência temporária com recurso à contratação a termo.
Por conseguinte, se o Réu podia suprir esta ausência temporária de um seu trabalhador enfermeiro para assegurar as necessidades do processo produtivo da sua organização, não vimos razões que exijam que para o poder fazer sem incorrer em violação do disposto no n.º1 do art.º 143.º do CT, tivesse que preterir a autora e contratar um qualquer outro trabalhador enfermeiro. Outra hipótese que também não nos parece ter sentido lógico, seria impor à trabalhadora D..., quando esta regressou ao trabalho, que ficasse colocada no anterior lugar – cuidados paliativos – contratando a autora nos mesmos termos – para substituição do enfermeiro E... – mas deslocando-a para um outro serviço.
Salvo melhor opinião, o que está em causa é preencher um posto de trabalho de enfermeiro impedido de prestar a sua actividade por ausência temporária, isto é, de menos um elemento no conjunto dos trabalhadores enfermeiros, que tanto podem desempenhar funções num ou noutro serviço, desde que sejam salvaguardados os limites decorrentes do contrato e das normas que o regem.
Dito em poucas palavras, cremos que no caso em concreto o que estava em causa era dar resposta à necessidade de substituir temporariamente um trabalhador enfermeiro ausente do serviço, de modo a preencher as necessidades organizativas do funcionamento do Réu.
Nessa consideração, a colocação da trabalhadora contratada a termo incerto para substituir o trabalhador temporariamente ausente, tendo como objectivo desempenhar o mesmo tipo de funções –enfermeiro -, ainda que num outro serviço que não o do substituído, não pode entender-se como uma fraude à lei para preenchimento de uma necessidade permanente através do recurso a vínculos precários.
O que este regime pretende obstar é o recurso à contratação a termo sucessiva para satisfação de necessidades permanentes através de vínculos precários. Ora, na nossa leitura isso não acontece aqui.
Assim, divergindo do decidido pela primeira instância, não se entende, pois, que o réu, para poder contratar de novo a autora a termo incerto para substituir outro trabalhador enfermeiro que estivesse impossibilitado temporariamente de presta a sua actividade, optando por a colocar nos cuidados paliativos - onde estivera colocada no primeiro contrato a termo incerto – tivesse que deixar decorrer o período de tempo equivalente a um terço da duração daquele primeiro contrato – que durou de 6 Janeiro a 3 de Junho de 2010 - referido no nº 1, do art.º 143.º CT.
Concluímos, pois, assistir razão ao réu, devendo a sentença ser revogada ao ter concluído pela violação do disposto no art.º 143.º n.º1 do CT.
III.2.2 Em face do acabado de concluir, falece o pressuposto que levou o tribunal a quo a decidir no sentido da conversão do contrato a termo certo em contrato por tempo indeterminado, não acolhendo a jusante a posição do Réu, que veio defender a inconvertibilidade em razão da sua natureza, em consequência considerando ilícito o despedimento pelo facto do Réu ter comunicado à autora a caducidade do contrato de trabalho a termo, para condenar a R. a reintegrar a autora e, ainda, no pagamento de todas as remunerações que esta deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da presente sentença.
Em suma, o decidido no ponto anterior implica a revogação da sentença na totalidade, com a consequente absolvição do réu dos pedidos.
Assim sendo, necessariamente fica prejudicada a apreciação da segunda linha de argumentação do Réu, isto é, onde questionava a sentença por alegada inconstitucionalidade da solução adoptada ao concluir pela conversão de um contrato a termo indeterminado celebrado por entidade pública empresarial em contrato por tempo indeterminado.
IV. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação no seguinte:
i) Em julgar a ampliação do objecto do recurso improcedente;
ii) Em julgar o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência, absolvendo-se o Réu dos pedidos deduzidos pela autora.

Custas da acção, bem como do recurso e da ampliação do objecto do recurso, a cargo da Autora, atento o decaimento (art.º 527.º n.º2, CPC).

Porto, 19 de Março de 2018
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira