VENDA EXECUTIVA
CADUCIDADE DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
Sumário

A regra da transmissibilidade do artigo 20º do Novo Regime do Arrendamento Rural não é aplicável em caso de venda executiva, quando o contrato de locação seja celebrado em momento posterior ao registo da hipoteca.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo nº 311/12.2TBRDD.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo Central de Execução de Montemor-o-Novo – J1
*
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na presente execução para pagamento de quantia certa, a interveniente acidental “(…) – Sociedade Agro-Pecuária e Vitícola do (…), Lda.” veio interpor recurso do despacho proferido em 28 de Novembro de 2017.
*
O Tribunal decidiu pela caducidade do contrato de arrendamento celebrado entre os Executados e a (…). Na óptica do Juízo Central de Execução de Montemor-o-Novo são inoponíveis ao comprador as relações locatícias constituídas posteriormente à constituição das hipotecas e assim o invocado contrato de arrendamento caducou com a venda executiva.
*
A recorrente não se conformou com a referida decisão e na peça de recurso apresentou as seguintes conclusões:
A. Para além de não se ter o arrendamento por cessado por efeito da alegada caducidade, exactamente por já não haver venda executiva, por ter a mesma ficado prejudicada e sem efeito, pelo não cumprimento dos termos dispostos na lei com vista à sua formalização, é também por demais manifesto que o citado preceito legal não é aplicável ao caso sub judice, porquanto, e desde logo, o contrato de arrendamento não confere ao arrendatário um qualquer direito real, mas apenas um direito de crédito (aliás, e ao invés, aplicar o mencionado preceito ao arrendamento, seria, isso sim, desvirtualizar o escopo e essência da referida norma e nela pretender inserir situações claramente pretendidas afastar pelo legislador).
Sendo, por conseguinte, irrelevante o facto de terem sido alegadamente constituídas hipotecas anteriormente à celebração do Contrato de Arrendamento.
O arrendamento rural da aqui Recorrente (…) remonta já a 1980, data muito anterior às hipotecas destes autos.
B. O arrendamento não só não caduca com a venda executiva do prédio (o que resulta, desde logo, do número 1 artigo 20º do Regime do Arrendamento Rural [sob a epígrafe "Transmissibilidade"]), como lhe é oponível, nos termos, desde logo, do artigo 819º do Código Civil.
C. A Recorrente (…) ocupa já o referido imóvel em exploração agrícola desde o ano de 1980 (ano da sua constituição), aí exercendo, ininterruptamente, a sua actividade de exploração agro-pecuária e vitícola, ou seja, desde então e até aos dias de hoje, ao abrigo de um contrato de arrendamento rural (inicialmente) verbal, e que viria depois a ser formalizado. Ou seja, aquando do registo das hipotecas melhor identificadas no ponto 2 do despacho recorrido, todas registadas no ano de 2002, já a (…) exercia, há cerca de 22 anos, a sua actividade na dita Herdade Monte (…), conforme veremos, ao abrigo de um contrato de arrendamento rural – Facto esse que foi sempre do conhecimento da Exequente.
D. A decisão recorrida enferma de nulidade, nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, em virtude de o Tribunal a quo ter deixado de, previamente, se pronunciar sobre uma questão que deveria sempre apreciar.
E. Com efeito, viria o Tribunal a quo declarar a caducidade do Contrato de Arrendamento em apreço por via da venda executiva do prédio arrendado.
Conforme resulta dos elementos constantes nestes autos, desde logo a dita venda executiva não pode ser realizada, sob pena de ilegalidade, porquanto não foram sequer cumpridos todos os requisitos e formalidades prévios previstos para que tal venda pudesse vir a ser formalizada com a escritura pública tentada agendar. A dita venda executiva ficou, desde logo, prejudicada.
Nos termos do número 1 do artigo 824º do Código de Processo Civil, "os proponentes devem juntar obrigatoriamente com a sua proposta, como caução, um cheque visado, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, no montante correspondente a 5% do valor anunciado ou garantia bancária no mesmo valor".
Posteriormente, "aceite alguma proposta, o proponente ou preferente é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, a totalidade ou a parte do preço em falta" (cfr. número 2 do artigo 824º do Código de Processo Civil).
F. Acontece que, in casu, a referida proponente nunca chegou a depositar qualquer montante por conta do valor anunciado, nem com a apresentação da sua proposta, nem, posteriormente, com a aceitação da mesma, no prazo de 15 dias previsto para o efeito (i.e. até ao dia 25/10/2017). Não tendo sido também sequer dado cumprimento, pela Exma. Senhora Agente de Execução, ao disposto no número 1 do artigo 825º do Código de Processo Civil (sob a epígrafe "Falta de depósito").
G. Em conformidade, não pode, por conseguinte, nos presentes autos ser efectuada/ter lugar a mencionada venda executiva à dita proponente, que assim ficou prejudicada, sob pena de manifesta ilegalidade.
H. Face aos elementos constantes nos autos, tal questão/ilegalidade deveria ter sido apreciada pelo Tribunal a quo, ao invés de declarar, sem mais, a caducidade do Contrato de Arrendamento com a venda executiva (que assim ficou prejudicada) do Prédio arrendado à aqui Recorrente, venda esta que, conforme demonstrado, nunca poderia/poderá ser efectuada.
Termos em que enferma a decisão recorrida de nulidade, em virtude de o Tribunal a quo ter, previamente, deixado de pronunciar-se sobre uma questão que deveria sempre ter (previamente) apreciado, que assim não só prejudicaria a venda executiva, como prejudicaria, consequentemente, e também, a decisão proferida de alegada caducidade do contrato de arrendamento, não podendo assim dela conhecer/tomar conhecimento.
Violou, assim, e desde logo, a decisão recorrida os artigos 824º e 825º do Código de Processo Civil, sendo nula a decisão recorrida nos termos da alínea d) do número 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
I. Em 03/10/1980, por escritura lavrada de fls. 51 a fls. 52 vº do livro nº 16-1 de notas para escrituras diversas do 4º Cartório Notarial de Lisboa, a cargo do notário Henrique Vaz Lacerda, foi constituída a sociedade (…) – Sociedade Agro-Pecuária e Vitícola do (…), Lda., a aqui Arrendatária Rural, cujos estatutos foram publicados no Diário da República, de 24/10/1980, III Série - nº 247.
Conforme resulta do artigo 1º dos estatutos publicados no Diário da República acima identificado, tal sociedade "terá a sua sede no prédio misto denominado Monte (…), sito na freguesia e concelho de Redondo, distrito de Évora", i.e, o prédio em apreço nos presentes autos (doravante abreviadamente designado por "prédio"), e objecto da venda executiva que entretanto ficou sem efeito nos termos acima expostos.
J. Desde essa data (03/10/1980) então, e até aos dias de hoje, a (…) sempre exerceu, assim, a sua actividade em tal prédio ininterruptamente, ocupando o mesmo, desde aquela data, na qualidade de Arrendatária Rural, ao abrigo de um contrato de arrendamento rural então verbal (por desnecessidade legal da sua redução a escrito),
À data da sua celebração (03/10/1980), não era obrigatória a redução a escrito dos contratos de arrendamento rural, obrigação que veio apenas a surgir muitos anos depois. Ou seja, em 10 de Janeiro de 2005, por via do Contrato de Arrendamento Rural já junto a estes autos, foram formalizados/ reduzidos a escrito os arrendamentos rurais sobre os vários prédios a favor da aqui Recorrente, entre eles o dito prédio misto, denominado Herdade do Monte (…), sito na freguesia e concelho de Redondo, inscrito na matriz cadastral rústica da supra referida freguesia sob o artigo matricial nº (…) e na matriz predial urbana sob o artigo (…).
K. Isto é, o prédio levado a venda executiva, entretanto dada sem efeito nos termos acima expostos, no qual, conforme já referido e abaixo melhor demonstrado, a (…) já exercia a sua actividade desde o ano da sua constituição (em 1980), onde sempre teve a sua sede, e ao abrigo do mesmo contrato de arrendamento rural, facto esse que, conforme já referido, foi sempre do conhecimento da Exequente.
Ou seja, à presente data, o referido Contrato de Arrendamento Rural encontra-se plenamente aceite pela Exequente, válido e em vigor desde 1980.
Resulta, de todo o modo, demonstrada uma posse do prédio, por parte da aqui Recorrente, exercida de forma titulada, de boa-fé, pacífica e pública, desde o ano de 1980, sendo, desde início, tal Contrato de Arrendamento sempre do inteiro conhecimento da Exequente Caixa Geral de Depósitos, entidade bancária que desde sempre trabalhou com a Recorrente (…).
L. O arrendamento não caduca com a venda executiva (entretanto dada sem efeito) do prédio arrendado, pelo que o arrendamento rural em referência sempre seguirá/acompanhará, nos mesmíssimos termos actualmente em vigor, tal eventual compra e venda do prédio por um terceiro comprador, devendo, em conformidade, na escritura pública de compra e venda ser feita expressa menção ao ónus/limitação relativo ao contrato de arrendamento rural do prédio celebrado com a aqui Recorrente, ficando o novo proprietário igualmente vinculado ao arrendamento celebrado pelo seu antecessor – número 1 do artigo 20º do Regime do Arrendamento Rural (sob a epígrafe "Transmissibilidade"), já referido, que "o arrendamento não caduca por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio".
M. O contrato de arrendamento não confere ao locatário um direito real, mas apenas um direito de crédito. O direito do locatário trata-se de um direito pessoal de gozo que está subtraído à regra de extinção provocada pela venda executiva, aplicando-se à locação de que ele emerge a regra emptio non tollit locatum estabelecida no artigo 1057º do Código Civil.
N. O arrendamento anterior à penhora deve, assim, subsistir em caso de venda executiva, quer não exista qualquer ónus sobre o imóvel à data da celebração do arrendamento, quer sobre esse imóvel incida uma garantia real (nomeadamente uma hipoteca), conforme resulta da jurisprudência citada em sede de alegação.
O. A decisão recorrida não é, ainda, conciliável com o direito de preferência que o arrendatário tem na venda do local arrendado, nos termos do artigo 1091º do Código Civil, porquanto, se, nos termos da lei, o arrendatário tem um direito de preferência na compra e venda do local arrendado, tal significa, então, que o arrendamento não se extingue com a venda executiva. Nestes autos, e por decisão judicial, foi a aqui Recorrente notificada para o exercício do seu direito de preferência.
Tal é, ainda, reforçado pelo disposto no número 3 do artigo 109º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), nos termos do qual, e dominado pela ideia de tutela do locatário, estranho à situação de insolvência do locador, "a alienação da coisa locada no processo de insolvência não priva o locatário dos direitos que lhe são reconhecidos pela lei civil em tal circunstância", estando aqui em causa, nomeadamente, a manutenção da posição contratual do arrendatário (cfr. artigo 1057º do Código Civil) e o seu direito de preferência.
Acresce, ainda, o disposto no artigo 819º do Código Civil, nos termos do qual, "sem prejuízo das regras do registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arredamento dos bens penhorados".
Na interpretação da lei, deve ter-se em conta a unidade do sistema jurídico, sendo de presumir, na fixação do sentido e alcance da lei, "que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados" (cfr. números 1 e 3 do artigo 9º do Código Civil).
P. In casu, conforme se retira da decisão recorrida, o prédio em apreço foi penhorado em 03/06/2013, reportando-se o arrendamento (reduzido a escrito, por exigência legal) ao ano de 2005, sem prejuízo, de qualquer forma de remontar o mesmo já a 1980, nos termos já acima melhor demonstrados e abaixo também melhor evidenciados.
Q. Nos termos do artigo 819º do Código Civil, apenas se a penhora do prédio tivesse sido registada em data anterior à data da celebração do Contrato de Arrendamento é que este não lhe seria oponível. Tendo sido, in casu, a penhora registada posteriormente à celebração do Contrato de Arrendamento (e também do arrendamento cuja formalização se fez depois por exigência legal), conclui-se, assim, e por um lado, pela oponibilidade do arrendamento à penhora posterior.
R. Não sendo aplicável ao arrendamento o disposto no número 2 do artigo 824º do Código Civil, conforme acima exposto, é irrelevante o facto de as hipotecas sobre o prédio arrendado terem sido registadas no ano de 2002, i.e, em data anterior à celebração do Contrato de Arrendamento reduzido a escrito por exigência legal, sem prejuízo, de qualquer forma, de o mesmo remontar já a 1980. Tal arrendamento, anterior à penhora do prédio arrendado (e também inclusivamente anterior às hipotecas), subsiste, assim, com uma venda executiva do mesmo, mesmo existindo três hipotecas registadas sobre o mesmo, isto porque, como se viu, ora por um arredamento remontado a 1980 e anterior à constituição de hipotecas, ora (cautelarmente) pela não aplicação do número 2 do artigo 824º do Código Civil à figura do arrendamento e, por conseguinte, ao caso sub judice.
S. Veja-se, ainda, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/01/2004, processo nº 03A4098 (disponível em www.dgslpt), de onde se retira o seguinte, relativamente à inadmissibilidade da aplicação analógica do número 2 do artigo 824º do Código Civil:
"A analogia é um meio de preenchimento de lacuna legal – art. 10º, nºs 1 e 2, do C. Civil – que aqui não há. Não previu o art. 824º, nº 2, a caducidade do arrendamento porque o art. 1057º do mesmo Código estabeleceu a regra da sua transmissão", concluindo, assim, o Supremo Tribunal de Justiça que "não há assim lacuna legal que permita a sua aplicação analógica [do número 2 do artigo 824º do Código Civil] ao arrendamento" (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/01/2004, acima identificado).
T. "(…) atentando no regime jurídico da hipoteca, não existe qualquer disposição que, de modo directo ou inequívoco, impeça ou limite a possibilidade de se efectuar o arrendamento de bens hipotecados. Aliás, nos termos do art. 695º do CC, é nula uma convenção que proíba a alienação ou oneração dos bens hipotecados. Ainda que tal preceito não se aplique aos contratos de arrendamento, sugere a ausência de peias no que concerne aos poderes do proprietário, sem embargo de se reconhecer ao credor o direito de exigir o reforço da hipoteca.
Mais decisivo é ainda o argumento que se pode extrair do art. 824º, nº 2, do CC, que apenas se reporta à extinção dos direitos reais de garantia e aos demais direitos reais cujo registo não seja anterior ao da penhora ou que, independentemente do registo, produzam efeitos em relação a terceiros.
Não se ignora que neste mesmo preceito detectam os defensores da caducidade um argumento favorável. Contudo, tal posição defronta-se com a necessidade de ultrapassar uma outra polémica, de maior amplitude, ainda que de natureza mais teórica, ligada à qualificação jurídica do direito de arrendamento como direito real ou como direito de natureza obrigacional.
Ora, sempre entendemos que nada legitima a atribuição ao arrendamento da natureza de direito real, sendo mais curial considerar que, malgrado alguns pontos de contacto com os direitos reais, a locação não perde a sua natureza obrigacional, devendo ser qualificada como direito pessoal de gozo, o que, aliás, encontra expresso apoio no art. 1682º-A, nº 1, al. a), e nº 2, do CC".
U. (…) o disposto no artigo 824º, nº 2 não pode aplicar-se directamente ao arrendamento como resulta claramente da sua letra, pois aquele não é um direito real e, a ser entendido como tal, sempre seria um direito real de gozo e não de garantia".
V. Face ao acima exposto, tendo em consideração a decisão recorrida, concluímos ter a mesma violado, entre outros, o artigo 1057º do Código Civil, e os artigos 695º, 665º, 678º e 753º do Código Civil, o artigo 1091º do Código Civil, o número 3 do artigo 109º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o artigo 819º do Código Civil, os números 1 e 3 do artigo 9º do Código Civil, os número 1 e 2 do artigo 10º do Código Civil (não há aplicação analógica), o artigo 1682º-A, nº1, al. a), e nº2, do Código Civil, o número 1 artigo 20º do Regime do Arrendamento Rural.
W. Ainda que se entendesse que o número 2 do artigo 824º do Código Civil seria aplicável ao arrendamento, e que, por conseguinte, o registo de uma hipoteca anterior à celebração do contrato de arrendamento implicaria a caducidade do mesmo, o que não se concede e apenas se admite por mera cautela de patrocínio, sempre se diga que, conforme acima referido, a (...) exerce a sua actividade no prédio em apreço desde a data da sua constituição, i.e. desde 03/10/1980 (cfr. documento nº 1), ao abrigo do mesmo arrendamento verbal, formalizado depois, por exigência legal, por escrito, porquanto, àquela data (1980), não era exigida forma escrita para o contrato de arrendamento rural, tendo surgido a obrigação de redução a escrito dos contratos de arrendamento rural apenas mais tarde. Vindo depois, e em conformidade, tal arrendamento rural a ser formalizado, e reduzido a escrito.
X. Assim, desde a sua constituição, e até aos dias de hoje, a Soavifreixo sempre exerceu, de forma pública, pacífica e ininterrupta, a sua actividade no referido Prédio Herdade do Monte Branco, ocupando e usando o mesmo ao abrigo do mesmo contrato de arrendamento rural, reduzido a escrito posteriormente, conforme já demonstrado, com vários trabalhadores, também desde essa data, e até à actualidade, ao seu serviço na dita Herdade do Monte (…), procedendo, desde a sua constituição, no dito Prédio, à plantação de vinhas, conforme Registo Vitícola que adiante se junta como documento nº 2 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, procedendo, ainda, desde essa altura, à entrega (o que implicou uma plantação e exploração pela Recorrente muito anterior a essa data) de uvas na Adega Cooperativa de (…), C.R.L., conforme extracto de conta corrente do ano de 1998, que adiante se junta como documento nº 3 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
No ano de 1998, foi inclusive cedido, por (…), Executado nos presentes autos, todo o seu património vitícola à (…), "com sede no Monte (…)", conforme se retira da carta do documento de cedência de património vitícola, que adiante se junta como documento nº 4 e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Portanto, aquando do registo das hipotecas sobre o prédio em apreço, no ano de 2002, já a (…) era Arrendatária Rural do mesmo há quase 22 anos, o que sempre foi do conhecimento da Caixa Geral de Depósitos, porquanto, conforme acima referido, a mesma sempre foi o Banco da (…) desde a constituição desta.
Assim, ainda que, cautelarmente, se entenda que o número 2 do artigo 824º do Código Civil é aplicável ao arrendamento (o que não se concede), sempre o arrendamento em apreço (e suas renovações) se encontra em vigor desde 03/10/1980, sendo, assim, muito anterior ao registo das ditas hipotecas (todas do ano de 2002), não caducando, por conseguinte, tal contrato com a venda executiva do Prédio arrendado.
Nestes termos, e nos mais de direito, e para além da nulidade acima invocada, deve ser declarada a ilegalidade da decisão recorrida, devendo tal decisão ser substituída por outra, por via da qual se considere o Contrato de Arrendamento Rural em apreço nos presentes autos válido e em vigor, não caducando com a venda executiva do prédio arrendado».
*
Não foram apresentadas contra-alegações. *
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
*
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da:
a) nulidade por omissão de pronúncia.
b) caducidade do contrato de arrendamento rural em caso de venda judicial do bem arrendado.
*
III – Matéria de facto:
Do histórico do processo e da análise da documentação junta aos autos de recurso para a justa decisão dos autos considera-se relevante a seguinte factualidade:
1. Em 3 de Junho de 2013, foi penhorado na presente execução o prédio misto sito em Herdade do Monte (…), freguesia e concelho de Redondo, descrito na Conservatória do Registo Predial com o nº …/20020226 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…) e rústica sob o artigo (…), secção (…), do respectivo Serviço de Finanças (referência 179862).
2. Sobre tal prédio encontram-se registadas, sob apresentações (…), de 26 de Fevereiro de 2002, (…) de 29 de Maio de 2002 e (…) de (…) de Setembro de 2002, três hipotecas a favor da Exequente Caixa Geral de Depósitos, SA.
3. A referida penhora encontra-se registada, sob apresentação (…), de 3 de Junho de 2013.
4. Não constam da certidão de registo predial junta aos autos quaisquer outros registos relativamente ao prédio penhorado.
5. O prédio em causa foi adjudicado, no âmbito deste processo, ao proponente “(…) – Comércio e Criação de Gado, Lda.”, em 10 de Outubro de 2017 (referência 1781903).
6. Os Executados celebraram, em 1 de Janeiro de 2005, com a sociedade “(…) – Sociedade Agro-Pecuária e Vitícola do (…), Lda.” um contrato de arrendamento rural que abrange o prédio identificado em 1 (referência 1817174).
*
IV – Fundamentação:
4.1 – Da nulidade por omissão de pronúncia:
De acordo com a primeira parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, a sentença é nula, quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
Entende o recorrente que o Tribunal «a quo» violou a sobredita norma, por não ter declarado que a venda ineficaz por falta de depósito do preço.
A nulidade da decisão por omissão de pronúncia só acontece quando o acto decisório deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.
Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as excepções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Ao abrigo do disposto no artigo 617º do Código de Processo Civil, o Tribunal «a quo» pronunciou-se nos seguintes termos relativamente à questão em apreço: «afigura-se que foram apreciadas todas as questões invocadas, nunca tendo sido a irregularidade sido posta em causa por nenhum dos intervenientes processuais. Acresce que não se afigura que a venda padeça de qualquer ilegalidade que se devesse, eventualmente, conhecer oficiosamente».
E de acordo com os elementos disponibilizados no recurso na dimensão processual assiste razão ao julgador «a quo», pois a eventual irregularidade não foi suscitada tempestivamente e a questão em apreço não era de conhecimento oficioso.
Assim, julga-se improcedente a referida nulidade por omissão de pronúncia.
*
4.2 – Da venda do prédio arrendado:
4.2.1 – Da matéria nova relacionada com a data do início do contrato de arrendamento e da pretensa ilegalidade da venda:
Pretendia a sociedade recorrente que ficasse expresso que o arrendamento foi celebrado em 1980, pois afirma que o arrendamento foi celebrado verbalmente aquela data. E, para tanto, junta documentação tendente a comprovar essa realidade mas não coloca em causa a matéria de facto firmada pela Primeira Instância quanto à data do início da relação locatícia e isso era suficiente para afastar a consagração da tese agora proposta.
Para além disso, na sequência de pedido de informação dirigido ao Juízo Central Executivo de Montemor-o-Novo, aquele Tribunal veio informar que a data do início do arrendamento não foi debatida, «uma vez que não foi alegado que o mesmo havia ocorrido anteriormente a 1 de Janeiro de 2005 (cfr. requerimento de 14 de Novembro de 2017, fls. 16, e requerimento de 27 de Outubro de 2017)».
Numa perspectiva dinâmica, fora do quadro das excepções legais, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido. Neste contexto, Miguel Teixeira de Sousa ensina que no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas[1]. No mesmo sentido pode ser consultado Nuno Pissarra[2].
De acordo com a jurisprudência unânime dos Tribunais Superiores[3] os recursos ordinários visam o reexame da decisão proferida dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu. Por conseguinte, os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais e não constituem instrumentos processuais para obter decisões novas e daí não pode o tribunal de recurso ser chamado a pronunciar-se sobre questões não suscitadas ao tribunal recorrido[4] [5].
Deste modo, a matéria introduzida ex novo [a data do início do contrato de arrendamento não coincidente com a da vigência do acordo formalizado] não é susceptível de ser apreciada em sede de recurso e assim para todos os efeitos processuais casuísticos é de considerar que o arrendamento vigora desde 1 de Janeiro de 2005.
*
A questão do não depósito do preço e das consequências da falta desse depósito não foi tempestivamente invocada no processo executivo e nessa dimensão a matéria constituiria de igual modo uma questão nova, com as consequências atrás mencionadas ao nível da impossibilidade de conhecimento do recurso neste segmento.
Porém, mesmo que assim não se entendesse, o modo de pagamento foi concretizado através do instituto da adjudicação, a título de dação pro solvendo e não se tornava em concreto necessário ordenar o depósito do preço.
Ao contrário daquilo que é propugnado pela recorrente, ainda que devidamente adaptadas[6], não existe fundamento para a aplicação directa e literal de todas normas convocadas pelo recorrente relativamente à venda mediante propostas em carta fechada, face ao consignado nos artigos 800º, nº3 e 802º da lei processual. E isso afasta liminarmente a aplicabilidade das normas convocadas a propósito da abertura de propostas[7], caução e depósito do preço[8] e falta de depósito[9], por não existir fundamento concreto para o efeito.
Não corresponde assim à verdade a alegação que não ocorreu qualquer venda executiva, por ter a mesma ficado prejudicada e sem efeito, pelo não cumprimento dos termos dispostos na lei com vista à sua formalização.
E nestes termos o Tribunal de Recurso tem de considerar que a adjudicação mencionada na matéria de facto assente ocorreu e não padece de qualquer vício, constatando-se ainda que a referida decisão não foi impugnada por via recursal e está assim formado caso julgado formal relativamente à decisão de adjudicação.
*
4.2.2 – Da caducidade do contrato de arrendamento rural:
A decisão impugnada por via recursal entende que são inoponíveis ao comprador as relações constituídas posteriormente à constituição de hipotecas por aplicação analógica do número 2 do artigo 824º do Código Civil e sufraga jurisprudência que manifesta posição no sentido de que os contratos de arrendamento caducam com a venda judicial.
Entende o recorrente que o arrendamento celebrado em momento anterior à penhora deve subsistir em caso de venda executiva, «quer não exista qualquer ónus sobre o imóvel à data da celebração do arrendamento, quer sobre esse imóvel incida uma garantia real (nomeadamente uma hipoteca)»[10] [11].
A recorrente era titular de um direito de preferência legal com eficácia real sobre o imóvel alienado que não foi exercido.
A venda em execução está provisionada no artigo 824º[12] do Código Civil e implica a transferência para o adquirente dos direitos do executado sobre a coisa vendida.
A lei impõe que os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo, como se extrai da simples leitura do nº2 do artigo acima mencionado.
Na sua componente adjectiva, de harmonia com a proposta do recorrente, para a resolução do caso interessam a análise do disposto nos artigos 811º[13], 824º e 825º do Código de Processo Civil, entre outros. A justa resolução do caso reclama ainda a chamada à colação do direito de preferência estabelecido pelo nº2 do artigo 31º[14] do DL nº294/2009, de 13 de Outubro (Novo Regime do Arrendamento Rural) e das implicações processuais que o mesmo reflecte nos artigos 819º[15] e 823º[16] do Código de Processo Civil. Porém, ao invés daquilo que é proposto pelo recorrente, face ao princípio da especialidade, não tem aqui lugar a aplicação da disciplina precipitada no nº3 do artigo 109º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A maioria da doutrina inclina-se para a caducidade da locação[17] [18] [19] [20] [21] [22] [23] e no mesmo sentido se posiciona a jurisprudência maioritária que defende que na expressão direitos reais contida na letra da lei se inclui, por interpretação extensiva ou analogia, o arrendamento[24]. A jurisprudência minoritária considera que o direito do locatário não tem natureza real e não pode subsumir-se na previsão do nº2 do artigo 824º do Código Civil[25].
Na polémica sobre a faceta real ou obrigacional do direito do locatário, Carvalho Fernandes sublinha que, no estado actual do regime jurídico vigente no sistema jurídico português, deve ser atribuída natureza meramente creditícia ao arrendamento. Nesta visão «trata-se, sem dúvida, de um direito obrigacional particular, por ser de gozo, o que o aproxima, funcionalmente, dos direitos reais desta categoria e explica a menor intensidade do dever de cooperação imposta ao locador. Mas não mais do que isto»[26].
A partir de 1998, em revisão de posição anterior[27], Menezes Cordeiro passa a afirmar que os direitos pessoais de gozo são aqueles que, exprimindo embora uma situação de aproveitamento directo de uma coisa corpórea (gozo) por uma pessoa, não possam, por razões histórico-culturais, ser habitualmente considerados reais[28]. Na actualidade, o Professor de Lisboa entende que o direito pessoal de gozo tem traços reais[29] e constrói-se como uma relação obrigacional complexa sem prestação principal: está é substituída pelo direito de aproveitamento de uma coisa corpórea[30]. Trata-se de uma saída permitida pela moderna dogmática obrigacional: sem ela, o direito pessoal de gozo seria inexplicável, uma vez que falta, no seu cerne, a prestação. A figura global é a de uma relação complexa, que encasula um direito de gozo. Com esta explicação, a situação locatícia pode considerar-se mista[31] [32].
Na nossa opinião, na senda da solução defendida por Menezes Cordeiro, a discussão não pode partir da prévia operação de qualificação do direito do locatário como obrigacional ou real, dado que a mesma não esgota o tema face aos cruzamentos categoriais existentes neste domínio mas antes deve basear-se na ponderação dos interesses em presença à luz de critérios que se mostram interligados e surgem relacionados com o momento da constituição do arrendamento, com a amplitude conceptual da boa fé contratual e com a obrigação de registo do ónus predial (nos casos em que esta é exigível) enquanto repercussões práticas das valorações legais contidas na norma sub judice.
A situação reclama assim uma compatibilização prática entre as diversas normas tendencialmente aplicáveis à situação concreta, as quais em homenagem ao primado da unidade do sistema jurídico não podem ser interpretadas isoladamente e a respectiva conjugação deve ser integrada à luz dos objectivos precípuos inerentes à realização coactiva da prestação no seio da venda executiva.
E, assim, nesta equação jurisdicional temos de recorrer ao critério ponderativo atrás aludido que alia o momento da constituição do arrendamento, ao conceito de boa-fé contratual e aos efeitos registrais dos ónus incidentes sobre os imóveis em ordem a decifrar se a situação concreta está abrangida pela caducidade prevista no nº 2 do artigo 824º do Código Civil.
É certo que, a exemplo do que sucede com o regime de transmissibilidade da locação civil, o artigo 20º[33] do Regime do Arrendamento Rural prevê expressamente a situação de transmissibilidade do bem objecto do arrendamento, afirmando o nº 1 do dispositivo que o arrendamento não caduca por transmissão do prédio.
Todavia, não estamos perante uma simples transmissão consensual inter vivos mas somos confrontados com uma venda em execução, a qual não se encontra provisionada na lei do arrendamento rural. E, nestes termos, ao constituir um caso omisso, reclama a aplicação do direito subsidiário como decorre da letra do artigo 42º[34] do Novo Regime do Arrendamento Rural, sendo que, para além de resultar dos princípios gerais de direito, esta norma é de aplicação imediata.
Nos termos do artigo 819º do Código Civil, apenas se a penhora do prédio tivesse sido registada em data anterior à data da celebração do contrato de arrendamento é que este não lhe seria oponível. Aliás, esta solução é patente na lição de Fernando Amâncio Ferreira que defende que «por proceder da vontade do executado, já é inoponível o arrendamento por ele celebrado depois do registo da penhora, como hoje expressamente se refere no artigo 819º do Código Civil»[35].
Pode assim extrair-se do nº2 do artigo 824º do Código Civil que a disciplina ali precipitada apenas se reporta à extinção dos direitos reais de garantia e aos demais direitos reais cujo registo não seja anterior ao da penhora ou que, independentemente do registo, produzam efeitos em relação a terceiros.
No plano dos direitos pessoais de gozo, estamos novamente com Menezes Cordeiro quando, ao equacionar o problema, afirma que, «nesta base, podemos distinguir: (a) locação anterior à penhora (ou ao penhor), dotada de publicidade inerente ao registo ou à posse: sobrevive à venda executiva[36] [37]; (b) locação posterior ao registo da hipoteca: caduca com a venda; (c) locação posterior à penhora: é, ab initio, ineficaz e caduca com a mesma venda. Em todos estes casos, fazemos uma aplicação extensiva ou, se necessário, analógica, do artigo 824º/2, aos direitos pessoais de gozo. Uma vez que eles conferem, ao titular, o gozo de uma coisa corpórea, a base para a aplicação extensiva (espírito da lei) ou para a analogia é evidente e pacífica»[38].
Com isto permanece válida a posição doutrinal prosseguida por Lopes Cardoso[39] e secundada por Pires de Lima e Antunes Varela[40] quando asseveram que todos os direitos reais de garantia caducam e os direitos de gozo só caducam se não tiverem um registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, ou seja, anterior à mais antiga dessas garantias. Lebre de Freitas concorda igualmente com esta construção no mapeamento de hipóteses que coloca à consideração no seu manual[41].
E, por isso, é de firmar conclusão que a penhora registada posteriormente à celebração do contrato de arrendamento é inoponível ao arrendatário para efeitos da caducidade da relação locatícia. Em termos sintéticos, também se pode assegurar que o arrendamento de imóvel constituído depois do registo de hipoteca caduca nos termos do nº 2 do artigo 824º do Código Civil.
Neste parâmetro jurídico-temporal, como o contrato de locação é posterior ao registo da hipoteca o arrendamento caduca por força da disciplina estabelecida no nº 2 do artigo 824º do Código Civil. E, por conseguinte, pode concluir-se que a regra da transmissibilidade do artigo 20º do Novo Regime do Arrendamento Rural não é aplicável em caso de venda executiva, quando o contrato de locação seja celebrado em momento posterior ao registo da hipoteca. E assim a decisão recorrida merece acolhimento.
*
V – Sumário:
1. A abrangência do nº 2 do artigo 824º do Código Civil não pode partir da prévia operação de qualificação do direito do locatário como obrigacional ou real, dado que a mesma não esgota o tema face aos cruzamentos categoriais existentes neste domínio mas antes deve basear-se na ponderação dos interesses em presença à luz de critérios relacionados com o momento da constituição do arrendamento, do conceito de boa-fé contratual e dos efeitos registrais dos ónus incidentes sobre os imóveis.
2. Da interpretação dessa norma no domínio do arrendamento podem surgir três realidades distintas: (a) a locação anterior à penhora (ou ao penhor), dotada de publicidade inerente ao registo ou à posse: sobrevive à venda executiva; (b) a locação posterior ao registo da hipoteca: caduca com a venda; (c) a locação posterior à penhora: é, ab initio, ineficaz e caduca com a mesma venda.
3. A regra da transmissibilidade do artigo 20º do Novo Regime do Arrendamento Rural não é aplicável em caso de venda executiva, quando o contrato de locação seja celebrado em momento posterior ao registo da hipoteca.
*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custa a cargo do recorrente, atento o disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
*
Évora, 26/04/2018
José Manuel Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel Matos Peixoto Imaginário

__________________________________________________
[1] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., LEX, Lisboa 1997, pág. 395.
[2] Nuno Andrade Pissarra, “O conhecimento de Factos Supervenientes Relativos ao Mérito da Causa pelo Tribunal de Recurso em Processo Civil, Revista da Ordem dos Advogados, vol. I, 2012, págs. 287 e seguintes, acessível no site http://www.fd.ulisboa.pt/professores/corpo-docente/nuno-andrade-pissarra. Neste enquadramento visa-se evitar que o tribunal seja surpreendido com novas questões para resolver ao longo do processo e que, por causa disso, se prejudique o normal andamento da causa.
[3] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/07/1965, BMJ 149-297; de 26/03/1985, BMJ 345-362; de 02/12/1998, BMJ 482-150; de 12-07-1989, BMJ 389-510; de 28/06/2001, in www.dgsi.pt, de 30/10/2003, in www.dgsi.pt, de 20-07-2006, in www.dgsi.pt, de 04/12/2008, in www.dgsi.pt.
[4] A título de exemplo, pode consultar-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010, in www.dgsi.pt, que firmou posição no sentido de que «os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre».
[5] No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/10/2013, in www.dgsi.pt, é justamente afirmado que «no direito português, os recursos ordinários, como é o caso, são de reponderação; visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento; o que significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Daí o dizer-se que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas; estando por isso excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso».
[6] Artigo 802º (Regras aplicáveis à adjudicação):
É aplicável à adjudicação de bens, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 815.º, no n.º 2 do artigo 824.º, nos nºs 1 e 2 do artigo 825.º e nos artigos 827.º, 828.º e 838.º a 841.º.
[7] Artigo 820º (Abertura das propostas):
1 - As propostas são entregues na secretaria do tribunal e abertas na presença do juiz, devendo assistir à abertura o agente de execução e podendo a ela assistir o executado, o exequente, os reclamantes de créditos com garantia sobre os bens a vender e os proponentes.
2 - Se o preço mais elevado for oferecido por mais de um proponente, abre-se logo licitação entre eles, salvo se declararem que pretendem adquirir os bens em compropriedade.
3 - Estando presente só um dos proponentes do maior preço, pode esse cobrir a proposta dos outros; se nenhum deles estiver presente ou nenhum quiser cobrir a proposta dos outros, procede-se a sorteio para determinar a proposta que deve prevalecer.
4 - As propostas, uma vez apresentadas, só podem ser retiradas se a sua abertura for adiada por mais de 90 dias depois do primeiro designado.
5 - O exequente, se estiver presente no ato de abertura das propostas, pode manifestar vontade de adquirir os bens a vender, abrindo-se logo licitação entre si e proponente do maior preço; se o proponente do maior preço não estiver presente, o exequente pode cobrir a proposta daquele.
6 - No caso previsto no número anterior, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 824.º, sem prejuízo do estabelecido no artigo 815.º.
[8] Artigo 824º (Caução e depósito do preço)
1 - Os proponentes devem juntar obrigatoriamente com a sua proposta, como caução, um cheque visado, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, no montante correspondente a 5% do valor anunciado ou garantia bancária no mesmo valor.
2 - Aceite alguma proposta, o proponente ou preferente é notificado para, no prazo de 15 dias, depositar numa instituição de crédito, à ordem do agente de execução ou, nos casos em que as diligências de execução são realizadas por oficial de justiça, da secretaria, a totalidade ou a parte do preço em falta.
[9] Artigo 825º (Falta de depósito):
1 - Findo o prazo referido no n.º 2 do artigo anterior, se o proponente ou preferente não tiver depositado o preço, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode:
a) Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
b) Determinar que a venda fique sem efeito e efectuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou
c) Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos.
2 - O arresto é levantado logo que o pagamento seja efectuado, com os acréscimos calculados.
3 - O preferente que não tenha exercido o seu direito no ato de abertura e aceitação das propostas pode efectuar, no prazo de cinco dias, contados do termo do prazo do proponente ou preferente faltoso, o depósito do preço por este oferecido, independentemente de nova notificação, a ele se fazendo a adjudicação.
[10] Maria Olinda Garcia, Arrendamento urbano e outros temas de direito e processo civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2004, págs. 24 e seguintes e 48-60.
[11] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/01/2011, in www.dgsi.pt.
[12] Artigo 824º (Venda em execução):
1. A venda em execução transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida.
2. Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo.
3. Os direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.
[13] Artigo 811º (Modalidades de venda):
1 - A venda pode revestir as seguintes modalidades:
a) Venda mediante propostas em carta fechada;
b) Venda em mercados regulamentados;
c) Venda directa a pessoas ou entidades que tenham direito a adquirir os bens;
d) Venda por negociação particular;
e) Venda em estabelecimento de leilões;
f) Venda em depósito público ou equiparado;
g) Venda em leilão electrónico.
2 - O disposto no artigo 818.º, no n.º 2 do artigo 827.º e no artigo 828.º para a venda mediante propostas em carta fechada aplica-se, com as necessárias adaptações, às restantes modalidades de venda e o disposto nos artigos 819.º e 823.º aplica-se a todas as modalidades de venda, exceptuada a venda directa.
[14] Artigo 31º (Direito de preferência):
1 - Quando a cessação do contrato de arrendamento ocorra, por causa não imputável ao arrendatário, este goza do direito de preferência nos contratos de arrendamento celebrados nos cinco anos seguintes.
2 - No caso de venda ou dação em cumprimento de prédios que sejam objecto de arrendamento agrícola ou florestal, aos respectivos arrendatários cujo contrato vigore há mais de três anos, assiste o direito de preferirem na transmissão.
3 - O direito de preferência do arrendatário previsto no número anterior caduca, perante o exercício do mesmo direito, por co-herdeiro ou comproprietário.
4 - Sempre que o arrendatário exerça o direito de preferência referido no n.º 2, tem de explorar o prédio, ou no caso de ser pessoa colectiva, por si ou sociedade do mesmo grupo empresarial, como seu proprietário durante, pelo menos, cinco anos, salvo caso de força maior, devidamente comprovado.
5 - Em caso de inobservância do disposto no número anterior, o adquirente fica obrigado a pagar ao anterior proprietário o valor equivalente ao quíntuplo da última renda vencida e a transmitir a propriedade ao preterido com o exercício da preferência, se este o desejar, pelo preço de aquisição do prédio.
6 - No caso do exercício judicial do direito consagrado no n.º 2, o preço é pago ou depositado dentro de 30 dias após o trânsito em julgado da respectiva sentença, sob pena de caducidade do direito e do arrendamento.
7 - Ficam isentas do pagamento de Imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis (IMT) todas as transmissões onerosas de prédios rústicos a favor dos respectivos arrendatários, desde que exista contrato escrito há pelo menos três anos, e o mesmo seja do conhecimento dos serviços de finanças da área de residência do senhorio ou da sede da pessoa colectiva.
[15] Artigo 819º (Notificação dos preferentes):
1 - Os titulares do direito de preferência, legal ou convencional com eficácia real, na alienação dos bens são notificados do dia, da hora e do local aprazados para a abertura das propostas, a fim de poderem exercer o seu direito no próprio ato, se alguma proposta for aceite.
2 - A falta de notificação tem a mesma consequência que a falta de notificação ou aviso prévio na venda particular.
3 - À notificação prevista no n.º 1 aplicam-se as regras relativas à citação, salvo no que se refere à citação edital, que não terá lugar.
4 - A frustração da notificação do preferente não preclude a possibilidade de propor acção de preferência, nos termos gerais.
[16] Artigo 823º (Exercício do direito de preferência):
1 - Aceite alguma proposta, são interpelados os titulares do direito de preferência presentes para que declarem se querem exercer o seu direito.
2 - Apresentando-se a preferir mais de uma pessoa com igual direito, abre-se licitação entre elas, sendo aceite o lance de maior valor.
3 - Aplica-se ao preferente, devidamente adaptado, o disposto no n.º 1 do artigo seguinte.
[17] Oliveira Ascensão, Locação dos bens dados em garantia, Revista da Ordem dos Advogados, 1985, págs. 352-390.
[18] Henrique Mesquita, Obrigações Reais e ónus reais, 1990, págs. 138 e seguintes.
[19] A. Luís Gonçalves, Arrendamento do prédio hipotecado. Caducidade do arrendamento, Revista de Direito e Estuos Sociais X, 1999, págs. 95-101.
[20] José Alberto Vieira, Arrendamento de imóvel dado em garantia, Estudos em homenagem ao Professor Galvão Teles, vol. IV, 2003, págs. 437-480.
[21] Pedro Romano Martinez, Da cessação do contrato, 3ª edição, 2015, pág. 327.
[22] Joaquim Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, vol. II, 5ª edição, págs. 879.
[23] Remédio Marques, Curso de processo executivo comum à face do Código revisto, Almedina, Coimbra, 2000, pág. 408-412.
[24] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03/12/1998, in BMJ 482-219, de 06/07/2000, in BMJ 499-317, de 07/04/2005, in CJ STJ XIII-II-36, de 15/11/2007, in www.dgsi.pt, de 05/02/2009, in www.dgsi.pt, do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/11/2006, in CJ XXXI-V-24, de 21/10/2008, in www.dgsi.pt e de 01/06/2010, in www.dgsi.pt, do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/03/2007, in www.dgsi.pt e de 20/01/2011, in www.dgsi.pt, do Tribunal da Relação de Évora de 19/06/2008, in www.dgsi.pt e do Tribunal da Relação de Guimarães de 14/05/2009, in www.dgsi.pt
[25] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20/09/2005, in CJ STJ XIII-III-29 e de 27/03/2007, in CJ STJ XV-I.146 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 15/05/1997, in CJ XXII-III-87, de 02/11/2000, in CJ XXXV-V-78.
[26] Lições de Direitos Reais, 5ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2007, págs. 178 e 179.
[27] Em momento anterior, o autor defendeu que os direitos pessoais de gozo eram direitos reais, como se constata na sua obra Da natureza jurídica do direito do locatário.
[28] As perspectivas dogmáticas actuais, 3ª edição, 2000, págs. 72-73.
[29] Tratado de Direito Civil, vol. XI, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 713.
[30] Tratado de Direito Civil, vol. VI, 2ª edição, Almedina, Coimbra, págs. 325 e seguintes.
[31] José Andrade Mesquita, Direitos Pessoais de Gozo, 1999, págs. 133-167.
[32] Nuno Manuel Pinto Oliveira, Direito das Obrigações, vol. I, pág. 241.
[33] Artigo 20º (Transmissibilidade)
1 - O arrendamento não caduca por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio.
2 - O arrendamento não caduca por morte do arrendatário, no caso de pessoas singulares, nem por extinção, no caso das pessoas colectivas, sendo que:
a) No caso das pessoas singulares, o arrendamento transmite-se ao cônjuge sobrevivo não separado de pessoas e bens ou de facto, àquele que no momento da sua morte vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges e a parentes ou afins, na linha recta, que com o mesmo viviam em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum há mais de um ano consecutivo;
b) No caso das pessoas colectivas, o arrendamento transmite-se para a entidade para quem, de acordo com a legislação aplicável, devem ser transmitidos os direitos e obrigações da entidade extinta.
3 - A transmissão a que se refere a alínea a) do número anterior defere-se pela ordem seguinte:
a) Ao cônjuge sobrevivo ou à pessoa que vivia com o arrendatário há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges;
b) Aos parentes ou afins na linha recta, preferindo os primeiros aos segundos, os descendentes aos ascendentes e os de grau mais próximo aos de grau mais afastado.
4 - A transmissão a favor dos parentes ou afins do primitivo arrendatário também se verifica por morte do cônjuge sobrevivo ou da pessoa que vivia com o arrendatário há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges quando, nos termos deste artigo, lhe tenha sido transmitido o direito ao arrendamento.
5 - Pode haver duas transmissões mortis causa nos termos do número anterior ou apenas uma, quando a primeira transmissão se operar a favor das pessoas referidas na alínea b) do n.º 3.
6 - Os titulares do direito à transmissão devem, no prazo de seis meses, notificar o senhorio da intenção de exercer o seu direito.
[34] Artigo 42º (Direito subsidiário):
1 - Nos casos omissos, desde que não contrariem os princípios do presente decreto-lei, aplicam-se, sucessivamente, as regras respeitantes ao contrato de locação e as regras dos contratos em geral, previstas no Código Civil.
2 - Nos casos omissos no presente decreto-lei e respeitantes à parte adjectiva do mesmo aplica-se o Código de Processo Civil.
[35] Curso de Processo de Execução, 4ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 230.
[36] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/03/2010, in www.dgsi.pt.
[37] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/10/2012, in www.dgsi.pt.
[38] Tratado de Direito Civil, vol. XI, Almedina, Coimbra, 2018, pág. 831.
[39] Manual da Acção Executiva, 3ª edição (reimpressão), Almedina, Coimbra, 1992, págs. 578-585.
[40] Código Civil Anotado, vol. II, 4ª edição revista e ampliada (reimpressão), Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 97.
[41] A Acção Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, Gestlegal, Coimbra, 2017, págs. 390-395.