INVENTÁRIO
SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
DIVÓRCIO
REPÚDIO DA HERANÇA
Sumário

I– No inventário para separação de meações subsequente a divórcio, o óbito do requerente e cabeça de casal e o mero repúdio da herança pelo único filho deste e seu herdeiro legitimário não determina a inexistência de outros sucessíveis nem a inviabilidade da partilha;
II– Nessas circunstâncias não haverá, por isso, lugar à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da relatora – art. 663, nº 7, do C.P.C.):

Texto Integral

Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


J.C. requereu, em 4.12.2012, por apenso a ação de divórcio, processo de inventário para separação de meações em que é interessado juntamente com Mara...

O requerente foi nomeado cabeça de casal, prestou compromisso de honra e declarações e juntou relação de bens que foi objeto de reclamação por parte da requerida.

Atento o óbito do requerente, ocorrido em 31.12.2014, foi a requerida nomeada cabeça de casal. Ao prestar compromisso de honra e declarações, afirmou a mesma que o casal não teve filhos e que o requerente faleceu deixando um único filho de um anterior casamento, A.F., que repudiou a herança (cfr. fls. 105).

Deduzida por apenso a habilitação do indicado A.F. como herdeiro do requerente falecido (Apenso B), foi decidido, em 11.10.2016, absolver o mesmo do pedido, uma vez que ficou comprovado, mediante escritura pública, o repúdio por este da herança, tendo ainda o ali requerido informado não ter descendentes.

Em 10.1.2017, foi proferido o seguinte despacho no Apenso A de inventário: “O presente processo de inventário para separação de meações foi instaurado pelo requerente J.C. contra a requerida Mara....
O requerente e a requerida casaram entre si, no regime de bens de comunhão de adquiridos, em 23.9.2004.
Foi decretado divórcio por sentença, transitada em julgado, de 5.7.2013.
O requerente J.C. faleceu em 31.12.2014.
O único herdeiro do mesmo, o seu filho A.F. repudiou à herança do seu pai, não tendo sido considerado herdeiro na sentença de 11.10.2016 constante do apenso B).
Em face do exposto, não existindo herdeiros de J.C., não pode o património comum da requerida Mara… ser partilhado, nestes autos, por não haver da parte do seu ex marido herdeiros para o efeito.
Assim, declaro extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide nos termos do art.º 277.º, al. e) do CPC.
Sem custas.”

Inconformada, interpôs recurso a requerida, apresentando as respetivas alegações que culmina com as conclusões a seguir transcritas:
 “
1.A decisão do Mº Juiz a quo, ao declarar extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artº 277º, alínea e) do CPC, está errada.
2.O óbito do inventariante ou a renúncia à herança por parte dos herdeiros não gera inutilidade superveniente da lide.
3.O inventário deverá prosseguir seus termos até finalização da partilha.
4.Tal decisão viola o ponto 3 do artigo 2º do regime jurídico do processo de inventário e o acórdão citado.”
Pede a procedência do recurso e o prosseguimento do inventário.

O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
***

IIFundamentos de Facto:
A factualidade a ponderar é a que acima consta do relatório.

                                                                        ***
IIIFundamentos de Direito:
Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
De acordo com as conclusões supra transcritas, temos que a única questão a dilucidar respeita a saber se, tendo falecido o requerente e cabeça de casal no presente processo de inventário para separação de meações subsequente a divórcio, há ou não lugar à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Na decisão sob recurso entendeu-se que, não tendo o interessado falecido deixado herdeiros, não pode o património comum ser partilhado nestes autos, julgando-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide nos termos do art. 277, al. e), do C.P.C..

Vejamos.

Tratando-se de inventário em curso no tribunal judicial e regulado pelos arts. 1326 e ss. do C.P.C. de 1961([1]), não há lugar à suspensão da instância, nos termos dos arts. 269 e 270 do C.P.C..
No caso particular do inventário, a habilitação dos sucessores dos interessados falecidos faz-se nos termos do art. 1332 do C.P.C. de 1961. Assim: “Se falecer algum interessado directo na partilha antes de concluído o inventário, o cabeça-de-casal indica os sucessores do falecido, juntando os documentos necessários, notificando-se a indicação aos outros interessados e citando-se para o inventário as pessoas indicadas.” (cfr. art. 1332, nº 1, do C.P.C.).

Como já resultava do anterior art. 1390 do C.P.C., tal habilitação terá lugar no próprio processo, sendo que, “logo que nos autos surge conhecimento do óbito, tomam-se declarações ao cabeça-de-casal que indicará os herdeiros do falecido, notificando-se esta indicação aos outros interessados e citando-se para o inventário as pessoas indicadas.”([2]).

A legitimidade dos herdeiros poderá, de um modo geral, ser depois impugnada por parte dos citados ou notificados, nos termos do referido art. 1332 do C.P.C., e, na falta de impugnação, têm-se como habilitadas as pessoas indicadas.

No caso de inventário instaurado em consequência de divórcio razão não existe para que seja diverso o regime (cfr. art. 1404, nº 3, do C.P.C.).

Assim, também neste caso deve continuar o processo com os representantes do falecido, fazendo-se as partilhas nos termos gerais([3]).

Na decisão recorrida entendeu-se, salvo o devido respeito sem fundamento, que tendo o único filho do requerente repudiado a herança de seu pai este não deixou herdeiros.

Ora, antes de mais, de acordo com a parte final do art. 2062 do C.C., o herdeiro ou o legatário que repudiarem a herança apenas são considerados como não chamados à sucessão, salvo para efeitos de representação, determinando o nº 2 do art. 2032 do mesmo Código que, nesse caso, serão chamados os sucessíveis subsequentes([4]).

“(…) Deste modo, e sem prejuízo de manifestação de vontade em contrário do autor da sucessão nos casos em que não exista norma imperativa adversa, se não ocorrer uma substituição directa, por o de cuius não a ter estipulado (cfr. art. 2281º, nº 1) ou por ela não ser possível (cfr. art. 2027º para a sucessão legitimária), há lugar, hierarquicamente, ao direito de representação a favor dos descendentes do sucessível (…), ao direito de acrescer para os outros co-sucessíveis (…) ou ao chamamento dos sucessíveis legais com prioridade de designação (arts. 2133º e 2157º do CCiv). (…).”([5])

São, por outro lado, herdeiros legítimos o cônjuge, os parentes e o Estado (art. 2132 do C.C.), sendo estes chamados pela ordem seguinte: “a) Cônjuge e descendentes; b) Cônjuge e ascendentes; c) Irmãos e seus descendentes; d) Outros colaterais até ao quarto grau; e) Estado.” (art. 2133, nº 1, do C.C.).

Ou seja, sem prejuízo do direito de representação dos descendentes do repudiante (cfr. arts. 2039 e ss. do C.C.), o Estado será chamado em último caso à sucessão, na falta ou repúdio de outros sucessores cujas designações prevaleçam (cfr. art. 2152 e ss. do C.C.).

Não pode, pois, defender-se, como na decisão recorrida, que o repúdio do único filho e herdeiro legitimário do requerente falecido implica a inexistência de outros sucessíveis e a inviabilidade da partilha. Tanto mais que, mesmo admitindo que o repudiante não tem descendentes, se desconhece se existem sequer outros parentes sucessíveis como referido no art. 2133.

De resto, como bem se observou na decisão singular desta RL de 11.5.2009 ([6]) citada pela apelante, os direitos patrimoniais que estão em causa num inventário especial para partilha de bens subsequente a divórcio não se extinguem com o óbito de um dos interessados, tendo os mesmos direitos de ser objeto de partilha, tal como têm de ser partilhados os que tiverem sido adquiridos pelo de cujus após decretado o divórcio que pôs fim ao casamento em questão.

Em suma, do decesso do requerente e do mero repúdio da herança pelo seu único filho não decorre, contra o que se concluiu em 1ª instância, a inexistência de outros sucessíveis nem a impossibilidade da partilha e, por conseguinte, não se tornou inútil a lide.

Tem de proceder, por isso, a apelação, devendo prosseguir o inventário com a habilitação dos sucessores do falecido nos termos referidos.
***

IVDecisão:
Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão proferida e determinando o prosseguimento do inventário.
Sem custas.
Notifique.
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Lisboa, 23.1.2018
                                                                                                      
Maria da Conceição  Saavedra                                                           
Cristina Coelho                                                                   
Luís Filipe Pires de Sousa

[1] A Lei nº 23/2013, de 5.3, que entrou em vigor no primeiro dia útil de Setembro de 2013 (2.9.2013) e não se aplica aos processos de inventário então pendentes (cfr. arts. 7 e 8), aprovou um novo regime jurídico do processo de inventário, atribuindo aos notários a competência para a tramitação de atos e termos do processo de inventário, e reservando aos tribunais as questões que, atenta a sua natureza e complexidade, não devam ser decididas no processo de inventário.
[2] J. A. Lopes Cardoso, “Partilhas Judiciais”, 2ª ed.,Vol. III, pág. 176.
[3] Cfr. J. A. Lopes Cardoso, ob. cit., pág. 358.
[4] Cfr. R. Capelo de Sousa, “Lições de Direito das Sucessões”, vol. II, 2ª ed., págs. 33 e 34.
[5] Ainda R. Capelo de Sousa, ob. cit., loc. cit..
[6] Proc. 4631/04.1TBVFX-B.L1-1, em www.dgsi.pt.