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VIAGEM ORGANIZADA
RESCISÃO COM JUSTA CAUSA POR PARTE DO CLIENTE
Sumário
I– Tendo a viagem organizada tido por objectivo principal a deslocação dos passageiros ao Brasil para assistir ao jogo Portugal-Alemanha que se realizaria no dia 14 de Junho de 2014, no âmbito do Mundial de Futebol, incluindo bilhetes para o jogo e transfers de e para o hotel previamente definido, compreendendo um período temporal, entre a partida e o regresso, de apenas três dias, a simples antecipação da hora de partida do voo das 16 horas e 40 minutos para as 9 horas e 35 minutos do mesmo dia, por motivos exclusivamente relacionados com a actividade da companhia aérea transportadora, incluindo alteração de rota que não afecta sensivelmente o horário previsto para a chegada ao destino, não constitui modificação que afecte um elemento essencial do pacote turístico contratualizado, nos termos e para os efeitos do artigo 24º, nº 2, do Decreto-lei nº Decreto-lei nº 61/2011, de 6 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 199/2012, de 24 de Agosto.
II– No âmbito do cumprimento escrupuloso desta programação, sempre seria relativamente indiferente se a partida de Lisboa acontecia da parte da tarde ou de manhã, sendo certo que a antecipação do voo, que se tornou inevitável por motivos logísticos exclusivamente respeitantes à empresa aérea transportadora, concorreu no sentido de garantir a observância efectiva do núcleo essencial do pacote turístico em causa (de outra forma colocado seriamente em risco).
III– A inexistência de justa causa para o cliente rescindir o contrato, sem penalização não prejudica, não obstante, o seu livre direito à rescisão do contrato nos termos do artigo 26º do mesmo diploma legal.
IV– Ou seja, assistia à A. o direito à desistência de viajar, sem sequer ter de justificar os seus motivos, sujeitando-se a que a agência de viagens procedesse ao desconto, no reembolso das quantias antecipadamente entregues, dos encargos sofridos e documentalmente demonstrados, acrescido de uma parte do serviço não superior ao 15%.
V– Mesmo no local de partida (presencialmente no aeroporto, em situação diversa do “no show”), o cliente pode livremente, num contrato de viagem organizada, decidir não viajar, por motivos que só ao mesmo dizem respeito, sem necessidade sequer de os difundir a terceiros ou de apresentar justificações.
VI– Não tendo a Ré agência de viagens contestado a qualificação do referido pacote turístico como integrando o conceito legal de contrato de viagem organizada, a circunstância de haver ignorado o preceito em referência, não restituindo o valor recebido nem realizando nele qualquer desconto, muito menos cumprindo a sua obrigação de comprovar os eventuais encargos, tem por consequência a perda da oportunidade de proceder aos ditos descontos e de reclamar para si a parte do serviço não superior a 15%, não se encontrando agora a demandada em condições, dessa forma e por esse motivo, de obstar à devolução, por inteiro, das verbas peticionadas pela A., sua cliente.
V– Sumário elaborado nos termos do artº 663º, nº 7, do Cod. Proc. Civil.
Texto Integral
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa(7ªSecção ).
I–RELATÓRIO:
Intentou TEREZA... acção declarativa de condenação contra ...Travel, S.A.
Alegou essencialmente:
Adquiriu à Ré um pacote turístico com o objectivo principal de assistir ao jogo Portugal/Alemanha que decorreria no dia 16 de Julho de 2014 na cidade de S. Salvador da Bahia, no mundial de futebol realizado em 2014 naquele país.
A A. adquiriu o pacote para três pessoas (para si própria, para a sua nora Inês e para o seu filho Francisco), sendo que, no caso da A. em concreto a viagem de regresso não iria acontecer de acordo com o pacote.
O valor pago - € 9.740,00 - pelo pacote turístico para três pessoas incluía as três viagens de avião, as várias noites nos quartos de hotel da referida unidade hoteleira, os bilhetes para o jogo Portugal/Alemanha de 16 de Junho de 2014, as deslocações entre o aeroporto de S. Salvador e o hotel.
Foram entregues à autora os três bilhetes para ingresso no jogo Portugal/Alemanha de 16 de Junho de 2014, foram emitidos e entregues à autora os três bilhetes respeitantes ao primeiro voo, incluindo os cartões de embargue, para as 15 horas e 40 minutos do dia 13 de Junho de 2014.
Às 17 horas e 24 minutos de 12 de Junho de 2014 (véspera da partida) a ré enviou um e-mail à autora onde informava que a viagem seria substituída pela viagem Lisboa - S. Salvador, com escala em São Paulo, com partida a 13 de Junho de 2014, às 9 horas e 35 minutos.
O novo horário impunha que a viagem tivesse início no mesmo dia - 13 de Junho de 2014, mas agora pelas 9 horas e 35 minutos e não às 16 horas e 40 minutos.
A autora e seus acompanhantes não aceitaram esta alteração, pelo que pretende a A. reaver os valores despendidos (com excepção dos € 3.600,00 referentes às passagens aéreas dos quais já foram reembolsados), bem como € 4.000,00 pelos prejuízos morais decorrentes da impossibilidade de assistir ao jogo de futebol.
Conclui pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 10.140,00, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação.
Regularmente citada, veio a Ré contestar.
Alegou essencialmente:
No dia 9 de Junho de 2014, a Ré, na pessoa de Ana, tomou conhecimento que a passageira (Inês), nora da A., estava grávida de pouco tempo, que teve de ir ao médico, não se sabendo se poderia viajar, tendo a A. perguntado quais as possibilidades de cancelar a viagem por motivos de saúde e custos.
No dia 12 de Junho de 2014, pelas 16:35, o passageiro Francisco, enviou um e-mail à Ré dizendo: “Ana diga pfv até qd poderemos desistir do bilhete e ser ressarcidos do valor pois a minha mulher tem tudo muitas dores e estamos em dúvida se irá …(A outra gravidez tb foi de risco).”
Vinte minutos depois do e-mail do Sr. Francisco, a Ré recebe a informação da B Travel a informar que a TAP, para protecção dos passageiros, em virtude de estar previsto atraso de cerca de 20h, no voo Lisboa/Recife de dia 13 de Junho de 2014, o que implicaria a chegada a Salvador dia 14 de Junho de 2014 ao final do dia, resolveu antecipar a hora do voo que partia assim de Lisboa dia 13 de Junho de 2014, às 9h35m, em vez de partir às 16:40.
Esta foi uma decisão da TAP, para proteger os clientes, ficando assim garantido que assistiriam ao jogo de Portugal.
As datas de partida e regresso não foram alteradas, nem os transferes, nem o hotel, nem os bilhetes para assistir ao jogo de Portugal.
Apenas existiu uma alteração de horário no voo de partida, para salvaguardar os passageiros dos atrasos que se estavam a verificar, por razões operacionais da TAP.
A A. não informou a Ré que tinha reuniões de natureza profissional e que não poderia viajar na manhã do dia 13 de Junho de 2014, pelo que não há fundamento para o pedido efectuado, devendo a acção improceder na íntegra.
Procedeu-se ao saneamento dos autos conforme fls. 133 a 134.
Realizou-se audiência de julgamento.
Foi proferida sentença que julgou a presente acção parcialmente procedente a presente acção, condenando a Ré a pagar à A. a quantia de € 6.140,00, acrescidos de juros moratórios desde a citação até a integral pagamento, absolvendo-se a Ré na parte restante (cfr. fls. 142 a 153).
Apresentou a R. recurso desta decisão, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 193).
Juntas as competentes alegações, a fls. 159 a 168, formulou a apelante as seguintes conclusões:
A)– O objecto do presente recurso é apreciar se existe ou não fundamento para responsabilizar a Recorrente pelo alegado incumprimento do contrato de viagem organizada, condenando-a ao reembolso da viagem.
B)– A Autora sempre teve como objectivo principal ver o jogo de Portugal/Alemanha, e que comprou aquele pacote por ser a única forma de obter os ingressos para o jogo,
C) Da matéria de facto provada resulta claro que a Ré cumpriu todas as suas obrigações,
D)– Que a hora do voo nunca foi um elemento essencial do contrato para a Autora
E)– A Autora nunca provou concretamente quais os compromissos inadiáveis e prejuízos que sofreria com a desmarcação dos mesmos
F)– A Autora nunca informou a Ré que tinha reuniões de natureza profissional e que não poderia viajar na manhã do dia 13. (ponto 29)
G)– O Tribunal a quo não analisou todos os elementos dos Autos, nomeadamente réplica e resposta,
H)– Em sede de resposta, a Ré referiu entre outras coisas, que nunca tinha sido informada de quaisquer reuniões da Autora ou restantes passageiros ou responsabilidades profissionais ou pessoais que pudessem impedir a viagem,
I)– Aliás, perguntada qual a profissão da Autora, foi referido que a mesma está reformada, mas que é uma pessoa activa no âmbito imobiliário,
J)– E a Ré também se questionou em sede de resposta e questiona por que razão não foi accionado o seguro de viagem,
K)– Na verdade, essa possibilidade foi transmitida à Autora, conforme doc. 9 (contestação) a mesma nunca se preocupou em accionar a companhia de seguros,
L)– E é muito fácil agora, neste momento, perceber porquê,
M)– Porque toda esta situação é uma farsa e uma forma da Autora ser ressarcida de uma viagem que pagou e não participou porque não quis, escudando-se numa responsabilidade objectiva que a lei prevê nestas situações,
N)– Na verdade, desde 9 de Junho de 2014 até dia 12 de Junho à tarde (véspera da viagem), foi a Ré abordada pela Autora e filho sobre a possibilidade de cancelamento da viagem, alegando a tal gravidez de risco da passageira Inês,
O)– A Ré, nunca pondo em causa a veracidade dessa informação, disse que, não haveria reembolso, mas que atendendo aos motivos, seria viável accionar o seguro de viagem que cobre estas situações para passageiro e acompanhantes,
P)– A Autora nunca accionou o seguro, porque, a gravidez nunca foi de risco, e isso foi confirmado pela própria passageira Inês em Audiência de Julgamento,
Q)– É no mínimo de má fé que se engane literalmente a agência de viagens com informações falsas, com vista ao cancelamento e reembolso de viagem, transmitindo informações falsas relativamente a uma gravidez de risco que aparentemente nunca existiu,
R)– E depois, aproveitando uma situação absolutamente anómala de antecipação de voo, para salvaguarda da viagem e dos passageiros, não se compareça à viagem que se realizou normalmente,
S)– A Autora mentiu à Ré no dia 9 de Junho de 2014 quando informou que a nora teve de ir ao médico por causa da gravidez e que se calhar não podia viajar (ponto 23), e quais as possibilidades de cancelar a viagem por motivos de saúde e custos.
T)– O passageiro Francisco mentiu à Ré quando na véspera da viagem referiu por email (doc. 11 junto com a contestação) que a esposa estava com muitas dores e que estava na dúvida se podia viajar (ponto 24)
U)– E a própria Inês mentiu em tribunal quando disse que não tinha conhecimento do e-mail do marido datado de dia 12 de Junho de 2014 a informar que ela estava com dores, e mentiu porque conforme se pode ver do cabeçalho do email, este foi com conhecimento para si própria. ( V. transcrição supra)
V)– O documento a fls 78 foi exibido à testemunha, e dele consta um e-mail com CC à própria testemunha, que ainda assim, disse a instâncias da meritíssima Juiz que desconhecia o email,
W)– A testemunha reforçou que o marido esteve sempre a pressionar para não ir à viagem, até ao fim (minuto 17)
X)– Deste depoimento resultam várias factos importantes,
Y)– Que todos mentiram,
Z)– Que quer a A. quer o filho queriam cancelar a viagem e que alegaram um fundamento que nunca existiu e que por essa razão não tinham fundamento para accionar o seguro de viagem, porque não havia gravidez de risco,
AA)– Que aproveitaram esta alteração de voo para satisfazer o que sempre pretenderam que foi desistir da viagem e obter o reembolso das despesas.
BB)– Acontece que, no entender da Ré, a mesma sente-se enganada, e considera uma injustiça a sua condenação, porque na verdade, nunca lhe foi transmitido o verdadeiro motivo de pretenderem desistir da viagem.
CC)– Nunca invocaram razões profissionais ou pessoais que justificassem a situação, nomeadamente porque a A. nem sequer faz prova de ter uma profissão.
DD)– E porque tudo fez para cumprir o objectivo principal da viagem, que era ver o jogo.
EE)– Por outro lado, conforme foi referido em Tribunal pelas testemunhas da Ré.
FF)– As testemunhas da Ré, ambas do ramo, confirmaram diversas situações, nomeadamente que o mundial do Brasil foi uma situação muito excepcional,
GG)– A antecipação da viagem deu-se para salvaguarda dos passageiros, para que pudessem ser cumpridos os elementos essenciais da viagem, nomeadamente, número de noites, hotéis, transferes, e assistência ao jogo Portugal/Alemanha.
HH)– A antecipação do voo, situação essa invulgar, deveu-se ao facto de estarmos em pleno mundial, de as viagens estarem a ser caóticas, com centenas de atrasos e cancelamentos.
II)– A lei, prevê a responsabilidade objectiva no âmbito das viagens organizadas, nos termos do DL 61/2011 de 6 de Maio, protegendo o consumidor referindo expressamente a impossibilidade de cumprimento,
JJ)– No entanto, e salvo melhor opinião, a lei refere “Se a impossibilidade respeitar a alguma obrigação essencial, o cliente pode rescindir o contrato sem qualquer penalização ou aceitar por escrito uma alteração ao contrato e eventual variação de preço” Art. 24º n.º 2 do citado DL.
KK)– Salvo melhor opinião, o elemento essencial desta viagem e confirmado por todas as testemunhas era assistir ao jogo de Portugal, situação essa que sempre esteve garantida,
LL)– Nunca a Autora falou em compromissos profissionais e tudo leva a crer que já não havia de facto vontade de fazer a viagem, ou não teria solicitado por, pelo menos, duas vezes, uma delas a poucas horas da viajar, a desistência com base numa gravidez de risco que nunca existiu.
MM)– Por outro lado, a lei também salvaguarda as agências de viagens em situações excepcionais, o que aliás deveria ter sido tido em conta pelo tribunal a quo, nomeadamente, refere o artigo 29º n.º 4 b) do referido DL que refere:
NN)– Que a agencia não pode ser responsabilizada quando o incumprimento não resultar de excesso de reservas e for devido a situações de força maior ou caso fortuito, motivada por circunstâncias anormais e imprevisíveis alheias aquele que as invoca, cujas consequências não pudessem ter sido evitadas.
OO)– Em virtude do mundial, instalou-se o caos nas companhias aéreas, a TAP, a fim de poder cumprir com as condições essenciais do contrato adiantou a hora do voo.
PP)– São circunstâncias anormais e imprevisíveis que a TAP tentou minimizar,
QQ)– Ou se alterava a hora, ou podiam nunca chegar a horas de ver o jogo.
RR)– Não restam dúvidas, face à documentação junta aos Autos que a autora sempre considerou como essências:
SS)– Qualidade do hotel e sua localização – doc 4 junto com a Contestação.
TT)– Lugares no estádio devem ser top – doc 4 junto com a contestação.
UU)– E que a Ré tudo fez para agradar a Autora.
VV)– Que a 4 dias da viagem foi transmitida à Ré a questão da gravidez de risco e esta tentou solucionar o problema – doc – 8 junto com a contestação.
WW)– Que a A. foi informada que poderia e deveria accionar a seguradora para estes casos.
XX)– No email de 12 de Junho que a Ré enviou aos passageiros, explicou claramente tratar-se de uma situação excepcional, por causa dos atrasos nos voos de mais de 20 horas e que se tratava de uma protecção dos passageiros.
YY)– A Autora, após ter conhecimento da alteração continuou a invocar, tão só e apenas motivos de ordem pessoal – doc 17 junto com a contestação e nunca profissionais.
ZZ)– A Ré, conseguiu apesar de tudo que a A. fosse reembolsada de € 1.200,00 (mil e duzentos euros) por passageiro, tendo feito tudo o que estava ao seu alcance para minimizar o transtorno que conscientemente sabe que existiu – doc. 18 da contestação.
AAA)– Conseguiu ainda a concessão de um vale de €150 euros por passageiro para viagem.
BBB)– A Autora aceitou o reembolso.
CCC)– Face ao supra mencionado o tribunal a quo deveria ter dado como provado ainda, com relevância para a decisão o seguinte.
DDD)– De acordo com o depoimento da testemunha e passageira M. Inês, nunca esta teve uma gravidez de risco (facto esse totalmente ignorado pela Meritíssima Juiz até em sede de motivação, mas que demonstra claramente a má fé e reserva mental que existiu por parte da A. que nunca manifestou os reais motivos para desistir da viagem).
EEE)– A Ré desenvolveu todos os esforços para recuperar o restante valor pago pela Autora – doc. 18, 19, 20 juntos com a contestação.
FFF)– Que a situação do Mundial do Brasil em termos de viagens aéreas foi caótico, com centenas de voos cancelados e atrasos de voos e escalas imprevistas – depoimento da testemunha FG, solteiro, agente de viagens, aos costumes disse que não trabalha nem nunca trabalhou para a Ré mas que a conhece por parceria comercial, o seu depoimento ficou gravado no sistema Habilus Media Studio no período que decorreu entre as 11:21 e as 11:33 horas.
GGG)– Não pomos em causa o transtorno de se adiantar uma viagem de três dias que já será certamente cansativa, obrigando a alterar a logística previamente agendada,
HHH)– Contudo, para qualquer homem médio, de bom senso e racional, não faz sentido que se marquem reuniões no Algarve para a manha da viagem ao Brasil, com partida no aeroporto de Lisboa, tendo ainda de entregar a filha aos cuidados dos avós.
III)– O embarque iria ser às 15.40h, os passageiros foram informados que teriam de estar no aeroporto pelas 13.30 horas.
JJJ)– No depoimento da testemunha Inês é claro que nem realizando-se a viagem à hora prevista seria possível estarem no aeroporto às 13.30, pois a reunião acabaria pelas 11h, chegar não chegar a Lisboa, 13.30, ir buscar a mala e entregar a filha aos pais….. Chegariam atrasados….
KKK)– Por outro lado, os compromissos não podiam ter sido agendados há muito tempo, já que no dia 3 de Junho ainda não havia confirmação da hora do voo – doc.
LLL)– Ao contrário do referido pelo Tribunal a quo, o horário em sede de direito a Ré não tinha que fazer prova que o horário não era um elemento essencial para a Autora, esta é a chamada prova diabólica,
MMM)– A Autora é que se arroga no direito de ser reembolsada porque há uma alegada violação do contrato num elemento para ela essencial,
NNN)– Cabendo-lhe a prova desse facto, e não à Ré
OOO)– Aliás, em sede de factos provados o tribunal diz: “ 30. A A. não indicou como essencial a hora do voo, apenas frisou sempre a qualidade do hotel e boa visibilidade dos lugares no estádio”
PPP)– E depois em sede de direito vem dizer que: “ …o horário do voo não deixa de ser um elemento essencial da formação da viagem e exige o rigoroso cumprimento quer da parte do cliente quer da parte do prestador de serviço, sendo que no presente caso não logrou a Ré provar que este não era um elemento essencial para a Autora.”.
QQQ)– Na verdade o horário do voo, confessamos é geralmente um elemento essencial na formação da viagem,
RRR)– Acontece que no presente caso, nunca foi, há dezenas de emails que confirmam quais as prioridades e elementos essenciais para a Autora, facto que aliás foi conformado por todas as testemunhas da Autora, o elemento essencial era assistir ao jogo de Portugal, ver o Ronaldo jogar, um hotel bom e bem localizado e lugares top no estádio.
SSS)– Não sendo o horário um elemento essencial PARA A AUTORA que contratou com a Ré, não é uma obrigação essencial para a Ré, não operando o regime previsto no art. 24º do DL 61/2011 de 6 de Maio,
TTT)– Mais, tratando-se de uma situação excepcional, motivada por circunstâncias anormais e imprevisíveis, deverá recorrer-se ao disposto no art. 29º n.º 4 al. B), não podendo a agência ser responsabilizada.
Nestes termos e noutro melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão requer-se a V. Exas. seja dado provimento ao presente recurso, e consequentemente:
a)- Ser revogada a decisão do tribunal a quo e substituída por outra que julgue improcedente a acção.
Apresentou a A. recurso subordinado, o qual foi admitido como de apelação (cfr. fls. 193).
Juntas as competentes alegações, a fls. 171 a 190, formulou a apelante as seguintes conclusões:
No caso concreto, e nos termos do Artigo 496 do Código Civil, ponderados todos os factos provados, nomeadamente as características muito especiais do tempo da viagem, o seu custo, a impossibilidade de se repetir o evento, afigura-se ser equitativo fixar em € 4.000,00 a indemnização por dano não patrimonial.
Agrupamento das conclusões e resumo executivo: Quanto ao recurso independente:
1.– A matéria de facto provada na 1ª instância é a matéria que consta da respectiva sentença e que a recorrida aqui reproduz letra a letra e não aquela que a recorrente refere a fls. 5 (na numeração criada pelo Citius) das suas alegações.
2.– Carece de toda a razão e por tal deve ser indeferida a pretensão da recorrente em sede de matéria de facto.
3.– Como igualmente carece de toda a razão e por tal deve ser indeferida a pretensão da recorrente em sede de matéria de direito.
Quanto ao recurso subordinado:
4.– Da instrução do processo realizada [nomeadamente aos depoimentos das testemunhas JM (cujo depoimento ficou gravado no sistema Habilus Media Studio no período que decorreu entre as 10:32 e as 10:47 horas respeitante à audiência de discussão e julgamento de 29 de Novembro de 2016, conforme respectiva acta) e de Inês (cujo depoimento ficou gravado no sistema Habilus Media Studio no período que decorreu entre as 10:48 e as 11:11 horas respeitante à audiência de discussão e julgamento de 29 de Novembro de 2016, conforme respectiva acta) e ainda, mas em menor intensidade, de AD, deve-se considerar como provado o seguinte facto: “a Autora e seus acompanhantes não puderam embargar às 9h34m do dia 13 de Junho de 2014, conforme solicitado pela ré no e-mail referido em 14., uma vez que todos tinham reuniões profissionais agendadas para a manhã desse dia que não lhes permitiam tal disponibilidade, mas que – todavia–lhes permitiam o embargar às 16h40, conforme previamente agendado.”
5.– Fazendo-se uma leitura diametralmente oposta à realizada pela Digníssima Juíza a quo, a autora/apelante subordinada considera que os danos não patrimoniais por si sofridos merecem e são tutelados pelo Direito e que a indemnização oportunamente peticionada tem toda a razão e fundamento legal e deve ser deferida.
6.– Pois, é aceite por todas as sociedades modernas que todo o ser humano tem direito ao repouso, lazer e a férias, a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar (por exemplo Artigos 3 e 24 da Declaração Universal dos Direitos do Homem e Artigos 59, 25 e 26 da CRP).
7.– A impossibilidade de dispor livremente do seu tempo de repouso na procura da distracção e de actividades pode degradar de forma assinalável a qualidade de vida pessoal e familiar e gerar graves prejuízos pessoais.
8.– No caso dos autos, e perante a matéria de facto provada, não pode duvidar-se que o incumprimento da ré acarretou uma lesão grave dos direitos de personalidade da autora/apelante subordinada e demais viajantes, ocasionando dano substancial aos seus direitos de ocupação dos tempos livres e de lazeres, impondo a violação do correspondente direito à qualidade de vida, os quais – como se alegou – têm a superior tutela constitucional e da DUDH.
9.– O lazer e as férias, correspondem a um nível de vida suficiente para assegurar à autora/apelante subordinada e à sua família a saúde e o bem-estar cada pessoa necessita de desfrutar na sua vida para se retemperar do desgaste físico e anímico que a vida no seu dia-a-dia provoca no ser humano é algo de essencial a uma vida saudável, equilibrada e física e mentalmente sadia.
10.– O direito ao lazer e às férias é uma emanação concretizador da consagração constitucional do direito à integridade física e moral da pessoa humana e a um ambiente de vida sadio, constituindo, por isso, direitos de personalidade e com assento constitucional entre os Direitos e Deveres Fundamentais.
11.– Também, por sua vez, o nº 1 do Artigo 70º Código Civil preconiza que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua integridade física ou moral.
12.– Numa viagem turística organizada (Decreto-Lei n. 61/2011, de 6 de Maio) cujo “pacote” era exclusivamente a deslocação de avião ao Brasil, em muitos poucos dias, para assistir a um jogo da Selecção Nacional com a participação de Cristiano Ronaldo, jogador por quem a autora era “apaixonada”, há incumprimento ilícito e culposo se, devido a uma alteração de última da hora no horário da viagem aérea de partida, a autora recorrente/subordinada e seus acompanhantes ficaram impedidos de viajar.
13.– Se, devido ao incumprimento ilícito e culposo, os clientes se sentiram revoltados, frustrados, desiludidos, emocionalmente desgastados e desgostosos, está-se perante o já denominado «dano das férias estragadas», de natureza não patrimonial, mas de gravidade suficiente para merecer a tutela do direito.
14.– No caso concreto, e nos termos do Artigo 496 do CC, ponderados todos os factos provados, nomeadamente as características muito especiais do tempo da viagem, o seu custo, a impossibilidade de se repetir o evento, afigurasse ser equitativo fixar em 4.000,00 Euros a indemnização por dano não patrimonial.
Nestes termos e nos demais de Direito que o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa queira suprir deve ser julgado inteiramente improcedente o recurso independente apresentado pela ré e a douta sentença recorrida confirmada na parte que a esse recurso importa.
Por seu lado, deve ser julgado procedente o recurso subordinado e a ré, revogando-se o segmento correspondente da sentença recorrida e substituído por douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que condene a ré no pagamento de uma indemnização por dano patrimonial no valor de 4.000,00 Euros e juros desde a citação.
II–FACTOS PROVADOS.
Foi dado como provado em 1ª instância:
1.– A ré é uma agência de viagens, com sede e estabelecimento na Rua …, Moscavide.
2.– Em inícios de Março de 2014 ré publicitou no seu estabelecimento um pacote turístico denominado Mundial do Brasil – Salvador da Baia, cujo preço incluía, entre outros:
– Passagem aérea Lisboa - Salvador da Baia/Salvador da Baia- Lisboa, em classe económica;
– Transporte aeroporto – hotel – aeroporto;
– Estada de 4 noites em Salvador da Baia ou nas Praias do Litoral do Norte no hotel e regime alimentar escolhido;
– Transporte hotel - estádio Arena Fonte Nova – hotel;
3.– O programa de viagem seria 13 Junho – Lisboa / Recife / Salvador, 14 a 16 de Junho – Salvador e 17 Junho – Salvador / Lisboa.
4.– O programa foi lançado pela B Travel Benfica, que foi a agência organizadora da viagem.
5.– Conexo com este “pacote”, a ré propunha a venda do ingresso no estádio de futebol para assistir ao jogo Portugal/Alemanha, em 16 de Junho de 2014 na cidade de S. Salvador da Bahia.
6.– A Autora comprou o pacote turístico promovido pela Ré para três pessoas (para si própria, para a sua nora Inês e para o seu filho Francisco), sendo que, no caso da A. em concreto a viagem de regresso não iria acontecer de acordo com o “pacote”, uma vez que a mesma pretendia regressar mais tarde porque iria aproveitar para visitar uns familiares, e solicitou alteração ao “pacote”.
7.– A autora adquiriu o pacote promovido e três entradas para o referido jogo de futebol.
8.– O voo TAP 017 Lisboa - Recife partiria de Lisboa no dia 13 de Junho pelas 16h40m, sendo necessária à comparência no aeroporto da Portela/Lisboa pelas 13h30m.
9.– Foi acordado o valor de € 9.740,00 Euros para as três pessoas, valor que a autora pagou em Abril de 2014, por transferência bancária para a conta 0033 0000 45443900541 05, aberta em nome da sociedade ré.
10.– No referido valor de € 9.740,00 estava incluído a totalidade do supra mencionado pacote turístico e complemento para as três pessoas: as três viagens de avião, as várias noites nos quartos de hotel da referida unidade hoteleira, os bilhetes para o jogo Portugal/Alemanha de 16 de Junho de 2014, as deslocações entre o aeroporto de S. Salvador e o hotel.
11.– Foram entregues à autora os três bilhetes para ingresso no jogo Portugal/Alemanha de 16 de Junho de 2014.
12.– Foram emitidos e entregues à autora os três bilhetes respeitantes ao primeiro voo, incluindo os cartões de embargue:
– O cartão de embarque em nome da autora, onde consta que lhe foi atribuído o lugar 11G, no referido voo e hora de embarque 15h40m;
– O cartão de embarque em nome de Inês, onde consta que lhe foi atribuído o lugar 11F, no referido voo e hora de embarque 15h40m;
– O cartão de embarque em nome de Francisco, onde consta que lhe foi atribuído o lugar 11A no referido voo e horas de embarque 15h40m.
13.– De igual modo foi entregue à autora a restante documentação necessária à permanência no Brasil e no referido hotel.
14.– Às 17h24m de 12 de Junho de 2014 (véspera da partida) a ré enviou um e-mail à autora onde informava que a viagem seria substituída pela viagem Lisboa - S. Salvador, com escala em São Paulo, partida a 13 de Junho de 2014 às 09h 35m no TP 85, chegada a São Paulo às 15h35m, continuação às 21h20m para São Salvador no Avianca 6258, com chegada às 23h50m, ou no Azul 6909 com partida às 20h 55m e chegada às 23h30m.
15.– O novo horário impunha que a viagem tivesse início no mesmo dia - 13 de Junho de 2014 mas agora pelas 09h35m e não às 16h40m.
16.– A autora e seus acompanhantes não aceitaram esta alteração tendo enviado à Ré e-mail de 12 de Junho de 2014 enviado às 19 horas 38 minutos, alegando que: “As alternativas sugeridas para contornar o VOSSO PROBLEMA, além de não serem possíveis de aceitar e concretizar, da minha parte, por razões de ordem pessoal, que, neste momento, me dispenso de mencionar, são absolutamente impensáveis de propor, a quem, como nós, privilegiou uma viagem tranquila, sem pressas nem sobressaltos – também mais cara – em detrimento de outras mais em cima da hora e com outro tipo de desconforto que não quisemos experimentar. Assim, consideramos que estamos em face de uma quebra contratual muito grave, que nos dá o direito de cancelar, com justa causa, o contrato convosco, o que fazemos por este meio. A partir deste momento, está toda a documentação inerente à viagem (passagens aéreas, acomodação, ingressos no jogo de futebol, etc.) por vós entregue, durante o dia de hoje, disponível para ser levantada por vós, mediante contacto com a signatária, para acerto de local e horário para o efeito. Nesta conformidade, exigimos o reembolso imediato de todas as quantias já pagas, sem prejuízo de ulteriores procedimentos tendentes a obter indemnização para ressarcimento dos graves danos que a situação e a vossa conduta está já a causar”.
17.– No dia 13 de Junho de 2014, pelas 10 horas e 49 minutos a ré enviou à autora um e-mailonde se pode ler: “(…)Consideramos que não houve quebra contratual do pacote solicitado. O programa mantem-se igual, tendo havendo apenas uma alteração de horário da parte da TAP de maneira a proteger o cliente de eventuais atrasos ou mesmo cancelamento do voo. O voo irá chegar no mesmo horário, irá ter todos os serviços no Brasil: transferes, alojamento e bilhetes para o jogo Portugal Alemanha, relembro que o pacote que contratou foi para assistir ao Jogo Portugal / Alemanha.”
18.– A autora tem uma tia, na altura com cerca de oitenta anos de idade, com quem se ia encontrar no Brasil.
19.–A autora é apaixonada pela “Selecção Nacional” nomeadamente pelo Cristiano Ronaldo.
20.– Esta situação incomodou e desgostou a autora que pretendia assistir ao referido jogo de futebol na companhia dos seus familiares.
21.– A Autora, quando confirmou a viagem, desconhecia os horários dos voos, sabia unicamente que o voo de partida de Lisboa iria ocorrer a 13 de Junho de 2014 e regresso a 17 de Junho de 2014 com chegada a 18 de Junho de 2014.
22.– A 3 de Junho de 2014 foi a Ré que interpelou a A. para fazer a confirmação da sua viagem interna porque tinha de emitir o bilhete.
23.– No dia 9 de Junho de 2014, a Ré, na pessoa de Ana, tomou conhecimento que a passageira (Inês), nora da A. estava grávida de pouco tempo, que teve de ir ao médico, não se sabendo se poderia viajar, tendo a A. perguntado quais as possibilidades de cancelar a viagem por motivos de saúde e custos.
24.– No dia 12 de Junho de 2014, pelas 16:35, o passageiro Francisco, enviou um e-mail à Ré dizendo: “Ana diga pfv até qd poderemos desistir do bilhete e ser ressarcidos do valor pois a minha mulher tem tudo muitas dores e estamos em dúvida se irá …(A outra gravidez tb foi de risco).”
25.– Vinte minutos depois, do e-mail do Sr. Francisco, a Ré recebe a informação da BTravel a informar que a TAP, para protecção dos passageiros, em virtude de estar previsto atraso de cerca de 20h, no voo Lisboa/Recife de dia 13 de Junho de 2014 o que implicaria a chegada a Salvador dia 14 ao final do dia, resolveu antecipar a hora do voo que partia assim de Lisboa dia 13 de Junho de 2014 às 9 horas e 35 minutos, em vez de partir às 16 horas e 40 minutos.
26.– Esta foi uma decisão da TAP, para proteger os clientes, assim ficando garantido que assistiriam ao jogo de Portugal.
27.– As datas de partida e regresso não foram alteradas, nem os transferes, nem o hotel, nem os bilhetes para assistir ao jogo de Portugal.
28.– Existiu uma alteração de horário no voo de partida.
29.– A A. não informou a Ré que tinha reuniões de natureza profissional e que não poderia viajar na manhã do dia 13 de Junho de 2014.
30.– A A. não indicou como essencial a hora do voo, apenas frisou sempre a qualidade do hotel e a boa visibilidade dos lugares no estádio.
31.– A Ré conseguiu que a A. fosse reembolsada da quantia de € 3600,00 relativa aos voos por parte da TAP.
32.– A Ré informou a A. de todas as condições do programa.
33.– A Ré notificou prontamente a A. da alteração da hora do voo.
34.– A A. e Francisco tinham afazeres profissionais e familiares na manha do dia 13 de Junho de 2014.
III– QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS.
São as seguintes as questões jurídicas que importa dilucidar:
1– Alteração da decisão de facto pretendida pela Ré. Aditamento de factualidade por si invocada.
2– Contrato de viagem organizada. Alteração da hora do voo de partida (antecipação para a manhã do dia previsto) determinado por problemas com o desenvolvimento da actividade da companhia aérea TAP. Decisão dos passageiros de não integrar a viagem organizada, gerando uma situação de “no show” no aeroporto.
3– Recurso subordinado da A. Pedido de condenação em indemnização a título de danos não patrimoniais (artigo 496º, nº 1, do Código Civil).
Passemos à sua análise:
1– Alteração da decisão de facto pretendida pela Ré. Aditamento de factualidade por si invocada.
Pretende a Ré recorrente que o Tribunal inclua no elenco dos factos provados a seguinte materialidade:
A- “De acordo com o depoimento da testemunha e passageira M. Inês, nunca esta teve uma gravidez de risco” (facto esse totalmente ignorado pela Meritíssima Juiz até em sede de motivação, mas que demonstra claramente a má fé e reserva mental que existiu por parte da A. que nunca manifestou os reais motivos para desistir da viagem).
B- “A Ré desenvolveu todos os esforços para recuperar o restante valor pago pela Autora” – doc. 18, 19, 20 juntos com a contestação. C- “Que a situação do Mundial do Brasil em termos de viagens aéreas foi caótico, com centenas de voos cancelados e atrasos de voos e escalas imprevistas” – depoimento da testemunha FG, solteiro, agente de viagens, aos costumes disse que não trabalha nem nunca trabalhou para a Ré mas que a conhece por parceria comercial.
Apreciando:
A- Afigura-se-nos absolutamente irrelevante para a boa decisão da causa a questão de saber se a passageira Inês terá tido, ou não, uma gravidez de risco e se o seu marido, igualmente passageiro, transmitiu, sobre este ponto, à agência de viagens uma informação que sabia não ser verdadeira.
Esta questão[1] não influi coisa alguma no tratamento jurídico a conceder à matéria factual em análise, sendo totalmente inócua do ponto de vista jurídico a referenciada reserva mental que os passageiros em causa teriam manifestado.
Basicamente, o que a Ré pretendia através da inclusão deste facto instrumental era demonstrar que o desinteresse dos passageiros em viajar seria prévio à antecipação da hora do voo, constituindo esta última circunstância um mero e conveniente pretexto para fazerem o que já tinham pensado fazer – não viajar -, havendo-se limitado a aproveitar a alteração para simularem, falsamente, ser esse o motivo para recusarem integrar a viagem organizada.
Tal perspectiva não interessa para a correcta análise do caso, não influenciando na resolução do pleito, sendo ainda certo que a pretensa invenção do motivo – a gravidez de risco –, por si, nada altera quanto ao tratamento jurídico que deve, em qualquer circunstância, contemplar a situação sub judice.
Improcede a impugnação neste tocante.
B- Encontrando-se provado que a Ré conseguiu que a A. fosse reembolsada da quantia de € 3.600,00 relativa à contrapartida pecuniária correspondente aos voos por parte da TAP, não se nos afigura relevante determinar se “A Ré desenvolveu todos os esforços para recuperar o restante valor pago pela Autora”.
O pedido da A. não tem a ver concretamente com a menor diligência ou absoluto desinteresse da Ré no sentido da recuperação dos valores já entregues a outros operadores, mas apenas com a situação de incumprimento de elementos essenciais do programa turístico contratualizado que, por isso mesmo, e independentemente da posterior actuação da Ré, lhe conferem, na sua óptica, o direito ao reembolso das quantias antecipadamente entregues.
Improcede a impugnação neste ponto.
C- Em relação ao aditamento constante no facto de que “Que a situação do Mundial do Brasil em termos de viagens aéreas foi caótico, com centenas de voos cancelados e atrasos de voos e escalas imprevistas”, cumpre atentar em que se trata de matéria que não consta da contestação apresentada pela Ré.
De todo o modo, encontrando-se provado, a este propósito, que “Esta decisão (de antecipação do voo) foi da TAP, para proteger os clientes, assim ficando garantido que assistiriam ao jogo de Portugal”, não há qualquer necessidade de incluir ou tomar em consideração a referenciada factualidade ou qualquer outra sobre esta circunscrita temática.
Logo, verificando-se que está demonstrado nos autos que a decisão de antecipação do voo não teve a ver com a Ré, agência de viagens, relativamente à qual é totalmente alheia, não se vislumbra razão para alterar, neste tocante, o elenco dos factos provados.
Improcede a impugnação.
2– Contrato de viagem organizada. Alteração da hora do voo de partida (antecipação para a manhã do dia previsto) determinado por problemas com o desenvolvimento da actividade da companhia aérea TAP. Decisão dos passageiros de não integrar a viagem organizada, gerando uma situação de “no show” no aeroporto.
2.1.- Falta de elemento essencial do contrato de viagem organizada. Rescisão com justa causa por parte do cliente (artigo 24º, do Decreto-lei nº 61/2011, de 6 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 199/2012, de 24 de Agosto).
2.2.- Direito à livre rescisão do contrato de viagem organizada por parte do cliente (artigo 26º, do Decreto-lei nº 61/2011, de 6 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 199/2012, de 24 de Agosto).
A questão jurídica essencial a decidir nos presentes autos tem a ver com o reconhecimento do direito da cliente da agência de viagens a reaver os montantes por si pagos quando contratou o pacote turístico, face a uma antecipação da hora de voo da viagem de partida (do meio da tarde para o início da manhã do mesmo dia), com alteração – não significativa - de rota, motivado por razões relacionadas apenas com a companhia aérea transportadora, a TAP, e de que foi avisada, pela agência, na véspera (da parte da tarde).
Está, ainda, em discussão se existe, ou não, numa situação de “no show” dos clientes da agência, aquando da partida para o início da viagem organizada, o seu direito ao reembolso das quantias antecipadamente pagas, em que termos e condições. In casu, a ora A., inconformada com tal súbita alteração e invocando que a mesma lhe provocava incómodos e contrariedades, comunicou à Ré agência de viagens que não a aceitava e optou – tal como os restantes passageiros em causa (filho e respectiva companheira) – por não comparecer à chamada no aeroporto, à hora de partida do voo, gerando assim uma situação vulgarmente denominada de “no show”.
Mais referiu assistir-lhe justa causa para a rescisão do contrato, nos precisos termos do artigo 24º, nº 2, do Decreto-lei nº 61/2011, de 6 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 199/2012, de 24 de Agosto, exigindo a devolução de todos os montantes antecipadamente entregues à Ré.
Em contrapartida, a Ré agência de viagens sustenta que nada teve a ver com a dita alteração do horário de voo e que esta não contende com a realização dos elementos essenciais do pacote turístico contratualizado, antes os garantindo, pelo que recusa proceder a qualquer reembolso.
2.1.- Falta de elemento essencial do contrato de viagem organizada. Rescisão com justa causa por parte do cliente (artigo 24º, do Decreto-lei nº 61/2011, de 6 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 199/2012, de 24 de Agosto).
Dispõe o artigo 24º, nº 1, do Decreto-lei nº 61/2011, de 6 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 199/2012, de 24 de Agosto: “A agência deve notificar imediatamente o cliente quando, por factos que não lhe sejam imputáveis, não puder cumprir alguma das obrigações resultantes do contrato“.
Refere o nº 2 do mesmo preceito: “Se a impossibilidade respeitar a alguma obrigação essencial, o cliente pode rescindir o contrato sem penalização ou aceitar por escrito uma alteração ao contrato e eventual variação de preço“.
Dispõe o nº 3 que: “O cliente deve comunicar à agência a sua decisão no prazo de sete dias seguidos após a recepção da notificação prevista no nº 1”.
Discute-se nestes autos se esta modificação relativamente ao programa do pacote turístico firmado, consubstanciada na antecipação da hora do voo de partida (da parte da manhã para a parte da tarde do mesmo dia previsto), corresponde, ou não, a uma alteração de uma obrigação essencial prevista no contrato de viagem organizada, sem a realização da qual assistiria legitimidade ao cliente para rescindir o contrato, com justa causa, e sem sofrer qualquer tipo de penalização.
Pode ler-se, a este propósito, em “O Contrato de Viagem Organizada”, de Luís Espírito Santo[2], a páginas 50 a 52: “4.6.- Impossibilidade de cumprimento da prestação que impende sobre a agência no contrato de viagem organizada, por facto que não lhe é imputável (artigo 24º) A norma prevê situações em que a agência não pode realizar a prestação a que se encontrava adstrita, por motivo completamente alheio a sua vontade, para o qual não concorreu, nem deu azo minimamente. Trata-se, no fundo, de um caso de impossibilidade objectiva do cumprimento da sua obrigação típica[3]. Se a impossibilidade afectar uma prestação essencial do contrato, nestas especiais circunstâncias, o viajante tem o direito a rescisão do contrato, sem qualquer penalização, se não concordar com a alteração contratual proposta pela agência. Havendo acordo, terá o cliente que o formalizar por escrito, havendo lugar a eventual variação de preço. Ao cliente incumbe comunicar a sua vontade, extintiva do contrato, no prazo de sete dias seguidos após a recepção da comunicação da impossibilidade do cumprimento. O viajante terá direito, então, ao reembolso de todas as quantias pagas, sem prejuízo da responsabilidade civil da agência nos termos gerais. Em contraponto, a agência tem o dever de comunicar imediatamente ao cliente a mencionada situação de impossibilidade de cumprir. Se a impossibilidade (não imputável a agencia) se reportar a uma prestação não essencial do contrato, o cliente não poderá rescindir o contrato, assistindo-lhe a contudo possibilidade de aceitar as alternativas propostas, com eventual variação de preço. A densificação dos conceitos de “prestação essencial” e “ prestação não essencial do contrato” caberá naturalmente à doutrina e à jurisprudência, a quem competirá dissecá-los, designadamente na resolução dos diferendos casuísticos que se vierem a suscitar nesta matéria. De todo o modo, temos por indiscutível que a essencialidade da prestação reporta-se, necessariamente, aos elementos enfatizados no programa de viagem, incluindo o respectivo planeamento e locais de visita principais, bem como condições de alojamento (categoria dos hotéis) e transporte (conforto e celeridade), seguindo genericamente as matérias relacionadas nas alíneas e), g), h), l), m) e n) do no 1 do artigo 20º[4]. A prestação não essencial tem a ver com os circunstancialismos que não bulem, nem interferem, com a qualidade e características propagandeadas no programa de viagem, sendo marginais e de escasso enfoque, substituíveis sem descaracterização dos aspectos e condições colocados em particular relevo no contrato. Na aplicação deste regime legal, privilegiar-se-á o sempre indispensável principio geral da boa fé, não relevando alterações ao programa de viagem de escassa importância[5]. 4.7.- Exercício do direito de rescisão por iniciativa do cliente (artigo 26º) A lei refere que o cliente pode rescindir o contrato a todo o tempo, devendo a agência reembolsá-lo do montante antecipadamente pago, deduzidos os encargos a que, comprovadamente, o início do cumprimento do contrato e a rescisão tenham dado lugar, e uma parte do preço do serviço não superiora 15%[6]. Afigura-se-nos que a norma não habilita a interpretação de que a rescisão do contrato pelo cliente possa ter lugar durante a viagem, arbitraria e ilimitadamente[7]. Embora o artigo 26º não o refira, afigura-se-nos que só faz sentido o exercício desta faculdade excepcional de desvinculação até ao início da viagem e nunca durante o seu decurso (inclusivamente próximo do seu termo)[8]. A inserção sistemática deste preceito, que antecede as normas aplicáveis ao sucedido “após a partida” (cfr. artigos 27º a 29º), sufraga este entendimento, que e o único que se nos afigura razoável e plausível. De notar que o direito de rescisão reporta-se a nova vontade do cliente, contraria a anteriormente manifestada, e que não é determinada por quaisquer circunstâncias objectivas – mormente ligadas ao local de destino – que frustrem ou condicionem o cumprimento de uma prestação essencial da viagem. O respectivo regime corresponde, basicamente, a desistência de viajar, ao arrependimento, a superveniente perda de interesse ou a simples inconveniência, por motivos que apenas dizem respeito a pessoa e circunstâncias do viajante. Tal legitimará, então, a agência a poder ficar para si com o montante correspondente aos encargos ocasionados pelo início do cumprimento do contrato e pela rescisão, uma vez que nos encontramos face a uma desvinculação unilateral, adversa a reciprocidade e pontualidade que caracterizam a realização das prestações sinalagmáticas em geral. Compreende-se naturalmente que, depois de colocados em marcha todos os procedimentos necessários, o cliente não possa dar o dito por não dito, sem qualquer tipo de consequência relativamente aos custos já suportados pela agência na expectativa da viagem, tanto mais que a lei e particularmente generosa quanto a ampla possibilidade de substituição do viajante. A agência competira, neste caso, provar que os encargos existiram e tem relação causal com o início do cumprimento do contrato e com a rescisão deste. Encarada pela lei como verdadeiro incumprimento contratual por parte do cliente, a rescisão dará lugar a dedução de um valor compensatório que não pode exceder 15% do preço do serviço, o que constituirá uma penalização com efeitos preventivos e dissuasores, procurando obstar a atitudes precipitadas ou levianas, expressas na facilidade com que, abrupta e inesperadamente, se nega e despreza o vínculo livremente assumido”.
Apreciando:
Não se nos afigura que a simples antecipação da hora de partida do voo das 16 horas e 40 minutos para as 9 horas e 35 minutos do mesmo dia, por motivos exclusivamente relacionados com a actividade da companhia aérea transportadora, incluindo alteração de rota que não afecta sensivelmente o horário previsto para a chegada ao destino, constitua uma modificação que afecte um elemento essencial do pacote turístico contratualizado.
O programa desta viagem organizada tinha por objectivo principal a deslocação do passageiro ao Brasil para assistir ao jogo Portugal-Alemanha que se realizaria no dia 14 de Junho de 2014, no âmbito do Mundial de Futebol, incluindo bilhetes para o jogo e transfers de e para o hotel previamente definido, compreendendo um período temporal, entre a partida e o regresso, de apenas três dias (que no caso da passageira A. seria prolongado por vontade sua).
No âmbito do cumprimento escrupuloso desta programação, sempre seria relativamente indiferente se a partida de Lisboa acontecia da parte da tarde ou de manhã, sendo certo que a antecipação do voo, que se tornou inevitável por motivos logísticos exclusivamente respeitantes à empresa aérea transportadora, concorreu no sentido de garantir a observância efectiva do núcleo essencial do pacote turístico em causa (de outra forma colocado seriamente em risco).
A reorganização de voos permitiu, indo ao encontro dos desejos dos viajantes interessados no cumprimento do programa, evitar as consequências negativas inerentes aos atrasos por congestionamento do tráfego aéreo que, esses sim, fariam seguramente perigar a possibilidade de desfrute de elementos essenciais que haviam sido contratualizados com os viajantes.
Os problemas graves, deste ponto de vista e neste âmbito, residiriam no atraso (considerável) dos voos de partida[9]; não certamente na sua, ainda que arreliadora, inconveniente e incómoda, antecipação, como é perfeitamente lógico e compreensível.
Por outro lado, ainda que a partida ocorresse às 16 horas e 40 minutos, conforme o inicialmente previsto, os passageiros sempre deveriam comparecer no aeroporto, com constitui prática habitual e generalizada neste tipo de voos de longa distância, três horas antes – ou seja, por volta das 13 horas e 40 minutos - o que, em termos comuns de razoabilidade e bom senso, aconselharia a não marcação, ou a desmarcação, de compromissos morosos ou a longa distância para a manhã desse dia 13 de Junho de 2014.
Acresce, ainda, que são relativamente vulgares e do conhecimento geral os incidentes com a reprogramação dos voos por parte das companhias aéreas transportadoras, em especial em alturas de intensa e anómala intensidade de tráfego de aviões em relação a um mesmo e convergente destino, como notoriamente aconteceu por altura da realização do Mundial de Futebol no Brasil, no ano de 2014.
Qualquer viajante de cultura média e minimamente informado tem completa e absoluta consciência disso.
Assim, todos os passageiros, em geral, devem contar com a possibilidade de ocorrência deste tipo de alterações que nada têm a ver com o zelo e a diligência das agências de viagens no cumprimento das obrigações que lhe são próprias.
Enfatiza-se, mais uma vez, o que se deixou bem vincado em “O Contrato de Viagem Organizada”: “Na aplicação deste regime legal, privilegiar-se-á o sempre indispensável princípio geral da boa fé, não relevando alterações ao programa de viagem de escassa importância”.
Ora, tendo os passageiros sido informados da antecipação do voo, pela agência de viagens, com a antecedência que era possível atenta a imprevisibilidade e indefinição das opções tomadas “em cima da hora” pela transportadora aérea naquelas concretas circunstâncias, não é razoável nem curial, no âmbito de uma actuação conforme aos princípios da boa fé, que estes se tivessem efectivamente convencido de que tal modificação de horários afectava sensivelmente o desfrute dos elementos essenciais que lhes eram proporcionados pelo pacote turístico contratualizado, encontrando aí, em termos sérios e objectivos, uma situação de justa causa para a rescisão contratual que operaram.
Acresce ainda, sobre este ponto, que apenas ficou demostrado em juízo que “A A. e Francisco tinham afazeres profissionais e familiares na manha do dia 13 de Junho de 2014” o que, atenta a generalidade, abstracção e indefinição dessa materialidade – que afazeres familiares e profissionais? – não significa, para estes efeitos, rigorosamente coisa alguma.
Refira-se, por outro lado, que não tem, a nosso ver, cabimento a objecção suscitada pelo juiz a quo no sentido de recorrer à comparação com a situação, meramente hipotética, de os passageiros não terem sido avisados da antecipação do horário do voo de partida.
É evidente - e absolutamente indiscutível – que, se os passageiros em causa não fossem, por qualquer motivo, avisados pela agência de viagens da antecipação do voo de partida, e não o tivessem integrado com esse fundamento, a situação a analisar seria completamente diferente e, por isso mesmo, incomparável.
Nessas circunstâncias, a ausência de comunicação determinaria que a falta de gozo da utilidades ligadas à prestação contratual nada tinha a ver com a vontade dos passageiros, não lhes sendo minimamente imputável, obrigando à devolução, sem discussão ou controvérsia, dos montantes antecipadamente entregues em função de uma viagem organizada que não lhes foi proporcionada (e que nunca recusaram).
Na situação sub judice, a A. não acusa qualquer falta de comunicação ou desconhecimento da antecipação do voo e, nesse pressuposto conhecido, assumiu voluntária e deliberadamente a decisão unilateral de não viajar (tal como os seus acompanhantes), arcando, naturalmente, com as consequências desse seu acto de recusa em beneficiar da prestação contratual que lhe era intangivelmente proporcionada.
Não há paralelismo possível.
Assim sendo, por não estar em causa a modificação de um elemento essencial do pacote turístico contratualizado, não assistia à A. o direito à rescisão do contrato de viagem organizada, nos termos do artigo 24º, nº 2, do Decreto-lei nº Decreto-lei nº 61/2011, de 6 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 199/2012, de 24 de Agosto.
2.2.– Direito à livre rescisão do contrato de viagem organizada por parte do cliente (artigo 26º, do Decreto-lei nº 61/2011, de 6 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 199/2012, de 24 de Agosto).
O tratamento jurídico que adequadamente contemplou a situação factual descrita – o qual, como se viu, não confere ao cliente o direito à rescisão do contrato de viagem organizada com justa causa - não prejudica, não obstante, o seu livre direito à rescisão do mesmo contrato nos termos do artigo 26º, do referido diploma legal, onde se dispõe: “O cliente pode rescindir o contrato a todo o tempo, devendo a agência reembolsá-lo do montante antecipadamente pago, deduzindo os encargos a que, comprovadamente, o início do cumprimento do contrato e a rescisão tenham dado lugar e uma parte do serviço não superior a 15%”[10].
Ou seja, assistia à A. o direito à livre desistência de viajar, sem sequer ter de justificar os seus motivos, sujeitando-se, porém, a que a agência de viagens procedesse ao desconto no reembolso que devia realizar, dos encargos a que comprovadamente deram lugar o início do cumprimento e a rescisão, acrescidos de uma parte do serviço não superior ao 15%.
Isto é, mesmo no local de partida (presencialmente, no aeroporto, em situação diversa do “no show”), o cliente poderia livremente, segundo a lei, e no âmbito do regime inerente a um contrato de viagem organizada, decidir não querer afinal viajar, por motivos que só ao mesmo diziam respeito, sem necessidade sequer de os difundir a terceiros ou de apresentar justificações.
Na situação sub judice, independentemente da motivação de que a A. se socorreu, cumpre essencialmente concluir que os ditos passageiros não se dispuseram a viajar, não querendo integrar o programa turístico para eles reservado, o que para todos os efeitos consubstancia uma efectiva desistência quanto ao aproveitamento da prestações contratual que firmaram e uma desvinculação unilateral relativamente ao negócio celebrado.
Tal significa, em termos técnico-jurídicos, uma rescisão não motivada do contrato de viagem organizada sub judice.
Essa atitude não acarretará, dum ponto de vista legal, para a desistente, a perda das quantias entregues antecipadamente à agência de viagens e turismo em função do futuro gozo da viagem organizada, que afinal não veio a integrar.
Pelo contrário, a lei confere nessas circunstâncias ao cliente da agência de viagens o direito ao reembolso do montante antecipadamente pago, constituindo dever da agência, neste caso a Ré, proceder à restituição do montante que havia sido entregue.
O único efeito negativo, para o cliente, associado a esta sua atitude, que não deixa de constituir uma desvinculação arbitrária e unilateral do acordo livremente celebrado com a agência de viagens[11], reside na circunstância de assistir, em contrapartida, a esta última a faculdade de descontar, no montante restituído, os encargosa que o início do cumprimento do contrato e a rescisão tenham dado lugar, que deverá comprovar documentalmente (competindo-lhe o ónus da sua alegação e prova), acrescidos de uma parte do serviço não superior a 15%.
Este é o regime legal específico que vigora e que contempla a situação sub judice.
Acontece que a Ré, agência de viagens, não contestando a qualificação do referido pacote turístico como integrando o conceito legal de contrato de viagem organizada[12] – o que é absolutamente pacífico, atenta a natureza e características das prestações em apreço–, ignorou estranhamento o preceito legal em referência, não restituindo o valor recebido, nem realizando nele qualquer desconto, muito menos cumprindo a sua obrigação de comprovação dos citados encargos.
Era esse o caminho que, respeitando a lei que rege a sua actividade comercial, deveria ter imperativamente seguido.
Logo, e exclusivamente por esse motivo, havendo perdido a oportunidade de proceder aos descontos e de reclamar para si a parte do serviço não superior a 15%, a Ré agência de viagens não se encontra agora em condições de obstar à devolução por inteiro das verbas peticionadas pela A.
Cumpre, ainda, referir que o preceito invocado pela Ré para a exoneração da sua obrigação de restituição dos montantes antecipadamente entregues pela cliente – o artigo 29º, nº 4, alínea c), do Decreto-lei nº Decreto-lei nº 61/2011, de 6 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 199/2012, de 24 de Agosto -, não tem aqui, pura e simplesmente, aplicação.
Essa disposição legal reporta-se às situações de incumprimento das prestações a realizar no âmbito da execução do contrato de viagem organizada por acção do cliente ou de terceiro, quando a sua falta seja causalmente associada ou determinada por qualquer conduta impeditiva praticada por estes, e que lhes é culposamente imputável.
Tem a ver, pois, com a exoneração da responsabilidade que incide sobre os eventos lesivos ocorridos durante a viagem ou circuito organizado, ainda que resultem de actos ilícitos praticados por quem executa o serviço de transporte de turistas, desde que se circunscrevam à concretização do roteiro turístico contratualizado e pago[13].
Nessas circunstâncias, provando-se que uma entidade terceira (ou o próprio cliente), alheia à agência de viagens, deu azo ao incumprimento da prestação contratual, em termos absolutamente imprevisíveis que fugiram completamente ao controlo e ao domínio do facto por parte desta, a responsabilidade da agência – que constitui a regra, nos termos do nº 1, do artigo 29º deste diploma legal – seria, só então, excluída.
Este regime legal específico não respeita, portanto, à situação de recusa do cliente em tomar parte na viagem organizada – que foi precisamente o que sucedeu in casu, a que é directamente aplicável o disposto no artigo 26º do Decreto-lei nº Decreto-lei nº 61/2011, de 6 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 199/2012, de 24 de Agosto.
Por tudo isto, embora através de um enquadramento jurídico profundamente diverso do perfilhado em 1ª instância, a apelação da Ré não poderá deixar de improceder.
3– Recurso subordinado da A. Pedido de condenação em indemnização a título de danos não patrimoniais (artigo 496º, nº 1, do Código Civil).
Face ao decidido supra, é evidente e absolutamente incontornável a improcedência do recurso subordinado interposto.
Não só a pretensão da A. acaba por ser acolhida com base num fundamento legal que nada tem a ver com o incumprimento contratual imputável à Ré, como igualmente a natureza dos factos apresentados para o efeito – a pretensa paixão exacerbada pela figura do “Cristiano Ronaldo” – não os torna susceptíveis de suportar o peticionado dano moral dado que não atingem obviamente o grau de gravidade pressuposto pelo patamar do artigo 496º, nº 1, do Código Civil.
Por um lado, a desistência de viajar por parte do cliente, constituindo um acto livre e lícito, não gera efeitos indemnizatórios para o desistente relativamente à agência de viagens que é confrontada com essa ausência e a que é completamente alheia, nada podendo fazer contra ela.
Por outro, o artigo 496º, nº 1, do Código Civil, consagrando que “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, não serviria nunca para cobrir uma situação banal de simples não assistência a um jogo de futebol em que tomaria parte determinado jogador – por mais famoso que fosse -, como se não existisse jamais nenhuma outra oportunidade similar de ver o atleta em acção.
Acresce que só por desconhecimento do regime legal aplicável, alude a A., a este propósito, à figura das denominadas “férias estragadas” enquanto fonte do direito de indemnizar.
A mesma não contempla a situação de opção do viajante quanto à não integração na viagem organizada, mas sim a ulterior afectação do integral e compensador gozo de férias por circunstâncias ligadas às deficientes condições que lhe são proporcionadas ou à afectação, grave e sensível, de utilidades que se encontravam contratualmente estabelecidas[14].
Improcede, portanto, o recurso subordinado.
O que se decide, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos.
IV–DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedentes os recursos principal e subordinado, confirmando-se, embora por razões jurídicas inteiramente diferentes das propugnadas em 1ª instância, a decisão recorrida.
Custas do recurso principal e do subordinado pelas respectivas apelantes.
[1]Quiçá de cariz ético ou moral. [2]Por coincidência o juiz relator do presente acórdão. [3]Esta situação encontra-se prevista nos artigos 790º, nº 1 e 795º, nº 1 do Código Civil, estabelecendo este último preceito que: “Quando no contrato bilateral uma das prestações se torneimpossível, fica o credor desobrigado da contraprestação e tem o direito, se já a tiver realizado, de exigir asua restituição nos termos prescritos para o enriquecimento sem causa”. [4]Vide Miguel Miranda, in “Contrato de Viagem Organizada”, pags. 181 a 183. [5]Apontam-se como exemplos pequenos atrasos nas deslocações (dizendo, obviamente, respeito a viagem já iniciada), insignificantes mudanças de rota que não impeçam visitas a locais turísticos indicados no programa, diferença de condições de alojamento sem expressão, etc., seguindo neste particular o principio geral que emana do artigo 802º, no 2 do Código Civil. [6]Joaquim Sousa Ribeiro avoca neste particular a figura da “multa penitencial”, enquanto correspectivo do direito ao arrependimento do cliente, dado que não faz obviamente sentido que a agência pretenda exigir, contra a vontade deste, o cumprimento da prestação (isto e, a participação, contrariado e infeliz, na viagem organizada) – cfr. “O Contrato de Viagem Organizada, na lei e no anteprojecto do Código do Consumidor”, incluído nos “Estudos do Direito de Consumo”, a página 156. [7]Eventualmente, por capricho, simples irreflexão ou pura irresponsabilidade. [8]No mesmo sentido, vide Miguel Miranda, obra citada, a pags. 195 a 196. [9]Podendo todos os viajantes deixar de beneficiar do objectivo principal da viagem: assistir ao jogo de futebol Portugal-Alemanha, no Brasil. [10]No sistema que resulta da Directiva EU 2015/2302, do Parlamento Europeu e da União Europeia, de 25 de Novembro de 2015, publicada no Jornal Oficial da União Europeia no dia 11 de Dezembro de 2015 – e que já deveria ter sido transposta para o direito nacional, tendo como limite o dia 1 de Janeiro do corrente ano (2018) para vigorarem a partir de 1 de Julho de 2018 (respectivo artigo 28ª, nºs 1 e 2), o viajante pode sempre rescindir o contrato de viagem, a qualquer momento, antes do seu início. Se o fizer sem motivo relacionado com a actuação do organizador, pode ser obrigado a pagar uma taxa de rescisão adequada e justificável. Não existindo taxas de rescisão normalizadas, o montante da taxa de rescisão corresponderá ao preço da viagem organizada, deduzido das economias de custos e das receitas resultante da reafectação dos serviços de viagem, sendo que ao organizador compete justificar o montante da taxa de rescisão, sob solicitação do viajante. Sobre toda esta matéria, em termos perfeitamente detalhados, bem como em relação às alterações que serão introduzidas na ordem jurídica nacional por força da identificada Directiva (especialmente concretizada), cujo especial conhecimento é do máximo interesse para os viajantes/turistas e para as agências de viagens e turismo, vide “O Contrato de Viagem Organizada”, obra já citada supra, a páginas 65 a 107. [11]Em termos gerais, e de certa maneira, contrário ao princípio “pacta sund servanda” (artigo 406º, nº 1, do Código Civil). [12]Vide artigo 15º do Decreto-lei nº Decreto-lei nº 61/2011, de 6 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 199/2012, de 24 de Agosto, e “O Contrato de Viagem Organizada”, obra já citada, a páginas 13 a 17. [13]Sobre esta matéria, vide “O Contrato de Viagem Organizada”, obra já citada supra, a páginas 55 a 56. [14]Sobre esta matéria, vide “ O Contrato de Viagem Organizada”, já citado, a páginas 141 a 143, onde se discriminam, relatando, diversas situações jurisprudenciais em que tal figura foi efectivamente versada.