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CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
DEVER DE COMUNICAÇÃO
OMISSÃO
PROVA
SEGURADORA
CONTRATO DE SEGURO
Sumário
I.– É ao contraente que pretende prevalecer-se da omissão dos deveres de comunicação que incumbe o ónus de alegação, pelo que o contratante que apresentou as cláusulas contratuais gerais só terá que fazer a prova de que cumpriu adequadamente os deveres de comunicação e de informação, se o outro contratante invocou, em sede alegatória, que tais deveres não foram cumpridos. II.– Tendo a seguradora apresentado à candidata a pessoa segura um texto que, materialmente, equivale a um questionário pré-preenchido em que as respostas são pré-elaboradas, a seguradora não curou – efetivamente – de se inteirar do real estado de saúde da candidata a pessoa segura, pré-elaborando uma declaração de ciência desta sobre o seu estado de saúde. Neste contexto, nunca pode considerar-se que o segurado - que não foi questionado sobre o seu estado de saúde - possa sobre este ter omitido circunstâncias relevantes. III.– Se, por predisposição unilateral da seguradora, é atribuído ao silêncio da candidata a pessoa segura – no momento da adesão - o concreto significado de uma declaração de ciência própria e especificada sobre o seu estado de saúde (= estou em perfeito estado de saúde e, nos últimos seis meses, não tive qualquer acidente ou doença, nem sofro de doença que implique vigilância medica periódica ou permanente), tal declaração é proibida por ser contrária à boa fé bem como por impor uma manifestação de vontade com base em factos para tal insuficientes (Arts. 16º e 19º, alínea d), da LCCG). IV.– Não pode a Ré seguradora escudar-se a honrar o contrato de seguro com fundamento em incumprimento da Cláusula 14ª (que condiciona o pagamento das importâncias seguras à apresentação de atestado médico onde se declare as circunstâncias, causais, início e evolução da doença que provocou a morte da pessoa segura) porquanto esta cláusula não é autossuficiente, tendo se ser complementada – o que não ocorreu – com uma autorização expressa de acesso a dados de saúde por parte da pessoa segura, a qual consubstancia uma autolimitação do direito à reserva da vida privada. Face à inexistência dessa autorização, cabia à Ré seguradora tentar obter a informação atinente à data do início das doenças da pessoa segura, através da intervenção da CNPD (Artigo 7º da Lei nº 67/98), o que não alegou nem demonstrou. (SUMÁRIO ELABORADO PELO RELATOR)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.
RELATÓRIO:
Paulo... e Lourenço... movem ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra Companhia de Seguros A..., SA e Banco..., SA pedindo:
a)- A condenação da R. Companhia de Seguros A...a substituir-se aos AA. no pagamento ao BANCO... do capital em dívida do empréstimo referido no art. 1.º desde a data do falecimento da mutuária e respetivos juros;
b)- A condenação do R. BANCO... a reconhecer que os AA. nada lhe deve por força do contrato identificado no art. 1.º da presente petição inicial, em virtude da substituição dos AA. pela R. A...na obrigação de pagamento do referido empréstimo por força do contrato de seguro de vida referido no art. 2.º;
c)- A condenação da R. Companhia de Seguros A... condenada a pagar o montante de € 8.000,00 a título de indemnização por lucros cessantes ao A. Paulo Gonçalves;
d)- A condenação da Ré Companhia de Seguros A... a pagar uma indemnização por danos não patrimoniais aos AA. num montante nunca inferior a € 5.000,00.
Alegaram para o efeito que Isabel... celebrou com o Banco... um contrato de crédito, que a referida Isabel... faleceu em 27 de Fevereiro de 2009, sem que o referido crédito se encontrasse totalmente pago. Os Autores, na qualidade de herdeiros daquela, acionaram o contrato de seguro associado ao crédito sem que a Ré seguradora tenha assumido o pagamento do montante em dívida ao Banco, à data do óbito e ainda que o arrastar desta situação causou danos patrimoniais e não patrimoniais aos AA., invocando ainda a nulidade da cláusula 14ª do contrato na medida em que inverte o ónus de prova nas situações de exclusão da cobertura.
A 1ª Ré defendeu-se, além do mais, por exceção, alegando que, por falta de colaboração dos AA, não conseguiu ter acesso a dados essenciais para apurar se a segurada se encontrava nas condições de saúde que declarou quando aderiu ao seguro, desconhecendo, em concreto, a data do diagnóstico de hipertensão arterial e dislipidémia, sendo tal informação ainda necessária para se concluir do nexo de causalidade entre essas doenças e a causa de morte. Referiu, à cautela, que o contrato deveria ser declarado nulo por terem sido prestadas falsas declarações sobre as condições de saúde da segurada à data da celebração do contrato.
O 2º Réu contestou dizendo que tem a posição de tomador de seguro no contrato em questão e que, até agora, o valor do crédito não lhe foi pago pela seguradora ou pelos AA.
Após julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo os Réus do pedido.
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou os requerentes, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«I) –DA IMPUGNAÇÃO DO FACTO 37 DADO COMO PROVADO.
A. –Na douta sentença recorrida foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos: 37. Na data da sua admissão no Serviço de urgência do HUC, em 18/02/2009, a falecida Isabel... tinha antecedentes pessoais de enfisema pulmonar, HTA, dislipidémia e Depressão, tomava habitualmente medicação para tais patologias e não tinha antecedentes de patologia isquémica cardíaca ou coronoriopatia;» B.–No entanto tal facto não poderia ser dado como provado, ou pelo menos, na extensão em que o foi, incorrendo o Tribunal a quo em erro de julgamento da matéria de facto porquanto, ao dar por provado que a falecida, na data da sua admissão no Serviço de urgência do HUC, em 18/02/2009, tinha antecedentes pessoais de enfisema pulmonar, HTA, dislipidémia e Depressão e tomava habitualmente medicação para tais, fá-lo em contradição com o documento “relatório completo de episódio de urgência dos HUC, de 18/02/2009”, onde não consta que a mãe dos aqui Recorrentes tinha antecedentes pessoais de dislipidémia. C.–Da mesma forma, a testemunha João... (médico especialista em medicina interna e que presta serviços para a Recorrida e que analisou o processo referente à mãe dos Recorrentes) no seu depoimento, gravado na sessão de julgamento de 2/03/2016, a minutos 02:01:45 a 02:01:50, refere «se tivesse uma dislipidémia também estava medicada». D.–A mesma testemunha João... a minutos 02:01:50 a 02:01:54, do mesmo depoimento, constata que a dislipidémia não é um antecedente pessoal, como se pode verificar na seguinte transcrição: - Magistrada Judicial: Portanto, quanto à dislipidémia considera que seria recente?; - Testemunha: Considero que a dislipidémia não é um antecedente.» (Faixa n.º 20160302101138_17433636_2871103)
II)–DA IMPUGNAÇÃO DOS FACTOS 1. A 3. NÃO PROVADOS.
E.–Também na douta sentença recorrida foram dados como não provados, entre outros, os seguintes factos: «1. O diagnóstico de hipertensão arterial e dislipidémia foi feito pela primeira vez quando a mãe dos AA. deu entrada no hospital em consequência do referido enfarte. 2. Em virtude da instauração da execução e consequente comunicação do incumprimento ao BdP, o A. Paulo... viu a sua vida e os seus negócios serem profundamente afetados. 3. Por força dessa impossibilidade de aquisição de crédito junto de entidades bancárias e outras entidades com objeto comercial semelhante, o A. Paulo... sofreu inúmeros prejuízos, nomeadamente no que diz respeito à sua atividade profissional, associada à sociedade M... Unipessoal, Lda.» F.–Como consta da motivação da convicção do Tribunal: «O Tribunal formou a sua convicção com base na análise da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, levando em consideração, essencialmente, o depoimento das testemunhas João... e Pedro Monteiro (…)», o depoimento da testemunha João... foi considerado essencial. G.–A sentença recorrida ao invés de dar como não provado o facto 1., deveria dá-lo, como provado, sendo que, para tal, basta atentar ao depoimento da testemunha João... a minutos 02:00:46 a 02:01:54, gravados na sessão de julgamento de 2/03/2016, que aqui se transcreve: - «Testemunha: Em relação à dislipidémia, eu não tenho comprovação de que a dislipidémia existia como antecedente pessoal, porque pode ter sido feito o diagnóstico durante o tratamento. (…) - Magistrada Judicial: Portanto, quanto à dislipidémia considera que seria recente? - Testemunha: Considero que a dislipidémia não é um antecedente.» (Faixa n.º 20160302101138_17433636_2871103) H.–Com efeito, não sendo a dislipidémia um antecedente, apenas se pode concluir que o diagnóstico da dislipidémia apenas foi realizado após a entrada no hospital em consequência do enfarte. I.–Os factos 2 e 3 dos factos não provados deviam ter sido dados como provados, sendo que, para tal, basta atentar ao depoimento da testemunha Carmo... a minutos 52:26 a 54:27, gravados na sessão de julgamento de 02/03/2016, que aqui se transcreve: - «Testemunha: Uma das coisas que eu tenho conhecimento é que o meu sobrinho mais novo, portanto, no fundo, não pode seguir a vida dele em frente devido a ter o nome, entre aspas, sujo perante o Banco de Portugal, ou qualquer coisa porque, ao precisar de seguir a vida em frente e montar um negócio, pedir um empréstimo e não sei o quê, ele tem estado de mãos e pés atados realmente... -Mandatário dos Recorrentes: Ele falou consigo sobre isso, a senhora tem conhecimento disso como? Isto é, em que medida é que essa, entre aspas, sujidade, lhe dificultou a vida? Para além de… em concreto, eu quero saber em concreto. - Testemunha: Em concreto… ele não poder montar o negócio dele… - Mandatário dos Recorrentes: Mas quis montar algum negócio? - Testemunha: Negócio pronto… ele é engenheiro (impercetível), a mulher é veterinária e portanto queriam fazer uma clinica para animais e, pronto… quer dizer, não podem fazer…. portanto uma coisa em maior escala, porque simplesmente o nome dele portanto… impede-o… -Mandatário dos Recorrentes: De recorrer a qualquer empréstimo? Sabe se ele foi a bancos… sabe se ele teve empréstimos recusados por causa disso? - Testemunha: Sim. Penso que sim porque, realmente… eles disseram-me que realmente estava… portanto, o nome deles…- Mandatário dos Recorrentes: Eles quem? Sabe em concreto? - Testemunha: Os meus sobrinhos contaram-me, claro.» (Faixa n.º 20160302101138_17433636_2871103) J.–Em face de todo o exposto o facto 37. dos provados deveria ser dado como não provado e os factos 1. 2. e 3. dos não provados deveriam ser dados como provados, em face da documentação referida e depoimentos transcritos
III)–DO CONTRATO DE SEGURO COMO CONTRATO DE ADESÃO – DA VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL - DA CULPA IN CONTRAHENDO E ABUSO DE DIREITO
K.–Conforme assente em 1. a 7. dos factos provados, a segurada celebrou, para garantia do cumprimento do contrato de mútuo celebrado com o BANCO..., por intermédio deste, ao seu balcão e com um seu funcionário, um contrato de seguro com a Allianz. A segurada limitou-se a aderir ao referido contrato.
L. –O contrato de seguro celebrado com a segurada é considerado de grupo, denominando-se A... Vida Grupo – Crédito Pessoal BANCO....
M. –Conforme disposto no artigo 4.º do DL 176/95, de 26 de Julho (em vigor à data da contratação), competia ao tomador do seguro (banco) a obrigação de informação das cláusulas contratuais ao segurado, competindo-lhe ainda o ónus da prova do cumprimento desse dever.
N. –Não foi dado como provado que o Réu banco tenha informado e explicitado as cláusulas contratuais do contrato de seguro e, no que aqui interessa, as cláusulas de exclusão, para cumprimento dos princípios da transparência e informação, previsto no próprio DL 176/95, de 26 de Julho e no Regime Jurídico da Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG), não havendo qualquer facto que diga que à segurada foi cabalmente explicado o sentido e alcance do teor do pré-elaborado e pré-preenchido “Boletim de Adesão” e as cláusulas 4.ª e 5.ª das condições gerais que àquele documento e à sua essencialidade se referem. O ónus da prova da comunicação adequada e efetiva, sempre cabia ao contratante que submetia a outrem as cláusulas contratuais gerais.
O. –Pelo que devem ser consideradas excluídas do contrato as cláusulas 4.ª e 5.ª das condições gerais, dado que o banco ou a seguradora não alegaram ou provaram que explicitaram à segurada que se esta sofresse de alguma doença o seguro seria nulo.
P. –O «Boletim de adesão» utilizado para o contrato em causa nos autos é um documento pré-preenchido, que para além do n.º do processo de crédito, o n.º do certificado, o nome e data de nascimento da pessoa segura, a data de emissão e assinaturas da pessoa segura e do Banco..., não permitia mais qualquer preenchimento, não tendo qualquer espaço para colocar outra informação, mesmo acerca das condições de saúde da segurada.
Q. –Não havendo local no Boletim de Adesão, e o contrato não exigisse qualquer outro documento que se impusesse e materializasse uma informação sobre antecedentes de saúde de segurada, é irrazoável impor, como impõe o Tribunal a quo, que, em caso de dúvida, [a segurada deveria] prestar diretamente à seguradora, previamente à aposição da assinatura, qualquer informação que lhe parecesse relevante, uma vez que a simples manifestação de interesse em contratar teria de ser materializada na assinatura daquele documento, independentemente dessa manifestação de interesse vir a ser aceite, ou não, pela seguradora.
R. –Era razoável a uma senhora de 61 anos (segurada), esperar da seguradora um mínimo de diligência, e que esta lhe viesse a questionar sobre as suas concretas condições de saúde antes de aceitar o contrato.
S. –Uma declaração pré-imposta no boletim de adesão desacompanhada de qualquer questionário, leva-nos legitimamente a perguntar se à própria seguradora importava saber sobre o concreto estado de saúde da segurada, ou simplesmente contratar e mais tarde discutir as condições da saúde da segurada.
T. –A seguradora ao contrata nos molde em que o fez com a mãe dos recorrentes agiu com culpa in contrahendo, uma vez que ao incluir numa simples proposta de adesão uma declaração abrangente, esvazia essa mesma declaração de conteúdo concreto, sendo o seu único objetivo (na inclusão dessa declaração) permitir a sua desresponsabilização futura, não querendo e não lhe interessando, em concreto, indagar sobre a veracidade de tal declaração no momento do contrato, por forma a levar a segurada a contratar e pagar o prémio.
U. –Ou caso assim não se entenda, sempre a seguradora atuou em abuso do direito, porquanto num primeiro tempo dá azo a uma situação de facto (com documentos pré-fabricados que determina quem simplesmente se propõe a contratar a assiná-los), por forma a prevalecer-se e assim a manter, enquanto lhe conviesse e para que, na melhor altura, invocasse a factualidade que redundaria numa irregularidade, de tal forma a eximir-se ao cumprimento.
V. –Sendo ilegítimo o exercício da invocação da seguradora do artigo 429.º do Cod. Com., porque essa alegação, atendendo à forma como se predispôs e à documentação que determinou a assinar a segurada para a celebração do contrato, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, em violação do disposto no artigo 334.º do Código Civil.
W. –Não tendo sido questionado à segurada o seu concreto estado de saúde, não se pode considerar que esta prestou declarações inexatas sobre a mesma.
X. –Conforme referido no Acórdão da Relação do Porto, proc. 1560/11.6TJPRT.P1, de 19.11.2012, disponível em www.dgsi.pt, «Nunca pode considerar-se que o segurado que não foi questionado sobre o seu estado de saúde possa sobre este ter omitido circunstâncias relevantes.»
Y. –Nesse mencionado acórdão cita-se ainda a Jurisprudência do STJ, nos Acórdãos de 17.10.2006 e de 27.05.2008, no Primeiro, se refere que é através do “questionário” que a seguradora dá conhecimento ao candidato sobre “as circunstâncias concretas em que se baseia para assumir o risco”e, no Segundo,se atribui particular relevo ao “questionário”, referindo: “consoante o conteúdo das respostas ao questionário sobre o estado de saúde do potencial segurado, a seguradora decide se, em definitivo, apresenta uma proposta de seguro e, na hipótese afirmativa, as condições que propõe para que seja celebrado o contrato de seguro, sendo que só então, nessa segunda fase, poderemos dizer que estamos perante um contrato de adesão”.
Z. –Não era à segurada (ou seus sucessores) que competia alegar e provar que tinha sido prestado diretamente à seguradora, qualquer informação que lhe parecesse relevante sobre o seu estado de saúde, mesmo que tal não lhe fosse questionado.
IV)– DOS REQUISITOS DO ART.º 429.º DO COD. COMERCIAL A INSUFICIENCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA.
AA. –Como se escreveu no acórdão do STJ de 27.05.2008, já mencionado, apesar de o art. 429.º do C. Comercial se referir a nulidade, o que se pretendeu aí estabelecer foi um regime de anulabilidade e não uma nulidade, que assenta na previsão do erro como vício de vontade.
BB. –E como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra, de 24.04.2012, a invalidade do contrato de seguro não se basta, porém, com a existência de declarações inexatas ou reticentes: é ainda indispensável que se demonstre, tarefa com a qual é onerada a seguradora, a sua influência sobre a existência do contrato de seguro ou sobre a definição das despectivas condições.
CC. –Dos factos provados, não resulta que o contrato de seguro foi aceite pela seguradora no pressuposto de que as declarações efetuadas não padeciam de incorreção ou omissão, só provada a essencialidade de tal factualidade, em moldes de permitir influenciar a formação da vontade do segurador, era possível fazer operar o artigo 429.º do Código Comercial.
DD. –Nos termos da cl. 5ª, n.º 1, das condições gerais, a seguradora poderia exigir exames médicos.
EE. –Sem prescindir, a declaração incorporada no «Boletim de Adesão» conjugada com os demais factos considerados provados na sentença, não permitia extrair que tenham sido prestadas declarações inexatas pela segurada naquele concreto momento em que assinou o documento.
FF. –Não há qualquer facto provado que diga que na data da celebração do contrato, em 22/12/2006: a) a segurada não se encontrasse em perfeito estado de saúde; b) que nos últimos seis meses a segurada tenha tido qualquer acidente ou doença que a tenha impossibilitado de exercer a sua atividade de modo contínuo.
GG. –De igual modo, não há qualquer facto que diga que à data da celebração do contrato a segurada estivesse com qualquer doença, doença essa que implicasse a vigilância médica periódica e/ou medicação permanente.
V)– DO (IN)CUMPRIMENTO DO CONTRATO E DA NULIDADE DA CLÁUSULA 14.ª DAS CONDIÇÕES GERAIS.
HH. –Deste modo, ao invés do decidido na sentença em crise, deveria ser reconhecida a validade do contrato celebrado, sendo reconhecido o direito dos Recorrentes de exigirem à seguradora o cumprimento do contrato de seguro.
II. –De facto, de acordo com as regras gerais do ónus da prova, a prova do preenchimento das cláusulas de exclusão de responsabilidade, no caso a demonstração de que a falecida segurada já sofria alguma patologia à data da celebração do contrato (artigo 3.º n. 2 das condições gerais do contrato de seguro) caberia à R. (cf. artigo 342.º n.º 2 do Código Civil).
JJ. –Nos termos do disposto no artigo 21.º al. g) do RJCCG, são absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que “modifiquem os critérios de repartição do ónus da prova ou restrinjam a utilização de meios probatórios legalmente admitidos”.
KK. –A cláusula 14.ª das Condições Gerais do Contrato que estipula a necessidade de apresentar um relatório médico, assenta em cláusula que deve ser declarada nula, uma vez que importa a inversão do ónus da prova que recai sobre a seguradora. Ao estabelecer-se nas condições gerais do contrato, a necessidade de ser apresentado um relatório médico no qual se identifique o início, evolução e duração da doença que esteve na origem da causa de morte, a seguradora está a inverter o ónus da prova que, de acordo com as regras gerais de direito civil, recai sobre si.
LL. –Nulidade essa que expressamente, se invocou, e não foi sancionada pelo Tribunal a quo, em virtude de ter enveredado por posição jurídica que decidiu pela invalidade do contrato, mas que, conforme se espera na procedência do supra exposto, exige uma apreciação.
MM. –A nulidade cláusulas de tal natureza, é, de resto, líquido na Doutrina e Jurisprudência, a título de exemplo, o Acórdão n.º 2360/08.6YXLSB.L1-2 da Relação de Lisboa que refere: “Entende-se, todavia, que não poderá utilizar a mesma cláusula para impor àqueles uma prova que não lhes competiria, mas sim a ela. Ou seja, sendo à R. que competia, de acordo com as regras do ónus da prova, a demonstração de ocorrência daquela causa de exclusão na cobertura de riscos, bem como de o tomador do seguro ter realizado declarações inexatas ou reticentes, não poderia ela, transferir para outrem esse ónus, mesmo numa fase anterior à discussão em juízo. Como refere José Vasques «o entendimento dominante segundo o qual as convenções de inversão do ónus da prova são nulas – ainda que o legislador as tenha admitido em condições restritas (artigo 345 do Código Civil) – foi definitivamente reforçada pela proibição absoluta das cláusulas contratuais gerais que modifiquem os critérios de repartição do ónus da prova» (art. 21-g) do RJCCJ).”;
NN. –E também o Acórdão n.º 208/10.0YXLSB.L1-2 da Relação de Lisboa que refere o seguinte: «O ónus da prova de tal exclusão recai sobre a seguradora. São nulas as cláusulas contratuais gerais a) pela qual a seguradora inverte esse ónus, pondo a cargo do beneficiário a prova da inexistência de facto que exclua a responsabilidade desta sob pena de não pagamento do prémio. As cláusulas contratuais gerais que exigem dos beneficiários a apresentação de atestados médicos a indicar as causas, início e duração da doença ou lesão corporal que causou o falecimento das pessoas seguras, são também abusivas porque contendem com o disposto no artº 21º, alínea g), do Dec-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro. Transferem para os beneficiários um ónus que só à Ré seguradora diz respeito, a saber: o de dissipar as dúvidas que possua quanto à causa da morte dos titulares segurados. Com a deliberação 62/2006 passou a entender que aquando da celebração do contrato de seguro e no processo de formação da vontade negocial as seguradoras podem recorrer, para avaliar o risco, a exames complementares de diagnóstico (exames médicos e análises clínicas) e, complementarmente, às informações dos segurados. Os beneficiários das compensações devidas pelos seguros do ramo vida, têm, em regra, a partir da morte do segurado um direito subjetivo à compensação, a que se contrapõe na esfera jurídica das seguradoras a obrigação de a pagar. Ora, o direito processual civil exige ao sujeito da obrigação o ónus da prova da existência de causa de “desobrigação”, não requerendo ao sujeito do direito subjetivo prova da inexistência dessa causa de “desobrigação”. A posição processual mais onerada das seguradoras não pode ser aliviada à custa da violação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos». OO.–E ainda o Acórdão n.º 2212/09.2TBACB.L1-2 da Relação de Lisboa, de acordo com o qual «Ao tomador de seguro cabe a alegação e o ónus da prova da verificação do risco coberto. À seguradora cabe a alegação e o ónus da prova da verificação de uma cláusula de exclusão do risco (como facto impeditivo do direito daquele - art. 342/2 do Código Civil). No sentido de que o ónus da prova da ocorrência de uma situação prevista numa cláusula de exclusão da cobertura cabe às rés seguradoras, vejam-se, apenas por exemplo, os Acs. do TRC de 03/05/2011 (1922/07.3TBPMS.C1, que cita no mesmo sentido o Ac. do STJ de 14/12/2004, CJSTJ.III, pág. 146), e do STJ de 03/02/2009 (08A3947)». PP.–Pelo que, sem margem para qualquer dúvida entendem os recorrentes estarem preenchidos os requisitos de que dependiam a procedência do seu pedido, devendo a seguradora ser condenada ao cumprimento do contrato de seguro, por inexistência, em face do quanto consta das Condições Gerais, concretamente do artigo 3.º, qualquer exclusão que possa ser mobilizada pela seguradora para justificar o seu incumprimento. QQ.–Entendem os recorrentes que a douta sentença sob recurso fez uma menos correta apreciação, interpretação e aplicação, entre outras, das seguintes normas jurídicas: art.º 429.º do Cód. Comercial; artigo 4.º do DL 176/95, de 26 de Julho; artigos 5.º, 6.º, 8.º, al a) e b) e 21.º al. g) do RJCCG; art. 227.º e 342.º, n.º 2, e 334.º do Código Civil; 607.º do Cód. Proc. Civil.
Termos em que, e nos mais de direito e com o mui douto suprimento de vossas excelências, deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a douta sentença proferida, substituindo-a por outra que acolha a pretensão dos recorrentes.
Assim se fazendo a costumada Justiça!»
Contra-alegaram P BANCO..., Sa e a Companhia de Seguros A...propugnando pela improcedência da apelação (fls. 635-642 e 643-651).
Já neste Tribunal da Relação, em 29.11.2017, foi proferido o despacho de fls. 658, facultando o contraditório às partes no intuito de se conhecer da validade da cláusula contratual correspondente ao facto provado sob 26 bem como sobre a pertinência do regime do Artigo 7º da Lei nº 67/98.
QUESTÕES A DECIDIR.
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i.– Impugnação da matéria de facto;
ii.– Exclusão do contrato de seguro das cláusulas 4ª e 5ª das condições gerais;
iii.– Atuação da seguradora com culpa in contrahendo e em abuso de direito;
iv.– Regime do Artigo 429º do Código Comercial;
v.– Da nulidade da Cláusula 14ª das condições gerais do contrato.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1.– No exercício da sua atividade creditícia, o Réu BANCO..., S.A. celebrou com Isabel..., em 22 de Dezembro de 2006, o contrato de mútuo n.º 0..., no valor de € 25.000,00 (vinte cinco mil euros).
2.– Para garantir o pagamento do capital mutuado pelo R. BANCO... em caso de morte ou invalidez da mutuária, esta celebrou com a R., Companhia de Seguros A..., S.A., um contrato de seguro.
3.– Ficando tal contrato associado ao contrato de mútuo celebrado com o BANCO....
4.– O referido contrato de seguro foi celebrado com a R. A... através do R. BANCO....
5.– O R. BANCO... foi a entidade responsável pela elaboração e celebração do contrato de seguro num dos seus balcões e por um seu funcionário.
6.– A mutuária Isabel... limitou-se a aderir ao referido contrato.
7.– O referido contrato de seguro foi formalizado por escrito, datado e assinado pela seguradora Allianz, pelo beneficiário BANCO... e pela tomadora Isabel....
8.– Ficou estipulado que a Companhia de Seguros A... garantiria o pagamento do capital seguro verificando-se o evento a que respeita o risco coberto, rectius morte ou invalidez, e caso não ocorressem quaisquer causas de exclusão (cf. artigo 2.º das condições gerais da apólice).
9.– A R. assumiu, assim, a obrigação de garantir o pagamento do montante ainda em dívida ao credor BANCO... resultante do contrato de mútuo celebrado, em caso de morte ou invalidez da mutuária, contra o pagamento do prémio.
10.– Em 27/02/2009, a mutuária Isabel... veio a falecer em consequência direta de enfarte agudo do miocárdio.
11.– Deixando como seus únicos herdeiros os filhos Lourenço... e Paulo..., ora Autores.
12.– Por carta de 25/03/2009, os AA. reportaram o óbito aos Réus para ser acionado o seguro de vida contratado e, consequentemente, liquidado o montante devido pelo empréstimo, à data.
13.– A 1ª Ré solicitou o envio de um relatório médico, indicando as circunstâncias, causas, início e duração da doença ou lesão que provocaram a morte, para que se pudesse dar início ao processo de indemnização, tendo-se suspendido o processo de sinistro aberto.
14.– Na sequência desse pedido os AA., por duas vezes, procederam ao envio de relatório e aditamento subscrito pelo médico que acompanhava a segurada, bem como Informação Clínica e Relatório completo do episódio de urgência emitido pelo Serviço de Cardiologia dos Hospitais da Universitário de Coimbra.
15.– A 1ª Ré invocou que “não consta a data de diagnóstico das doenças associadas (hipertensão arterial e dislipidémia) ” nos documentos enviados pelos AA..
16.– Em 19/07/2013 o credor BANCO... instaurou uma ação executiva contra os ora AA. (Proc. N.º 2438/13.4TJCBR, a correr termos no 2º Juízo Cível de Coimbra), peticionando o pagamento da quantia de € 21.472,86 (vinte e um mil, quatrocentos e setenta e dois euros e oitenta e seis cêntimos).
17.– E comunicou o incumprimento do Banco de Portugal;
18.– O reembolso do capital mutuado pelo Réu BANCO... à mutuária Isabel... Gonçalves, bem como de juros contratuais deveria ser realizado em 60 prestações de € 536,11 a uma taxa nominal de 10%.
19.– Após ter tomado conhecimento pelos AA do óbito da mutuária, de imediato, o Banco R. comunicado tal óbito à co-R. COMPANHIA DE SEGUROS A..., SA.
20.– Tendo sido trocada entre o Banco R., a co-R. ALLIANZ, e os AA ou o seu ilustre mandatário, variada correspondência entre 02/04/2009 e 30/09/2013. – cf. docs. nº 3 a 36.
21.– A co-R. ALLIANZ, não procedeu junto do Banco R. à liquidação do capital evidenciado à data do óbito da referida ISABEL...
22.– Nenhum pagamento foi efetuado pelos AA por conta da dívida em apreço.
23.– Por carta registada com aviso de receção, datada de 16/06/2011, comunicou o Banco R. aos ora AA. a resolução do contrato.
24.– A 1ª Ré celebrou com o Banco..., na qualidade de beneficiário e Isabel..., como pessoa segura, um contrato de Seguro para garantia de crédito pessoal titulado pela apólice nº 8... – certificado 9../14 (atualmente identificado por apólice ...) associado ao crédito ..., para um capital de 25.000,00, na data de 22-12-2006;
25.– Para a celebração do seguro de vida dos autos é necessário o preenchimento prévio do boletim de adesão (proposta) instruído com uma declaração de saúde da pessoa segura onde o aderente declara que se encontra bem de saúde.
26.– No boletim de adesão assinado pela segurada e falecida Isabel... consta a seguinte declaração antes da assinatura: “Declaramos que nos encontramos em perfeito estado de saúde e que nos últimos seis meses não tivemos qualquer acidente ou doença que nos tenha impossibilitado de exercer a nossa atividade de modo contínuo, nem sofremos de doença que implique a vigilância médica periódica e/ou medicação permanente.
Mais declaramos tomar conhecimento que está excluída da cobertura deste contrato a morte derivada de qualquer incapacidade já adquirida ou com início à data da adesão, assim como a prestação de falsas declarações permite anular esta adesão ficando sem efeito as garantias conferidas pelo presente contrato de seguro, qualquer que seja a data em que delas se tem conhecimento.”
27.– Logo a seguir a esta declaração consta no mesmo documento: “Declaramos: (…) b) que as omissões, inexatidões ou falsidades, quer no que respeita a dados de fornecimento obrigatório, quer facultativo, são da nossa inteira responsabilidade. (…) d) que recebemos a informação à pessoa segura.”
28.– A assinatura da Isabel... que consta do documento 2 foi feita no mesmo momento temporal em que colocou a assinatura do mútuo bancário ínsita no doc. 1 junta com a p.i., na presença do funcionário bancário do BANCO... que tratou do processo de empréstimo, tendo sido feito o respetivo controlo de assinatura;
29.– Segundo a cláusula do art. 14º das condições gerais da apólice 2.1 O pagamento de qualquer indemnização relativa a esta apólice só será exigível depois do envio à A... do pedido do Banco..., SA e dos documentos justificativos exigidos que são: a) em caso de morte: - certificado de óbito emitido por entidade oficial competente – documento comprovativo da data de nascimento da pessoa segura – cópia do bilhete de identidade – se a morte tiver ocorrido por doença, relatório do médico assistente ou de família (segurança social) ou medicina do trabalho referindo o início, evolução e duração da causa de morte. Se os documentos não forem esclarecedores sobre a causa de morte, poderá ainda ser solicitado o relatório da autópsia. Se faltar algum dos documentos ou informação acima referidos, deverá ser indicada a razão.
30.– A 1ª Ré solicitou a entrega de um relatório médico preenchido num documento padrão, por si emitido para averiguar da veracidade das declarações prestadas no Boletim de adesão.
31.– Na sequência desse pedido, a 1ª Ré recebeu dos AA. um relatório médico a 20/05/2009 com os campos de preenchimento em branco, à exceção do campo “desde quando era médico da pessoa segura”, com menção “2007”, sem mais informação.
32.– Em consequência, a 1/06/2009 a Ré solicitou um novo relatório médico que respondesse às questões que nele constam;
33.– Em 07/10/2010 a Ré insistiu pelo relatório médico em falta;
34.– Após troca de correspondência com o mandatário dos AA. a Ré recebeu uma ficha das urgências do HUC da falecida.
35.– Também recebeu um relatório do HUC assinado pelo Dr Pedro M...;
36.– No certificado de óbito da segurada refere-se como causa direta da morte assistolia devida a enfarte agudo de miocárdio.
37.– Na data da sua admissão no Serviço de urgência do HUC, em 18/02/2009, a falecida Isabel... tinha antecedentes pessoais de enfisema pulmonar, HTA, dislipidémia e Depressão, tomava habitualmente medicação para tais patologias e não tinha antecedentes de patologia isquémica cardíaca ou coronoriopatia;
38.– Em Fevereiro de 2005 a falecida dirigiu-se ao Centro de Saúde de Coimbra solicitando receita para 14 medicamentos, entre eles, Fluimucil – 10 caixas, filotempo – 9 caixas, Spiriva, Xanax, zithromax, Adalat 30 CR e tenormin mite.
39.– Em 26/03/2007, em consulta no Centro de Saúde Coimbra, foi receitado à falecida 11 medicamentos, entre outros como fluimucil, filotempo, spiriva, zithromax, medicamentos para Hipertensão (tenormin mite e adalat cr 30)
40.– Na consulta de 26/03/2007 a falecida reportou como antecedentes doença respiratória, abuso do tabaco, histerectomia, perturbações depressivas, hipertensão sem complicações, fibromioma do útero.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
Impugnação da matéria de facto
Pretendem os apelantes que o facto 37 passe a não provado ou, pelo menos, não seja dado como provado com a extensão com que o foi porquanto, ao dar como provado tal facto, o tribunal incorre em contradição dom o documento “relatório completo de episódio de urgência dos HUC, de 18.2.2009”, onde não consta que e mãe dos apelantes tinha antecedentes pessoais de dislipidémia. Acresce, na perspetiva dos apelantes, que o Dr. João... afirmou que considerava que a dislipidémia não é um antecedente.
O tribunal a quo fundamentou a sua convicção nestes termos:
«O Tribunal formou a sua convicção com base na análise da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, levando em consideração, essencialmente, o depoimento das testemunhas João... e Pedro M., o primeiro médico especialista em medicina interna que presta serviços para a primeira Ré e analisou o processo referente à segurada Isabel... e o segundo, médico cardiologista do HUC que teve contacto com a doente durante o internamento desta naquele hospital, conjugando com as regras da experiência comum a documentação junta, nomeadamente, a documentação clínica de fls 258 a 344, obtida do HUC, de que se destaca a informação constante de fls 262 e 266 a 269 – quanto aos antecedentes pessoais da segurada no momento do seu internamento, 344 – quanto à causa de morte; e de fls 345 a 352 complementada pela declaração da médica de família da segurada que consta de fls 418 a 420 e o certificado de óbito de fls 94 verso. Com efeito, de tal documentação e conforme depoimento da testemunha João... é possível concluir que, desde data anterior à celebração do contrato de seguro, a segurada padecia de problemas de saúde para os quais necessitava de tomar medicação permanente, conforme se evidencia na ficha de fls 347 que dá conta que a segurada se dirigiu ao seu médico de família para obter receituário para medicação diversa, tendo pedido várias caixas de dois dos medicamentos mencionados, o que indica que a mesma já os teria adquirido em farmácia e que sabia que deles necessitava de forma permanente. Mais refere esta testemunha que o processo de sinistro nunca foi fechado, por a seguradora não ter tido conhecimento das datas de diagnóstico das patologias de enfisema pulmonar, dislipidémia e hipertensão que constavam como antecedentes pessoais da segurada na data de internamento no HUC, elemento fundamental para a avaliação do sinistro e que só na data do julgamento, após observar o documento de fls 347, pode concluir que a segurada se encontrava medicada, antes da data da celebração do contrato de seguro, com um hipertensor grave (o medicamento que surge na quarta linha da lista de medicamentos que aí constam de tal documento) e com um broncodilatador, referindo ainda que o enfisema dá queixas graves e é altamente sintomática, sendo ainda potencialmente fator de agravamento do enfarte. Não são suficientes para por em causa ou lançar dúvida sobre os factos referidos, face à documentação clínica existente nos autos sobre o estado de saúde de Isabel..., os depoimentos das testemunhas apresentadas pelos AA, designadamente, Filomena F..., amiga da segurada com a profissão de enfermeira, Carmo..., irmã da segurada e igualmente enfermeira, que declararam desconhecer que a segurada tivesse algum problema de saúde não lhes tendo aquela reportado qualquer problema de saúde que tivesse, sendo certo que seria normal que o fizesse, e não tendo as mesmas detetado qualquer sintoma na segurada que denunciasse alguma doença. (…) A documentação clínica mencionada, designadamente, a ficha de admissão da segurada no HUC, impede que se possa dar como provado que o diagnóstico de hipertensão e dislipidémia só tenha sido feito na data de admissão, em 18/02/2009, pois constam da ficha da doente como antecedentes pessoais, o que significa que existiam antes da data dessa admissão, o que se confirma da análise da documentação clinica proveniente do centro de saúde de Coimbra relativa à segurada.»
Não merece censura a convicção formulada pelo tribunal a quo.
Com efeito, pese embora no documento de fls. 262 não conste a menção à dislipidémia, tal menção está feita a fls. 266 e 268 reportando-se tais documento ao mesmo episódio na urgência no dia 18 de fevereiro de 2009. Por outro lado, o segmento do depoimento da testemunha Dr. João... foi proferido por este numa fase inicial do seu depoimento, antes de ser confrontado com o documento de fls. 347 (atinente a medicação prescrita em 2005), remetido pelo Centro de Saúde ao processo e entrado em 31.8.2015. Depois de analisar tal documento, o Dr. João... foi bastante claro ao afirmar que, com o que acabava de ver, estas situações (HTA e enfizema pulmonar) eram preexistentes ao contrato de seguro. Foi também claro o depoimento do mesmo no sentido de que o enfizema pulmonar e a HTA são fatores de risco do enfarte de miocárdio que veio a ocorrer. No mesmo sentido, a testemunha Pedro Monteiro, médico cardiologista afirmou que a HTA e a dislipidémia são fatores de risco de enfarte agudo de miocárdio.
De todo o modo, desde já se adianta que o facto 37, de per si, não é decisivo para a sorte da ação porquanto - conforme se verá infra- não interessa o nexo de causalidade entre a doença preexistente e a morte do segurado mas sim o nexo de causalidade entre a doença preexistente e o contrato de seguro celebrado.
Pretendem, ainda, os apelantes que os factos não provados sob 1 a 3 passem a ser considerados provados, invocando para tal designadamente o depoimento da testemunha Carmo...
Tais factos têm o seguinte teor: 1.–O diagnóstico de hipertensão arterial e dislipidémia foi feito pela primeira vez quando a mãe dos AA. deu entrada no hospital em consequência do referido enfarte. 2.–Em virtude da instauração da execução e consequente comunicação do incumprimento ao BdP, o A. Paulo... viu a sua vida e os seus negócios serem profundamente afetados. 3.–Por força dessa impossibilidade de aquisição de crédito junto de entidades bancárias e outras entidades com objeto comercial semelhante, o A. Paulo... sofreu inúmeros prejuízos, nomeadamente no que diz respeito à sua atividade profissional, associada à sociedade M... Unipessoal, Lda.
Apreciando, em relação ao facto não provado sob 1, improcede a pretensão face à correta fundamentação adotada pelo tribunal a quo bem como ao que já foi acrescentado supra.
Em relação aos factos não provados sob 2 e 3, a testemunha Carmo... verbalizou, de facto, o que está na conclusão I[3] mas nada mais disse de relevante a tal propósito. Tal testemunha limitou-se a contar o que, alegadamente, lhe foi dito pelos sobrinhos, fazendo um relato muito genérico, hesitante, sem arrimo factual concreto. Com efeito, a prova só seria alcançada com um relato pormenorizado e concreto de pedidos bancários recusados, de projetos efetuados, factos esses que - a ocorrerem - gerariam prova documental que não foi carreada para o processo.
Nesta medida, nada há a censurar à consideração de tais factos com não provados.
Improcede o recurso na vertente de impugnação da decisão de facto.
Exclusão do contrato de seguro das cláusulas 4ª e 5ª das condições gerais
Sustentam os apelantes que devem ser excluídas do contrato de seguro as cláusulas 4ª e 5ª porquanto não foi dado como provado que o Réu banco tenha informado e explicado as cláusulas contratuais de exclusão.
Apreciando.
Tendo o contrato de seguro sido celebrado em 22.12.2006, aplica-se ao mesmo o disposto no Artigo 4º do Decreto-lei nº 179/95, de 26.7., nos termos do qual: 1- Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora. 2- O ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro. 3- Nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.° 1 implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação.
Os deveres de comunicação e esclarecimento, na íntegra, do conteúdo negocial estão previstos nos arts. 5.º e 6.º do DL 446/85 e resultam diretamente do princípio da boa fé contratual consagrado no art. 227.º do Código Civil, estendendo-se a todas as partes dos contratos que tenham poder de impor cláusulas negociais ao consumidor. A norma do Artigo 4º, nº1, citada constitui uma norma especial face ao Artigo 5º da LCCG (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.10.2010, Sebastião Póvoas, 646/05 e de 29.5.2012, Garcia Calejo, 7615/06), visando resolver a questão da titularidade do dever de informação e, em caso do seu incumprimento, se tal incumprimento é oponível ao segurador (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.5.2015, Tomé Gomes, 17/13 e de 5.4.2016, José Rainho, 36/12).
Do ponto de vista processual e no que tange ao ónus de alegação, a norma do art. 4º não constitui norma especial face aos artigos da LCCG. Assim, é ao contraente que pretende prevalecer-se da omissão dos deveres de comunicação que incumbe o ónus de alegação, pelo que o contratante que apresentou as cláusulas contratuais gerais só terá que fazer a prova de que cumpriu adequadamente os deveres de comunicação e de informação, se o outro contratante invocou, em sede alegatória, que tais deveres não foram cumpridos (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.10.2003, Oliveira Barros, 1384/03, de 25.5.2006, Pereira da Silva, 1016/06 e de 21.10.2010, Lázaro Faria, 3214/06). Ora, na petição os Autores não alegaram o incumprimento de tais deveres de informação pelo que não cabia às Rés fazer a prova da sua efetiva comunicação.
Termos em que improcede a argumentação dos autores. Atuação da seguradora com culpa in contrahendoe em abuso de direito
Nas suas conclusões P a Z, os apelantes sustentam que a seguradora agiu com culpa incontrahendo e atuou em abuso de direito porquanto:
a.- O boletim de adesão estava totalmente preenchido, não tendo qualquer espaço para colocar outra informação (é uma declaração pré-imposta), desacompanhada de qualquer questionário;
b.- A inserção de tal declaração abrangente esvazia a declaração de conteúdo concreto, tendo por propósito a desresponsabilização futura da seguradora, não interessando a esta, em concreto, indagar sobre a veracidade de tal declaração no momento da celebração do contrato;
c.- Não tendo sido questionado à seguradora o seu concreto estado de saúde, não pode considerar-se que esta prestou declarações inexatas sobre o mesmo;
d.- Subsidiariamente, atuou a Ré em abuso de direito porquanto, num primeiro momento, dá azo a uma situação de facto com documentos prefabricados por forma a, na melhor altura, invocar a factualidade que redundaria numa irregularidade de forma a eximir-se ao cumprimento.
Apreciando.
Dos factos provados sob 26 e 27 resulta que:
«26.– No boletim de adesão assinado pela segurada e falecida Isabel... consta a seguinte declaração antes da assinatura: “Declaramos que nos encontramos em perfeito estado de saúde e que nos últimos seis meses não tivemos qualquer acidente ou doença que nos tenha impossibilitado de exercer a nossa atividade de modo contínuo, nem sofremos de doença que implique a vigilância médica periódica e/ou medicação permanente. Mais declaramos tomar conhecimento que está excluída da cobertura deste contrato a morte derivada de qualquer incapacidade já adquirida ou com início à data da adesão, assim como a prestação de falsas declarações permite anular esta adesão ficando sem efeito as garantias conferidas pelo presente contrato de seguro, qualquer que seja a data em que delas se tem conhecimento.”
27.– Logo a seguir a esta declaração consta no mesmo documento: “Declaramos: (…) b) que as omissões, inexatidões ou falsidades, quer no que respeita a dados de fornecimento obrigatório, quer facultativo, são da nossa inteira responsabilidade. (…) d) que recebemos a informação à pessoa segura.»
Estes dois factos provados têm como fonte o documento junto a fls. 23, do qual decorre que não foi formulado qualquer questionário de saúde à aderente, a mesma não tinha nada a preencher nem sequer com a aposição de qualquer cruz, cabendo apenas assiná-lo como fez. Nos termos de tal formulário, a pessoa segura apenas tinha a faculdade de aderir em bloco ao texto pré-formulado, nada podendo acrescentar, precisar ou ressalvar.
Este clausulado predisposto - na íntegra - pela A...é absolutamente singular e vai contra a prática mais comum de formular um questionário de saúde ao aderente. Com efeito, conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.7.2011, Alves Velho, 2617/03, a função do questionário e o modo de elaboração do mesmo são os seguintes:
«O questionário é uma das formas de declaração inicial do risco pelo candidato tomador do seguro ou pessoa segura que tem por objetivo a ponderação por parte da seguradora dos riscos a correr com a celebração do contrato que lhe é proposto.
Consiste “numa facilitação concedida pelo segurador ao segurado”, assente na probidade das informações e na boa fé deste último, com vista a evitar um complexo de averiguações e exames, não devendo “redundar em prejuízo daquele” (MOITINHO DE ALMEIDA, “O Contrato de Seguro”, 74).
Do que aqui se trata é da postura do candidato ou proponente do seguro relativamente a perguntas simples e claras sobre o seu estado de saúde, baixas e internamentos, meras declarações de ciência que, destinadas embora a serem valoradas pela contraparte na sua declaração negocial, não continham qualquer declaração de vontade relativamente à qual se possa falar de adesão e vinculação, para efeitos de inclusão na previsão dos arts. 1º e 2º do RJCCG, designadamente em relação ao Segurado.
Pré-elaborado está o questionário, que não as respostas, e destinatário destas é a Seguradora. O Segurado não adere ao questionário, responde-lhe para fornecer à Seguradora elementos em função dos quais esta estabelece as condições de aceitação do contrato.
Tudo numa fase prévia à despectiva celebração.
Como se escreveu no citado acórdão de 27 de Maio de 2008, relatado pelo aqui 1º Adjunto, Cons. Moreira Camilo, “consoante o conteúdo das respostas ao questionário sobre o estado de saúde do potencial segurado, a seguradora decide se, em definitivo, apresenta uma proposta de seguro e, na hipótese afirmativa, as condições que propõe para que seja celebrado o contrato de seguro, sendo que só então, nessa segunda fase, poderemos dizer que estamos perante um contrato de adesão. Como é óbvio, a seguradora não apresenta um contrato-tipo já com o questionário preenchido”. (sublinhado nosso)»
Ora, no caso em apreço, o que aconteceu foi que a seguradora apresentou à candidata a pessoa segura um texto que, materialmente, equivale a um questionário pré-preenchido em que as respostas são, na prática, pré-elaboradas, ou seja, a seguradora não curou – efetivamente – de se inteirar do real estado de saúde da candidata a pessoa segura, pré-elaborando uma declaração de ciência desta sobre o seu estado de saúde.[4] Neste contexto, como bem se afirma no Acórdão da Relação do Porto de 19.11.2012, Carlos Querido, 1560/11, nunca pode considerar-se que o segurado que não foi questionado sobre o seu estado de saúde possa sobre este ter omitido circunstâncias relevantes. Note-se que tal formulário foi assinado concomitantemente com o contrato de mútuo (cf. facto 28), não sendo exigível à candidata a pessoa segura que emita declarações de ciência sobre o seu estado de saúde que não lhe foram solicitadas pela contraparte, sendo certo que não tinha sequer onde escrevê-las mesmo que o desejasse….
As declarações a que se reportam os factos em causa (26 e 27) integram, pois, genuínas cláusulas contratuais gerais porquanto assumem as características de pré-formulação, generalidade e imodificabilidade (Artigo 1º da LCCG). A declaração a que se reporta o facto 26 é proibida por ser contrária à boa fé bem como por impor uma manifestação de vontade com base em factos para tal insuficientes (Arts. 16º e 19º, alínea d), da LCCG).
Com efeito, nos termos do Artigo 19º, alínea e), da LCCG, são proibidas, consoante o quadro legal padronizado, as cláusulas contratuais gerais que imponham ficções de receção, de aceitação ou de outras manifestações de vontade com base em factos para tal insuficientes. «Esta previsão particular deve ser articulada com os artigos 217º e 218º do CC, em matéria de modalidades de declarações negociais. Esta proibição permite alicerçar a inadmissibilidade de cláusulas que imponham unilateralmente a relevância do silêncio como manifestação de vontade, ao arrepio do princípio geral plasmado no artigo 218º do CC, nomeadamente em hipóteses de alteração das condições contratuais por parte da entidade predisponente» - Ana Filipa Morais Antunes, Comentário à Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, p. 297. Por sua vez, Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, p. 436, afirma que «Esta norma tem a utilidade de retirar valor declarativo ao silêncio, quando ele lhe tenha sido atribuído convencionalmente, o que não é secundário no tipo de contratos a que se refere.» A referência ao quadro legal padronizado significa que a censura ao teor da cláusula deve ser aferida em função do conjunto dos seus destinatários, «entidade abstrata cujos interesses e motivações só são identificáveis através do tipo de contrato efetuado», visando «excluir das circunstâncias a considerar na avaliação da boa ou má-fé do predisponente aquelas que são próprias de cada um dos indivíduos que vieram a aderir ao contrato» - José Manuel Araújo de Barros, Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, pp. 225-226.
A ratio desta norma opera no caso em apreço na medida em que, por predisposição unilateral da seguradora, é atribuído ao silêncio da candidata a pessoa segura – no momento da adesão - o concreto significado de uma declaração de ciência própria e especificada sobre o seu estado de saúde (= estou em perfeito estado de saúde e, nos últimos seis meses, não tive qualquer acidente ou doença, nem sofro de doença que implique vigilância medica periódica ou permanente).
Note-se que da norma do Artigo 15º da LCCG derivam consequência normativas autónomas, mesmo além das que se encontram previstas nos artigos 18º, 19º, 21º e 22º (Cf. Ana Prata, Op. Cit., p. 328), sendo certo que o catálogo das cláusulas proibidas é aberto, tendo de ser aferir do seu conteúdo abusivo e iníquo à luz do princípio da boa fé (Ana Morais Antunes, Op. Cit., p. 240; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, p. 380).
A cláusula contratual geral em causa, tomada de per si ou em conjugação com o Artigo 5º, nº3, das Condições Gerais (“A omissão de factos, as declarações falsas, inexatas ou incompletas que alterem a apreciação do risco determinam a nulidade do contrato. Verificando-se aquela situação a Pessoa Segura e/ou o Tomador do Seguro não terão direito a devolução dos prémios pagos”), gera um desequilíbrio contratualem prol da seguradora porquanto basta que o aderente padeça de uma doença de pouca relevância, v.g., miopia, para que a seguradora – sendo acionado o seguro – argua a omissão de factos e/ou declarações falsas para se desvincular das suas obrigações, num contexto em que nem sequer é facultado ao aderente declarar que padece de tal doença atento o formulário pré-imposto. Daí a sua nulidade nos termos do Artigo 15º da LCCG e Artigo 294º do CC.
Cumpre frisar que, nos termos do Artigo 429º do Código Comercial, o nexo causal a estabelecer é entre a patologia omitida pelo segurado e a celebração do contrato de seguro, nos precisos termos em que o foi, cumprindo averiguar, num juízo de prognose, se – conhecendo efetivamente a seguradora tais patologias omitidas no preenchimento do questionário clínico – teria celebrado, mesmo assim, o contrato nos termos em que o celebrou, assumindo a cobertura de certos e determinados riscos (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 6.12.2012, Abrantes Geraldes, 64/09 e de 26.1.2017, Lopes do Rego, 1937/11). Ou seja, não há que aferir se entre a doença omitida e o sinistro (v.g. morte) existe um nexo de causalidade médico-legal mas sim se, ciente da pré-existência da doença, a seguradora não teria aceitado celebrar o contrato de seguro ou se imporia outras condições para a celebração do mesmo contrato. Não basta à seguradora demonstrar a inexatidão ou falsidade das declarações, cabendo-lhe fazer a alegação e prova de tal nexo de causalidade, o que no casonão foi feito nem pela seguradora nem pelo banco. Nesta medida, é incorreto o raciocínio seguido na decisão de primeira instância quando, sem mais, se afirma que: «resultando manifesto que a subscritora do contrato de seguro prestou declarações inexatas, verifica-se a invalidade do contrato de seguro invocado pela 1ª Ré o que obsta a que seja reconhecido aos Autores o direito às prestações reclamadas com fundamento no incumprimento de tal contrato pela 1ª Ré.»
Regime do Artigo 429º do Código Comercial
Considerando que o contrato de seguro foi celebrado em 22.12.2006 aplica-se, no que tange à aferição da validade do mesmo, a lei então vigente e não a Lei do Contrato de Seguro (cf. Artigo 2º do Decreto-lei nº 72/2008, de 16 de abril).
Conforme referia CUNHA GONÇALVES, Comentário ao Código Comercial, II. Vol., p. 54, “ o segurador ou o seu agente não pode, de cada vez que recebe uma proposta de seguros, transportar-se ao lugar onde estão as coisas seguradas, ou para lá enviar peritos, proceder a minuciosas indagações sobre a natureza e extensão do risco, etc., tem de confiar, por isso, na lealdade ou probidade do segurado ou de quem fez o seguro, qualidades morais com que nem sempre pode contar.”. Assim, o segurador terá de confiar fundamentalmente naquelas declarações, lealdade e probidade do segurado. Também JOSÉ VASQUES, Contrato de Seguro, p. 110, refere que uma das características do contrato de seguro é a boa fé no sentido de que há uma necessidade absoluta de lealdade do segurado para manter a equidade na relação contratual, uma vez que a seguradora é normalmente obrigada a confiar nas suas declarações, sem poder verificá-las aquando da subscrição.
Assim, no contrato de seguro, a seguradora baseia a sua prestação nas declarações do tomador de seguro, nas quais deve ter toda a sua confiança. Tal não significa que a seguradora possa abandonar-se totalmente às declarações do proponente, impendendo sobre a mesma o dever de sindicar as respostas que o tomador deu ao questionário ou o seu não preenchimento, não podendo arguir a omissão se não reagiu à entrega de um questionário não preenchido ou incompleto [5] .
É com base nesta ordem de considerações que o Art. 429º do Código Comercial rege nestes termos.
“Toda a declaração inexata, assim como toda a reticência de factos ou circunstâncias conhecidas pelo segurado ou por quem fez o seguro, e que teriam podido influir sobre a existência ou condições do contrato tornam o seguro nulo. § único. Se da parte de quem fez as declarações tiver havido má fé o segurador terá direito ao prémio.”
A interpretação desta norma necessita de algumas precisões.
Em primeiro lugar, não releva qualquer declaração inexata ou reticente. Conforme já ensinava CUNHA GONÇALVES, Op. Cit., II Vol., p. 541,
“A forma por que o Art. 429º está redigido pode levar a supor que toda e qualquer declaração inexata anula o seguro. Não é esta a intenção do legislador nem é este o ensinamento da doutrina. É indispensável que a inexatidão influa na existência e condições do contrato, de sorte que o segurador ou não contrataria ou teria contratado em diversas condições. As simples inexatidões anódinas não produzem a consequência jurídica da anular o contrato.”
Assim, uma declaração incompleta ou inexata só releva para efeitos deste preceito se puder influir concretamente sobre a existência e condições do contrato de sorte que o segurador o não contrataria ou teria contratado em diversas condições se a conhecesse – cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3.3.98, Silva Paixão, CJ AcSTJ 1998 – I, p. 103, de 15.6.99, Pinto Monteiro, BMJ nº 488, p. 381, de 4.3.2004, Santos Bernardino, CJAcSTJ 2004 – I, p. 102, de 18.3.2004, Ferreira de Almeida, acessível no mesmo site. Há que recorrer à chamada vontade hipotética das partes para apurar se a seguradora teria ou não contratado pela forma que o fez se tivesse conhecido os factos e as circunstâncias não declaradas.
Em segundo lugar, a expressão nulidade empregue no preceito e cláusula em análise é utilizada no sentido impróprio pois o que se trata é de um verdadeira anulabilidade – cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.3.2009,FátimaGalante,171/06, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 16.11.2010, CarlosFerreira, 2617/03.
Na verdade, os interesses que estão em jogo não são de ordem pública mas particulares. A anulabilidade baseia-se na infração de requisitos que visam a tutela de interessas predominantemente particulares. Daí que, estando em causa na previsão da cláusula e do Art. 429º do Código Comercial a tutela de interesses particulares, deve interpretar-se tal cláusula e artigo em termos não declarativos no sentido de se considerar que, a existir invalidade, se trata da anulabilidade [6].
O regime a aplicar será, então, o decorrente do Art. 287º do Código Civil.
Por último, tem sido objeto de alguma discussão se o regime do Artigo 429º do Código Comercial exige a má fé do declarante.
Para uma primeira corrente interpretativa, o preceito deve ser objeto de uma interpretação restritiva no sentido de que uma declaração inexata ou a omissão de algum facto só poderá relevar no termos de tal preceito quando tenha sido praticada com a finalidade de iludir qualquer cláusula do contrato, quando corresponda a um propósito fraudulento quanto à avaliação do risco ou à fixação da tarifa aplicável - Neste sentido, Ac. da RC de 6.3.97, Sousa Lamas, CJ 1997 II, p. 64; Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 6.3.96, Almeida Deveza, CJ 1996 -I, p. 269; Ac. da RC de 5.2.98, Bordalo Lema, CJ 1998 - I, p. 67 e também no BMJ nº 474, p. 561; Ac. da RP de 6.12.93, Manuel Fernandes, CJ 1993-V, p. 272. Dentro desta linha de raciocínio, o mero desconhecimento negligente da omissão cometida nos termos do Art. 429º do Código Comercial não importa a nulidade do seguro - Cf. MOITINHO DE ALMEIDA, O contrato de seguro, p. 79.
No entanto, cremos que esta interpretação não é de subscrever.
Com efeito, resulta do próprio teor do Artigo 429º, máxime § Único, que o legislador prescinde da má fé do declarante para dela extrair a invalidade do negócio. Resulta deste parágrafo que a boa fé do segurado não pode impedir a invalidade do seguro, embora a má fé produza ainda o efeito de o segurador ter direito ao prémio – cf. Ac. da RP de 14.1.97, Araújo de Barros, CJ 1997 - I, p. 207, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.98, Almeida Deveza, acessível em www.dgsi.jstj/pt, de 15.6.99, Pinto Monteiro, BMJ nº 488, p. 384, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14.6.88, Martins da Costa, CJ 1988 – III, p. 238, JOSÉ VASQUES, Op. Cit.,. 379. Não se exige que o declarante tenha agido com dolo, sendo suficiente que a declaração inexata ou reticente se deva a culpa sua, que seja produzida por erro involuntário/negligência – cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.11.97, Ponce Leão, CJ 1997 – V, p. 101, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.3.2004, Santos Bernardino, CJAcSTJ 2004 – I, p. 102. “Para que a declaração inexata ou reticente implique a desvinculação da seguradora, não é necessário que exista dolo do declarante, bastando que a declaração haja sido produzida por via de mero erro, podendo a reticência derivar tanto de má fé como de mera negligência” – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8.2.2007, Granja da Fonseca, 10077/2006.
Na verdade, só esta interpretação se coaduna com o regime do Artigo 429º do Código Comercial que “mais não faz do que assumir-se como corolário sancionatório da necessidade absoluta de lealdade do segurado para manter a equidade da relação contratual, uma vez que a seguradora é normalmente obrigada a confiar nas suas declarações, sem poder verificá-las aquando da subscrição” – JOSÉ VASQUES, Op. Cit., p. 379. A declaração inexata por simples erro ou falta involuntária não deixa de ser relevante para o efeito em causa por viciar na mesma a formação da vontade ou o consentimento do segurador.
Revertendo ao caso em apreço, resulta dos factos provados sob 37 e 38 que: 37.- Na data da sua admissão no Serviço de urgência do HUC, em 18/02/2009, a falecida Isabel...tinha antecedentes pessoais de enfisema pulmonar, HTA, dislipidémia e Depressão, tomava habitualmente medicação para tais patologias e não tinha antecedentes de patologia isquémica cardíaca ou coronoriopatia; 38.- Em Fevereiro de 2005 a falecida dirigiu-se ao Centro de Saúde de Coimbra solicitando receita para 14 medicamentos, entre eles, Fluimucil – 10 caixas, filotempo – 9 caixas, Spiriva, Xanax, zithromax, Adalat 30 CR e tenormin mite.
Conforme se alcança do site do infarmed.pt, o Fluimicil destina-se a tratar infeções respiratória, o Spiriva destina-se ao tratamento de doença pulmonar obstrutiva crónica, o Adalat 30 CR e o Tenormin Mite destinam-se a tratar a hipertensão (HTA). Operando o facto provado sob 38 como facto-base de uma presunção judicial, infere-se que, já em fevereiro de 2005, a pessoa segura padecia de enfisema pulmonar e de hipertensão arterial (sobre a utilização de presunções no Tribunal da Relação, cf. Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, 3ª ed., pp. 183-189), doenças preexistentes à celebração do contrato de seguro.
Todavia, tal facto é insuficiente para a subsunção do caso ao Artigo 429º do Código Comercial porquanto – consoante já foi afirmado – não alegou nem demonstrou a Ré seguradora que, se estivesse ciente da pré-existência dessas doenças, não teria aceite celebrar o contrato de seguro ou imporia outras condições para a celebração do mesmo contrato (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.2.2012, 575/07, de 6.12.2012, Abrantes Geraldes, 64/09, de 10.12.2013, Martins de Sousa, 771/09 e de 26.1.2017, Lopes do Rego, 1937/11).
Aos Autores cabia a prova da existência do sinistro e às Rés, designadamente à seguradora, a prova da existência de uma causa de exclusão da sua responsabilidade (Artigo 342º, nº2, do CC).
Da nulidade da Cláusula 14ª das condições gerais do contrato.
A Ré deduziu o que denominou de exceção perentória inominada, argumentando que – nos termos da Cláusula 14ª das Condições Gerais do contrato – constituía obrigação dos Autores entregar documento médico com indicação de início, evolução e duração da causa da morte, com datas de diagnóstico, o que não foi feito, razão pela qual entende que não lhe é exigível proceda a qualquer pagamento aos Autores ao abrigo da apólice dos autos (art. 44º da contestação).
Em contraponto, sustentam os Autores que tal cláusula deve ser declarada nula uma vez que importa a inversão do ónus da prova que recai sobre a seguradora nos termos do Artigo 21º, alínea g) da LCCG.
Apreciando.
Está provado que: 29.- Segundo a cláusula do art. 14º das condições gerais da apólice 2.1 O pagamento de qualquer indemnização relativa a esta apólice só será exigível depois do envio à A... do pedido do Banco..., SA e dos documentos justificativos exigidos que são: a) em caso de morte: - certificado de óbito emitido por entidade oficial competente – documento comprovativo da data de nascimento da pessoa segura – cópia do bilhete de identidade – se a morte tiver ocorrido por doença, relatório do médico assistente ou de família (segurança social) ou medicina do trabalho referindo o início, evolução e duração da causa de morte. Se os documentos não forem esclarecedores sobre a causa de morte, poderá ainda ser solicitado o relatório da autópsia. Se faltar algum dos documentos ou informação acima referidos, deverá ser indicada a razão.
A questão suscitada pelos apelantes já foi objeto de decisão em caso absolutamente equivalente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.7.2014, Moreira Alves, 841/10, nos seguintes termos:
«(…) segundo o art. 14.°, n.º 1, al. c), das condições gerais do contrato de seguro, o pagamento das importâncias seguras terá lugar nos escritórios da seguradora após a entrega dos documentos comprovativos da qualidade de beneficiário, e mediante a apresentação dos documentos indispensáveis à sua regularização, a saber: atestado médico onde se declare as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte.
Daqui resulta, prima facie, que a autora/recorrida, para receber as importâncias seguras, está adstrita a cumprir a obrigação prevista no contrato de seguro, ou seja, apresentar, para além da certidão de óbito, um atestado médico de onde constem as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte.
Não se escamoteie, como já antes escrevemos, que a delimitação do risco e do interesse relevante, a cargo da entidade seguradora, implica um conhecimento efetivo da dimensão do próprio risco, sendo certo que, pela natureza das coisas, esse conhecimento é acessível, em primeira linha ao segurado, devendo ser levado à esfera de cognoscibilidade do segurador, pois, só deste modo, este poderá formar uma decisão de contratar, precisando os termos da cobertura dos riscos e do prémio.[11] E, da mesma maneira, é ostensivo que para a ré/seguradora liquidar o capital segurado tem direito a conhecer esses aspetos (circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte), daí não decorrendo, contrariamente ao decidido pela Relação, qualquer inversão do ónus probatório estabelecido na lei, que permita apodar a cláusula supra enunciada de absolutamente proibida, e como tal nula, por violação do art. 21.º, n.º 1, al. f), da LCCG.
Como explica Ana Prata, “proíbe-se aqui qualquer alteração convencional dos critérios de distribuição do ónus da prova, independentemente dos respetivos efeitos na dificultação que ela acarrete para o aderente/consumidor na respetiva produção. Existe – e justificadamente do ponto de vista sociológico – como que uma presunção inilidível de que qualquer cláusula que tenha esse conteúdo, quando elaborada pelo predisponente, tem forçosamente o efeito de dificultação da prova, o que representa uma acrescida tutela do aderente”.[12]
Ora, a cláusula vertida no art. 14.º, n.º 1, al. c) das condições gerais, ao invés do decidido no Acórdão recorrido, não é nula e não viola o princípio geral de boa fé, não se podendo sufragar o entendimento que a mesma, ao obrigar a beneficiária do seguro à entrega de um atestado médico onde se enunciem as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte do segurado (seu marido), seja abusiva ou vicie regras atinentes ao ónus da prova.
Na verdade, as causas e as circunstâncias em que ocorreu a morte da pessoa segura configuram um verdadeiro facto constitutivo do direito, sendo que não basta invocar a morte para acionar um seguro de vida, não decorrendo daí que, com esta exigência contratual, a ré/recorrente esteja a inverter qualquer ónus da prova relativamente a um direito, mas simplesmente a exigir que os beneficiários do seguro façam prova do seu próprio direito, o direito a receberem a indemnização.
Como bem nota a ré/recorrente nas suas alegações recursivas de fls. 492 e segs., através da cláusula apreciada, não se procura obter uma qualquer vantagem ilegítima e/ou escusar-se ao pagamento do capital seguro, simplesmente pretende-se que lhe seja feita a entrega do único meio de comprovar a verificação do evento seguro (o atestado médico), sendo certo que são os familiares dos segurados, quem, em condições normais, acompanham os mesmos durante a sua última fase da vida e, por esse facto, sabem quem foram os médicos que os trataram, em que estabelecimentos de saúde, etc., e, portanto, poderão obter sem qualquer dificuldade tal documento.
Essa obrigação, a cargo da autora/recorrida, resulta, inclusive, de um princípio de transparência e de um princípio de boa fé nas relações contratuais: a apresentação de um relatório médico onde constem as circunstâncias, causas, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte é uma exigência clara, transparente e de fácil obtenção e não viola qualquer das disposições da LCCG.
Assim e concluindo, a cláusula geral que impõe ao segurado, a fim de poder receber a importância, a apresentação de documentos que atestem o carácter acidental do falecimento e determine a relação causa/efeito entre o acidente e a morte, não é violadora das regras e princípios relacionados com o equilíbrio e lisura na celebração e execução do referido contrato.
Por isso mesmo, não se demonstrando que ocorra qualquer violação do art. 21.°, al. g), da LCCG, não é nula a cláusula 14.ª, n.º 1, alínea c), das condições gerais da apólice, soçobrando, outrossim, esta segunda questão.»
Contudo, há que atentar que os dados de saúde da mãe dos Autores integram o âmbito da proteção legal do direito à reserva da vida privada, o que acarreta consequências processuais e substantivas relevantes.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.7.2014, Moreira Alves, 841/10,
«O teor da cláusula contratual 14.ª, n.º 1, reitera-se, era o que segue: “O pagamento das importâncias seguras terá lugar nos escritórios da Seguradora após a entrega dos documentos comprovativos da qualidade de Beneficiário, e mediante a apresentação dos documentos indispensáveis à sua regularização, a saber: a)- Certidão de Nascimento ou Bilhete de Identidade da Pessoa Segura; b)- Certidão de Óbito da Pessoa Segura; c)- Atestado Médico onde se declare as circunstâncias, causais, início e evolução da doença ou lesão que provocaram a morte.”
Está fora de dúvida que os dados relativos à saúde pessoal integram o âmbito de proteção legal e constitucional do direito à reserva da intimidade da vida privada, conforme promana dos arts. 80.º do CC e 26.º da Constituição – veja-se, a este propósito, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 355/97, de 07-05-1997, e 368/02, de 25-09-2002[14] -, sendo verdade que semelhante proteção se estende mesmo depois da morte do titular, nos termos do art. 71.º do CC.[15]
O direito à reserva da intimidade da vida privada, entre outros direitos pessoais, previsto no art. 26.º da Constituição, traduz, como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 355/97, “o direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respetivo titular”.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, este direito “analisa-se principalmente em dois direitos menores: (a) o direito a impedir o acesso de estranhos a informações sobre a vida privada e familiar e (b) o direito a que ninguém divulgue as informações que tenha sobre a vida privada e familiar de outrem”.[16]
“Em princípio, o direito à reserva da intimidade da vida privada incluirá (...) também um dever de respeitar o segredo, isto é, a proibição de ações com o objetivo de tomar conhecimento ou de obter informações sobre a vida privada de outrem, que devem ser consideradas intrusivas”, incluindo designadamente os “elementos respeitantes à saúde”.[17]
Mas este direito não é absoluto em todos os casos e em todos os domínios. Como sublinha o mesmo autor, “podemos verificar que a «infraestrutura» teleológica do problema da tutela da privacy é caracterizada por uma fundamental contraposição: de um lado, o interesse do indivíduo na sua privacidade, isto é, em subtrair-se à atenção dos outros, em impedir o acesso a si próprio ou em obstar à tomada de conhecimento ou à divulgação de informação pessoal (interesses estes que, resumindo, poderíamos dizer serem os interesses em evitar a intromissão dos outros na esfera privada e em impedir a revelação da informação pertencente a essa esfera); de outro lado, fundamentalmente o interesse em conhecer e em divulgar a informação conhecida, além do mais raro em ter acesso ou controlar os movimentos do indivíduo – interesses que ganharão maior peso se forem também interesses públicos”.[18]
Não se consegue, a este respeito, compreender o raciocínio empreendido pelo acórdão recorrido quando refere: “As autorizações concedidas no documento de fls. 45 e 46, pela Apelante e seu falecido marido, em letra consideravelmente miudinha e de difícil leitura, não se pode confundir, com um consentimento livre, informado e consciente, como o exigem os artigos 3º, alínea h) e 7º, nº 2, da Lei 67/98, de 26/10. O consentimento para a seguradora aceder aos dados clínicos do tomador do seguro, tem de ser um consentimento expresso, autonomizado quer das cláusulas contratuais, quer de outros elementos, nomeadamente se estiverem impressas, devendo esse consentimento ser informado e não devendo ser imposto como condição sine qua non da realização do seguro, pois que tal se traduz numa forma de coação sobre o tomador do seguro, já que à primeira vista não se afigura o mesmo essencial para a execução do contrato, nos termos da alínea a), do artigo 6º da Lei nº 67/98, de 26/10” (sic, fls. 484, 5.º e 6.º parágrafos).
Adiantamos que nos parece evidente que o acesso aos dados de saúde do falecido/segurado, para efeitos de seguro de vida, não é violador das disposições legais sobre confidencialidade e reserva da vida privada, na medida em que a celebração e aceitação das condições do contrato de seguro vida (cf. fls. 46), consubstanciam um consentimento do falecido/segurado ao acesso a esses dados, significando que o falecido manifestou aceitar que a seguradora tivesse acesso àqueles dados após a sua morte, sem os quais a indemnização não pode ser paga.
Efetivamente, está em causa a análise do regime vertido na Lei da Proteção de Dados Pessoais (LPDP), aprovada pela Lei n.º 67/98, de 26-10 (com a Rect. n.º 22/98, de 28-11)[19], segundo a qual “o tratamento de dados pessoais deve processar-se de forma transparente e no estrito respeito pela reserva da vida privada, bem como pelos direitos, liberdades e garantias fundamentais” – art. 2.º.
Para efeitos desse diploma, nos termos do art. 3.º, entende-se por “Dados pessoais”: “qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respetivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável” (“titular dos dados”) (a), por “Tratamento de dados pessoais” (“tratamento”): “qualquer operação ou conjunto de operações sobre dados pessoais, efetuadas com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a comunicação por transmissão, por difusão ou por qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição” (b), e por “Consentimento do titular dos dados”: “qualquer manifestação de vontade, livre, específica e informada, nos termos da qual o titular aceita que os seus dados pessoais sejam objeto de tratamento” (h) (sublinhados nossos).
No que concerne ao “tratamento de dados sensíveis”, em que se inserem os dados relativos à saúde, rege o art. 7.º, na parte relevante:
“1.– É proibido o tratamento de dados pessoais referentes a (…) vida privada (…), bem como o tratamento de dados relativos à saúde (…), incluindo os dados genéticos.
2.– Mediante disposição legal ou autorização da CNPD, pode ser permitido o tratamento dos dados referidos no número anterior quando por motivos de interesse público importante esse tratamento for indispensável ao exercício das atribuições legais ou estatutárias do seu responsável, ou quando o titular dos dados tiver dado o seu consentimento expresso para esse tratamento, em ambos os casos com garantias de não discriminação e com as medidas de segurança previstas no artigo 15.º
3.– O tratamento dos dados referidos no n.º 1 é ainda permitido quando se verificar uma das seguintes condições:
a)- Ser necessário para proteger interesses vitais do titular dos dados ou de uma outra pessoa e o titular dos dados estiver física ou legalmente incapaz de dar o seu consentimento;
b)- (…);
c)- (…);
d)- Ser necessário à declaração, exercício ou defesa de um direito em processo judicial e for efetuado exclusivamente com essa finalidade.
4.– O tratamento dos dados referentes à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos, é permitido quando for necessário para efeitos de medicina preventiva, de diagnóstico médico, de prestação de cuidados ou tratamentos médicos ou de gestão de serviços de saúde, desde que o tratamento desses dados seja efetuado por um profissional de saúde obrigado a sigilo ou por outra pessoa sujeita igualmente a segredo profissional, seja notificado à CNPD, nos termos do artigo 27.º, e sejam garantidas medidas adequadas de segurança da informação”.
A CNPD produziu a Deliberação n.º 51/2001, de 03-07-2001, que entretanto veio a ser atualizada, pela Deliberação nº 72/2006, da mesma Comissão, de 30-05-2006 – visando, precisamente, a situação de pedido de acesso a dados pessoais de saúde de titulares já falecidos, quer por parte de Companhias de Seguro do Ramo Vida, quer por parte de familiares desse titulares para apresentarem junto daquelas companhias esses dados –, com as seguintes conclusões: “1.- O atual contexto jurídico é igual àquele que se verificava quando a CNPD elaborou a Deliberação 51/2001. 2.- As normas constitucionais e os diplomas legais em vigor proíbem o acesso das Seguradoras aos dados pessoais de saúde dos titulares segurados já falecidos, sem o consentimento expresso destes para esse efeito. 3.- Quanto aos familiares, gozam estes de um certo “ direito à curiosidade ”, o que lhes permite aceder apenas ao relatório da autópsia ou à causa de morte, mas não lhes abre a faculdade de aceder a mais informação de saúde nem a dados pessoais que se encontram na esfera mais íntima do titular falecido. Só em casos concretos em que haja direitos e interesses ponderosos, tais como o exercício de direitos por via da responsabilização civil e/ou disciplinar ou penal dos prestadores de cuidados de saúde, e exclusivamente com esta finalidade, podem os familiares aceder aos dados pessoais de saúde dos titulares falecidos. 4.- No entanto, “não parece haver qualquer fundamento legal, na Lei 67/98, que permita o fornecimento da documentação clínica aos beneficiários de um seguro de vida para, depois, entregarem essa informação à seguradora”. 5.- Em condições de normalidade na execução do contrato de seguro do ramo Vida, os beneficiários das compensações devidas pelos seguros do ramo VIDA, a partir do facto relevante MORTE do segurado, têm, na sua esfera jurídica, um direito subjetivo à compensação. Por sua vez, na esfera jurídica das Seguradoras existe uma obrigação de pagar a compensação. 6.- A posição processual mais onerada de qualquer das partes, seja a das Seguradoras, não pode ser aliviada à custa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. 7.- A contração dos direitos fundamentais à privacidade e à proteção dos dados pessoais dos titulares falecidos não se apresenta como necessária ao não desaparecimento ou inviabilidade da atividade económica das Companhias de Seguros na contratação do ramo Vida. 8.- Não havendo lei com regime habilitante ao acesso aos dados pessoais dos segurados falecidos, as Companhias de Seguros e os familiares destes titulares, para efeitos de pagamento/recebimento de indemnização decorrente da morte do segurado em virtude de contrato de seguro do ramo Vida, só podem aceder aos dados pessoais de saúde dos titulares se estes tiverem dado o seu consentimento informado, livre, específico e expresso para esse acesso, conforme atrás se explicitou. 9.- O consentimento para o tratamento – acesso – dos dados pessoais deve ser autónomo das restantes cláusulas contratuais, mormente quando estas são predefinidas pelas Companhias de Seguros. 10.- Os dados pessoais necessários e suficientes para essa finalidade são os que respeitam exclusivamente à origem, causas e evolução da doença que provocou a morte dos titulares segurados”.
Vistos os dispositivos legais acima indicados, estando dirimida – no ponto 2. deste acórdão –, a plena validade da cláusula 14.ª, n.º 1, al. c), das Condições Gerais do contrato de seguro de vida, tendo-se provado que EE e a autora apuseram, na respetiva proposta, a sua assinatura por baixo das seguintes declarações:
“Para efeitos de celebração do presente contrato de seguro, declaro que: 1.- São exatas e completas as informações por mim prestadas e que tomei conhecimento de todas as informações necessárias à celebração do presente contrato, tendo-me sido entregues as respetivas Condições Gerais e Especiais, para delas tomar integral conhecimento, e prestados todos os esclarecimentos sobre as mesmas condições, nomeadamente sobre garantias e exclusões com as quais estou de acordo. 2.- Autorizo a consulta dos dados pessoais disponibilizados, sob o regime de absoluta confidencialidade, às empresas que integram o Grupo, desde que compatível com a finalidade de recolha dos mesmos. 3.- Autorizo a Seguradora a proceder à recolha de dados pessoais complementares junto de organismos públicos, empresas especializadas e outras unidades económicas, tendo em vista a confirmação ou complemento dos elementos recolhidos, necessários à gestão da relação contratual. 4.- (…) 5.- A Declaração de Saúde constante deste impresso faz parte integrante do seguro. As declarações inexatas ou reticentes ou a omissão de factos, tornam o contrato nulo e sem qualquer efeito e libertam a Seguradora do pagamento de qualquer indemnização. Autorizo os médicos e todas as pessoas consultadas pela Seguradora a prestarem a esta ou ao seu serviço médico as informações que venham a ser solicitadas com contrato de seguro de vida. 6.- Tanto o Tomador de Seguro como a Pessoa Segura declara ter tomado conhecimento das Condições Gerais do contrato a realizar, bem como do local onde se efetuam Exames Médicos e/ou Exames Auxiliares de Diagnóstico que se tornem necessários pela conjugação do Capital com a Idade da Pessoa Segura ou pela existência de outros seguros de vida, pelo que as garantias deste seguro só serão acionadas após aceitação pela Seguradora e comunicação ao Tomador do Seguro (…)”, não se compreende como não podem deixar de estar plenamente salvaguardadas as exigências contidas na LNPD, e que a Deliberação nº 72/2006 do CNPD recorda, mormente no que tange ao consentimento livre, específico, informado – art. 3.º, al. h) – e expresso – art. 7.º, n.º 2 – por parte dos segurados, em especial pelo falecido.
De facto, no caso concreto, consta da apólice declaração autónoma, destacada do clausulado, assinada pelos segurados (portanto, também pelo falecido marido da autora) concedendo à seguradora consentimento para aceder aos seus dados de saúde, não apenas para o momento da celebração do contrato, como habilidosamente alegou a autora, mas para a sua gestão e consequente execução, verificado o sinistro, como é evidente.
Tal declaração aparece perfeitamente explícita e enfática no que concerne a tal consentimento, mostra-se informada, não violando, de modo algum, a disciplina da Lei n.º 67/98 ou a deliberação da CNPD, atrás transcrita.
Assim sendo, existindo consentimento expresso do respetivo titular, não necessitava a segurada de autorização da CNPD para aceder aos dados relativos à saúde do falecido marido da autora, como resulta claramente do n.º 2 (segunda parte) do art. 7.º da Lei n.º 67/98, não se vendo razão alguma para a insólita recusa da autora (sublinhado nosso).»
Revertendo ao caso em apreço, verificamos que inexiste uma declaração autónoma, destacada do clausulado, em que a mãe dos Autores tenha dado consentimento livre, informado e consciente para que a Ré seguradora acedesse aos seus dados de saúde junto de qualquer entidade, pública ou privada.
Com efeito, no boletim de adesão apenas consta inscrito que: «tomamos conhecimento de que os dados recolhidos serão processados e armazenados informativamente e que se destinam a exclusiva utilização nas relações contratuais com a A... e seus subcontratados» (fls. 23). E no Artigo 14º, 2.2. das Condições Gerais da apólice consta que: «A A... reserva-se o direito de solicitar outros elementos ou de proceder às averiguações que entenda convenientes (incluindo exames e análises médicas), a que a Pessoa Segura ou os seus herdeiros não se poderão legitimamente furtar para melhor esclarecer a natureza e extensão das suas responsabilidades» fls. 27).
Esta cláusula não integra, de forma suficiente, uma declaração autónoma, destacada do clausulado, em que a mãe dos Autores tenha dado consentimento livre, informado e consciente para que a Ré seguradora acedesse aos seus dados de saúde junto de qualquer entidade, pública ou privada (cf. o exemplo do acórdão citado, na parte sublinhada, como paradigma do aceitável).
Assim sendo, não pode a Ré seguradora escudar-se a honrar o contrato de seguro com fundamento em incumprimento da Cláusula 14ª porquanto esta não é autossuficiente, tendo se ser complementada – o que não ocorreu – com uma autorização expressa de acesso a dados de saúde por parte da pessoa segura, a qual consubstancia uma autolimitação do direito à reserva da vida privada (cf. Acórdão do TC nº 28/2008). Face à inexistência dessa autorização, cabia à Ré seguradora tentar obter a informação atinente à data do início das doenças da pessoa segura, através da intervenção da CNPD (Artigo 7º da Lei nº 67/98), o que não alegou nem demonstrou.
Flui de todo o exposto que a Ré seguradora não logrou demonstrar a existência de uma causa de exclusão da sua responsabilidade, designadamente o incumprimento do Artigo 14º das Condições Gerais e o Artigo 5º, nº3 das mesmas Condições («A omissão de factos, as declarações falsas, inexatas ou incompletas que alterem a apreciação do risco determinam a nulidade do contrato.») Note-se que esta Cláusula constitui, na prática, reprodução do artigo 429º do Código Comercial, aplicando-se – mutatis mutandis – tudo o que ficou acima dito designadamente quanto à omissão da alegação do nexo de causalidade entre a declaração de risco e o modo como foi celebrado o contrato de seguro. Acresce que, conforme também já explanado, nunca pode considerar-se que a pessoa segura que não foi efetivamente questionada sobre o seu estado de saúde (conforme foi o caso) possa sobre este ter omitido circunstâncias relevantes.
Atento o disposto no Artigo 13º das Condições Gerais, o beneficiário irrevogável do contrato de seguro é o Banco..., SA «pelo valor em dívida na data do evento coberto pelas garantias deste seguro, com o limite máximo do Capital Seguro» (fls. 26).
DECISÃO.
Pelo exposto:
a)- Acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência, condena-se a Ré Companhia de Seguros A..., SA a pagar ao Banco..., SA, com referência à data de 27.2.2009, a totalidade do valor em dívida por Isabel... nos termos do contrato de mútuo provado sob 1;
b)- No mais, julga-se a apelação improcedente, mantendo-se a improcedência da ação quanto aos restantes pedidos.
Custas pelos apelantes e pelas apeladas na proporção de 1/3 e 2/3, respetivamente (Artigo 527º, nº1 e nº2 do Código de Processo Civil).
Lisboa, 23.1.2018
(Luís Filipe Sousa)
(Carla Câmara)
(Higina Castelo)
[1]Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85. [2]Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, SimasSantos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13. [3]A menção a “impercetível” é escusada devendo ser substituída por “zootécnico”. [4]Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.2.2017, 2294/12, www.colectaneadejurisprudencia.com, uma declaração de saúde inserta num contrato de seguro do ramo vida não constitui uma cláusula contratual geral, pois o seu conteúdo é expresso pelas respostas livremente dadas pelo proponente às perguntas que do mesmo constam. No caso em apreço, o que se verifica é, precisamente, o inverso. [5]Cf. JOSÉ VASQUES, Op. Cit., pg. 221. [6]Cf. Ac. da RC de 6.3.97, Sousa Lamas, CJ 1997-II, pg. 62; RC de 24.11.98, Emídio Rodrigues, CJ 1998 - V, pg. 26; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.3.99, Martins da Costa, BMJ nº 485, pg. 427, de 15.6.99, Pinto Monteiro, BMJ nº 488, pg. 381, de 4.3.2004, Santos Bernardino, CJAcSTJ 2004 - I, pg. 102, MENEZES CORDEIRO, Manual de direito comercial, I vol.
2001, Almedina, pg. 581.