Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
PRAZO
Sumário
O prazo fixado no n.º 2 do artigo 68º do CPP está indissociavelmente ligado à norma do n.º 4 do artigo 246º do mesmo Diploma Legal, a significar que, em caso de crime cujo procedimento depende de acusação particular, só com o cumprimento do dever de informação e advertência do denunciante se inicia o prazo fixado na lei para que o denunciante requeira a sua constituição como assistente.
Texto Integral
PROCESSO Nº 1036.12.4TDPRT RELATOR: MELO LIMA
Acordam em Conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
1. Nos autos de Inquérito nº 1036/12.4TDPRT, a correr termos pelo 3ºJuízo-A do Tribunal de Instrução Criminal do Porto, a Exma. Sra. Juiz de Instrução Criminal proferiu a seguinte decisão:
«No dia 16 de Janeiro de 2012, B… e a sociedade comercial denominada “C…, Lda. “, participaram criminalmente, por escrito, junto dos serviços do M°P° da comarca do Porto, contra o “D…“, E… e Incertos, pela prática dos factos descritos a fis. 2 a 15, susceptíveis de integrar crime de difamação p. e p. pelo art. 180º do C.P. A referida gueixa está assinada por advogado.
Porém, apenas em 9/2/2012, na sequência da notificação efectuada nos termos do art. 246° no 4 do C.P.P., veio o denunciante requerer a sua intervenção nos autos na qualidade de assistente — cfr. fls. 27.
Cumpre decidir.
Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular — arts. 50° nº 1, 48° e 246°, todos do C.P.P.
Ou seja, neste tipo de crimes, a queixa, constituição de assistente e acusação particular são condições de procedibilidade para o exercício da acção penal — neste sentido, M. Maia Gonçalves in C.P.P. Anotado, 1994, pág. 124.
Daí que só após a constituição do ofendido como assistente, o M°P° procederá oficiosamente a diligências de prova, podendo deferir ou não as diligências requeridas pelo assistente (1) — cfr. art. 69° no 1 do C.P.P.
O nº 2 do art. 68° do C.P.P., prescreve que no procedimento dependente de acusação particular, a intervenção do particular ofendido no processo penal, enquanto parte assistente do M°P°, deve ser requerida no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no no 4 do art. 246°.
Porém, no caso dos autos, não havia necessidade da advertência a que se reporta o n° 4 do art. 246° do C.P.P., porque a queixa, no caso vertido, foi feita por escrito e subscrita por advogado, dado que a citada norma prevê essa advertência apenas para os casos em que a denúncia é feita verbalmente, entendendo-se ser ainda aplicável aos casos em que a queixa ou denúncia é feita por escrito mas assinada apenas pelo denunciante. Assim, no caso dos autos, tendo sido apresentada em 16/1/2012 uma queixa por escrito que está assinada por advogado, nela se relatando factos susceptíveis de configurar a prática de crime de natureza particular, deveria o denunciante requerer a sua constituição como assistente no prazo peremptório de 10 dias indicado no n° 2 do art. 68° do C.P.P., o qual terminou em 26/1/2012.
Com efeito, o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. de 16/12/2010, publicado no D.R., 1 Série, no 18, de 26/1/2011, decidiu que” Em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no n°2 do artigo 68 do Código de Processo Penal “.
No caso vertido, seria ainda possível ao denunciante praticar o acto nos 3 dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa, nos termos do disposto nos arts. 107° n° 5 e 107°-A do C.P.P. e 145° n°s 5 a 7 do C.P.C., ou seja, até ao dia 31/1/2012.
Pelo exposto, indefiro o requerido pedido de constituição de assistente.
Custas do incidente pelo requerente, fixando em 1 Uc a taxa de justiça — cfr. arts. 8° n°s 1 e 5 do R.C.P.»
2. B…, inconformado, recorre desta decisão, rematando a motivação do recurso com as seguintes conclusões: 2.1 Quando o procedimento criminal depender de acusação particular, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular, conforme o disposto nos artigos 50°, n° 1, 48° e 246°, todos do CPP. 2.2 Ora, a participação criminal foi efectuada, por escrito, pelos queixosos, que a assinaram, sendo tão só e apenas subscrita por advogado, e tendo aí declarado a pretensão de se constituírem assistentes. 2.3 Tendo entendido - e bem — o MP proceder à notificação a que alude o n° 4 do artigo 246° do CPP, advertindo os denunciantes da obrigatoriedade de constituição de assistentes 2.4 Advertência essa que foi efectuada por notificação por via postal simples em 24/01/2012. 2.5 E, em nenhum daqueles normativos impõem que se proceda de forma diferente tratando-se de “denúncia” subscrita por advogado. 2.6 Sendo que, no seguimento de tal notificação, os ora Recorrentes, tempestivamente, requereram a sua constituição como assistentes, no dia 09/02/2012, tendo efectuado o respectivo pagamento da taxa de justiça. E, não tendo cessado ainda a consumação do crime, uma vez que a publicação se mantém no domínio que o D… explora na internet, o pedido sempre terá sido feito antes da caducidade do direito de queixa, que ainda não ocorreu. 2.7 Pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao entender que não havia necessidade da advertência a que se reporta o n° 4 do art. 246° do CPP, por a queixa ter sido subscrita por advogado. 2.8 Entendendo aquele, estar assim, precludido o direito de se constituírem assistentes, porquanto o prazo peremptório previsto no n° 2 do 68° do CPP, teria que ser contado a partir da queixa. - Carecendo de total cobertura legal o fundamento, tendo sido feita uma errada leitura e interpretação do artigo, e consequentemente uma errada aplicação. 2.9 Tanto mais que, como refere, o disposto no n.° 2 do artigo 68° do CPP, “Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n°4 do artigo 246°” 2.10 Aliás, tendo como fundamento da decisão recorrida o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/2010, publicado no D.R., 1 Série, no 18, de 26/1/2011, não só o Tribunal a quo faz uma errada interpretação da lei, como da própria Jurisprudência, abstraindo-se do texto de ambas, é que tal como nele se diz: “O prazo fixado no nº 2 do artigo 68° está indissociavelmente ligado à norma do n° 4 do artigo 246°, pois é com o devido e cabal cumprimento do dever de informação e advertência do denunciante, por crime cujo procedimento depende de acusação particular, que se inicia o prazo fixado na lei para que o denunciante requeira sua constituição como assistente.” 2.11 Tendo os ora Recorrentes requerido legítima e tempestivamente a sua constituição como assistentes, estando patrocinados e terem efectuado o devido pagamento da taxa de justiça. 2.12 Por tudo o exposto, deve revogar-se o despacho em crise e, consequentemente, determinar a reabertura do inquérito a cujo arquivamento aquele deu causa.
3. Respondeu, no Tribunal recorrido, o Exmo. Procurador da República concluindo do seguinte modo: 3.1 Da conjugação dos artºs 50º, nº1, 48º e 246º, do CPP, se o procedimento criminal depender de acusação particular, é necessário que os ofendidos ou outras pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação particular; 3.2 No caso concreto dos autos, os factos denunciados por B… e pela sociedade, são susceptíveis de integrarem a prática de crime de difamação, crime de natureza particular, sendo que a denúncia foi apresentada ao MºPº do DIAP-Porto, em 13/1/2012, via CTT (só foi dada entrada no DIAP –Porto em 16/1/2012, conforme carimbo de fls. 2) e nela foi sido declarado que se pretendiam constituir assistentes; 3.3 Porém, só em 9/02/2012, vieram os denunciantes, ora recorrentes requerer a sua intervenção nos autos como assistentes, como resulta de fls. 27 3.4 Extemporaneamente diga-se, pois deviam ter requerido a intervenção nos autos como assistentes até 26/1/2012 (prazo de 10 dias) ou com multa até 31/1/2012 (artºs 107º, 107 A, do CPP e 145º, do CPC). 3.5 Tal prazo de 10 dias é um prazo peremptório; 3.6 O acórdão de fixação de jurisprudência, 1/2011[1], decidiu que “em procedimento dependente de acusação particular, o direito à constituição como assistente fica precludido se não for apresentado requerimento para esse efeito, no prazo fixado no nº2, do artº 68º, do Código de Processo penal” 3.7 Assim, afigura-se-nos que, salvo melhor entendimento, deve ser negado provimento ao recurso.
4. Neste Tribunal da Relação a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto Parecer no sentido do provimento do Recurso, o que justificou:
4.1 Abstractamente, o douto despacho recorrido está correcto, não podendo sequer ser objecto de ataque pelos fundamentos invocados pelo recorrente na sua motivação de recurso.
4.2 Porém, afigura-se-nos que o recurso deverá proceder, apenas por uma questão de obediência ao princípio de lealdade processual. Dizer:
4.3 O denunciante não requereu com a denúncia a sua constituição como assistente, como o deveria ter feito.
4.4 Não obstante isso, o Ministério Público proferiu o despacho certificado a fis. 35 no qual lhe concedeu 10 dias para requerer a constituição como assistente.
4.5 O denunciante foi notificado por via postal simples e tendo o depósito ocorrido no dia 25/01/12, a notificação considera-se efectuado no dia 30/01/12 (art. 113.° n.° 5 do CPP.
4.6 E o prazo dos 10 dias concedidos terminava no dia 09/02/12.
4.7 Verificando-se de fis. 38 que nesse dia 9 o denunciante requereu a constituição como assistente, fê-lo dentro do prazo que lhe foi concedido.
4.8 É evidente que este prazo não lhe deveria ter sido concedido.
4.9 Porém, tendo-o sido, apenas por obediência ao princípio de lealdade processual, somos de parecer que deve ser concedido provimento ao recurso.
5 Observada a notificação a que alude o artigo 417º/2 do CPP, colhidos os Vistos, realizada a Conferência , cumpre conhecer e decidir.
II FUNDAMENTAÇÃO
1. Delimitação objetiva do recurso: a questão decidenda reconduz-se a saber se o pedido de constituição como assistente do recorrente foi apresentado em tempo, sob duas linhas de consideração: i. Se, apresentada uma queixa (escrita) com junção de procuração a advogado, perde razão de ser a advertência a que alude o artigo 246º/4 do CPP; ii. À sobreposse, se uma vez feita a notificação, por iniciativa do MºPº, para a obrigação de constituição do queixoso como assistente, em dez dias, constituirá violação do princípio da lealdade processual, considerar intempestivo o pedido formulado no prazo conferido.
2. Da economia documental quanto das posições assumidas quer na decisão proferida quer nos articulados deixados desenhados, deverão ter-se por factos processualmente adquiridos:
2.1 B…, por si e em representação de C…, LDA, deduziu, juntodo Procurador-Geral Adjunto do Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto, participação criminal contra D…, E… E INCERTOS, por eventual prática de crime de ofensa a Organismo, Serviço ou Pessoa Coletiva e de crime de difamação, com declaração expressa do “propósito dos Participantes em requererem a sua constituição como Assistentes e deduzir pedido de indemnização civil”.
2.2 Tal participação criminal ocorreu em 16 de Janeiro de 2012 [Sic, Despacho recorrido] e foi assinada pelo “Primeiro Participante”, pela “Segunda Participante” e pela Advogada constituída por cada um daqueles Participantes, que juntaram a respetiva Procuração.
2.3 Em 23 de Janeiro de 2012, a Exma. Procuradora-Adjunta ordenou a notificação do denunciante “para no prazo de 10 dias vir aos presentes autos interpor requerimento para constituição de assistente, sob pena de os factos denunciados serem arquivados, por falta de legitimidade do Ministério Público, para o exercício da ação penal”.
2.4 Em cumprimento do que, “por via postal simples com prova de depósito”, com data de 24 de Janeiro de 2012, o Participante B… foi notificado nos termos e para os efeitos a seguir mencionados:
«Tratando-se de factos suscetíveis de integrar um crime de natureza particular, fica desde já o participante notificado, nos termos do disposto nos artigos 246º nº4 e 68º nº2, ambos do Código de Processo Penal, de que é obrigatória a sua constituição como assistente, sob pena de arquivamento do inquérito, devendo, para o efeito, requerer tal constituição como assistente e constituir advogado NO PRAZO DE DEZ DIAS a contar da data desta notificação. A taxa de justiça devida pela constituição de assistente é de uma unidade de conta (U.C.= 102,00€) e deve ser autoliquidada, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, para um valor entre 1 e 10 UC, tendo em consideração o desfecho do processo e a concreta atividade processual do assistente – artº 8º do R.C.Judiciais. Se efetuar o pedido de apoio judiciário para nomeação de patrono, no Centro de Segurança Social da área da sua residência (caso em que deverá justificar a insuficiência de meios económicos), deverá então juntar aos autos documento comprovativo da apresentação do respetivo pedido, para efeitos de interrupção do prazo, sob pena de arquivamento dos autos nos termos acima indicados.
A presente notificação considera-se efetuada no 5º dia posterior ao do seu depósito na caixa de correio do destinatário, constante do sobrescrito” (SIC)
2.5 O depósito na caixa de correio do destinatário ocorreu em 25.01.2012 [Fls. 37].
2.6 Com a comprovação do pagamento das respetivas taxas de justiça, em 09 de Fevereiro de 2012, B… e C…, LDA requereram a sua constituição como assistentes [Fls.38>43] 2.7 Sobre este Requerimento pronunciou-se a Exma. Procuradora Adjunta, dizendo “Nada a opor”, ordenando, pari passu, a abertura de Conclusão ao Mmo. JIC, o qual proferiu a decisão transcrita em I, 1.
3. Em face deste elenco fáctico passemos ao conhecimento das questões apresentadas.
3.1 Visto a apresentação, com a participação criminal, de uma procuração a advogado, carecia de justificação a notificação que fica anotada em 2.4? Com o devido respeito, não se subscreve tal entendimento.
Dispõe o artigo 68º/2 do C.P.P.: «Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento [leia-se: o requerimento para constituição como assistente] tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no nº4 do artigo 246º»
De sua vez, dispõe-se, neste último normativo:
«O declarante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-se assistente. Tratando-se de crime de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertiro denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar».
Manifestamente, das normas deixadas transcritas, decorre que o prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º está indissociavelmente ligado à norma do n.º 4 do artigo 246.º, a significar que, em caso de crime cujo procedimento depende de acusação particular, só com o cumprimento do dever de informação e advertência do denunciante se inicia o prazo fixado na lei para que o denunciante requeira a sua constituição como assistente.
Dê-se conta, aliás, que na redacção originária do Código – dizer, antes da revisão de 98 -, embora o denunciante tivesse que declarar obrigatoriamente que desejava constituir – se assistente, não existia a obrigatoriedade de advertir o denunciante da obrigatoriedade de se constituir assistente e dos procedimentos a observar para o efeito.
Na verdade, sobre o prazo para requerer a constituição de assistente, dizia, simplesmente o n.º 2 do artigo 68.º, na versão primitiva do Código:
«2 — Os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando -o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência conforme os casos.»
Já com a Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, tal normativo passou a ter a seguinte redação:
«2 — Tratando -se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de oito dias a contar da declaração referida no artigo 246.º, n.º 4»
E foi, ainda, no âmbito desta mesma alteração legislativa que este Artigo 246º nº4 sofreu significativa alteração de redação.
Se, nos termos primitivos, dispunha:
«4 — O denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir -se assistente. Tratando -se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória.»,
com a redação conferida pela referida Lei 59/98este n.º 4 foi objecto de profunda alteração, passando a ter a seguinte redacção, já acima transcrita:
«4 — O denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir -se assistente. Tratando -se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertiro denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.»
Finalmente, seria com a Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que o n.º 2 do artigo 68.º alcançaria a sua redacção actual, qual seja, repetindo:
«2 — Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contarda advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º»
Pois bem.
Socorrendo-nos, aqui, do pensamento expresso pelo MºPº no Parecer emitido quando da formulação do Ac. de Fixação de Jurisprudência Nº1/2011 de 26/1, poderemos dizer: «…com o n.º 2 do artigo 68.º, conjugado com o disposto no n.º 4 do artigo 246.º, ambos do CPP, o legislador quis garantir que o ofendido exercesse o seu direito constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, proporcionando -lhe precisamente o conhecimento, através da advertência que lhe deve ser feita, dos meios e procedimentos a adoptar para defesa plena do seu direito.
Ou seja, com a aludida disposição o legislador não visou impedir ou obstaculizar a que o ofendido exercesse um direito constitucionalmente garantido. Pelo contrário, garantiu-lhe o direito de ser informado sobre os procedimentos que deve tornar para atingir os seus fins — prosseguimento do inquérito com eventual submissão do agente da infracção a julgamento, sem esquecer contudo o próprio direito do arguido à paz e segurança jurídicas e obstando sim ao funcionamento inútil da investigação.
Só que em face das alterações produzidas em especial no n.º 2 do artigo 68.º — tratando -se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no artigo 246.º, n.º 4 — e 245.º — a denúncia é transmitida...no mais curto prazo, que não pode exceder 10 dias, é com a ‘advertência’ que se inicia o prazo, agora de 10 dias, para a constituição de assistente, e compreendendo tal ‘advertência’ a informação de obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar, é eliminada a possibilidade de o prazo se iniciar sem que o denunciante fique esclarecido dos concretos passos a dar, para, durante os 10 dias do prazo, poder concretizar a pretendida constituição de assistente.»
«Ou seja, entende -se que o sentido da lei exige da parte do ofendido que pretende o prosseguimento de um inquérito em que está em causa um ilícito de natureza particular, que respeite o prazo legal para requerer a sua constituição como assistente, de que é especialmente advertido, sob pena de não mais poder vir a exercer tal direito»
Olhando, a este propósito, a norma ínsita no artigo 32º da Lei Fundamental [2], importa ter presente que:
«A norma constitucional não especifica o conteúdo do direito de intervenção do ofendido, remetendo para a lei ordinária a sua densificação. O que a lei não pode é retirar ao ofendido, direta ou indirectamente, o direito de participar no processo que tenha por objeto a ofensa de que foi vítima.
O critério que transparece da jurisprudência do tribunal constitucional traduz-se na inadmissibilidade de o legislador ordinário restringir o direito de intervenção do ofendido no processo de forma “desadequada, desnecessária ou arbitrária” (Acs. 338/06 e 325/06)»
«No que respeita ao exercício dos direitos que a lei processual atribui ao assistente decide-se, de modo idêntico, que o mesmo não pode sofrer restrições excessivas ou desproporcionadas – ou seja, o ofendido não pode ser privado “daqueles poderes processuais que se revelam decisivos para a defesa dos seus interesses” – Acs. 205/01 e 464/03 -, mas acrescenta-se que esta avaliação deve sempre ponderar a eventual restrição para as garantias de defesa do arguido – cuja proteção merece maior tutela, do ponto de vista constitucional -, que pode resultar daquele exercício.» [3]
Ora, no caso, a solução adotada parece revelar - socorrendo-nos, de novo, do apontado Parecer -, que o legislador
“Quis, concerteza, … garantir que chega efectivamente ao conhecimento do ofendido que a sua constituição como assistente é obrigatória e quais os procedimentos que terá de observar para que possa exercer esse seu direito.”
À pergunta:
“Mas não terá o legislador querido atribuir àquela expressão qualquer valor? A inobservância dessa advertência não terá qualquer efeito?”
Respondeu o mesmo Magistrado que tal Parecer elaborou:
“Conforme referiu Beleza dos Santos — embora sobre assunto diverso — ‘‘não devem supor-se palavras inúteis na lei, sobretudo quando forem intencionalmente empregadas, tendo -se com elas modificado a redacção anterior do preceito’’, Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 57, ano 1924 a 1925, n.os 2248 e 2273, p. 3.”
Em síntese.
Socorrendo-nos diretamente da fundamentação do Ac. de Fixação de Jurisprudência Nº 1/2011,
«Objecto das leis sobre prazos é fixar os lapsos de tempo a partir dos quais o acto deve ser praticado (prazos dilatórios ou suspensivos) ou dentro dos quais o acto pode ser praticado (prazos peremptórios, resolutivos ou preclusivos) (40).
E, nesta perspectiva, o n.º 2 do artigo 68.º tem inequivocamente como objecto fixar o prazo dentro do qual pode ser requerida a constituição como assistente nos crimes dependentes de acusação particular. O prazo, aqui, representa o período de tempo dentro do qual o acto — o requerimento para constituição de assistente — pode ser praticado (terminus intra quem).»
O prazo fixado no n.º 2 do artigo 68.º está, repete-se, indissociavelmente ligado à norma do n.º 4 do artigo 246.º, a significar que, em caso de crime cujo procedimento depende de acusação particular, sócom o cumprimento do dever de informação e advertência do denunciante se inicia o prazo fixado na lei para que o denunciante requeira a sua constituição como assistente.
Se a lei, expressis verbis, define o termo a quo, reportando-o à advertência, não se vê que esta possa ser dispensada e se tome como ponto de partida a declaração de pretensão de constituição como assistente (posição que o legislador de modo expresso abandonou) pelo simples facto de o denunciante ter oferecido, de par com a participação que ele formula e assina, uma procuração a advogado. [4]
Quem está obrigado à advertência é a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal, não o advogado. [5]
Nem é forçoso que este esteja corretamente informado sobre a natureza particular, semi-pública ou pública do ilícito, nem que da qualificação juspenal adotada não possa discordar, nem, de todo o modo, será ele que terá de assumir o encargo do pagamento da taxa de justiça.
Onde a lei não distingue, não deverá o intérprete fazê-lo.
Destarte, entende-se, não foi excesso de zelo, a notificação observada e acima referenciada em 2.4.
3.2 À sobreposse: o argumento da lealdadeprocessual, invocado pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta no douto Parecer emitido neste Tribunal da Relação.
Se bem se interpreta, subjacente a ideia de irrazoabilidade no sentido de que, notificado o denunciante (por si e na qualidade de representante da pessoa coletiva) para o dever de se constituir assistente, com o pagamento das respetivas taxas de justiça, e cumpridos in integrum os termos da notificação, acabe por se ver confrontado com uma decisão a contrariar o sentido da notificação dando-lhe notícia de que, afinal, nada valia o que tinha levado a efeito no mais estrito cumprimento da dita notificação.
É absolutamente correto o argumento invocado pela Exma. Procuradora-Geral Adjunta.
Na verdade, o Recorrente acaba por ser surpreendido com uma decisão com que, seguramente, não contava: se nem o MºPº tinha objecção quanto aos pressupostos da legitimidade, da representação por advogado e do pagamento das taxas de justiça devidas, sobejou-lhe o impedimento pela intempestividade do requerido, e, assim, não obstante ter feito exatamente aquilo para que fora notificado e no tempo para que havia sido notificado.
Em boa verdade, uma conjugação de actos aparentemente pouco conformes às exigíveis boa-fé e lealdade processual, aos princípios da confiança [6], do due process! [7]
Com o devido respeito, se, como é por todos aceite, os princípios da conformidade ou adequação de meios, da exigibilidade ou da necessidade e da proporcionalidade vinculam a administração e a jurisdição, in casu uma tal actuação consubstancia prática irrazoável. [8]
Devendo considerar-se, como se entende, que o requerimento introduzido após a notificação levada a cabo pelo Ministério Público mais não é do que a resposta afirmativa e o cumprimento do dever ínsito naquela, então, uma vez acolhida a notificação e respeitado, por parte do denunciante, o dever nela fixado, tal resposta e tal cumprimento não podem deixar de ser considerados senão com integral respeito pela expectativa criada, sob pena de violação do princípio da confiança que à Administração da Justiça cumpre preservar na condução processual.
Concluindo.
Porque o denunciante cumpriu o dever de requerer a sua constituição como assistente no prazo para que foi notificado, procede o recurso interposto, devendo a decisão recorrida ser reformulada, tomando em consideração que o pedido de constituição como assistente foi formulado em tempo.
*
III DECISÃO Termos em que, na procedência do recurso, se revoga a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra em que, na apreciação do pedido de constituição como assistentes, se considere que o respetivo requerimento foi tempestivamente formulado. Sem custas.
Porto, 19 de Setembro de 2012
Joaquim Maria Melo de Sousa Lima
Francisco Marcolino de Jesus
__________________
[1] Publicado no D.R, I Serie nº 18, de 26/01/2011
[2] “O ofendido tem o direito de intervir no processo, nos termos da lei” Artº32º/7 C.R.P.
[3] Jorge Miranda, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ªEd. pág. 736
[4] Em causa, em última instância, os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito, na ideia da exigência, no âmbito da normação jurídica, “da precisão ou determinabilidade dos actos normativos” e/ou da conformação material e formal destes em “termos linguisticamente claros, compreensíveis e não contraditórios».
«A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos» Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição – 3ª Edição – Almedina, Pág. 252, 253
[5] São ainda palavras do Ac. de Fixação de Jurisprudência invocado:
«E, em casos de dúvida acerca do integral cumprimento do dever de informação e advertência estabelecido na lei, cabe ao Ministério Público ordenar a notificação do interessado para querendo manifestar o desejo de se constituir assistente, adverti -lo da obrigatoriedade da constituição como assistente e dos procedimentos a observar, fixando prazo para o efeito, sob pena de ser ordenado o arquivamento do processo por inadmissibilidade legal do procedimento decorrente da circunstância de o Ministério Público carecer de legitimidade para o exercício e prosseguimento da acção penal pelo crime particular. Deveres de informação e advertência que incumbirão, ainda, ao Ministério Público quando as queixas, por crimes particulares, lhe são apresentadas directamente, por escrito (sem que, simultaneamente, seja requerida a constituição de assistente) ou quando, no caso de concurso de crimes, notifica as pessoas a quem a lei confere o direito de acusação particular para declararem se querem usar do direito de queixa (artigo 52.º, n.º 2).» [6] “…os postulados da segurança jurídica e da protecção da confiança são exigíveis perante qualquer acto de qualquer poder - legislativo, executivo e judicial”. “A segurança e a protecção da confiança exigem, no fundo: (1) fiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos actos do poder; (2) de forma que em relação a eles o cidadão veja garantida a segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios actos” GOMES CANOTILHO, ob cit.pags.252
[7] Due process, enquanto ‘processo justo’, ‘processo devido’, tanto na dimensão da garantia do direito de defesa quanto da garantia do direito de protecção do particular perante a violação dos seus direitos.
[8] “O princípio do Estado de direito é, fundamentalmente, um princípio constitutivo, de natureza material, procedimental e formal (…) que visa dar resposta ao problema do conteúdo, extensão e modo de proceder da actividade do estado”.
“Do princípio do Estado de direito deduz-se,…, a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito” GOMES CANOTILHO, ob.cit. pags.239 e 268.