MEDIDAS DE COACÇÃO
PERIGO DE FUGA
PERIGO DE CONTINUAÇÃO DE ATIVIDADES CRIMINOSAS
PRINCÍPIO DA NECESSIDADE
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Sumário

I - A indiciação criminal grave exerce sobre o arguido uma pressão psicológica incentivadora da fuga.
II - O perigo de continuação da atividade criminosa determina-se em função do risco concreto do arguido voltar a praticar factos integradores do mesmo tipo de ilícitos.
III – No caso, a obrigação de permanência na habitação revela-se necessária e proporcional à gravidade dos crimes indiciados e das sanções que previsivelmente serão aplicadas, e bem assim, suficiente para prevenir o perigo de fuga e o perigo de continuação da atividade criminosa, pelo que deve substituir a medida de prisão preventiva aplicada.

Texto Integral

PROCESSO 651/12.0JAPRT-A

Relator: Melo Lima

Acordam em Conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

1 B…, sujeito a 1º Interrogatório Judicial, no 1º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Paredes, viu ser proferida, a final, a seguinte decisão:
«Por terem sido preenchidos os pressupostos legais ao abrigo do disposto no artº 254.º, n.º 1, al. a), 257.º, nº2 alínea a) do C.P.P, julgo válida a detenção dos arguidos.
Mostra-se fortemente indiciada a prática pelos arguidos dos seguintes factos:
- No dia 07 de Abril de 2012, cerca das 23h30, C… e D… encontravam-se no interior do veículo de marca “Seat …”, com a matrícula “..-..-ZA”, na Rua …, junto ao …, em …, área desta comarca de Paredes, o primeiro no lado do condutor e a segunda no lugar do passageiro, quando se aperceberam da chegada ao local de um outro veículo ligeiro que deteve a sua marcha uns metros mais à frente.
- Volvidos alguns momentos, C… e D… foram surpreendidos pelos arguidos E…, B… e F…, empunhando aqueles dois primeiros, cada um deles, uma arma de fogo de pequena dimensão, de cor escura, mas cujas características ainda se desconhecem e o B….
- De imediato, o arguido E…, empunhando a referida arma de fogo e com vista a desapossar os ofendidos de todas as quantias monetárias e objectos com valor que os mesmos detivessem, dirigiu-se para a porta do lado do condutor, bateu no vidro e ordenou a C… e a D… que saíssem da viatura, ao mesmo tempo que disse, em tom sério e intimidatório, ao ofendido C…: “se não abres, disparo”.
- Simultaneamente, o arguido B…, empunhando igualmente uma arma de fogo e trajando um kispo com carapuço, que colocou na cabeça e apertou, por forma a tapar a zona da cabeça até à testa, e visando o mesmo objectivo, dirigiu-se para a porta do lugar do passageiro onde se encontrava a ofendida D…, sendo imediatamente seguido pelo arguido F…, posicionando-se atrás daquele.
- Ato contínuo, o arguido B… bateu no vidro da porta do lugar do passageiro do veículo dos ofendidos, ao mesmo tempo que empunhava a sobredita arma e ordenava para que saíssem do veículo e tentava abrir a porta.
- Entretanto, o ofendido C… conseguiu colocar o motor do veículo “ZA” em funcionamento e abandonou de imediato o local em direcção ao posto da GNR de Paredes, ao mesmo tempo que o arguido E… puxou a corrediça da arma que empunhava, preparando-se para efectuar disparos contra o veículo daquele ofendido.
- Cerca de 200 metros à frente do local onde foram abordados pelo arguido e os seus dois companheiros, os ofendidos avistaram o veículo que momentos antes tinha passado junto deles, imobilizado e com dois ramos a tapar a chapa de matrícula 'traseira, tratando-se de um veículo ligeiro de passageiro, de marca “Renault …” e com a matrícula “XE-..-..”, pertencente ao arguido E….
- Os arguidos apenas não lograram atingir os seus objectivos e apoderar-se de quantias monetárias e de bens com valor económico que os ofendidos detinham e fazer dos mesmos coisa sua por razões absolutamente alheias à sua vontade, nomeadamente por o ofendido C… ter conseguido fugir do local.
- Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, com o propósito de se apropriarem de quantias monetárias e objectos com valor económico que os ofendidos C… e D… fossem portadores, utilizando duas armas de fogo para melhor assegurarem o êxito das suas intenções, não obstante saberem que tais quantias e bens lhes não pertenciam e que actuavam contra a vontade dos Tribunal Judicial de Paredes seus legítimos e respectivos donos, tendo usado da descrita violência para melhor assegurarem o êxito dessas suas intenções, assim colocando em perigo a integridade física dos referidos ofendidos. Aliás, os arguidos só não alcançaram os seus objectivos por força de o ofendido C… ter conseguido fugir do local.
- Sabiam ainda que as suas condutas eram proibidas e sancionadas por lei.

*
Tais factos fazem incorrer os arguidos em co-autoria material na prática, cada um, de dois crimes de roubo agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs 210º, nºs 1 e 2, al. b), 22º e 23º do Código Penal, com referência ao artº 204º, nº 2, al. f) do mesmo diploma legal.
A factualidade acima elencada assenta nos seguintes meios de prova: Informações de serviço de fls. 2 a 8 e 207; autos de inquirição de fls. 9 a 11, 13 a 15, 25 a 28, 87 a 91, 191 a 194 e 197 a 202; auto de denúncia de fls. 17 a 19; auto de apreensão de fls. 20 e 21; aditamento de fls. 71 e 72; fichas biográficas de fls. 32 a 45 e 185 a 189; informação pericial de fls. 81 e 82; autos de reconhecimento presencial de fls. 83 a 86, 220 e 221; declarações de fls. 181 a 184, 217, 218, 223 a 226; fotografias de fls. 203, 204 e 208; relatos de diligência externa de fls. 213 e 214.
Os arguidos não quiseram prestar declarações, fazendo uso de um direito que lhe assiste, porém, não pudemos colher a sua versão dos factos.
No entanto, os arguidos quiseram responder quanto às suas condições económicas.
O arguido F… afirmou que está a ponderar emigrar para a Alemanha, onde a sua filha reside há cerca de 8 anos. O arguido não quis prestar declarações, porém, resulta fortemente indiciado, dos vários elementos de prova dos autos, acima identificados, que os arguidos F… e B…, juntamente com o arguido E… cometeram o crime de roubo agravado, cuja moldura penal, especialmente atenuada, é de 1 ano e dois meses a 10 anos de prisão.
Na verdade, não obstante o reconhecimento presencial do arguido B… ter sido efectuado pela ofendida com reservas, tal deveu-se ao facto deste, no momento do seu cometimento ter tapado a cara a fim de não ser reconhecido posteriormente. Acontece que dos demais elementos de prova, devidamente conjugados extrai-se que o arguido foi efectivamente um dos autores do roubo.
O arguido B… nunca admitiu os factos, porém, o arguido F…, em sede de declarações prestadas na entidade policial que procede à investigação admitiu-os, tendo nessa parte colaborado com a justiça, tendo, ainda, sido determinantes as declarações prestadas nos autos pelos diversos intervenientes.
O arguido F… está a trabalhar, porém, prevê que tal trabalho esteja a terminar. Por outro lado, é o sustento de quatro filhos e da mulher e pondera emigrar para a Alemanha onde tem uma filha a viver há cerca de 8 anos.
Por sua vez, o arguido B… afirmou que esteve emigrado na Suíça desde os 18 anos até 2007/2008. Conforme resulta das suas declarações e do expediente solicitado ao processo n.º 431/10.8GAPRD, de fls. 324 a 335, o arguido tem um contrato de trabalho na Suíça, sendo que, presentemente, encontra-se em Portugal pois está a decorrer o julgamento daquele processo, com sessões marcadas para todos os dias da semana, com excepção das terças-feiras. Nesse processo o arguido responde por associação criminosa, tráfico de armas e detenção de arma proibida.
Acontece, ainda, que o arguido B… respondeu no processo 841/09.3JAPRT, por crime de roubo, com uso de arma de fogo, burla informática e abuso de cartão de garantia e de crédito, do qual veio a ser absolvido.
Conforme admitiu o arguido B…, encontra-se a responder num processo no Tribunal de Paredes, por causa de uma “zaragata”, ou seja, por crime de ofensa à integridade física. Verifica-se assim a existência de elevados indícios de que o arguido B…, em várias ocasiões, fez uso de armas de fogo para cometer crimes, sendo que pelo menos neste, em crimes contra o património e contra a integridade física.
No presente caso, existem fortes indícios de que o arguido B… empunhou e usou uma arma de fogo para alcançar o propósito de roubar os ofendidos nas circunstâncias de tempo e lugar descritas.
Da conjugação de todas estas circunstâncias decorre a existência de um perigo concreto de continuação da actividade criminosa por parte do arguido B…, não obstante a ausência de antecedentes criminais.
Por outro lado, as declarações deste arguido foram contraditórias relativamente ao que o mesmo afirmou no âmbito do processo 431/10.8GAPRD, de Penafiel, pois aqui afirmou inicialmente que não chegou a ter recentemente qualquer contrato de trabalho na Suíça, onde, aliás, um seu irmão reside há cerca de 20 anos e onde o arguido viveu durante muito tempo, quando naquele outro processo veio afirmar que já estava a trabalhar na Suíça, exibindo por conseguinte o respectivo contrato. Todas as circunstâncias até agora relatadas fazem-nos concluir pela existência de um perigo de fuga, em que o arguido se vem procurando eximir à acção da justiça.
A concreta situação de o arguido B… estar a responder em vários processos por crimes de grande gravidade, e a ausência de vínculos no nosso país, com assumida ligação à Suíça, vêm reforçar esse perigo, que não é afastado pela circunstância de o arguido estar a comparecer a todas as sessões de julgamento que se encontra a decorrer no processo de Penafiel.
Assim, cremos que no caso em apreço, em que existem fortes indícios do cometimento de um crime que assume grande gravidade quer pelos meios utilizados, pelo recurso a armas de fogo, quer pelo enorme alarme social que causam, com cada vez maior frequência no nosso país – para tanto, basta aceder aos meios de comunicação social, quer televisivos, quer pelos jornais, quer pela internet -, as necessidades de prevenção geral são muito elevadas.
As necessidades de prevenção especial são menos fortes em face da ausência de antecedentes criminais, quer do arguido F…, quer do arguido B…, porém, quanto a este existem, como já o dissemos indícios de participação criminosa em outras circunstâncias.
Importa, ainda, sublinhar que resulta dos elementos de prova supra identificados que os arguidos não colaboraram na descoberta da verdade. Mais cumpre salientar que, no respeita ao arguido B… essa falta de colaboração foi parcial, mas em relação ao arguido B… foi integral.
Cumpre dizer, também, que a actuação dos arguidos tem que ser diferenciada, quer quanto à colaboração que cada um prestou na descoberta da verdade material, quer no “modus operandi”, em que relativamente ao arguido F…, que não terá feito uso de arma de fogo, pelo seu grau de participação no decurso dos factos, mormente na intensidade da violência usada.
A tudo isto acresce que o crime de roubo, cometido com uso de armas de fogo, assume uma especial gravidade porque atenta contra bens patrimoniais e atenta contra a integridade física das pessoas. É cada vez com maior frequência cometido através do uso de armas e causa na sociedade uma grande repercussão pela sua violência, pelo carácter de surpresa e ainda por ser habitualmente cometido com uso de armas.
O seu cometimento está muitas vezes associado à dependência de drogas e, também, ao desemprego e à ausência de condições económicas. É um crime que vem crescendo em número, fruto da crise em que vivemos e que deixa intranquila a sociedade.
As circunstâncias que acabamos de apontar levam-nos a extrair a conclusão de que no caso em apreço existe um real perigo de continuação da actividade criminosa, até porque os arguidos têm empregos precários e instáveis. Em consequência deste perigo de continuação da actividade criminosa associa-se o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, porquanto os arguidos não oferecem garantias de que cessarão daqui para a frente os crimes que pela sua realização lhes permita obterem dinheiro.
Em face de tudo isto, é expectável que aos arguidos venham a ser aplicadas penas de prisão efectiva.
Assim, mostra-se plenamente justificada a aplicação de medidas de coacção mais gravosas do que o termo de Identidade e Residência.
Considerando os apontados perigos relativamente a cada um dos arguidos e a gravidade dos factos cometidos, cremos que se impõe, com exclusão de qualquer outra medida de coacção, por as mesmas se revelarem ineficazes no caso apreço, a aplicação ao arguido B… da medida de coacção de prisão preventiva. Efectivamente, nenhuma medida não privativa da liberdade acautelará ou impedirá o arguido B… de voltar a cometer crimes da mesma natureza quando uma situação de necessidade o impelir a tal ou que, mercê dos processos em que responde, concretize uma possível fuga.
Quanto ao arguido F…, mostra-se suficiente, à luz dos vínculos que o mesmo mantém no nosso país, ao seu grau de colaboração com a justiça e de participação no crime indiciado, a aplicação das medidas de coacção propostas pelo Ministério Público, a cujos argumentos aquiescemos.
Assim sendo, por todo o exposto, por se reputar adequada, necessária e suficiente para responder à exigências cautelares do presente caso, ao abrigo do disposto nos art.ºs 191.º, 193.º, 194.º, 198.º, 200.º, 202.º e 204.º, al. a) e c), todos do Código de Processo Penal, decide-se que os arguidos aguardarão os ulteriores termos do processo sujeitos às seguintes medidas de coacção:
O arguido B…, sujeito a prisão preventiva;
O arguido F…, sujeito cumulativamente às seguintes medidas de coacção:
- Obrigação de se apresentar semanalmente, às sextas-feiras, entre as 8 horas e as 20 horas, no posto policial da área da sua residência;
- Obrigação de não se ausentar para o estrangeiro, ou não se ausentar sem autorização; e
- Obrigação de não contactar, por qualquer meio, com os co-arguidos deste processo.
Notifique.
Passe os competentes mandados de condução do arguido B… ao E.P.
Cumpra o disposto no n.º 9 do art.º 194.º do CPP.
Comunique, de imediato, via fax, ao processo n.º 431/10.8GAPRD, que corre termos em Penafiel.
Após, remeta os autos aos Serviços do Ministério Público»

2. Inconformado, o Arguido B… interpôs recurso desta decisão impetrando
i. Ora a substituição da medida coativa de prisão preventiva fixada por apresentações periódicas diárias, com obrigação de não se ausentar para o estrangeiro, bem como obrigação de não contactar, por qualquer meio, com os co-arguidos,
ii. Ora, se assim não for entendido, a substituição da mesma medida pela obrigação de permanência na habitação sob vigilância electrónica,
concluindo a respectiva motivação do seguinte modo:
2.1 O douto despacho, ora recorrido carece de fundamentos, concretos e ajustados ao caso em concerto, que levou o Tribunal a quo aplicar a medida de coacção – Prisão preventiva, ao recorrente.
2.2 Á luz dos Critérios e Princípios estipulados nos art. 27º e 28º n.º 2 da CRP, dos art. 191º e ss, 202º e 204º do CPP, que o douto despacho ora recorrido viola, em virtude de não se vislumbrar nos autos, nem factos, nem indícios sérios que permitam aplicar ao recorrente a prisão preventiva a que foi sujeito.
2.3 Pelo que, o instituto da prisão preventiva se afirma com acentuado comprometimento todos esses princípios – legalidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade – especialmente o da necessidade e concomitantemente o seu carácter excepcional, subsidiário e não obrigatório, dando-se assim prevalência a outras medidas de coação, que poderá inclusive passar pela obrigação de permanência na habitação ( Cfr. art. 193º n.º 3 do CPP) na senda do disposto nos artigos 27º n.º 3 e 28º n.º 2, ambos da CRP.
2.4 Também o princípio da presunção de inocência do arguido está no seu âmago ligado à liberdade individual do individuo, no sentido de proibir qualquer medida de coacção como antecipação de pena com base no rótulo de culpado!
2.5 Na esteira da Constituição, qualquer medida restritiva terá que assumir sempre um carácter excepcional, tão só sendo admitida quando estiver em causa a defesa ou protecção de outros direitos, também constitucionalmente garantidos e na medida necessária à prossecução dos fins que com esses méis se pretende acautelar, Cfr- art. 18º n.º 2 da CRP, proibindo-se assim, o excesso das medidas relativamente aos fins pretendidos.
2.6 Do douto despacho, não vislumbramos o porquê in casu não ser aplicada ao arguido, ora recorrente, a medida de coação de apresentações periódicas diárias, em posto policial, ou na pior das hipóteses de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica e ainda que cumuladas com a obrigação de não contactar com os demais intervenientes processuais, bem como obrigação de não se ausentar para a o Estrangeiro.
2.7 Do despacho recorrido, não vem imputado ao recorrente, factualidade concreta alguma capaz de justificar a prisão preventiva.
2.8 Pelo contrário, do auto de denúncia e das inquirições dos denunciantes, não se consegue perceber qual a intenção concreta dos intervenientes, bem como do auto de reconhecimento de fls. 220 e 221, dos presentes autos, também não existe nenhum dado concreto que identifique e diga respeito ao recorrente. Isto porque, apesar do suspeito que trajava um Kispo com carapuço, ter este último na cabeça e apertou por forma a tapar a zona da cabeça até à testa, a denunciante D…, sem sombra para dúvidas, descreve o sujeito 2, como sendo um homem de olhos castanhos, quer no auto de denúncia quer no auto de reconhecimento, por efectivamente ter sido a única coisa que conseguiu visionar e identificar do sujeito.
2.9 Sobre isto, não podemos esquecer que o recorrente tem olhos de cor AZUL. – Cfr. fls. 203, 204 e 208 dos autos.
2.10 Pelo que desde já não se compreende, de onde possam vir os “fortes indícios”, será das declarações de co-arguidos, e pelo facto de o recorrente estar a responder no processo n.º 431/10.8GAPRD, que corre termos no 3º Juízo de Penafiel.
2.11 Ou ainda como o douto despacho faz questão de referir, de o recorrente, ter sido julgado no processo 841/09.3JAPRT, que correu termos no 2º Juízo Criminal de Paredes, em que o mesmo foi ABSOLVIDO!
2.12 Parecendo, salvo o devido respeito que o Tribunal a quo, já rotulou o recorrente de CULPADO, mesmo por factos que o mesmo não cometeu nem foi condenado, com a devida vénia, não pode, ou pelo menos não deve, o Tribunal a quo, fazer esses juízos de valor.
2.13 Estando assim perante a inexistência de “fortes indícios” e como tal o despacho deve ser revogado por incumprimento do art. 202º n.º 1 do CPP, com as legais consequências.
2.14 Para além da inexistência de “ fortes indícios”, o douto despacho foca toda a sua atenção, na sua grande maioria para o perigo de fuga, que salvo melhor opinião não existe!
2.15 Das declarações do recorrente em 1º interrogatório, este esclareceu, o tribunal a quo ter sido emigrante na Suiça desde os 18 anos até 2008, e que se havia inscrito em algumas empresas na Suiça há cerca de 2 meses, da data do interrogatório, isto é Maio de 2012, tendo efectivamente assinado um contrato com a G… (cfr. fls 334), tendo trabalhado nesta empresa, mas em virtude de ter de comparecer nas sessões de audiência de julgamento no qual é arguido, que corre termos no Tribunal de Penafiel, com o n.º 431/10.8GAPRD, que iniciou em 14 de Junho de 2012 e desde então até pelo menos 30 de Julho de 2012, se realizam todos os dias da semana, com excepção das terças-feiras, teve de solicitar a rescisão do contrato, através do seu irmão que reside na Suiça e trabalha nessa mesma empresa, encontrando-se aguardar, os papeis oficiais, da empresa para assinar.
2.16 Disse ainda, que se encontrava a cumprir a medida de coacção imposta no tribunal em que responde no Tribunal de Penafiel, de obrigação de apresentação quinzenal junto do posto da GNR da sua residência.
2.17 Dos autos, fls. 324 a 335, verifica-se que o recorrente demonstrou sempre a maior transparência para com os Tribunais, e a sua situação processual de arguido, tendo sempre informado e requerido ao Tribunal decisão sobre ausências para o estrangeiro, mesmo sem estar proibido de se ausentar, situação profissional, o que levou o Mmo. Juiz do Tribunal de Penafiel, do processo já referido, entendeu não existir qualquer perigo de fuga do arguido, e alterou a periodicidade das apresentações, de semanais, para quinzenais, na área de residência do arguido, isto é a sua única morada do TIR isto é …, Paredes, PORTUGAL. Cfr. documento n.º 1 que ora se junta e se dá por totalmente reproduzido.
2.18 Ora se neste processo que vem pronunciado de associação criminosa, tráfico de armas e detenção ilegal de armas, (navalha e munições), entendeu e muito bem o Mmo. Juiz não existir perigo de fuga, e se nada mudou nas circunstancias de modo e lugar do arguido, porque deveria de haver perigo de fuga, nestes autos?????
2.19 Salvo o devido respeito, por opinião diversa, até parece que o Tribunal a quo quer aplicar uma medida privativa da liberdade, por fortes indícios que existem noutros autos, que não estes!
2.20 O comportamento do recorrente sempre foi de respeito pelo seu estatuto processual, cumprindo com as suas obrigações de apresentações, durante mais de um ano, bem como com a sua presença em todos os actos processuais.
2.21 Não há no processo indícios e muito menos fortes indícios que permitam ao Tribunal concluir pela fuga do arguido, ou continuação da actividade criminosa.
2.22 O recorrente é um jovem, sem antecedentes criminais.
2.23 Tem um bom comportamento cívico e está bem integrado na área da sua residência, contando com ajuda e apoio da sua família, nomeadamente dos seus pais, irmãs e cunhados.
2.24 A medida de coacção aplicada não tem qualquer suporte de facto ou de direito, constituindo outrossim, um atentado à sua identidade, como sujeito, livre e responsável, à sua dignidade, como ser humano, à sua equidade – igualdade de direitos e obrigações – e sobretudo à sua liberdade de acção e de opinião.
2.25 A medida de coação aplicada ao recorrente sempre seria inadequada às exigências cautelares que a situação requeria e é desproporcional á gravidade dos crimes de que está indiciado.

3. Contra-alegou o Exmo. Procurador da República, dizendo, no propósito de ver mantido o despacho recorrido, nomeadamente:
3.1 Resulta do despacho ora posto em crise, a existência de fortes indícios, alicerçados numa fundamentação judicial sustentada, da prática pelo arguido recorrente, em co-autoria, de dois crimes de roubo agravado, na forma tentada;
3.2 Atenta a previsibilidade de condenação pelo crime indiciado, e subsequente aplicação de pena de prisão, afigurou-se concretamente provável, quer em termos objectivos, quer em termos subjectivos, que o arguido viesse a colocar-se em fuga;
3.3 O arguido encontra-se conectado com o mundo do crime, pese embora ainda não tenha averbado no seu registo criminal qualquer condenação.
3.4 Do supra referido, outra não poderia ser a medida de coacção aplicada que não a prisão preventiva, a qual se mostra necessária, proporcional e adequada ao caso sub Júdice.

4 Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o VISTO.

II. Fundamentação.
1. Sob apreciação, as seguintes questões, de acordo com as conclusões do recurso:
1.1 A inexistência de indícios da prática pelo arguido-recorrente dos ilícitos que lhe são imputados (Supra I, 2.14)
1.1.1 Falência dos pressupostos “perigo de continuação da atividade criminosa” e “perigo de fuga” (Supra I, 2.14 e 2.21)
1.1.2 A conformidade aos princípios da “necessidade, adequação e proporcionalidade” da medida de coacção de prisão preventiva fixada aos Recorrentes (Supra I, 2.3)

2 Conhecendo

2.1 Sobre a existência de indícios da prática dos ilícitos.

Sem prejuízo do apelo ao princípio com suporte constitucional da presunção de inocência, o recorrente alega, em síntese:
“(…) do auto de denúncia e das inquirições aos denunciantes, não se consegue perceber qual a intenção concreta dos intervenientes.
Das inquirições dos denunciantes, bem como do auto de reconhecimento de fls. 220 e 221, dos presentes autos, também não existe nenhum dado concreto que identifique o ora recorrente. Pois independentemente do suspeito que trajava um Kispo com carapuço, que colocou na cabeça e apertou por forma a tapar a zona da cabeça até à testa, a denunciante D…, descreve como sendo um homem de olhos castanhos, quer no auto de denúncia quer no auto de reconhecimento.
Ora, o recorrente, não tem olhos castanhos, mas sim AZUIS, e não faz uso de lentes de contacto, muito menos de cor! – Cfr. fls. 203, 204 e 208 dos autos.
Logo aqui, não compreendemos como pode o douto despacho recorrido falar em fortes indícios da prática de qualquer crime, em concreto!!!!”
*
A respeito do referido princípio da presunção de inocência [Supra I, 2.4]importa ter presente que se é verdade que a Constituição da República consagra, por um lado, o princípio de que “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação” [32º/2] não é menos verdade que relativamente ao princípio do direito à liberdade e de que “ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória” logo excetua “a privação da liberdade no caso, entre outros, de “detenção ou prisão preventiva por fortes indícios da prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos” [27º/nºs 1,2 e 3 al.b)]
Destarte, o reconhecimento, constitucionalmente afirmado, da admissibilidade da prisão preventiva quanto do seu caráter excepcional [28°/ 2], do mesmo passo que não pode deixar de envolver a consideração, além do mais, de que todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença que o condene, torna, outrossim compatível tal presunção com a aplicação da prisão preventiva.
Compreende-se, por isso, que em face da solenidade e força dos preceitos da Lei Fundamental, se impusesse ao Código de Processo Penal a definição precisa, detalhada, dos pressupostos da prisão preventiva.
Daí que a lei penal adjectiva, para além de reafirmar a natureza excepcional daquela medida de coacção (193°/2 e 202°/1), impondo mesmo o reexame regular, “ex officio”, dos respetivos pressupostos (213º), inculque o entendimento de que só se pode recorrer à prisão preventiva quando as demais medidas de coacção se mostrem inadequadas ou insuficientes (principio da subsidiariedade), e houver, no caso, fortes indícios da prática, pelo arguido, de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos [artigo 202°/ 1 al. a)].
***
Primeiro pressuposto, então, a considerar: a existência de “fortes indícios”.
Paulo Pinto de Albuquerque defende que «”indícios fortes” são as “razões” que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica» [1]
Se bem se interpreta o pensamento do autor citado, vai ele ao ponto de que o grau de convicção seja idêntico ao exigível para uma condenação em julgamento.
Não se subscreve uma tal exigência.
Diferentemente, entende-se que a exigência legal da existência de “fortes indícios”, numa fase em que a investigação ainda está em curso, satisfaz-se com a possibilidade de, com base nos elementos probatórios até esse momento adquiridos nos autos, relacionar, de forma idónea e suficiente, um concreto agente com um concreto facto ilícito em termos de atribuição àquele da prática deste.

A decisão recorrida considerou que “a prática fortemente indiciada” nos autos era susceptível de fazer incorrer o recorrente na prática, em co-autoria, de dois crimes de roubo agravado, ambos na forma tentada.
Por ora, importa a confirmação/infirmação dos factos, independentemente da respetiva subsunção juspenal.

Adiantando, dir-se-á que não assiste razão ao recorrente.

Retomemos, na parte pertinente, a motivação emprestada pelo Tribunal à decisão relativa à prática “fortemente indiciada”:
«A factualidade acima elencada assenta nos seguintes meios de prova: Informações de serviço de fls. 2 a 8 e 207; autos de inquirição de fls. 9 a 11, 13 a 15, 25 a 28, 87 a 91, 191 a 194 e 197 a 202; auto de denúncia de fls. 17 a 19; auto de apreensão de fls. 20 e 21; aditamento de fls. 71 e 72; fichas biográficas de fls. 32 a 45 e 185 a 189; informação pericial de fls. 81 e 82; autos de reconhecimento presencial de fls. 83 a 86, 220 e 221; declarações de fls. 181 a 184, 217, 218, 223 a 226; fotografias de fls. 203, 204 e 208; relatos de diligência externa de fls. 213 e 214.
Os arguidos não quiseram prestar declarações, fazendo uso de um direito que lhe assiste, porém, não pudemos colher a sua versão dos factos.
No entanto, os arguidos quiseram responder quanto às suas condições económicas.
O arguido F… afirmou que está a ponderar emigrar para a Alemanha, onde a sua filha reside há cerca de 8 anos. O arguido não quis prestar declarações, porém, resulta fortemente indiciado, dos vários elementos de prova dos autos, acima identificados, que os arguidos F… e B…, juntamente com o arguido E… cometeram o crime de roubo agravado, cuja moldura penal, especialmente atenuada, é de 1 ano e dois meses a 10 anos de prisão.
Na verdade, não obstante o reconhecimento presencial do arguido B… ter sido efectuado pela ofendida com reservas, tal deveu-se ao facto deste, no momento do seu cometimento ter tapado a cara a fim de não ser reconhecido posteriormente. Acontece que dos demais elementos de prova, devidamente conjugados extrai-se que o arguido foi efectivamente um dos autores do roubo.
O arguido B… nunca admitiu os factos, porém, o arguido F…, em sede de declarações prestadas na entidade policial que procede à investigação admitiu-os, tendo nessa parte colaborado com a justiça, tendo, ainda, sido determinantes as declarações prestadas nos autos pelos diversos intervenientes.»
É a partir deste acervo de provas que importa confirmar ou infirmar - aqui, como pretendido pelo Recorrente – a decidida suficiência indiciária.
Na decisão sub iudicio apela-se à apreciação conjugada da prova recolhida.
Ressumam, então, como elementos de particular ponderação: i. A Informação de Serviço [Fls. 66>72]; ii. As declarações dos ofendidos [], Fls. 74>76; 77>79; 89>90;91>92; iii. O depoimento de H… [Fls.96>98]; iv. O Auto de Reconhecimento Pessoal [Fls.131>132]; v. Os Autos de Interrogatório dos Arguidos E… [Fls. 133>136] e F… [Fls. 139>142]
Da Informação de Serviço recolhe-se, desde logo, que a investigação policial foi iniciada escassos minutos volvidos sobre o cometimento dos factos sob apreciação. E iniciada com aparente (posto que relativo) sucesso, graças à atuação destemida e eficaz do ofendido C…, quando logo toma nota da matrícula do carro que lhe levantou fundadas suspeitas e, de pronto, se dirige ao posto policial.
Uma tal atuação conjugada, do ofendido com a entidade policial, conduziu à imediata apreensão do veículo “suspeito” e até à identificação do seu proprietário, E…, quando este foi “avistado” “a espreitar para o local onde a viatura procurada se encontrava”, acabando por “agir com naturalidade e dirigir-se para junto da patrulha”, depois que lhe foi apontado um foco de luz. [Fls.104]
Ora, ouvido em Auto de Interrogatório na Polícia Judiciária, o E… identificou o ora Recorrente como co-autor nos factos praticados, estendendo tal co-autoria ao arguido F….
Dizer, então e desde já, que a identificação do veículo em que os suspeitos se fizeram conduzir e do respetivo proprietário, o E…, de par quer com os reconhecimentos sem véu de dúvida feitos relativamente ao mesmo pelos ofendidos C… e D…, quer com as declarações pelo mesmo prestadas, são, já por si, fator de forte indiciação da co-autoria do recorrente na prática dos factos.
Mas logo acrescem, com igual sentido, as declarações prestadas pelo F…, o qual, sem hesitação coloca o recorrente como interveniente efetivo na cena dos crimes.
Depoimento indireto mas de igual sentido de comprovação – visto a tentativa de apagamento do crime com retirada da queixa, por acordo e indemnização - o depoimento de H… – que importa conjugar com os depoimentos do C…, [fls.89 e 90] e do I… [fls. 93>95] – maxime, na parte em que dá conta do que o J…, irmão do E…, lhe contou: «disse-me que o irmão, E…, juntamente com mais dois indivíduos, um deles o que estava com o J… no café quando vieram falar comigo, F…, e um outro que conhece como sendo o filho do K…, também conhecido como B…, abordaram um casal de namorados, em …, Paredes, que se encontrava no interior de uma viatura e que bateram aos vidros da viatura e que nessa altura o condutor, o tal rapaz que apresentou queixa contra o E…, assustou-se e arrancou com a viatura”.

Merecem, finalmente, foros de credibilidade – em face da manifesta honestidade deles decorrente - os reconhecimentos feitos pelos ofendidos.
Repare-se que o C… nunca referiu que fosse capaz de identificar senão a pessoa que o abordou diretamente, pela janela do seu lado, no lugar de condutor, mas sempre, sem pingo de hesitação, identificou este [Fls. 76, 81, 128]
Já a D…, que não hesitou nunca na identificação do E… [Fls. 79, 83, 130] e sempre se mostrou incapaz de reconhecer o terceiro interveniente [Fls.79], identificou “com algumas reservas” o recorrente como sendo a pessoa que a abordou pelo lado da janela a que estava sentada [Fls. 92 e 132]
Esclareceu, porém, que tais reservas, lhe advinham “do facto de o referido indivíduo ter atuado com parte da face ocultada com um capuz, mas que ainda assim o conseguiu reconhecer pela visualização da zona dos olhos e demais estrutura fisionómica”. [Fls132]

Deixou-se assumido o entendimento de que a exigência legal da existência de “fortes indícios”, numa fase em que a investigação ainda está em curso, satisfaz-se com a possibilidade de, com base nos elementos probatórios até esse momento adquiridos nos autos, relacionar, de forma idónea e suficiente, um concreto agente com um concreto facto ilícito em termos de atribuição àquele da prática deste.
Apreciadas as provas que se deixam descriminadas outra não poderá ser a conclusão de que bem andou o Tribunal recorrido ao ter por fortemente indiciada a prática pelo Recorrente de dois crimes de roubo agravado, na forma tentada.

Na ponderação conjugada dos elementos de prova deixados referenciados resulta, contrariando o sustentado pelo recorrente, tornar-se inquestionável que os autos evidenciam a forte indiciação da prática pelo mesmo dos factos descritos no despacho sob recurso.

Destarte se conclui mostrar-se preenchido o requisito “fortes indícios” da al. a) do nº 1 do art. 202º do C.P.P.
2.2 Falência dos pressupostos “perigo de continuação da atividade criminosa” e “perigo de fuga”

Nos termos do art.204°, do CPP., nenhuma medida de coacção pode ser aplicada, exceptuado o TIR, sem que se verifique um dos requisitos definidos numa das três alíneas do citado art.204º, do CPP.

No que concerne ao perigo de fuga.
Entende-se que haverá perigo de fuga sempre que, a partir de elementos objectivos, exista uma razoável probabilidade de que o arguido, em liberdade, se ausente para parte incerta com o propósito de se eximir à acção penal.
A partir de elementos objetivos, diz-se.
Sem que se torne exigível, entende-se, “que o perigo tenha que se adensar até à iminência ou ao início de execução da fuga”.
Que o mesmo é dizer: “não é necessário que haja indícios materiais de que a fuga está num horizonte factual próximo, para que se possa afirmar que há perigo de fuga. Um juízo sobre a existência de perigo de fuga, tem de basear-se na pessoa concreta que está em causa, com a sua personalidade e as circunstâncias conhecidas da sua vida e daí partir, cotejando essa imagem com a experiência comum para se averiguar da probabilidade de se verificar uma fuga.”
Outrossim, não se olvide o que a experiência nos ensina: “que aqueles que estão dispostos a sofrer uma pena em nome dos princípios serão muito raros e que, existindo, se encontrarão esmagadoramente entre aqueles que não cometem crimes. Assim, a realidade é que a aproximação da ameaça de condenação – sobretudo de condenação em possível pena de prisão efectiva –, exerce uma pressão psicológica sobre o arguido que o incentiva a furtar-se à pena e, entrevendo ele uma possibilidade de fuga, é normal que fuja.” [2]

Dão-nos os autos conhecimento de elementos objetivos que legitimem um juízo de razoável probabilidade de que o arguido se possa ausentar para se subtrair à acção penal?
São elementos objetivos inelutáveis: i. O julgamento do recorrente, que decorre, pelo Tribunal de Penafiel, relativamente à prática de crimes de associação criminosa, tráfico de armas e detenção ilegal de armas, ii. Àquele julgamento acresce, agora, a indiciação da prática de dois crimes de roubo agravado, na forma tentada.
Convenhamos que esta conjugação de indiciação criminal grave exercerá, necessariamente, sobre o recorrente a dita “pressão psicológica” incentivadora a uma fuga.
Por outro lado, é o próprio recorrente a dar conhecimento da existência de uma eventual estrutura de apoio no estrangeiro: já por via da experiência adquirida no tempo em que foi emigrante na Suiça, já por ter ali a residir um irmão, pronto, seguramente, a qualquer gesto de solidariedade de sangue.
Nesta conformidade, o perigo de fuga aduzido no despacho sob recurso, não merece censura.
*
Relativamente ao requisito “perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de continuação da actividade criminosa” (artigo 204°, alínea c), do C. P. Penal).

Visa-se com tal imposição, obstar através da aplicação da medida, que o arguido venha a cometer novo ou novos crimes, na pendência do processo que justifica a aplicação da medida.
Conforme a propósito escreve Irineu Cabral Barreto, in A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 34 edição, Coimbra Editora, 2005, páginas 95, no comentário ao artigo 5°, n°1, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, citando um acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, esta norma, ao estabelecer que ninguém pode ser privado da sua liberdade salvo quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção, “não cobre uma politica de prevenção geral contra uma pessoa ou categoria de pessoas que se revelem perigosas” ela visa “evitar a prática de uma infracção concreta e específica”.
No mesmo sentido se pronuncia Germano Marques da Silva, ao escrever in Curso de Direito Penal, II, Verbo, páginas 269 que “A aplicação de uma medida de coacção não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas tão só a continuação da actividade criminosa pela qual o arguido está indiciado”.
Procedendo à interpretação da alínea c), do artigo 204º, do C. P. Penal, com o sentido exposto, há que determinar se, continuando o recorrente em liberdade, há o perigo concreto de voltar a praticar factos integradores do mesmo tipo de ilícitos.

Aqui, como no pressuposto precedente, não pode deixar de se concluir pelo acerto da decisão.
Por uma razão breve, sem olvido da apontada precariedade e instabilidade profissional. [3]
Tomando em linha de consideração – e tanto basta – que o Recorrente pratica, na noite de 7 de Abril de 2012, os roubos agravados, na forma tentada, por que se mostra indiciado, numa altura em que já estava acusado por crimes de assinalável gravidade e prestes a iniciar o seu julgamento [14.06.2012, como o próprio diz] no Tribunal de Penafiel.
A personalidade aqui e assim revelada justifica por inteiro o receio da continuação da prática criminosa, apontada no despacho sob recurso.
Destarte, visto um tal circunstancialismo, afigura-se a este tribunal de recurso que existe, em concreto, fundado receio de continuação da atividade criminosa por parte do arguido, encontrando-se preenchido o requisito da alínea c), do art.204°, do C.P.Penal, conforme foi decidido no despacho recorrido.

2.3 Sobre a conformidade aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, da medida de coação “prisão preventiva” fixada.

Avancemos, agora, à procura, in casu, da conformação prático-normativa da medida de coação aplicada com referência aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade.

Dispõe o artigo 193º/1 do Código do Processo Penal:
«As medidas de coacção e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.»

Com fundamento constitucional, decorrente do princípio do Estado de direito democrático ou, de todo o modo, conexionado com os direitos fundamentais, é de todos bem conhecido o princípio da proibição do excesso ou princípio da proporcionalidade em sentido amplo que constitui, na realidade, um princípio de controlo a respeito da medida tomada pela autoridade pública –seja, ex.g., a autoridade judicial – no sentido de saber da sua conformidade aos subprincípios da “necessidade”, da “adequação”, da “proporcionalidade”, dizer também saber da adequação do meio à prossecução do escopo por ela visado.
A norma ínsita na lei penal adjectiva deixada transcrita, no cuidado propósito de que a iuris dictio atinente às medidas restritivas do direito fundamental da liberdade não incorra numa qualquer discricionariedade irrazoável, assume ela mesma, de forma expressa, os princípios subconstitutivos daquele princípio constitucional da proibição do excesso, quais sejam: (i) princípio da conformidade ou adequação de meios; (ii) princípio da exigibilidade ou da necessidade; (iii) princípio da proporcionalidade em sentido restrito.
De modo prático, pelo princípio da conformidade ou da adequação controla-se a relação de adequação medida > fim.
Pergunta-se: a medida adoptada é apropriada, adequa-se à prossecução do fim ou fins a ela subjacentes?
A exigência de conformidade pressupõe, então, a investigação e a prova de que o acto do poder público é apto para e conforme os fins justificativos da sua adopção.
Pelo princípio da proporcionalidade em sentido restrito ou princípio da “justa medida” cuida-se saber e avaliar, mediante um juízo de ponderação, se o meio utilizado é ou não proporcionado em relação ao fim. Ou dizer, saber se, no sopeso entre as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim ou fins, ocorre um equilíbrio ou, ao invés, são “desmedidas” (excessivas) as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim ou fins.

Finalmente, o princípio da exigibilidade ou da necessidade (também conhecido pelo princípio da menor ingerência possível) coloca a tónica na ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível, exigindo-se, por isso, de quem toma a medida, a prova de que, para a obtenção de determinados fins não é possível adoptar outro meio menos oneroso para o cidadão. [4]

Na subsunção destes princípios normativos ao caso concreto a medida da prisão preventiva mantida parecerá conforme ao princípio da adequação.
Prefigurando-se como objectivos da medida evitar ora o receio da fuga ora o receio de que o arguido continue a actividade criminosa, seguramente a privação da liberdade será meio adequado a consegui-los.
Igual juízo de conformidade valerá a respeito do princípio da proporcionalidade em sentido restrito ou princípio da “justa medida” na consideração de que, por aquela mesma razão, o meio utilizado – dizer, privação da liberdade - é proporcionado aos fins visados.

O punctum prurens suscita-se, porém, no momento da concreção do princípio da necessidade.
Dizer, então: na aplicação prática deste princípio da exigibilidade, necessidade ou da menor ingerência possível procura-se exactamente saber se o decisor judicial podia ou não adoptar outro meio igualmente eficaz e menos desvantajoso para o arguido.
No conhecimento desta questão, importará ter particularmente presente como o legislador foi até repetitivo, dando-se à cuidada pedagogia de dizer:
«2. A prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coacção.
3. Quando couber ao caso medida de coacção privativa da liberdade nos termos do número anterior, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelaresArtigo 193º C.P.Penal

Exige-se, então, ao aplicador do direito, que comprove nos factos e justifique na argumentação porquê, EM CONCRETO, não é dada preferência à obrigação de permanência na habitação, porquê esta se mostra, ainda INSUFICIENTE.
Ora, em boa verdade, esta justificação acrescida (facticamente fundamentada e diferenciadora) para a opção por uma prisão preventiva em vez da privação da liberdade na modalidade de obrigação de permanência na habitação, não ocorreu no caso sub specie. [5]
Por imperativo legal, ao arguido era devida a explicação da insuficiência da medida coactiva de obrigação de permanência na habitação.
Em abstracto, muitas justificações seriam possíveis. A mero título de exemplo: porque o arguido praticava os roubos em grupo, e exercia neste uma posição dominante de “chefia”, assim subsistindo o perigo de prosseguir na actividade criminosa na justa medida em que lhe continuaria a ser possível delinquir, posto que através dos intermediários por si comandados?

In casu, razão alguma é apontada. Nem ressuma dos factos tidos por fortemente indiciados.

Pois bem.
A prisão preventiva está sujeita, como vem de ser referido, ao princípio da necessidade, só podendo aplicar-se, como ultima ratio das medidas de coacção, quando a obrigação de permanência na habitação não se mostre suficiente para satisfazer as exigências cautelares do caso – artº 193º, nºs 2 e 3 do CPPenal.
Os perigos que importa aqui prevenir são, como se viu, o de continuação da actividade criminosa e o de fuga.
Como parece evidente, este perigo ficará afastado se o arguido ficar retido numa casa, que é no que consiste a medida de coacção da obrigação de permanência na habitação, prevista no artº 201º do CPPenal, e se o seu cumprimento for fiscalizado através de meios técnicos de controlo à distância, como prevê o nº 3.
Nesta conformidade, deve ser esta a medida de coacção aplicada ao recorrente, medida por ele pretendida e que se revela necessária para acautelar os perigos de continuação da actividade criminosa e de fuga e proporcional à gravidade dos crimes indiciados e das sanções que previsivelmente serão aplicadas.

Sendo certo, de outra parte, que o Tribunasl obteve INFORMAÇÃO no sentido de que “B… dispõe das condições técnicas necessárias para a a aplicação e execução da medida em análise, quer ao nível das infra-estruturas, quer ao nível do apoio familiar e de condições de subsistência”. [Fls. 170]

III. Dispositivo
Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação, no provimento do recurso:

i) Em revogar a decisão recorrida na parte em que aplicou ao arguido a prisão preventiva, impondo-lhe em lugar dela a obrigação de permanência na habitação indicada a fls. 167 (Rua …, …, ….-… Paredes), com vigilância eletrónica, sendo apenas autorizada a ausência do local da vigilância eletrónica a fim de comparecer nas diligências judiciais a que seja chamado.
ii) Remeta, de imediato, cópia da presente decisão à Equipa de Vigilância Eletrónica … – Fax ……… [Fls.166].
iii) Remeta, de igual modo, cópia da presente decisão ao Estabelecimento Prisional passando Mandado de Condução no sentido de o mesmo Estabelecimento Prisional, em concertação com aquela Equipa de Vigilância, conduzir o Recorrente à referida habitação. [Fls.166]

Sem custas.

Porto, 19 de Setembro de 2012
Joaquim Maria Melo de Sousa Lima
Francisco Marcolino de Jesus
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[1] Comentário do CPP, à luz da CR e da CEDH – 2ªEd. Atualizada, Universidade Católica Editora, Lx. 2008, Pág. 331
[2] Ac. TRP de 11 de Maio de 2011; Recurso Nº867/09.7PRPRT-A.P1 / Relator: Manuel Ricardo Pinto da Costa e Silva
[3] Não se subscreve, porém, a ilação aparentemente retirada da conjugação dos factos aqui sob apreço, com aqueles por que respondeu no Processo 841/09.3JAPRT (crime de roubo, com uso de arma de fogo) (de que foi absolvido) quanto “à existência de elevados indícios de que o arguido B…, em várias ocasiões, fez uso de armas de fogo para cometer crimes”, por via não já de uma qualquer violação do princípio da presunção de inocência mas de uma clara violação de caso julgado.
[4] Seguiram-se, de perto, os ensinamentos de J.J.Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição – 3ª Ed. Almedina, Pags. 261 a 265
[5] Diz-se apenas na fundamentação da decisão recorrida: «Considerando os apontados perigos relativamente a cada um dos arguidos e a gravidade dos factos cometidos, cremos que se impõe, com exclusão de qualquer outra medida de coacção, por as mesmas se revelarem ineficazes no caso apreço, a aplicação ao arguido B… da medida de coacção de prisão preventiva. Efectivamente, nenhuma medida não privativa da liberdade acautelará ou impedirá o arguido B… de voltar a cometer crimes da mesma natureza quando uma situação de necessidade o impelir a tal ou que, mercê dos processos em que responde, concretize uma possível fuga.»