CASO JULGADO
TRANSACÇÃO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
Sumário

1.– A excepção de caso julgado é um meio de defesa que consiste na alegação de que a mesma causa já foi objecto de outro processo e aí sentenciada por decisão de mérito já não susceptível de impugnação pelos meios ordinários. Os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o pedido e a causa de pedir.

2.– A sentença incidente sobre a transacção não conhece do mérito ou substância da causa, sendo a sua função apenas a de fiscalizar a regularidade e validade do acordo.
3.– Tendo as partes celebrado transacção homologada por sentença, não faz sentido falar-se de caso julgado se na transacção e respectiva sentença de homologação, o tribunal não chegou a proferir decisão sobre qualquer controvérsia substancial. Por isso, neste caso, não é verdadeiramente de excepção de caso julgado que deve falar-se, mas antes a excepção inominada de transacção homologada por sentença, apesar de as partes estarem perante uma situação que tem o mesmo valor e eficácia que o caso julgado.
4.– A provisoriedade das medidas tomadas na providência cautelar de arbitramento de reparação provisória determina que, havendo alteração das circunstâncias determinantes que presidiram à primeira decisão, possam ser novamente apreciadas pelo Tribunal, incumbindo ao lesado a alegação e prova dos factos que apontam para a verificação concreta da modificação das circunstâncias justificativas da alteração da providência.
5.– A sentença proferida num processo judicial constitui um verdadeiro acto jurídico, a que se aplicam as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos, sendo igualmente válidas para a interpretação de uma sentença, as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial (arts. 236.º e segs. do CC). E, tratando-se da sentença homologatória de transacção, aquela interpretação deve ter particular incidência nos termos que corporizam a transacção.
6.– Verificando-se dos termos da transacção, homologada por sentença, que o acordo das partes se encontra temporalmente delimitado, é admissível a faculdade de se requerer novo procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, por forma a apreciar da verificação dos respectivos requisitos.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.


I.–RELATÓRIO:


ANTÓNIO, residente na Rua …, deduziu, em 28.01.2016, contra COMPANHIA DE SEGUROS, S.A, com sede na Rua A... C..., Nº..., em Lisboa, por apenso à acção declarativa com processo comum, anteriormente intentada, providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, através da qual peticiona que:
a)- lhe seja arbitrada uma renda mensal no valor do seu rendimento mensal, ou seja € 800,00;
b)- A ré lhe continue a pagar provisoriamente todas as despesas médicas, medicamentosas, de enfermagem, reabilitação e fisioterapia, próteses e outras, podendo eventualmente ser tais serviços prestados pelos serviços clínicos da seguradora, em termos análogos aos de um acidente de trabalho, ou em alternativa;
c)- Sejam atualizados estes valores tendo em conta a progressão de vencimentos do sinistrado e a taxa da subida do custo de vida, acrescidos dos correspondentes juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, até efetivo e integral pagamento do devido, bem como procuradoria e custas de parte nas quais o sinistrado venha a incorrer, a título de reparação provisória dos danos emergentes das lesões corporais sofridas.

Fundamentou o requerente, no essencial, esta sua pretensão, da seguinte forma:
1.– Em resultado do acidente de viação ocorrido no dia 10-09-2015, cerca das 07h20, no IC 19, ao km 7 no sentido Sintra-Lisboa, no qual interveio o veículo com matrícula ...E-...2-...6, marca Ford, modelo Transit, segurado na COMPANHIA DE SEGUROS, S.A, apólice 202298123 e a viatura 8...-...1-...T, segurado na L. Seguros, apólice 7000170352, sofreu o requerente lesão corporal causada pelo aludido sinistro;
2.– Das respetivas sequelas, sofreu e sofre ainda, o requerente, de grandes sequelas e traumas decorrentes do acidente objeto destes autos, nomeadamente falta de força, imobilidade e impossibilidade de movimentos e dores, encontrando-se ainda incapacitado e com uma limitação funcional, que implica a ausência da actividade profissional e uma grande incerteza referente ao futuro.
3.– Tem sensação de formigueiros e adormecimento no braço esquerdo.
4.– Ainda não está curado, pois continua com dores, tendo incapacidade permanente sujeita a confirmação pelo Instituto de Medicina Legal.
5.– Está impossibilitado de trabalhar, necessitando para a sua vida do apoio de familiares e dos vizinhos.

O Tribunal a quo apreciou a pretensão do requerente, em 03.10.2017, e proferiu decisão liminar, concluindo que:
(…)
Extrai-se dos factos antes enunciados como provados que correu termos, entre os ora Requerente e Requerida, um procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória contra a Ré, oportunamente autuado com o n.º 8008/16.8T8SNT-A, por apenso à ação declarativa, com processo comum, n.º 8008/16.8T8SNT desta Instância Central, que  ANTÓNIO  move contra COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
Analisando os indicados elementos, verifica-se que o presente procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória consiste numa repetição, em termos objetivos e subjetivos, de anterior procedimento cautelar já decidido, porquanto nele foi proferida decisão em 14-03-2016, transitada em julgado, homologando o acordo alcançado entre o Requerente  e a Requerida.
Decretada determinada providência cautelar, o Requerente fica onerado com determinadas obrigações, entre as quais, as de instaurar ou de manter em andamento regular da causa que tenha por fundamento o direito acautelado, resultando ainda do quadro legal aplicável a proibição de repetição de nova providência, de conteúdo idêntico à já decidida por dependência de uma mesma causa, por aplicação do instituto do caso julgado.
No caso vertente, verifica-se a existência de absoluta identidade de causa de pedir e do pedido entre as duas pretensões cautelares formuladas pelo Requerente, por apenso à mesma ação principal, o que impede a formulação da nova pretensão com o mesmo objeto.
E, por considerar ser de conhecimento oficioso a aludida excepção dilatória, devendo ser suscitada pelo Tribunal em qualquer estado do processo, decidiu indeferir liminarmente o requerimento inicial.

Consta, assim, do Dispositivo da aludida Decisão, o seguinte:
Pelo exposto, julgando-se procedente a exceção dilatória enunciada, decide-se indeferir liminarmente o requerimento inicial no presente procedimento.
Custas pelo Requerente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Nos termos do disposto no artigo 304.º, n.º 3, al. a), e 306.º, do Código de Processo Civil, fixa-se o valor do procedimento em € 9.600.00.
Notifique e registe.

Inconformado com o assim decidido, o requerente interpôs, em 24.10.2017, recurso de apelação relativamente à aludida decisão.

São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente:
i. Não existe fundamento para o Tribunal ter considerado que se verificou a excepção dilatória de caso julgado por 3 razões:
- Não houve materialmente uma sentença, houve uma desistência da instância;
- A transacção tem uma cláusula que permite ao A. intentar nova Providência cautelar após 1-09-2016.
- Sempre o poderia fazer conforme Jurisprudência anexa. (doc1)

ii.De facto, não houve uma sentença, mas sim uma transacção homologada.
iii.O texto da transacção é claro, pois consta da mesma, o requerido desiste da instância (CPC, art.º 286º, nº 1) e abstém-se de intentar nova providência cautelar até ao dia 1/9/16.
iv.Ora, se há uma desistência da instância, não há uma sentença material e não foi apreciado qualquer pedido.
v.Por outro lado, a interpretação da parte final da cláusula, implica à contrario senso que após 1-09-2016 o A pode intentar nova providência cautelar.
vi.Por outro lado, o arbitramento de reparação provisória, sendo provisória, pode perfeitamente ser alterada se se tiverem modificado os circunstancialismos que subjazem ao caso, o que é manifestamente o que aconteceu na presente situação e que as partes aliás previram, pois o A iria receber tratamentos por parte da R e eventualmente após 1-09-2016 poderia intentar nova providência.
vii.O agravante foi tratado e está pior, como decorre das alegações e dos documentos juntos datados todos de 2017……, ou seja todos após a primeira transacção de Maio de 2016.
viii.Ou seja, há uma situação “ex novo” e Ao decidir como decidiu a douta sentença violou, entre outros, os artigos 383º, 403º, 493º, 494º, 495º, 497º, 498º e nº 2 do artigo 671º, todos do Código de Processo Civil, bem como o acordo das partes e a transacção homologada por sentença, que previa a possibilidade de intentar nova providência cautelar após 1-09-2016.

Notificada, a requerida apresentou contra-alegações, em 23.11.2017, propugnando pela improcedência do recurso interposto e a confirmação do indeferimento liminar do requerimento inicial, e formulou as seguintes CONCLUSÕES:
i.- A excepção do caso julgado pressupõe a repetição de uma causa – já decidida por sentença transitada em julgado - que ocorre sempre que se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
ii.- Visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito.
iii.- O primeiro procedimento cautelar, de 25/02/16, foi composto por acordo das partes, sendo que a sentença homologatória do mesmo não conheceu do mérito ou substância da causa.
iv.- Não se trata verdadeiramente de excepção de caso julgado mas de excepção de transação, que tem o mesmo valor e eficácia que o caso julgado (STJ, 03/7/08: pº 08B1345.dgsi.net).
v.- Ou seja, importará igualmente o indeferimento liminar do requerimento inicial, como doutamente se julgou.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise da VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO QUANTO NO INDEFERIMENTO LIMINAR DO REQUERIMENTO INICIAL.

O que implica a análise:
i.- DA REPETIÇÃO DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA;
ii.-   A EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO E A EXCEPÇÃO DE TRANSACÇÃO.

III.–FUNDAMENTAÇÃO.

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Foi considerado na decisão recorrida com interesse para a apreciação liminar do processo, tendo por base os elementos documentais juntos ao processo, aos processos em apenso e, bem assim, o alegado pelo Requerente, o seguinte:

1.–Por apenso à ação declarativa, com processo comum, n.º 8008/16.8T8SNT desta Instância Central, que  ANTÓNIO  move contra COMPANHIA DE SEGUROS, S.A, todos melhor identificados nos autos, o Autor instaurou, em 25-02-2016 procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória contra a Ré, oportunamente autuado com o n.º 8008/16.8T8SNT-A pedindo: - lhe seja arbitrada uma renda mensal no valor do seu rendimento mensal, ou seja € 800,00; €4.000,00 de valores vencidos; - continuar a pagar provisoriamente todas as despesas médicas, medicamentosas, de enfermagem, reabilitação  e fisioterapia, próteses e outras ao sinistrado, podendo eventualmente ser tais serviços prestados pelos serviços clínicos da seguradora, em termos análogos aos de um acidente de trabalho, ou em alternativa; - a atualização destes valores tendo em conta a progressão de vencimentos do sinistrado e a taxa da subida do custo de vida, acrescidos dos correspondentes juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, até efetivo e integral pagamento do devido, bem como digna  procuradoria  e custas de parte nas quais o sinistrado venha a incorrer; a título de reparação provisória dos danos emergentes das lesões corporais sofridas em resultado do acidente de viação que descreve, ocorrido no dia 10-09-2015, cerca das 07h20, na IC 19, ao km 7 no sentido Sintra-Lisboa, no qual interveio o veículo com matrícula ...E-...2-...6, marca Ford, modelo Transit, segurado na COMPANHIA DE SEGUROS, S.A, apólice 202298123 e a viatura 8...-...1-...T, segurado na L. Seguros, apólice 7000170352.
2.–No procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória instaurado contra a Ré, oportunamente autuado com o n.º 8008/16.8T8SNT-A o Autor para justificar o pedido, alegou que, em resultado de lesão corporal causada pelo aludido sinistro e das respetivas sequelas, sofreu e sofre ainda de grandes sequelas e traumas decorrentes do acidente objeto destes autos, nomeadamente falta de força, imobilidade e impossibilidade de movimentos e dores, encontrando-se ainda incapacitado e com uma limitação funcional, que implica a ausência da atividade profissional e uma grande incerteza referente ao futuro. Queixa-se de sensação de formigueiros e adormecimento no braço esquerdo. Ainda não está curado, pois continua com dores, tendo incapacidade permanente sujeita a confirmação pelo Instituto de Medicina Legal. Está impossibilitado de trabalhar, necessitando para a sua vida do apoio de familiares e dos vizinhos como tudo melhor consta do requerimento inicial.
3.–No procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória instaurado contra a Ré, oportunamente autuado com o n.º 8008/16.8T8SNT-A foi proferida decisão em 14-03-2016, transitada em julgado, homologando o acordo alcançado entre o Requerente e a Requerida nos seguintes termos:
Dá-se por sem efeito a audiência de julgamento agendada nos autos.
Requerimento de 14.03.2016: Atenta a natureza e objeto da transação, bem como a qualidade das partes, homologo por sentença a transação que antecede, condenando as partes nos seus precisos termos.
Custas nos termos acordados.
Fixa-se à ação o valor de €9.600,00 (nove mil e seiscentos euros).
Registe e notifique.”.

4.– Consta do acordo homologado pela decisão referida em 3., além do mais, o seguinte:
ANTÓNIO e COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., respetivamente requerente e requerida nos autos de procedimento cautelar à margem identificados, vêm nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 290.º, do CPC, informar V. Exa. que pretendem transigir sobre o objeto da causa nos seguintes termos:
1.º- A requerida aceita pagar ao requerente, no prazo de 15 dias após a data da sentença homologatória do presente acordo, o valor de € 7.000.00 (sete mil euros) por conta da indemnização a definir a final.
2ª- O requerido desiste da instância (CPC, art.º 286º, nº 1) e abstém-se de intentar nova providência cautelar até ao dia 1/9/16.
3ª- O pagamento da importância mencionada no anterior art.º 1º será efetuado através de cheque em nome do requerente, a enviar diretamente para o escritório do seu mandatário, sito na Rua de S... J..., Nº... – ...º Esq., 1...-2... Lisboa.
4º- O requerente compromete-se, mediante acordo prévio com a requerida, a recorrer aos serviços médicos desta em tudo o que diga respeito ao acompanhamento das lesões resultantes do acidente objeto dos presentes autos.
5º- Requerente e requerida acordam que o valor da presente causa é de € 9.600,00, e não de € 15.001,00.
6º- As custas em dívida a juízo serão suportadas por requerente e requerida em partes iguais, prescindindo-se de procuradoria na parte disponível e custas de parte”.

5.– Por apenso à ação declarativa, com processo comum, n.º 8008/16.8T8SNT desta Instância Central, que  ANTÓNIO  move contra COMPANHIA DE SEGUROS, S.A, todos melhor identificados nos autos, vem o Autor, em 30-09-2017 instaurar o presente procedimento cautelar especificado de arbitramento de reparação provisória, n.º 8008/16.8T8SNT-B contra a Ré, pedindo: - lhe seja arbitrada uma renda mensal no valor do seu rendimento mensal, ou seja € 800,00; - continuar a pagar provisoriamente todas as despesas médicas, medicamentosas, de enfermagem, reabilitação e fisioterapia, próteses e outras ao sinistrado, podendo eventualmente ser tais serviços prestados pelos serviços clínicos da seguradora, em ternos análogos aos de um acidente de trabalho, ou em alternativa; - a atualização destes valores tendo em conta a progressão de vencimentos do sinistrado e a taxa da subida do custo de vida, acrescidos dos correspondentes juros de mora vincendos, calculados à taxa legal, até efetivo e integral pagamento do devido, bem como digna procuradoria e custas de parte nas quais o sinistrado venha a incorrer; a título de reparação provisória dos danos emergentes das lesões corporais sofridas em resultado do acidente de viação que descreve, ocorrido no dia 10-09-2015, cerca das 07h20, na IC 19, ao km 7 no sentido Sintra-Lisboa, no qual interveio o veículo com matrícula ...E-...2-...6, marca Ford, modelo Transit, segurado na COMPANHIA DE SEGUROS, S.A, apólice 202298123 e a viatura 8...-...1-...T, segurado na Logo Seguros, apólice 7000170352.

6.– Para justificar o pedido, alega que, em resultado de lesão corporal causada pelo aludido sinistro e das respetivas sequelas, sofreu e sofre ainda de grandes sequelas e traumas decorrentes do acidente objeto destes autos, nomeadamente falta de força, imobilidade e impossibilidade de movimentos e dores, encontrando-se ainda incapacitado e com uma limitação funcional, que implica a ausência da atividade profissional e uma grande incerteza referente ao futuro. Queixa-se de sensação de formigueiros e adormecimento no braço.
Ainda não está curado, pois continua com dores, tendo incapacidade permanente sujeita a confirmação pelo Instituto de Medicina Legal. Está impossibilitado de trabalhar, necessitando para a sua vida do apoio de familiares e dos vizinhos como tudo melhor consta do requerimento inicial.

B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

i.- DA REPETIÇÃO DA PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA

Decorre do artigo 388º do Código de Processo Civil que: Como dependência da ação de indemnização fundada em morte ou lesão corporal, podem os lesados, bem como os titulares do direito a que se refere o n.º 3 do artigo 495.º do Código Civil, requerer o arbitramento de quantia certa, sob a forma de renda mensal, como reparação provisória do dano (nº 1).

A providência deverá ser deferida, desde  que  se  verifique uma situação de necessidade em consequência dos danos sofridos e esteja indiciada a existência de obrigação de indemnizar a cargo do requerido (nº 2). A liquidação provisória será imputada na liquidação definitiva do dano e será fixada equitativamente pelo tribunal.

Esta é uma providência antecipatória que visa obviar a uma situação premente de carência (situação de necessidade), causada por facto fundador de responsabilidade civil, antecipando-se a satisfação do direito através da imposição provisória da realização de prestações integradoras da obrigação de indemnização (renda mensal).

Constituem, portanto, requisitos para o decretamento do arbitramento de reparação provisória, sob a forma de renda:
i)- indiciada a obrigação do requerido de indemnizar os danos sofridos pelo requerente;
ii)- a verificação de uma situação de necessidade;    
iii)-que essa situação de necessidade seja consequência dos danos sofridos.

O primeiro dos requisitos do arbitramento de reparação provisória consistente na probabilidade séria da existência do direito à indemnização invocado (fumus boni iuris), terá de se extrair, através de um juízo de verosimilhança, da factualidade alegada e demonstrada nos autos.

Acentua JOÃO CURA MARIANO, A Providência Cautelar de Reparação Provisória, 2ª ed., 81, a ideia que será este estado de carência que não permite que se aguarde pelo desfecho da acção declarativa e justifica a intervenção de emergência que elimine temporariamente aquela situação de necessidade premente.

Também para CÉLIA SOUSA PEREIRA, Arbitramento de Reparação Provisória, 81, as razões desta providência relacionam-se com a necessidade de assegurar aos interessados meios de subsistência básicos como forma de os proteger de uma situação de carência.

E, segundo ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, 125 e 135, este procedimento encontra fundamento em razões de justiça social ou de equidade que o direito não pode ignorar e, por sua vez, que se visaram aqui situações em que a morte ou lesões corporais são acompanhadas de uma redução dos ganhos que afecte seriamente a satisfação das necessidades básicas do lesado e dos que dele directamente dependem.

Estabelece o nº 4 do artigo 381º do CPC que não é admissível, na pendência da mesma causa, a repetição de providência que haja sido julgada injustificada ou tenha caducado.

Como pressupostos da proibição exige-se, assim, que a segunda providência tenha o mesmo conteúdo ou vise os mesmos objectivos da anterior e que esta tenha caducado ou sido julgada injustificada.

Refere MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., Lex, 1997, 245: “este preceito deve ser entendido com algum cuidado”. Só é proibida nova providência na hipótese da anterior ter sido julgada injustificada ou caducado.

Explicita, por outro lado, o n.º 1 do artigo 389º do CPC que ao processamento desta providência se aplica o disposto nos alimentos provisórios, o que significa que se coloca em confronto com a providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, o que se dispõe em relação aos alimentos provisórios. A providência cautelar prevista nos artigos 388º a 390º do CPC é subsidiária dos alimentos provisórios, destinando-se a suprir necessidades fundamentais, a tutelar eficazmente certos direitos de personalidade, pretendendo atenuar as consequências de lesões já produzidas pelo facto ilícito – cfr. artigo 384º, por força do artigo 389º n.º 1 do CPC e 2012º do CC.

E, quanto aos alimentos provisórios permite o artigo 386, nº 2 do CPC que estes possam ser alterados, de acordo, aliás, com o fixado no artigo 2012º do CC, mas «desde que as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem»

A decisão destes procedimentos pode, portanto, ser sempre alterada no futuro, daí a sua provisoriedade, impondo-se, no entanto, que haja alteração das circunstâncias que fundamentaram o anterior arbitramento provisório.

Segundo JOÃO CURA MARIANO, ob. cit., 28-29, não vigora aqui a força do caso julgado, sendo irrelevante se a decisão seja mesmo homologatória de transacção, explicitando que, contrariamente às restantes providência cautelares, se prevê especificadamente para estas duas providências - alimentos e reparação provisória - a possibilidade de modificação ou cessação por alteração superveniente das circunstâncias fácticas que as fundamentaram - artigos 386º n.º 2 e 389 n.º 1 do CPC e 2007 e 2012º do CC.

Mais refere que: «não se mostra dirimindo de forma definitiva o conflito que opõe as partes, mas limitando-se o tribunal a fixar medidas que acautelem a eficácia da futura resolução, não há qualquer razão para conferir a esta decisão a forma de caso julgado que consiste na sua imodificabilidade».

Também ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, ob. cit., 118, considera admissível a modificação da sentença ainda que transitada em julgado, constituindo uma solução excepcional, mesmo no campo dos procedimentos cautelares.

De igual modo se salienta, designadamente no do Ac. STJ, de 03.03.1998 (Pº 97B258), acessível em www.dgsi.pt, que: «A fixação de alimentos é sempre provisória, tanto os que se fixam no procedimento cautelar, como os que se determinam na acção e que terminando o procedimento cautelar para fixação de alimentos provisórios com a realização duma transacção judicial, havendo fundamento para isso o acordo homologado pode ser sempre alterado»

Igualmente se defendeu no Ac. TRP de 16.11.1999 (Pº 9921223) que: “Nada impede a instauração de novo procedimento cautelar de arbitramento de  reparação  provisória  desde  que,  esgotado  o  capital  a  que no procedimento anterior se tenha limitado a rendas, o requerente continue em situação de necessidade e a verificarem-se os restantes pressupostos legais do art. 403º do CPC”.

A viabilidade de ser instaurado novo procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória assenta na circunstância de poder ocorrer uma modificação superveniente das razões que sustentaram e presidiram à fixação da primeira decisão, nomeadamente, o aumento inesperado das despesas ou, inclusivamente, na mera demora, justificada ou não, do processo de que é dependente.

Assim, a provisoriedade das medidas tomadas na providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, determina que, havendo alteração das circunstâncias determinantes que presidiram à primeira decisão, possam ser novamente apreciadas pelo tribunal, cumprindo ao lesado a alegação e prova dos factos que apontam para a verificação concreta da modificação das circunstâncias justificativas da alteração da medida.

ii.- A EXCEPÇÃO DE CASO JULGADO E A EXCEPÇÃO DE TRANSACÇÃO.

Invoca-se, porém, na decisão recorrida, para justificar o indeferimento liminar da pretensão do requerente, a verificação da excepção dilatória de caso julgado, com relação à transacção homologada por sentença, transitada em julgado.

A excepção de caso julgado é um meio de defesa que consiste na alegação de que a mesma causa já foi objecto de outro processo e aí sentenciada por decisão de mérito já não é susceptível de impugnação pelos meios ordinários.

Como é sabido, o fundamento do caso julgado reside, não só, no prestígio dos tribunais, o qual seria comprometido em alto grau se mesma situação concreta uma vez definida por eles em dado sentido, pudesse depois ser validamente definida em sentido diferente, como também por uma razão de certeza ou segurança jurídica.

Para MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 306, “seria intolerável que cada um nem ao menos pudesse confiar nos direitos que uma sentença lhe reconheceu; que nem sequer a estes bens pudesse chamar seus, nesta base organizando os seus planos de vida; que tivesse constantemente que defendê-los em juízo contra reiteradas investidas da outra parte, e para mais com a possibilidade de nalgum dos novos processos eles lhe serem negados pela respectiva sentença”.

De acordo com o disposto no artigo 621º do CPC, a sentença constitui caso julgado nos precisos termos e limites em que julga. E, os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença: os sujeitos, o pedido e
a causa de pedir.

Por isso, a configuração da excepção de caso julgado é traçada, no artigo 581º do CPC, a partir da indicação e caracterização desses elementos como seus requisitos.

A repetição de uma causa ocorre quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir. Verifica-se identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Há identidade de pedido, quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. Ocorre identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico.

Não se suscitam dúvidas, no caso em apreço, quanto à verificação do requisito da identidade de sujeitos.

No que à identidade de pedido concerne, verifica-se que os factos jurídicos invocados em ambos os procedimentos cautelares são, essencialmente, os mesmos. Logo, também se poderia concluir pela identidade da causa de pedir.

Todavia, a excepção de caso julgado pressupõe que tendo uma causa sido decidida por sentença com trânsito em julgado, se propõe posteriormente uma mesma causa.

E, esse pressuposto não se verifica no caso em apreço, já que a sentença judicial que incidiu sobre a transacção judicial, imprescindível por força do disposto no artigo 290º, nº 3 do CPC, não conheceu do mérito ou substância da causa – a sua função é apenas a de fiscalizar a regularidade e validade do acordo.

Assim, e ao contrário do que foi decidido na decisão recorrida, inverificada se mostra a excepção de caso julgado, por força da sentença homologatória. Esta sentença homologatória de transacção proferida no anterior procedimento cautelar não decidiu da controvérsia substancial existente entre as partes, já que foram estas que puseram fim a tal lide, por acordo alcançado entre elas.

Segundo o disposto no artigo 1248º nº 1 do C.Civil, a transacção é o contrato pelo qual as partes previnem” (transacção preventiva ou extrajudicial) ou terminam (transacção judicial) um litígio mediante recíprocas concessões – v. ANTUNES VARELA, Das Obrigações, 6ª ed., Vol. I. 219.

Como esclarece ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. III, 499, “A excepção de caso julgado pressupõe que, tendo uma causa sido decidida por sentença com trânsito em julgado, posteriormente se propõe a mesma causa” (…) A lide não foi decidida por sentença anterior; foi composta por acordo das partes. É certo que sobre a transacção judicial há-de incidir sentença do tribunal, sem o que o acto das partes não produz efeito; mas a função dessa sentença não é decidir a controvérsia substancial, é unicamente fiscalizar a regularidade e validade do acordo. De maneira que a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença do juiz. Desde que o conflito em si não foi decidido por sentença, não tem cabimento a excepção de caso julgado(…).Em vez de opor a excepção do caso julgado o que o Réu deve opor é a excepção de transacção”.

No caso em análise, no anterior procedimento cautelar foi realizada uma transacção judicial entre as mesmas partes agora intervenientes neste procedimento cautelar, homologada por sentença, transitada em julgado.

Poderá, então, considerar-se que haveria uma situação de excepção de transacção e não uma verdadeira excepção de caso julgado, a qual se configuraria nos seguintes termos: A questão ou causa, objecto do procedimento cautelar, foi arrumada e resolvida pela transacção entre as partes obtida no anterior procedimento e, teria entre elas, o valor de caso julgado, o que impedia o tribunal de conhecer do mérito do novo procedimento agora intentado.

É, porém, entendimento sedimentado na jurisprudência que a sentença proferida num processo judicial, ainda que se trate de uma sentença homologatória que corporiza uma transacção, enquanto acto de vontade das partes,  constitui um verdadeiro acto jurídico, a que se aplicam as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos, de tal modo que as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são igualmente válidas para a sua interpretação – v. neste sentido e a título meramente exemplificativo Ac. STJ de 20.03.2014 (Pº 392/10.3TBBRG.G1.S1) e demais jurisprudência aí enumerada.

Refere MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 1980, 421, que: “O nº1 do art. 236º do CC representa a consagração da chamada «teoria da impressão  do declaratário», teoria que entende que a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário medianamente sagaz, diligente e prudente, a interpretaria, colocado na posição concreta do declaratário”.

E, mais à frente, salienta que:A prevalência do sentido correspondente à impressão do destinatário tem a limitação inserta no nº1, in fine, do art. – para que tal sentido possa relevar torna-se necessário que seja possível a sua imputação ao declarante, i.e., que este pudesse razoavelmente contar com ele. No caso previsto no nº2 do art. (conhecimento da vontade real), a vontade real, podendo não coincidir com o sentido objectivo normal, correspondeu à impressão real do destinatário concreto, seja qual for a causa da descoberta da real intenção do declarante, há o limite do art. 238º, nº2” – ob. cit., 447.

Considerando que o Código Civil não se pronuncia sobre o problema de saber quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação, há que operar com a hipótese de um declaratário normal: serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta.

Como defendeu VAZ SERRA, RLJ, Ano 110º, 351, “…O declaratário não pode interpretar, sem mais, a declaração pelo seu sentido literal, devendo ter em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou reconhecíveis por um declaratário normal colocado na sua posição que possam esclarecê-lo sobre o que o declarante pretendeu significar. O declaratário deve procurar determinar o que o declarante quis significar com ela; nessa indagação não é obrigado a toda e qualquer diligência, mas à que teria um declaratário normal, colocado na posição concreta em que ele real declaratário se encontra, devendo ter, assim, em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis por um declaratário normal”.

Sobre a teoria da impressão do declaratário razoável, consagrada no citado artigo 236º, nº1, do CC, esclarece JOÃO CALVÃO DA SILVA,  Estudos  de  Direito  Comercial,  1996,  102 e segs e  217 que: “O alcance decisivo da declaração será aquele que em abstracto lhe atribuiria um declaratário razoável, medianamente inteligente, diligente e sagaz, colocado na posição concreta do declaratário real, em face das circunstâncias que este efectivamente conheceu e das outras que podia ter conhecido, maxime dos termos da declaração, dos interesses em jogo e seu mais razoável tratamento, da finalidade prosseguida pelo declarante, das circunstâncias concomitantes, dos usos da prática e da lei”.

Ora, analisando os termos da transacção homologada por sentença, proferida no anterior procedimento cautelar, há que concluir que a mesma não pretendeu dar cabal resposta ao litígio aqui em causa.

Por um lado, nos próprios termos da transacção se prevê a possibilidade de ser intentado novo procedimento cautelar idêntico, após determinada data expressamente fixada no acordo (01.09.2016), o que significa que as partes admitiram que a quantia adiantada pela requerida seria suficiente a adequada até essa data, podendo ser admissível e até altamente provável que, ultrapassada tal data e atenta a demora na solução definitiva a desencadear na acção principal, se mantivesse real a situação de necessidade, em consequência dos danos sofridos pelo requerente e a necessitar de ser apreciada a factualidade alegada, no sentido de ser determinada a procedência ou improcedência da pretensão do requerente.

De resto, todos os documentos que acompanham o requerimento inicial se reportam a datas posteriores à homologada transacção.

 E, assim sendo, a apelação não poderá deixar de improceder, revogando-se a decisão recorrida, a qual se substitui por outra em que se determina a prossecução dos ulteriores termos do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória.

A apelada será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo.


IV.–DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso, revogando-se a decisão recorrida, a qual se substitui por outra em que se determina a prossecução dos ulteriores termos do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória.

Condena-se a apelada no pagamento das custas respectivas.



Lisboa, 11 de Janeiro de 2018

Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Martins
Arlindo Crua