Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
DIVÓRCIO
COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
BENS COMUNS
CERTIFICADOS DE AFORRO
RESPONSABILIDADE CIVIL DO CÔNJUGE ADMINISTRADOR
Sumário
“I - Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retroagem, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, pelo menos, à data da propositura da ação (artigo 1789.°, n.º 1 do Código Civil).
II - Tendo o casamento sido celebrado sob o regime (supletivo) da comunhão de adquiridos, os certificados de aforro devem considerar-se bens comuns, ao abrigo do disposto no art.º 1724.º, al. b), do Código Civil, quando o cônjuge que se arroga a titularidade do direito neles previsto não lograr demonstrar que foram subscritos com dinheiro ou valores próprios dele.
III - Se, na constância do casamento (quando se encontravam já separados de facto) e antes de intentada a ação de divórcio, um dos cônjuges tiver procedido ao resgate dos certificados de aforro, o outro ex-cônjuge, sentindo-se prejudicado com o referido ato, pode reagir, através da propositura da correspondente ação de indemnização, por perdas e danos, desde que se mostrem preenchidos os pressupostos legais enunciados pelo artigo 1681º, n.º 1, parte final, do CC.
IV - A responsabilidade civil do cônjuge administrador perante o outro cônjuge é excecional (afastando-se a mera culpa e as simples omissões), pressupondo que a conduta do cônjuge administrador seja dolosa (direto, necessário ou mesmo eventual), cuja alegação e prova incumbe ao cônjuge lesado, nos termos do n.º 1 do artigo 487.º do Código Civil.”
Texto Integral
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
I. Relatório
José, NIF …, residente em Vizela, intentou, no Juízo Local Cível de Guimarães – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Maria, NIF …, residente em Vizela, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 26.983,34, acrescida de juros de mora, até integral e efetivo pagamento.
Para tanto, alegou, em síntese, que é o valor de ½ das poupanças resgatadas pela Ré, sem consentimento do Autor, depois de cessada a convivência do casal e antes de entrada da ação de divórcio, e que eram bens comuns do casal.
*
Contestou a Ré, nos termos constantes de fls. 68 a 74, pugnando pela total improcedência da ação.
Em abono da sua defesa alegou, em síntese, que algumas dessas quantias eram dos seus filhos e herança por morte de seus pais e que o dinheiro foi gasto com o agregado familiar, em despesas com os dois filhos do casal.
*
Realizou-se audiência prévia, na qual, após a frustração da tentativa de conciliação, foi elaborado despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância; procedeu-se à identificação do objecto do litígio, foram admitidos os meios de prova e designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento (cfr. fls. 89).
*
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento (cfr. acta de fls. 119 a 121).
*
Posteriormente, a Mmª. Julgadora a quo proferiu sentença, datada de 14/07/2017, (cfr. fls. 122 a 130), nos termos da qual decidiu julgar «a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência», absolveu a Ré do peticionado.
*
Inconformado, o autor José interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 132 a 142) e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem (1)):
1/ No ponto 2 da sentença, o tribunal a quo errou ao dar como provado que "A Ré, por sua iniciativa, rentabilizou parte das suas poupanças através da subscrição de certificados de aforro junto dos Correios - Balcão de Vizela, conta aforro n." ...0." 2/ Na verdade, o capital investido era resultante por poupanças do casal, acumuladas durante o matrimónio e fruto do trabalho e rendimento de ambos. 3/ É também falsa a alegação de que estas poupanças resultavam, quase exclusivamente, do seu trabalho, quer como assistente operacional na Escola Secundária X, quer como funcionária nos armazéns do recorrente. 4/ A recorrente auferia, como assistente operacional, cerca de € 600,00 mensais (vide faixa 20170628160816_5391110_2870583 - minuto 07:15). 5/ Por sua vez, o recorrente auferia mensalmente € 1.000,00 líquidos, quantia à qual acresciam os lucros gerados pelas empresas que detinha e que eram, regularmente, divididos entre os sócios (vide faixas 20170628151550 5391110 2870583 minuto 06:58 e 20170628151550_5391110_2870583 - minuto 07:35). 6/ Ao contrário do que alegou, a recorrida colaborava poucas horas no armazém do recorrente, e fazia-o esporadicamente nos seus tempos livres, pelo que nunca poderia auferir um salário, e muito menos semelhante ao deste último. 7/ Esta factualidade foi confirmada pela irmã da recorrida (testemunha por esta arrolada), que afirmou o seguinte: "quando o Zé [recorrente] tinha o armazém, ela ajudava o Zé no armazém ... fins-de-semana, quando saía das aulas ... quando saía da escola ia para lá" (faixa 20170628153749_5391110_2870583 - minuto 02:50). 8/ Que afirmou ainda que a recorrida não recebia nada pelo que fazia no armazém (faixa 20170628153749_5391110_2870583 - minuto 15:00). 9/ Quanto a este ponto, refira-se ainda que a recorrida mentiu ao tribunal, quando afirmou que: "trabalhava no armazém, trabalhava na escola à noite, mudei o meu horário, pedi na escola para mudar o meu horário para a noite para poder trabalhar no armazém ... " (faixa 20170628160816_5391110_2870583 - minuto 01:56). 10/ Tendo em conta as declarações da sua irmã, se a recorrida trabalhava na escola no turno da noite, era-lhe impossível trabalhar no armazém depois de sair deste emprego, porquanto este se encontrava fechado, como é normal nesse tipo de atividade. 11/ Por aqui se percebe que a atuação da recorrida preenche os requisitos para ser condenada por litigância de má-fé, ao contrário do que julgou o tribunal a quo. 12/ Como tal, ficou provado que o dinheiro aplicado na subscrição de certificados de aforro resultou de poupanças acumuladas pelas partes na constância do matrimónio, pelo que o ponto 2 da sentença deve ser julgado como não provado. 13/ De seguida, no ponto 7 da sentença, o tribunal dá como provado que "Às suas poupanças juntou a Ré o dinheiro amealhado pelos seus filhos Filipe e Sofia desde a infância, tendo ainda recebido € 5.000,00, por conta de herança dos pais". 14/ No que diz respeito ao dinheiro amealhado pelos filhos, a sua menção não faz qualquer sentido, uma vez que não fazem parte do objeto do processo. 15/ Até porque esses certificados de aforro já foram objeto de divisão, facto confirmado pela recorrida (vide faixa 20170628160816_5391110_2870583 - 10:30). 16/ Por outro lado, também nenhuma prova foi feita relativamente aos € 5.000,00 recebidos pela recorrida a título de herança dos pais, designadamente, quando se e quando foi recebida esta quantia. 17/ E ainda que o recebimento desta herança tivesse sido provado, circunstância que apenas por mera hipótese de raciocínio se concebe (mas não concede), estaríamos, em todo o caso, a falar de apenas € 5.000,00, num montante global de certificados de aforro que ultrapassa os € 50.000,00. 18/ Por tudo isto, também o ponto 7 da sentença terá de ser julgado como não provado. 19/ Temos, ainda, o ponto 8 da sentença, no qual o tribunal a quo deu como provado que "A Ré levantou as poupanças para fazer face às despesas, para alimentação, tratamentos médicos, estudos, vestuário e viagens, próprias e dos filhos, tendo adquirido um veículo para as deslocações." 20/ Convém esclarecer, desde já, que a recorrida não apresentou qualquer prova (em particular, documental - faturas ou recibos) relativa a estas despesas, tendo o tribunal a quo formado a sua convicção com base, apenas, nas declarações da mesma, as quais, como vimos nas nossas considerações relativas ao ponto 2 da sentença, não têm qualquer credibilidade. 21/ Em relação ao veículo que diz ter adquirido, a verdade é que não apresenta o registo de propriedade do mesmo. 22/ Como tal, por se tratar de um bem sujeito a registo, a prova da sua aquisição só pode ser feita através de prova documental. 23/ Além disso, à data da separação de facto do casal, o filho mais velho do casal já trabalhava (vide declarações das testemunhas António e Albina, faixas 20170628151550_5391110_2870583 - minuto 11:30 e 20170628153749_5391110_2870583 - minuto 17:50). 24/ Como tal, a recorrida não tinha despesas com o sustento do filho, uma vez que este já tinha rendimentos que lhe permitiam suportar as suas despesas normais. 25/ Além disso, a maioria dos certificados de aforro reclamados (vide ponto 6 da sentença) foram resgatados no espaço de pouco mais de um ano (entre 08/05/2006 e 10/01/2007), ou seja, recorrida resgatou mais de € 45.000,00 no primeiro ano de separação de facto do casal. 26/ Ora, é pouco verosímil que a recorrida precisasse de tanto dinheiro (ao qual acrescia o seu salário mensal) em tão pouco tempo, a não ser que passasse a gozar de um estilo de vida muitíssimo superior ao que tinha durante o matrimónio ... 27/ Sendo também difícil de perceber como conseguiu manter o mesmo nível de vida até ao decretamento do divórcio, uma vez que a partir de 2007, deixou de proceder ao resgate de certificados, passando a viver apenas com o seu salário mensal. .. 28/ Caso o dinheiro investido em certificados tivesse sido utilizado para suprir as despesas normais da recorrida e da filha, isto é, a recorrida levantaria um certificado de cada vez, conforme fosse necessitando de dinheiro para as despesas familiares. 29/ O que aconteceu foram são resgaste de mais do que um certificado de cada vez (ou seja, avultadas quantias de dinheiro), num espaço de tempo muito reduzido, facto demonstrador de que o dinheiro foi sendo desviado para fins não relacionados com as despesas familiares da recorrida. 30/ Sem prescindir do supra alegado, sempre se dirá que as despesas invocadas pela recorrida não podem ser objeto de compensação nos presentes autos, porquanto, a existirem, deviam ter sido reclamadas no apenso ao processo de divórcio onde se discutiu a regulação das responsabilidades parentais. 31/ Mas levanta-se, ainda, a seguinte questão: se a recorrida tinha dificuldades no sustento da filha por que razão só em 2009 reclamou uma pensão de alimentos ao recorrente? 32/ Se em 2006 já passava dificuldades, podia ter dado início ao processo de divórcio o mais rapidamente possível, tomando desnecessário o recurso às poupanças familiares. 33/ Apenas não o fez porque precisava de tempo para, de forma calma e matreira desviar do património comum a meação que cabia ao autor, escondendo-a e apropriando-se, ilegitimamente, daquilo que não lhe pertencia. 34/ Em função de tudo isto, não podem Vossas Excelências dar como provada a factualidade descrita no ponto 8 da sentença. 35/ O tribunal a quo entendeu que "não resultou provado que a Ré, com os levantamentos, pretendeu prejudicar a meação [do recorrente], subtraindo valor ao património comum". 36/ No entanto, de toda a prova existente nos autos ressalta uma evidência que o tribunal a quo ignorou: a recorrida não provou nenhuma da factualidade (relevante) descrita na sua contestação, ao contrário do recorrente que provou todos os factos que fundamentavam o seu pedido. 37/ Apesar da intenção da recorrida ter pouca relevância para o caso, não tendo esta provado que gastou as ditas poupanças para ocorrer aos encargos normais do agregado familiar, toma-se óbvio que esta pretendeu subtrair bens ao património comum. 38/ Pois ao fazê-lo tinha perfeita noção de que estava a prejudicar a meação do recorrente, facto que não a impediu de levantar as quantias reclamadas, pelo que não restam dúvidas que a recorrida quis prejudicar a meação do recorrente. 39/ Assim sendo, devem Vossas Excelências dar como provado que a recorrida pretendeu prejudicar a meação do recorrente, subtraindo valor ao património comum. 40/ Por fim, considerámos que o tribunal a quo não fez uma correta aplicação do direito ao caso concreto, em resultado de uma errónea avaliação da prova carreada para os autos. 41/ Ao longo do processo provou-se que, de facto, os certificados subscritos pela recorrida pertenciam ao casal, por terem sido subscritos com recurso aos rendimentos comuns do mesmo. 42/ Provou-se que as reclamadas quantias foram desviadas pela recorrida do património comum, mas que o fim a que foram destinadas não foi o sustento da própria ou da filha menor do casal. 43/ Provou-se também que a recorrida, de forma intencional e ilegítima, subtraiu ao património comum os certificados de aforro em discussão no processo, fazendo-o para, dolosamente, prejudicar o recorrente. 44/ Assim, nos termos do art. 1681.° n." 1 (parte final), a recorrida tem de responder pelos atos intencional praticados em prejuízo do recorrente, pelo que deve ser condenada a pagar ao recorrente a quantia de € 26.983,34 (meação do autor nos certificados de aforro descritos no ponto 6 da sentença). 45/ Em função do supra alegado, devem Vossas Excelências revogar a decisão da 1ª instância e, consequentemente, condenar a recorrida a pagar ao recorrente a quantia de € 26.983,34.
Nestes termos, e nos demais de direito que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, deve o presente recurso merecer provimento, revogando-se a decisão recorrida e, consequentemente, condenando-se a recorrida no pagamento ao recorrente a quantia de € 26.983,34.
*
Contra-alegou a Ré, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida (cfr. fls. 144 a 149).
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cfr. fls.152).
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.
Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal, por ordem lógica da sua apreciação, consistem em saber:
1.ª – Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto. 2.ª – Se o resgate dos certificados de aforro que constituíam poupanças do casal unilateralmente efetuado pela recorrida, na constância do casamento e antes de intentada a acção de divórcio, a faz incorrer na obrigação de indemnizar o recorrente, por perdas e danos, nos termos do disposto no art. 1681.º, n.º 1, parte final, do Código Civil (doravante, abreviadamente, designado por CC).
*
III. Fundamentos A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. Autor e Ré contraíram matrimónio em 06/09/1987, sob o regime da comunhão de adquiridos, dissolvido por sentença de 5 de março de 2009. 2. A Ré, por sua iniciativa, rentabilizou parte das suas poupanças através da subscrição de certificados de aforro junto dos Correios – Balcão de Vizela, conta aforro n.º ...0. 3. A Ré depositou os certificados de aforro na identificada conta aforro com os seguintes números e valores:
- certificado n.º 49648730, subscrito a 12/04/1994, no valor de € 294,40;
- certificado n.º 93772688, subscrito a 05/01/2000, no valor de € 4.987,98;
- certificado n.º 96117303, subscrito a 16/05/2000, no valor de € 997,60;
- certificado n.º 96117311, subscrito a 16/05/2000, no valor de € 498,90;
- certificado n.º 104065559, subscrito a 19/06/2001, no valor de € 4.987,98;
- certificado n.º 104696508, subscrito a 23/07/2001, no valor de € 4.987,98;
- certificado n.º 201310575, subscrito a 09/11/2004, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 201220378, subscrito a 03/08/2004, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 201157635, subscrito a 19/05/2004, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 200996442, subscrito a 09/12/2003, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 200941962, subscrito a 10/10/2003, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 200832361, subscrito a 08/07/2003, no valor de € 301,77;
- certificado n.º 200832346, subscrito a 08/07/2003, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 200806335, subscrito a 11/06/2003, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 200648051, subscrito a 16/01/2003, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 200446018, subscrito a 22/08/2002, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 200060661, subscrito a 11/12/2001, no valor de € 4.987,98. 4. Pelo menos desde 2006, o A. abandonou definitivamente a casa de morada de família. 5. Após o divórcio, no inventário judicial, procedeu-se à partilha dos certificados que não chegaram a ser resgatados - n.ºs 49648730, 96117303, 96117311 e 200832361 nos valores de subscrição de, respetivamente, € 294,40, € 997,60, € 498,80 e € 301,77 – e dos que foram resgatados em 16/02/2009, i.é, em data posterior à propositura da ação de divórcio – certificados n.ºs 93772688, 104696508 e 200446018. 6. Os restantes foram resgatados antes da propositura da ação de divórcio, pela Ré, sem o conhecimento do Autor:
- O certificado n.º 104065559 foi resgatado a 05/07/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.755,68;
- O certificado n.º 201310575 foi resgatado a 08/05/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.108,90;
- O certificado n.º 201220378 foi resgatado a 08/05/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.166.02;
- O certificado n.º 201157635 foi resgatado a 08/05/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.160,53;
- O certificado n.º 200996442 foi resgatado a 10/01/2007, ascendendo o valor de resgate a € 5.340,40;
- O certificado n.º 200941962 foi resgatado a 13/10/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.336,45;
- O certificado n.º 200832346 foi resgatado a 13/10/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.371,98;
- O certificado n.º 200806335 foi resgatado a 05/07/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.326,00;
- O certificado n.º 200648051 foi resgatado a 11/10/2007, ascendendo o valor de resgate a € 5.677,32;
- O certificado n.º 200060661 foi resgatado a 13/12/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.723,40. 7. Às suas poupanças juntou a Ré o dinheiro amealhado pelos seus filhos Filipe e Sofia desde a infância, tendo ainda recebido 5.000,00 €, por conta da herança dos pais. 8. A Ré levantou as poupanças para fazer face às despesas, para alimentação, tratamentos médicos, estudos, vestuário e viagens, próprias e dos filhos, tendo adquirido um veículo para as deslocações.
*
E deu como não provados:
Com interesse para a boa decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos acima não descritos ou com estes em contradição, com exclusão sobre considerações jurídicas, conclusões ou juízos de valor e factos não essenciais à decisão da causa.
Designadamente não resultou provado que a Ré, com os levantamentos, pretendeu prejudicar a meação, subtraindo o valor ao património comum.
*
IV. Do objecto do(s) recurso(s)
1. Delimitadas, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de apreciar cada uma delas.
1.1. Da impugnação da matéria de facto.
Em sede de recurso, vem a apelante impugnar a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».
Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que o recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada (da modificação dos factos provados para não provados e destes para provados), como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que faz assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o ónus estabelecido no citado artigo 640.º.
Assim, no caso sub júdice, o presente Tribunal pode proceder à reapreciação da matéria de facto impugnada, uma vez que, tendo sido gravada a prova produzida em audiência, dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre o(s) facto(s) em causa.
*
1.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o artigo 662.º, n.º 1 do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:
a) - só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
b) - sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
c) - e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
Nas palavras de Abrantes Geraldes (2) “(…) quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência”. O mesmo é dizer, recorrendo ao mesmo autor (cfr. obra citada., p. 285), que a “Relação poderá e deverá modificar a decisão da matéria de facto se e quando puder extrair dos meios de prova, com ponderação de todas as circunstâncias e sem ocultar também a livre apreciação da prova, um resultado diferente que seja racionalmente sustentado”. Contudo, como também sublinha o mencionado autor, ob. cit., p. 287, “(…) a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662.º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter”.
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição (3) –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efetivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem, pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova (art. 607.º, n.º 5 do CPC) (4) (5).
O princípio da prova livre (por contraposição à prova legal: prova por documentos, por confissão e por presunções judiciais) vigora no domínio da prova pericial (art. 389º do CC e art. 489º do CPC), nalguns casos da prova documental (arts. 366º, 371º, n.º 1, in fine, e n.º 2, e 376º, n.º 3 do CC), da prova por inspeção (art. 391º do CC), da prova por testemunhas (art. 396º do CC), da prova por declarações de parte, salvo se as mesmas constituem confissão (art. 466º, n.º 3 do CPC) e da prova por verificações não judiciais qualificadas (art. 494º, n.º 2 do CPC), sendo a prova apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais, sem embargo, naturalmente, do dever de as analisar criticamente e especificar os fundamentos decisivos para a convicção formulada (art. 607°, n° 4, do CPC).
Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição.
Deste modo, sendo chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o Tribunal da Relação considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo (6).
Todavia, como se tem entendido, a reapreciação, com base em meios de prova com força probatória não vinculativa, da decisão da 1.ª instância quanto à matéria de facto deverá ser feita com o cuidado e ponderação necessárias, face aos princípios da oralidade, imediação e livre apreciação da prova, sendo inúmeros os fatores relevantes na apreciação da credibilidade de um depoimento que só são apreensíveis pelo julgador mediante o contacto direto com os depoentes na audiência.
Na reapreciação da matéria de facto, ao tribunal de recurso caberá, sem esquecer tais limitações, analisar o processo de formação da convicção do julgador, apreciando, com base na prova produzida e demais elementos de prova constantes dos autos, se as respostas dadas apresentam erro evidenciável e/ou se têm suporte razoável nas provas e nas regras da lógica, experiência e conhecimentos comuns, não bastando para eventual alteração diferente convicção ou avaliação do recorrente quanto à prova testemunhal produzida.
Se a decisão factual do tribunal se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com beneficio da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum (7).
Dito por outras palavras, mantendo-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes/deveres de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.
Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância (8).
Em suma, exige-se, portanto, que a Relação forme a sua convicção sobre a prova proveniente da 1ª instância; depois, a Relação deve confrontar a sua convicção com a convicção formada pela 1ª instância; por fim, a Relação deve tomar a decisão que resultar desse confronto: confirmar a decisão de 1ª instância, se a sua convicção coincidir com a do juiz a quo, ou revogar e substituir a decisão recorrida, se (e na medida em que) a sua convicção divergir da convicção da 1ª instância (9).
*
1.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que o recorrente pretende:
i) - A alteração da resposta positiva para negativa dos pontos 2, 7 e 8 da matéria de facto provada da decisão recorrida.
ii) - A alteração da resposta negativa para positiva do ponto de facto no qual se deu como não provado que a Ré, com os levantamentos, pretendeu prejudicar a meação, subtraindo o valor ao património comum.
Os referidos pontos fácticos objecto de impugnação têm o seguinte teor:
«2. A Ré, por sua iniciativa, rentabilizou parte das suas poupanças através da subscrição de certificados de aforro junto dos Correios – Balcão de Vizela, conta aforro n.º ...0.»
«7. Às suas poupanças juntou a Ré o dinheiro amealhado pelos seus filhos Filipe e Sofia desde a infância, tendo ainda recebido 5.000,00 €, por conta da herança dos pais. 8. A Ré levantou as poupanças para fazer face às despesas, para alimentação, tratamentos médicos, estudos, vestuário e viagens, próprias e dos filhos, tendo adquirido um veículo para as deslocações.»
a. A Ré, com os levantamentos, pretendeu prejudicar a meação, subtraindo o valor ao património comum.
No dizer da recorrente, essa materialidade fáctica merece ser alterada pela conjugação da prova documental junta aos autos, bem como dos depoimentos das testemunhas António, Albina e das declaração de parte da recorrida, que não foram devidamente valorados pelo Tribunal recorrido, o que levou à prolação de uma decisão errada e «violadora das mais elementares regras de prudência e certeza em matéria de aplicação do direito e administração da justiça».
Há, assim, que verificar se a discussão probatória fundamentadora da decisão corresponde à prova realmente obtida.
Na sentença recorrida, a Mm.ª juiz a quo consignou a seguinte motivação (10):
«(…). Os factos supra descritos em 2 e 3, 5 e 6 resultam admitidos em sede de contestação apresentada, e atendendo aos documentos juntos, relativos aos certificados de aforro e o facto 1 resulta das certidões de casamento e sentença de divórcio (fls. 54). A testemunha JB, que trabalhava nos Correios, confirmou a existência de certificados de aforro, títulos ao portador em nome da Ré, que só esta podia levantar, e que o Autor se deslocou à estação a perguntar pelos mesmos, não lhe tendo sido dada na altura informação por não ser o titular. O Autor, em declarações de parte, confirmou que não sabia que a mulher tinha colocado o dinheiro nos certificados e que não os pôde levantar. Acrescentou que o salário que ganhava, ia dando à esposa, para gestão familiar, até à separação em 2006. A testemunha António, irmão e sócio do Autor, tirando o que lhe veio ao conhecimento por desabafos do Autor (e assumindo as suas dores), confirmou que este levava para casa 200 contos por mês, do que precisava depois, tirava-o da empresa. Quando se separaram foi “pressionado a dar alimentos”, significando com isto que teve que ser intentada uma ação, tendo sido obrigado pelo tribunal, tendo sido mesmo o seu veículo apreendido, mas que não passaram dificuldades: teriam a mãe e o sobrinho já trabalharia na altura. A irmã da Ré, Albina, confirmou que na altura da separação, a irmã ficou sozinha, com os filhos, dependendo apenas do rendimento do seu trabalho e das poupanças que tinha, continuando a dar aos filhos a vida que tinham. Na altura a irmã comprou um veículo por necessidade, por terem ficado sem transporte. Relativamente às quantias lá colocadas, o seu conhecimento depende do que lhe foi dito pela irmã, tendo referido que esta lhe disse que tinha as poupanças dos filhos e ainda os 5.000 € que entregou à irmã da parte da herança dos pais. A Ré, em declarações de parte, confirmou que se separou em 2006 e que a parte dos filhos estaria ainda em certificados aquando do divórcio, tendo dado metade ao Autor. Relativamente aos restantes, confirma que era intenção poupar para adquirir um apartamento e que os foi gastando, por ter ficado com os dois filhos, de 12 e 16 anos, e as despesas da casa, sem rendimento do marido, esclarecendo que estavam habituados a um nível de vida bom; acrescentou que comprou um veículo, porque na altura o Autor ficou com o veículo utilizado pela família. Não sendo impugnados de qualquer forma, estes factos deram-se como provados, não resultando qualquer intenção direta de prejudicar o Autor, percebendo-se que a Ré tinha intenção principal de não se prejudicar, nem aos seus filhos, face ao abandono do lar pelo Autor. Os restantes factos provados resultaram de não ter sido produzida qualquer prova em audiência sobre os mesmos».
*
1.3.1. Feita a descrição (por reprodução) da motivação da decisão da matéria de facto explicitada pelo Tribunal recorrido, cumpre analisar das razões de discordância invocadas pelo apelante e se as mesmas se apresentam de molde a alterar a facticidade impugnada, nos termos por si invocados.
Antes, porém, de iniciarmos essa análise cumpre assinalar que, com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à audição integral da gravação dos depoimentos considerados na decisão da matéria impugnada, não nos tendo restringido aos trechos parcelares assinalados pelo apelante.
Para além disso, foram analisados os documentos referenciados. <Ponto 2 dos factos provados ("A Ré, por sua iniciativa, rentabilizou parte das suas poupanças através da subscrição de certificados de aforro junto dos Correios - Balcão de Vizela, conta aforro n." ...0.")
Tendo procedido à audição dos depoimentos das testemunhas António e Albina e das declarações de parte da recorrida e do recorrente, o que se nos oferece dizer é que a resposta dada não poderá manter-se.
A dita resposta pressupõe que a subscrição de certificados de aforro foi feita com exclusivo dinheiro que constituía as poupanças da recorrida, afigurando-se-nos que, da prova produzida e segundo as regras de experiência comum e citérios de normalidade, resulta antes que essa subscrição foi feita com base nas poupanças do então casal constituído pelo recorrente e ela recorrida.
Sendo inequívoco que a escolha da rentabilização das poupanças foi da iniciativa da recorrida, os meios probatórios produzidos apontam inegavelmente no sentido de que a recorrida não detinha capacidade patrimonial suficiente para efetuar a dita rentabilização de poupanças com proventos unicamente seus.
Da prova produzida não oferece dúvidas que a recorrida exercia a actividade profissional de assistente operacional (o mesmo é dizer de auxiliar da acção educativa), na Escola Secundária X, auferindo, à data da separação de facto, em 2006, o vencimento mensal de cerca de 550,00€ (sendo este o montante do vencimento expressamente reconhecido pela recorrida no art. 10º do articulado da contestação, não obstante em sede de audiência de julgamento a recorrida, em sede declarações de parte, ter referido que auferia um vencimento na ordem de 600,00€, cuja diferença, diga-se, é no caso mínima).
Dúvidas já temos, porém, quanto ao facto de se poder dar como provado que a recorrida era beneficiária de um vencimento mensal certo ou que retirava outros proventos, com carácter regular e periódico, da empresa têxtil que explorava com o então marido, ora recorrente.
Com efeito, do depoimento da testemunha António, irmão do recorrente e ex-cunhado da recorrida – não obstante a parcialidade por si revelada na prestação do seu depoimento, denotando um forte ressentimento em relação à recorrida, culpabilizando-a por esta ter sido determinante na cessação da exploração têxtil que a testemunha o recorrente mantinham conjuntamente e permitindo-se inclusivamente o direito de tecer considerações, sem qualquer relevância para a discussão da causa e não confirmadas, sobre a idoneidade da recorrida como progenitora (“ele [o filho dos litigantes] não tem mãe”, “a mãe só vê cifrões”, “não importa que a praia faça bem ao filho” “a mãe nunca se importou com o problema do filho”) –, decorre que este e o recorrente exploraram conjuntamente uma têxtil, desde 2000 a cerca de 2004, a qual laborou inicialmente numa cave situada por baixo da casa onde estava instalada a casa de morada de família do recorrente e da recorrida, exploração essa que foi ulteriormente transferida para outro armazém (situado próximo das Bombeiros).
Do depoimento da indicada testemunha retira-se que a recorrida não tinha qualquer intervenção nessa exploração têxtil, embora admitindo que tenha prestado ajuda na sua montagem, mas rejeitando que aquela retirasse proventos dessa actividade.
Segundo referiu, a testemunha e o recorrente retiravam cada um deles mensalmente 200 contos líquidos (cerca de 1000€/líquidos), rejeitando que fosse pago qualquer montante à recorrida.
Por sua vez, a testemunha Albina, irmã da recorrida, referiu que, quando o casal explorava a têxtil, a recorrida ajudava o recorrente na exploração têxtil aos fins de semana e quando saía da actividade profissional que tinha na escola, auxiliando no embalamento e colocação de etiquetas. Numa fase inicial a recorrida terá estado afecta ao controlo e existências, que deixou de fazer por imposição do recorrente.
No seu dizer, o casal constituído pela sua irmã e pelo recorrente levavam uma vida muito boa, estando os filhos habituados a certas mordomias.
Mais declarou que a subscrição dos certificados de aforro, pela sua irmã, foi feita com dinheiro das prendas dos filhos, afirmando, porém, desconhecer os montantes em causa.
Referiu igualmente que, aquando do óbito do seu pai, a recorrida recebeu (em momento temporal não indicado), por conta da herança, a quantia de 5.000,00€, por si directamente entregue, visto que os seus pais lhe (a testemunha) haviam emprestado dinheiro para uma casa, que esta fez questão de devolver aos irmãos aquando da morte do seu pai. Certo é que essa menção foi manifestamente vaga e genérica, não tendo sequer a testemunha circunstanciado no tempo e no espaço essa versão fáctica, nem o meio de pagamento, além de que não foi produzida qualquer outra prova minimamente credível que comprovasse o pagamento à recorrida do referido montante de 5.000,00€.
De salientar que a testemunha expressamente confirmou que a recorrida não retirava um vencimento mensal nem proventos regulares da exploração têxtil, dizendo que ia lá ajudar por sua iniciativa e que não recebia nada.
O depoimento da indicada testemunha foi, isso sim, relevante para aferir as dificuldades económicas por que a recorrida atravessou, aquando da separação de facto do casal, em 2006, na medida em que aquela teve sozinha de fazer face às despesas do seu agregado familiar (composto por si e por dois filhos menores, se bem que o filho Filipe logo nesse ano decidiu abandonar a escolar e iniciou uma atividade profissional remunerada, numa empresa dum tio paterno) unicamente com o salário que auferia da actividade de auxiliar de ação educativa, visto o recorrente não contribuir para a satisfação de tais despesas. Nessa sequência, e face às dificuldades sentidas, a testemunha (juntamente com a demais família) aconselhou a recorrida a custear as despesas do seu agregado com o dinheiro poupado na constância do matrimónio, de modo a assegurar aos filhos o mesmo nível que vida que estes até aí vinham vivenciando, tendo a recorrida sido obrigada a adquirir uma viatura automóvel, marca Opel Corsa, que (por receio de “represálias” do recorrente) registou em nome do cunhado Agostinho, para fazer face às suas deslocações, uma vez que o recorrente a privou do uso de qualquer viatura, negando-se inclusivamente a emprestar-lhe uma delas, quando aquela para o efeito lhe solicitou por necessitar de se deslocar ao hospital com a filha do casal, que se encontrava doente e carecia de assistência médica.
Nessa parte o seu depoimento mereceu-nos inteira credibilidade, dado que, por força da relação de familiaridade que tem com a recorrida, a testemunha vivenciou de perto as dificuldades sentidas pela recorrida, revelando conhecimento direto e franco no seu relato. A isto acresce que o recorrente eximiu-se ao pagamento de pensão alimentar devida aos filhos (o que perdurou durante cerca de dois anos), obrigando a recorrente a intentar acção de regulação do exercício do poder paternal e, inclusivamente, a instaurar acção executiva para lograr obter o pagamento coercivo da prestação alimentícia que havia sido judicialmente determinada.
Por sua vez, a recorrida Maria iniciou as suas declarações de parte dizendo que a subscrição dos certificados de aforro tinha em vista a poupança de dinheiro para ulteriormente adquirir um apartamento junto à praia, devido aos problemas de saúde dos filhos (o filho Filipe sofre de uma doença crónica da pele, denominada psoríase).
No que à sua capacidade patrimonial diz respeito, declarou que pediu a mudança do seu turno de trabalho na escola para a noite, de modo a ter o dia livre para prestar a sua actividade a tempo inteiro no armazém, tendo, a partir de 2004, assumido as funções de responsável pelas entradas e saídas de bens do armazém, mais dizendo que, por essa actividade, auferia um vencimento igual ao do recorrente. Segundo as suas declarações, auferia rendimentos superiores ao recorrente, já que ao salário retirado da exploração têxtil - idêntico ao do recorrente - acresceria o vencimento mensal que auferia da atividade profissional de auxiliar da ação educativa.
Estes factos não foram, porém, confirmados por nenhum outro meio probatório e a recorrida também não carreou aos autos quaisquer elementos (nomeadamente prova documental) que atestem os montantes por si recebidos por força da atividade prestada na exploração têxtil (nomeadamente a nível de salários, divisão de lucros ou proventos, o que seria suposto estar declarado para efeitos fiscais e da Segurança Social), tão pouco se evidenciando (quer em termos contabilísticos, quer bancários) o eventual fluxo remuneratório canalizado para a sua conta bancária de proventos retirados da dita exploração.
Admitindo-se que a recorrida prestava, por vezes, colaboração na exploração têxtil, embora não com a amplitude ou extensão que esta pretendeu transmitir ao Tribunal, não é de crer que por essa colaboração pontual retirasse um salário ou rendimentos semelhantes aos auferidos pelo recorrente, que fazia dessa exploração o seu modo de vida e de ganho, não lhe sendo então conhecida qualquer outra ocupação profissional.
Em bom rigor também não resultam dos autos elementos que nos permitam comprovar os rendimentos efetivamente auferidos pelo recorrente da exploração têxtil.
Nesse ponto, aliás, quer o recorrente, quer a recorrida, não cuidaram sequer de carrear aos autos prova documental que, de modo objetivo e seguro, pudesse suportar as respetivas versões fácticas.
Certo é termos por adquirido que ambas as partes referiram que o casal tinha uma boa situação económica - o que foi igualmente corroborado pela testemunha Albina, irmã da recorrida - o que, na falta de outros elementos, encontra apenas justificação pelos proveitos retirados da exploração têxtil.
Por apelo às regras da experiência comum e dos critérios de normalidade, não revelando a recorrida capacidade patrimonial que lhe permitisse por si só angariar os montantes titulados nos certificados de aforro (na ordem de 67.048,64 (11)), quando se tem apenas por adquirido que aquela auferia, da atividade de auxiliar de ação educativa, um salário mensal de 550,00€/mês (correspondente a um vencimento anual de 7.700,00€ (12)), é de presumir que o capital investido era constituído por poupanças do casal, acumuladas durante o matrimónio e fruto do trabalho de ambos, e não apenas da recorrida.
Nesta conformidade, da prova produzida impõe-se inelutavelmente a alteração do ponto impugnado, que passará a valer com a seguinte redação:
2. A Ré, por sua iniciativa, rentabilizou parte das poupanças do casal através da subscrição de certificados de aforro junto dos Correios – Balcão de Vizela, conta aforro n.º ...0. <Ponto 7 dos factos provados ("Às suas poupanças juntou a Ré o dinheiro amealhado pelos seus filhos Filipe e Sofia desde a infância, tendo ainda recebido € 5.000,00, por conta de herança dos pais").
No tocante à última parte da resposta, como tivemos já oportunidade de salientar, a única menção a essa facticidade foi feita pela testemunha Albina, cujo depoimento é, nessa parte, manifestamente insuficiente para habilitar o Tribunal a formar uma convicção segura e credível quanto à sua verificação.
Impunha-se que a parte onerada com o respetivo ónus probatório fizesse o mínimo esforço para carrear aos autos elementos probatórios que habilitassem o tribunal a formar um juízo minimamente sustentado, o que não foi feito.
Por outro lado, relativamente à 1ª parte da resposta impugnada, para além do depoimento da indicada testemunha Albina, que se limitou a dizer o que a recorrida lhe disse, temos as declarações de parte da recorrida, que confirmou esse circunstancialismo.
A respeito do meio de prova em análise, previsto no artigo 466º do CPC, dizem-nos Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro (13) que “não existe qualquer fundamento epistemológico para não se reconhecer nas declarações favoráveis ao depoente um meio válido de formação da convicção e racional do julgador, isto, é, uma fonte válida de convencimento racional do juiz. Questão diferente é a da suficiência das declarações favoráveis ao depoente para a formação desta convicção. A experiência sugere que a fiabilidade das declarações em benefício próprio é reduzida. Por esta razão, compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente. Já integrado num acervo probatório mais vasto, poderá mesmo ser decisivo na prova desse facto, pois proporciona um material probatório necessário à prova do facto.”
No mesmo sentido vem decidindo a jurisprudência dos (nossos) Tribunais Superiores, de que se dá exemplo o Ac. da RP de 15/09/2014 (Relator António José Ascensão Ramos), in www.dgsi.pt., nos termos do qual “[a]s declarações de parte […] – que divergem do depoimento de parte – devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na acção. Seria de todo insensato que sem mais, nomeadamente, sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam eles documentais ou testemunhais, o Tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos” (14).
Da declaração da parte importa que o seu relato esteja espontaneamente contextualizado e seja coerente, quer em termos temporais, espaciais e emocionais e que seja credenciado por outros meios de prova, designadamente que as declarações da parte sejam confirmadas, por outros dados, que ainda indirectamente, demonstrem a veracidade da declaração. Caso contrário a declaração revelará força probatória de tal forma débil que não deve ser tida em conta (15).
Com efeito, as declarações de parte, tal como os depoimentos testemunhais, são de livre apreciação, exceto na parte em que consistam em confissão (art.º 466º, n.º 3, do CPC). Daí que o tribunal não tem que acreditar, necessariamente, em tudo ou nada do que o declarante refere na sua prestação probatória. Esta releva na medida em que convencer, sendo o convencimento tanto maior quanto mais justificado estiver e se aproximar da prova credível fornecida por outros meios, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica da vida. Pode uma parte das declarações convencer e outra parte não convencer. O tribunal não pode olvidar que o declarante tem interesse direto na sorte da acção (16).
Importa, no entanto, ressalvar que este meio de prova não deve ser previamente desprezado nem objeto de um estigma precoce, sob pena de perversão do intuito da lei e do princípio da livre apreciação da prova. Não olvidando o carácter aparentemente subsidiário das declarações de parte, certo é que foram legalmente consagradas como um meio de prova a ser livremente valorado, a necessitar forçosamente de ser complementado por outros. Assim sendo, em situações particulares de difícil prova de factos ou de impossibilidade de prova por outros meios, é de admitir a concorrência única e exclusiva deste meio de prova para a formação da convicção do juiz, sem recurso a outros meios de prova (17).
No caso dos autos, seria essencial que o teor das declarações de parte da recorrida se mostrasse corroborado ou suportado por outros meios de prova credíveis que, de um modo objetivo e lógico, habilitassem o Tribunal a formar uma convicção minimamente segura no tocante à matéria de facto em discussão nos termos por aquela alegados na contestação e posteriormente reproduzidos em sede de declarações de parte.
Ora, sendo do conhecimento comum a generalidade de situações em que os progenitores decidem aplicar o dinheiro ofertado aos filhos menores em aplicações ou depósitos bancários de modo a rentabilizá-lo e a servir como um investimento no futuro, quando estes dele venham a carecer ou alcancem a maioridade, certo é que, regra geral, essa aplicação é feita, conjuntamente, em nome dos menores e do(s) progenitor(es), nomeadamente até para efeitos da possibilidade do levantamento ou resgate, durante a menoridade, dos valores depositados ou aplicados, exigindo as entidades bancárias ou financeiras que as contas ou aplicações sejam co-tituladas por um maior de idade.
No caso, os elementos disponíveis nos autos apenas nos permitem inferir que os certificados de aforro mencionados na resposta ao ponto 3) foram unicamente subscritos pela recorrida e em seu nome (e não dos filhos), o que contraria aquela regra. Acresce que, apesar de ter protestado juntar documentos para comprovar a sua versão fáctica (cfr. art. 7º da contestação), a recorrida não o fez.
Não podemos, por isso, com um mínimo de segurança concluir nos termos em que o fez o tribunal da 1ª instância, pelo que na dúvida subsistente quanto à verificação desse factualismo impõe-se que não se dê o mesmo como provado (art. 414º do CPC).
Assim, o facto em apreço, dada a falta ou ausência de credibilidade da prova produzida, deve ser considerado não provado, procedendo nesse ponto a impugnação da matéria de facto. <Ponto 8 dos factos provados (“A Ré levantou as poupanças para fazer face às despesas, para alimentação, tratamentos médicos, estudos, vestuário e viagens, próprias e dos filhos, tendo adquirido um veículo para as deslocações”).
Como já anteriormente explicitámos, decorre da prova produzida que, após a separação de facto do casal, em 2006, a recorrida passou por dificuldades económicas, uma vez que teve de suportar sozinha as despesas com o sustento dos dois filhos menores, se bem que nesse ano o Filipe tenha iniciado uma ocupação profissional remunerada.
A recorrida passou a ter de subsistir unicamente com o rendimento auferido da sua atividade de auxiliar da acção educativa, tendo os filhos na altura 16 e 12 anos de idade, respetivamente, frequentando a filha aulas extras de Inglês, sendo de admitir que, face à não prestação de assistência alimentar por parte do recorrente, aquela tenha procedido ao resgate de certificados de aforro para ocorrer às despesas correntes e normais próprias e dos filhos, de modo a manter o nível de vida que antes tinham. Irreleva, por conseguinte, para o efeito em causa o facto de a recorrida não ter apresentado um único documento (fatura ou recibo) que provasse alguma despesa tida com os filhos.
Viu-se, inclusivamente, obrigada a adquirir uma viatura automóvel para as deslocações, no contexto supra explicitado. Rejeitando quanto esse ponto as objeções invocadas pelo recorrente, dir-se-á apenas que o contrato de compra e venda relativo a veículo automóvel é um contrato consensual, que pode ser feito verbalmente, não estando sujeito a qualquer formalidade legal (18).
Admite-se, no entanto, que não se possa dar como provado que todo o dinheiro resgatado dos certificados de aforro tenha servido para custear as despesas com os filhos e com a própria recorrida, salientando-se mais uma vez que esta não carreou aos autos documentos que atestem o volume de tais despesas ou encargos.
A ser como a recorrida alega, segundo as regras de experiência comum o normal seria que esses resgates se tivessem efetivado num período temporal mais intervalado, e não de modo concentrado.
A esse respeito, constata-se que a larga maioria dos valores titulados nos certificados de aforro foram resgatados no curto período compreendido entre 08/05/2006 e 10/01/2007, ascendendo ao valor global de € 48,289,36 (cfr. ponto 6 dos factos provados), tendo ulteriormente sido resgatado, em 11/10/2007, o último certificado, no montante de € 5.677,32. Mas, em contraponto, também não podemos deixar de salientar que foi precisamente nesse período que, por se ter visto privada de qualquer contributo pecuniário por parte do recorrente, a recorrida terá sentido maior necessidade de resgatar os certificados de aforro para fazer face às despesas supra mencionadas, sendo que somente decorridos dois anos após a separação de facto (em 2008) intentou ação de regulação do exercício do poder paternal para ver judicialmente reconhecida a obrigação da prestação de alimentos aos filhos menores por parte do recorrente.
Assim, a fim de se ajustar à prova produzida deverá o ponto 8 dos factos provados ser objeto de uma alteração restritiva, passando a valer a seguinte resposta:
- Parte das poupanças do casal que a Ré levantou foi para fazer face às despesas, com alimentação, tratamentos médicos, estudos, vestuário e viagens, próprias e dos filhos, tendo adquirido um veículo para as deslocações.
Procede, assim, a impugnação, se bem que não nos termos propostos pelo recorrente. < Ponto da matéria de facto não provada (“A Ré, com os levantamentos, pretendeu prejudicar a meação, subtraindo o valor ao património comum”).
Contrariamente ao propugnado pelo recorrente, da prova produzida não é possível inferir que, com os resgates dos certificados, a Ré pretendeu prejudicar a meação do recorrente, subtraindo valor ao património comum.
Sem embargo da referida alegação ser parcialmente conclusiva, na medida em que encerra em si a solução jurídica do dissenso que divide as partes, por ser subsumível à norma jurídica em apreço (art. 1681º, n.º 1 do Cód. Civil) (19), do mero facto de se ter alterado a resposta ao ponto 8 dos factos provados não se pode concluir que, na parte não provada, possa inferir-se (como provado) o elemento subjetivo atinente à intenção ou propósito que presidiu ao levantamento de tais quantias por parte da recorrida, mormente se o fez com o intuito de prejudicar a meação do recorrente.
Isto porque, das respostas negativas à matéria articulada – e, na medida em que o forem, das respostas restritivas também – resulta apenas que tudo se passa como se esses factos (não provados) não tivessem sido sequer alegados, e não que devam ter por demonstrado os factos contrários.
Serve isto para dizer que inexistem razões para alterar o apontado item dos factos não provados, além de que inexiste qualquer contradição entre esse facto não provado e a resposta dada ao ponto 8 dos factos provados.
* 1.3.2. Face às alterações introduzidas na decisão relativa à matéria de facto, é a seguinte a factualidade (provada e não provada) a atender para efeito da decisão a proferir:
- Factos provados.
1. Autor e Ré contraíram matrimónio em 06/09/1987, sob o regime da comunhão de adquiridos, dissolvido por sentença de 5 de março de 2009. 2. A Ré, por sua iniciativa, rentabilizou parte das poupanças do casal através da subscrição de certificados de aforro junto dos Correios – Balcão de Vizela, conta aforro n.º ...0. 3. A Ré depositou os certificados de aforro na identificada conta aforro com os seguintes números e valores:
- certificado n.º 49648730, subscrito a 12/04/1994, no valor de € 294,40;
- certificado n.º 93772688, subscrito a 05/01/2000, no valor de € 4.987,98;
- certificado n.º 96117303, subscrito a 16/05/2000, no valor de € 997,60;
- certificado n.º 96117311, subscrito a 16/05/2000, no valor de € 498,90;
- certificado n.º 104065559, subscrito a 19/06/2001, no valor de € 4.987,98;
- certificado n.º 104696508, subscrito a 23/07/2001, no valor de € 4.987,98;
- certificado n.º 201310575, subscrito a 09/11/2004, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 201220378, subscrito a 03/08/2004, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 201157635, subscrito a 19/05/2004, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 200996442, subscrito a 09/12/2003, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 200941962, subscrito a 10/10/2003, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 200832361, subscrito a 08/07/2003, no valor de € 301,77;
- certificado n.º 200832346, subscrito a 08/07/2003, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 200806335, subscrito a 11/06/2003, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 200648051, subscrito a 16/01/2003, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 200446018, subscrito a 22/08/2002, no valor de € 5.000,45;
- certificado n.º 200060661, subscrito a 11/12/2001, no valor de € 4.987,98. 4. Pelo menos desde 2006, o A. abandonou definitivamente a casa de morada de família. 5. Após o divórcio, no inventário judicial, procedeu-se à partilha dos certificados que não chegaram a ser resgatados - n.ºs 49648730, 96117303, 96117311 e 200832361 nos valores de subscrição de, respetivamente, € 294,40, € 997,60, € 498,80 e € 301,77 – e dos que foram resgatados em 16/02/2009, i.é, em data posterior à propositura da ação de divórcio – certificados n.ºs 93772688, 104696508 e 200446018. 6. Os restantes foram resgatados antes da propositura da ação de divórcio, pela Ré, sem o conhecimento do Autor:
- O certificado n.º 104065559 foi resgatado a 05/07/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.755,68;
- O certificado n.º 201310575 foi resgatado a 08/05/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.108,90;
- O certificado n.º 201220378 foi resgatado a 08/05/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.166.02;
- O certificado n.º 201157635 foi resgatado a 08/05/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.160,53;
- O certificado n.º 200996442 foi resgatado a 10/01/2007, ascendendo o valor de resgate a € 5.340,40;
- O certificado n.º 200941962 foi resgatado a 13/10/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.336,45;
- O certificado n.º 200832346 foi resgatado a 13/10/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.371,98;
- O certificado n.º 200806335 foi resgatado a 05/07/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.326,00;
- O certificado n.º 200648051 foi resgatado a 11/10/2007, ascendendo o valor de resgate a € 5.677,32;
- O certificado n.º 200060661 foi resgatado a 13/12/2006, ascendendo o valor de resgate a € 5.723,40. 7. - Parte das poupanças do casal que a Ré levantou foi para fazer face às despesas, com alimentação, tratamentos médicos, estudos, vestuário e viagens, próprias e dos filhos, tendo adquirido um veículo para as deslocações.
*
- Factos não provados.
a) - A Ré, com os levantamentos, pretendeu prejudicar a meação, subtraindo o valor ao património comum. b) - Às suas poupanças juntou a Ré o dinheiro amealhado pelos seus filhos Filipe e Sofia desde a infância, tendo ainda recebido 5.000,00 €, por conta da herança dos pais.
- Com interesse para a boa decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos acima não descritos ou com estes em contradição, com exclusão sobre considerações jurídicas, conclusões ou juízos de valor e factos não essenciais à decisão da causa.
*
1.4. – Responsabilidade civil da recorrida por, na constância do casamento (quando se encontravam já separados de facto) e antes de intentada a ação de divórcio, ter procedido ao resgate dos certificados de aforro, em prejuízo do recorrente (art. 1681.º, n.º 1, parte final, do Código Civil).
O Tribunal da 1ª instância, considerando não ter ficado provado que os levantamentos das quantias aplicadas em certificados de aforro, efetuados pela ré, sem autorização do autor, antes da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, se destinaram a satisfazer dívidas da exclusiva responsabilidade da Ré, antes pelo contrário, resultando dos autos que esta se serviu daquelas quantias para ocorrer aos encargos normais do agregado familiar, concluiu não se poder afirmar que o património da Ré foi aumentado/enriquecido à custa do património do Autor, pelo que afastou a possibilidade de ser efetuada a compensação de metade da quantia existente à data da cessação.
O recorrente insurge-se contra esta sentença com base no pressuposto de que as quantias reclamadas foram desviadas pela recorrida do património comum, mas que o fim a que foram destinadas não foi o sustento da própria ou da filha menor do casal, sendo que a recorrida, de forma intencional e ilegítima, subtraiu ao património comum os certificados de aforro em discussão no processo, fazendo-o para, dolosamente, prejudicar o recorrente.
Defende por isso que, nos termos do art. 1681.°, n.º 1 (parte final) do CC, a recorrida tem de responder pelos atos intencionalmente praticados em prejuízo do recorrente, ou seja, ser condenada a pagar-lhe a quantia de € 26.983,34 (meação do autor nos certificados de aforro).
A causa de pedir na presente ação é, pois, a de que a ora recorrida, na constância do casamento (e enquanto se encontravam separados de facto), procedeu ao levantamento/resgate de montantes referentes a certificados de aforro que eram de ambos e que fez só seus, sem conhecimento e sem autorização do recorrente, o que fez com o propósito de o prejudicar.
Centraremos, pois, a nossa atenção nestes pontos, não sem antes explicitarmos em que termos se encontra legalmente estabelecido o direito de crédito (indemnizatório) reclamado pelo autor/recorrente nesta ação.
Decorre dos autos que a recorrente e a recorrida contraíram matrimónio em 06/09/1987, sob o regime (supletivo) da comunhão de adquiridos, dissolvido por divórcio, decretado por sentença de 5 de março de 2009, transitada em julgado.
No regime de comunhão de adquiridos, existem fundamentalmente duas massas patrimoniais: a dos bens próprios de cada um dos cônjuges e a dos bens comuns (arts. 1722, 1723 e 1726 do Código Civil) (20).
O património comum dos cônjuges, também denominado património colectivo ou de mão comum, caracteriza-se por haver um único direito e um direito uno sobre ele com dois titulares, o qual não comporta divisão, mesmo ideal, não podendo os cônjuges, fora dos casos expressamente previstos na lei, dispor da sua meação no património comum, nem proceder à sua divisão ou partilha (cfr. arts. 1685.º, 1688.º, 1689.º, 1730.º, 1770.º, 1772.º, 1788.º e 1795.º-A do CC) (21).
No que respeita à administração de bens do casal, rege o art. 1678.º do CC, que, no n.º 3, prevê, quanto à gestão dos bens comuns, duas regras essenciais:
1ª - a da legitimidade de cada um dos cônjuges para a prática dos actos de administração ordinária relativamente aos bens comuns do casal, sem necessidade do consentimento do consorte; 2.ª - a necessidade do consentimento de ambos os cônjuges para “os restantes actos de administração”, designados pela doutrina como actos de administração extraordinária.
Concretizando os conceitos enunciados, Pires de Lima e Antunes Varela (22) referem que a “doutrina tende a considerar como actos de administração ordinária os que se destinam a prover à conservação dos bens (pintar a casa, reparar o muro caído, consertar a viatura, etc.) ou promover a sua frutificação normal (apanha da azeitona, monda da seara, poda das árvores, substituição da vinha envelhecida, etc.). Como actos de administração extraordinária são catalogados os que visam a realização de benfeitorias ou melhoramentos nas coisas ou a frutificação anormal dos bens”.
Segundo Manuel de Andrade (23), os actos de administração ordinária ou de mera administração são «os que correspondem a uma gestão patrimonial limitada e prudente em que não são permitidas certas operações – arrojadas e ao mesmo tempo perigosas – que podem ser de alta vantagem, mas que podem ocasionar graves prejuízos para o património do administrado».
Por sua vez, o divórcio dissolve o casamento e, em regra, tem os mesmos efeitos da dissolução por morte, fazendo cessar as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges (cfr. arts. 1788.º e 1688.º do CC).
No entanto, apesar dos efeitos do divórcio se produzirem a partir do trânsito em julgado da sentença que o decretou, a consequente cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges retroage, pelo menos, à data da propositura da ação de divórcio (art. 1789º, n.º 1 do CC); porém, se a separação de facto entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos patrimoniais do divórcio retroajam à data, que a sentença fixará, em que a separação tenha começado (cfr. n.º 2 do citado normativo).
A retroatividade, à data da propositura da ação, da eficácia do decretamento do divórcio, aplicável apenas às relações de natureza patrimonial entre os cônjuges, opera automaticamente sem necessidade de formulação de pedido nesse sentido, nem de qualquer apreciação adicional (24).
Tal retroação dos efeitos patrimoniais do divórcio, à data da propositura da ação, enquanto exceção à regra geral de que os efeitos do divórcio se produzem a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, decorrente da natureza constitutiva desta, visa defender cada um dos cônjuges contra os abusos ou delapidações patrimoniais realizadas pelo outro cônjuge na pendência da ação de divórcio sobre o património comum (25); no fundo, destina-se a evitar que um dos cônjuges seja prejudicado pelos actos de insensatez, de prodigalidade ou de pura vingança, que o outro venha a praticar, desde a propositura da ação, sobre os valores do património comum (26).
As relações jurídicas patrimoniais entre os cônjuges são aquelas cujo objeto tenha um conteúdo patrimonial, como é o caso, por exemplo, das relacionadas com o respetivo património comum.
Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, procede-se à partilha dos bens do casal, recebendo cada cônjuge na partilha os bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo previamente o que dever a esse património (art. 1689º, n.º 1 do CC).
No caso dos autos, como se refere na sentença recorrida, a produção de efeitos do divórcio no tocante às relações patrimoniais entre os interessados retroagiu à data da proposição da ação de divórcio e não à data do início da separação de facto (reportada ao ano de 2006), dado que, na sentença de divórcio, não houve fixação da data do início da separação (arts. 1789º, n.º 1 do CC e 259º, n.º 1 do CPC).
O que significa que a composição do património comum do casal se considerou fixada no dia da proposição da ação de divórcio (e não em momento anterior, designadamente à data da separação de facto), e só os bens existentes nesse momento deveriam ser objeto de partilha, tendo sido esse (e bem) o critério seguido nos autos de inventário em consequência do divórcio.
Acontece, porém, que a alienação ou oneração de bens móveis comuns pode ser efetuada pelo cônjuge administrador, quer antes da propositura da ação de divórcio, quer depois da propositura dessa ação, ou, então, a título gratuito, por um dos cônjuges, sem o consentimento do outro, quando a administração do bem em causa pertencer a ambos.
Revertendo ao caso em análise, importa considerar que, na constância do casamento (e enquanto se encontravam separados de facto), em data anterior à da instauração da ação de divórcio e, portanto, antes da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, a recorrida resgatou, sem o conhecimento do recorrente, os certificados de aforro descritos no item 6 dos factos provados, no valor de 53.966,68€, tendo destinado parte desse montante para fazer face às despesas, com alimentação, tratamentos médicos, estudos, vestuário e viagens, próprias e dos filhos, além de ter ainda adquirido um veículo para as deslocações.
Sentindo-se prejudicado com o destino que foi dado, pela recorrida, ao produto do resgate dos certificados de aforro, pretende o recorrente ser indemnizado, por perdas e danos, nos termos do disposto no artigo 1681º, n.º 1, parte final, do CC.
Dispõe este preceito, no seu n.º 1, que o «cônjuge que administrar bens comuns ou próprios do outro cônjuge, ao abrigo do disposto nas alíneas a) a f) do n.º 2 do artigo 1678.º, não é obrigado a prestar contas da sua administração, mas responde pelos actos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge».
A regra da irresponsabilidade do cônjuge administrador é, portanto, excecionada com a atuação culposa, na modalidade de dolo (27), não podendo fundamentar pedidos de indemnização os actos meramente culposos (28).
Limita-se a responsabilidade do cônjuge administrador aos atos dolosos, praticados intencionalmente em prejuízo do casal ou do outro cônjuge. Afasta-se, assim, por um lado, a responsabilidade baseada em meras omissões e, por outro lado, em caso de mera culpa ou negligência, exigindo-se uma culpa qualificada do agente. O objetivo desta irresponsabilização parcial é o de evitar a litigiosidade na constância da relação matrimonial (29).
Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela (30), “só nos casos mais nítidos e descabelados de actuação prejudicial do cônjuge administrador, se deve conceder ao lesado o direito a indemnização (…)”, que não quanto “às puras abstenções ou omissões.”
Trata-se, pois, e na lição destes Autores (31) de uma limitação “às regras gerais da responsabilidade civil, em nome do interesse superior da paz conjugal e da harmonia familiar (…).”
Pretende-se com este regime de relativa impunidade evitar que os cônjuges se envolvam em acções de responsabilidade “que podem perturbar seriamente, quando não irremediavelmente, as relações entre os cônjuges, e há todo o interesse em salvaguardar essas relações no interesse da sociedade familiar”.
Segundo o art. 1724º, al. b) do CC, fazem parte da comunhão «os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei», e, havendo dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns (art. 1725º do CC).
Por sua vez, nos termos do art. 2º do Dec. Lei n.º 122/2002, de 4/05, os certificados de aforro são valores escriturais nominativos, reembolsáveis, representativos de dívida da República Portuguesa, denominados em moeda com curso legal em Portugal e destinados à captação da poupança familiar, que apenas podem ser subscritos a favor de pessoas singulares e só são transmissíveis por morte do titular (32).
Constituindo os certificados de aforro, enquanto títulos de crédito com uma especial fisionomia, realidade jurídica diferenciada e autónoma relativamente ao numerário que esteve na base da sua constituição, para os efeitos em questão, o que interessa saber é qual a origem desse numerário (33), sendo que, como referem Pires de Lima e Antunes Varela (34), a falta de menção da proveniência do dinheiro constitui presunção juris et de jure de que se trata de meios comuns.
De qualquer forma, na situação júdice, resultou até expressamente provado que os certificados foram subscritos, por iniciativa da Ré, na constância do matrimónio, com dinheiro resultante das poupanças do casal (35).
Daí que não ofereça dúvidas tratar-se de bens comuns (art. 1724º, al. b) do CC) (36).
Deve, por outro lado, atender-se ao art. 1730º do CC, que estabelece a regra da metade, isto é, os cônjuges participam por metade no ativo e no passivo da comunhão.
Face aos critérios propostos, é altura de nos debruçarmos sobre a questão concreta que nos ocupa, de modo a poder-se concluir pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil.
Isto porque, como já vimos, o cônjuge administrador responde pelos danos causados pelos actos praticados, com dolo, em prejuízo do património comum ou do outro cônjuge (art. 1681º, n.º 1, in fine, do Código Civil).
No caso está demonstrado que:
- A Ré, por sua iniciativa, rentabilizou parte das poupanças do casal através da subscrição de certificados de aforro.
- Na constância do casamento, estando o casal já separado de facto, mas antes da propositura da ação de divórcio, a Ré resgatou, sem o conhecimento do Autor, as quantias tituladas nos certificados de aforro no valor global de 53.966,68€.
- Parte das quantias tituladas nos certificados de aforro que a recorrida levantou foram afetas ao pagamento de despesas com alimentação, tratamentos médicos, estudos, vestuário e viagens, próprias e dos filhos, tendo adquirido um veículo para as deslocações.
Não resultou, porém, provado que, com os levantamentos, a Ré pretendeu prejudicar a meação, subtraindo o valor ao património comum.
Assim, se, por um lado, o autor logrou provar que as quantias tituladas em certificados de aforro constituíam bem comum do casal e que a ré resgatou tais quantias, sem o consentimento do autor, a verdade é que, por outro lado, a ré também conseguiu provar o uso dado (pelo menos parcialmente) às quantias resgatadas, traduzido na satisfação de despesas com alimentação, tratamentos médicos, estudos, vestuário e viagens, próprias e dos filhos e na aquisição de um veículo automóvel para as deslocações.
Se em relação às primeiras dúvidas não subsistem que as mesmas se destinaram a ocorrer aos encargos normais do agregado familiar (art. 1691º, n.º 1, al. b) do CC) (37), de igual modo propendemos a considerar no que concerne à aquisição do veículo automóvel (38), tendo em conta o fim a que se destinou, pois que essa aquisição teve em vista o interesse comum, senão de ambos os cônjuges, pelo menos do agregado familiar ou da família (39).
Entendemos, pois, estar perante actos de administração ordinária, que não carecem do consentimento do outro cônjuge (art. 1678º, n.º 3 do CC).
Como resulta do disposto no art. 1691º, n.º 1, als. b) e c) do CC, são da responsabilidade de ambos os cônjuges «as dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges, antes ou depois da celebração do casamento, para ocorrer aos encargos normais da vida familiar», assim como as «dívidas contraídas na constância do matrimónio pelo cônjuge administrador, em proveito comum do casal e nos limites dos seus poderes de administração», sendo certo que, à data, apesar do casal já se encontrar separado de facto, as relações jurídicas patrimoniais entre os cônjuges não haviam cessado ainda, já que a ação de divórcio foi posteriormente instaurada e o cônjuge só é havido como divorciado, para efeitos patrimoniais, a partir da data da propositura da ação (art. 1789º, n.º 1 do CC).
Ora, tendo a ré logrado demonstrar que a utilização das quantias se destinou a integrar atos de administração ordinária, não se poderá concluir que se apropriou (ilicitamente) das quantias em causa.
Subscreve-se, por isso, o juízo formulado pelo tribunal recorrido, no sentido de não ser possível afirmar que a Ré enriqueceu o seu património à custa do património do Autor.
Por outro lado, embora não resulte da matéria de facto provada a delimitação do valor das quantias despendidas com a satisfação das despesas correntes e/ou normais da recorrida e dos filhos, nem o valor da aquisição do veículo automóvel, julga-se que essa circunstância nenhuma repercussão relevante terá na sorte da ação.
Com efeito, considerando que a presente ação indemnizatória, por perdas e danos, foi deduzida no pressuposto do preenchimento da parte final do n.º 1 do art. 1681º do CC, verifica-se não resultarem provados factos aptos a integrar o elemento subjetivo exigível e que seria o dolo direto, ou até mesmo o dolo necessário ou, no limite, o dolo eventual, traduzidos, respetivamente, na actuação para atingir um fim ilícito (ou para omitir um comportamento devido); ou quando “num acto de duplo efeito, o agente pretende atingir um fim lícito, mas sabe que a sua ação determinará, inevitavelmente, o resultado ilícito”; ou, finalmente, que a recorrida atuou numa perspetiva de um fim lícito, mas com a consciência de que do seu acto pudesse resultar um ilícito, querendo, não obstante, a sua produção (40).
Ora, a falta desse requisito determina a improcedência da pretensão indemnizatória fundada na responsabilidade civil.
*
Para terminar, dizer que está vedado a este Tribunal socorrer-se das regras do enriquecimento sem causa (artigos 473.º a 482.º do Código Civil) para dirimir o dissenso em apreço.
Isto porque é pacífico na jurisprudência o entendimento de que o enriquecimento sem causa não é suscetível de conhecimento “ex officio” (41), tendo que ser oportunamente invocado pelo interessado no articulado respetivo.
Acresce que, nos termos do artigo 474.º do CC, a obrigação de restituição por enriquecimento ilegítimo tem natureza subsidiária, não sendo invocável “quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído”, sendo que, no caso como já vimos, o autor/recorrente dispunha de meios processuais para fazer valer o direito de que se arroga sobre a ré.
*
A sentença recorrida merece, assim, confirmação, improcedendo as conclusões do apelante.
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 667º, n.º 3 do CPC):
I - Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retroagem, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, pelo menos, à data da propositura da ação (artigo 1789.°, n.º 1 do Código Civil). II - Tendo o casamento sido celebrado sob o regime (supletivo) da comunhão de adquiridos, os certificados de aforro devem considerar-se bens comuns, ao abrigo do disposto no art.º 1724.º, al. b), do Código Civil, quando o cônjuge que se arroga a titularidade do direito neles previsto não lograr demonstrar que foram subscritos com dinheiro ou valores próprios dele. III - Se, na constância do casamento (quando se encontravam já separados de facto) e antes de intentada a ação de divórcio, um dos cônjuges tiver procedido ao resgate dos certificados de aforro, o outro ex-cônjuge, sentindo-se prejudicado com o referido ato, pode reagir, através da propositura da correspondente ação de indemnização, por perdas e danos, desde que se mostrem preenchidos os pressupostos legais enunciados pelo artigo 1681º, n.º 1, parte final, do CC. IV - A responsabilidade civil do cônjuge administrador perante o outro cônjuge é excecional (afastando-se a mera culpa e as simples omissões), pressupondo que a conduta do cônjuge administrador seja dolosa (direto, necessário ou mesmo eventual), cuja alegação e prova incumbe ao cônjuge lesado, nos termos do n.º 1 do artigo 487.º do Código Civil.
*
V. DECISÃO
Perante o exposto acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas da apelação a cargo do apelante (art. 527º do CPC).
*
Guimarães, 8 de março de 2018
Alcides Rodrigues
Espinheira Baltar
Eva Almeida
1. Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo gralhas evidentes e a ortografia utilizada. 2. Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 273. 3. Cfr. Ac. do STJ de 24-9-2013 (Relator Azevedo Ramos), in www.dgsi.pt. 4. Cfr. Ac. da RP de 8/06/2017 (Relator Nelson Fernandes), inwww.dgsi.pt. 5. Nos termos do qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova de facto jurídico, qualquer formalidade especial, pois neste caso esta não pode ser dispensada (art.º 607º, n.º 5). O enunciado princípio da livre apreciação da prova situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 709). As provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram realmente no espírito do julgador acerca da existência do facto (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 471). 6. Cfr., entre outros, Acs. do STJ de 03.11.2009 (relator Moreira Alves) e de 01.07.2010 (relator Bettencourt de Faria), ambos disponíveis em www.dgsi.pt. 7. Cfr. Ac. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), in www.dgsi.pt. 8. Cfr. Acs. da RG de 11/07/2017 (Relatora Maria João Matos), 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis in www.dgsi.pt. Segundo Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609, «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte». 9. Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, in Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33. 10. Cfr. fls. 125 e 126. 11. Ponto 3 dos factos provados. 12. 7.700,00€ = 550,00 € x 14 meses. 13. Cfr. Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2014 - 2ª ed., 2014, Almedina, p. 395. 14. Cfr., em sentido idêntico, os Acs. RP de 17/12/2014 (Relator M. Pinto dos Santos), de 17/12/2014 (Relator Pedro Martins) e 20/11/2014 (Relator Pedro Martins), todos disponíveis in www.dgsi.pt.. 15. Cfr. Ac. RG de 18/01/2018 (relatora Vera Maria Sottomayor), in www.dgsi.pt. 16. Cfr. Ac. da RP de 29/06/2017 (relator Filipe Caroço), in www.dgsi.pt. 17. Cfr. Mariana Fidalgo, A Prova por Declarações de Parte, FDUL, 2015, p. 80 e Luís Filipe Pires de Sousa, As Declarações de Parte - Uma Síntese, in www.verbojuridico.pt. 18. cfr. neste sentido, Ac. da RC de 03/06/2008 (relator Jorge Arcanjo), e o Ac. da RP de 21/06/2006 (Fernando Baptista), ambos disponíveis in www.dgsi.pt. e o Ac. do STJ de 14.2.91, in A.J. 15º/16º-3. 19. O art. 607.º, n.º 4 do CPC dispõe que, na fundamentação da sentença, o juiz tomará «em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência». No âmbito do anterior regime do CPC, o art. 646.º, n.º 4 previa, ainda, que têm-se «por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documento, quer por acordo ou confissão das partes». Embora esta norma não tenha transitado para o actual diploma, é de admitir que o princípio que norteava aquele normativo do direito adjectivo continua a ser válido, ou seja, na fundamentação (de facto) da sentença só mesmo os factos interessam, e não juízos valorativos, conclusões ou meras afirmações de direito. - cfr. neste sentido, Acs. RP de RP 24/10/2016 (relator Oliveira Abreu) e de 18/09/2017 (relator Manuel Domingos Fernandes), inwww.dgsi.pt. Segundo José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil-Anotado, Vol. II, 2008, Coimbra Editora, pág. 637 e 638, da matéria de facto devem constar apenas factos e não matéria de direito ou conclusões de facto, sendo que às conclusões de direito são assimiladas, por analogia, as conclusões de facto, ou seja, “os juízos de valor, em si não jurídicos, emitidos a partir dos factos provados”. Os juízos conclusivos ou de valor não retratam ocorrências da vida real, quer internas, quer externas, mas sim o efeito e consequência dessas mesmas ocorrências, conclusões essas que cabe ao julgador extrair na prolação da sentença, dos factos dados como provados. Trata-se de matéria que não se cinge ao elencar do facto, mas tem em si, explicita ou implicitamente, considerações valorativas sobre esse facto, ou seja, apreciações que ultrapassam a objetividade do facto e trazem consigo a subjetividade da análise valorativa de uma determinada ocorrência da vida real. 20. Cfr. Ac. da RC de 08-11-2001 (Relator Henrique Antunes), in www.dgsi.pt. 21. Cfr. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, vol. I, 3.ª edição, 2003, Coimbra Editora, pp. 549 a 554 e Antunes Varela, Direito de Família, 1º vol. 5ª ed., Livraria Petrony, Lda, 1999, p. 375. 22. Cfr. Código Civil Anotado, Volume IV, 3ª ed. Revista e atualizada, Coimbra Editora, 1992, pág. 289. 23. Cfr. Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, Coimbra, 1987, p. 61. 24. Cfr. Rute Teixeira Pedro, in Código Civil Anotado, (Ana Prata Coord.), volume II, 2017, Almedina, p. 692. 25. Cfr. José Guilherme Pires da Silva, Aspectos patrimoniais do Divórcio, in I Congresso de Direito da Família e das Crianças, 20016, Almedina, p. 73. 26. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código …, Vol. IV, pp. 560/561. 27. Cfr. Ac. do STJ de 22/02/2011 (Relator Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt. 28. Cfr., neste sentido, os Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, obra citada, 418 e Ângela Cristina da Silva Cerdeira, Da Responsabilidade Civil dos Cônjuges Entre Si, Coimbra Editora, 2000, pp. 120 a 132. 29. Cfr. Rute Teixeira Pedro, obra citada, p. 562. 30. Cfr. obra citada, p. 296. 31. Cfr. obra citada, p. 297. 32. O Certificado de Aforro é um instrumento destinado a pessoas singulares e tem objetivos de natureza política económica e financeira: o estímulo à poupança, o chamado aforro privado e a captação de investidores da dívida pública, pois que, ao comprar um certificado de aforro, o particular, pessoa singular, a quem o mesmo é destinado, está a emprestar dinheiro ao Estado Português. 33. Cfr. Ac. da RE de 17/03/2011 (relator Acácio Neves), in www.dgsi.pt. 34. Cfr. obra citada, p. 427. 35. Mercê da (parcial) procedência da impugnação da matéria de facto, esse ponto fáctico foi precisamente objeto de alteração, não se tendo dado como provado (ao contrário do decidido na 1ª instância) que os certificados de aforro referenciados nos autos foram subscritos com dinheiro ou valores próprios da recorrida. 36. Cfr. em sentido idêntico, Ac. do STJ de 11/04/2002 (relator Duarte Soares), Ac. do STJ de 11/02/2003 (relator Fernandes Magalhães) e Ac. da RP de 19/09/2013 (relator Pinto de Almeida), todos consultáveis in www.dgsi.pt. 37. Não concretizando o Código Civil o que se deva entender por “encargos normais da vida familiar”, a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que as dívidas contraídas para ocorrer aos encargos normais da vida familiar compreendem, designadamente, as despesas de alimentação, vestuário e saúde, bem como as despesas relacionadas com o pagamento da renda devida pela ocupação de bem imóvel que constitua a casa de morada de família. Enquadram-se igualmente neste domínio as dívidas referentes à prestação de serviços básicos, como sejam os serviços de eletricidade, água, gás e telecomunicações. - cfr. Ac. do STJ de 08.05.1979, proc. 067696, in BMJ, n.º 287, ano 1979, p. 311; Ac. do STJ de 10.01.1980, proc. 068279, in BMJ, n.º 293, ano 1980, p. 382, e Ac. da RG de 05.11.2015 (relator António Sobrinho), in www.dgsi.pt.; na doutrina, Marco Carvalho Gonçalves, Responsabilidade Patrimonial dos Cônjuges e Penhora de Bens Comuns do Casal, in www.google.pt. 38. Trata-se, aliás, de um bem comum do casal, que, a não ter sido partilhado nos autos de inventário por o recorrente desconhecer então a sua existência, sempre poderá ser objeto de partilha adicional. 39. Há proveito comum do casal sempre que a dívida é contraída tendo em vista um interesses de ambos os cônjuges ou da sociedade familiar em geral. – cfr. Augusto Lopes Cardoso, citado por Pires de Lima/Antunes Varela, Código…, vol. IV, p. 331. 40. Cfr., no mesmo sentido, o Ac. do STJ de 22/02/2011 (Relator Sebastião Póvoas), in www.dgsi.pt. 41. Cfr. Ac. do STJ de 15.10.1998 (relator Noronha do Nascimento), sumariado in www.dgsi.pt. e Ac. da RP de 21/03/2013 (relator Carlos Querido), in www.dgsi.pt.