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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
CONTRATO A TERMO
DIRECTIVA COMUNITÁRIA
Sumário
I - As medidas de prevenção do recurso abusivo aos contratos de trabalho a termo são aplicáveis quer às relações de trabalho estabelecidas no setor público quer às relações estabelecidas no setor privado. II - Tendo em conta os princípios estabelecidos pela Diretiva 1998/70/CE, o Estado Português está obrigado a definir medidas concretas que punam o recurso sucessivo à celebração de contrato de trabalho a termo, quer na Administração Pública quer no Setor Privado. III - O DL n.º 427/89, de 07.12 não consagra medidas efetivas de proteção dos trabalhadores contra o uso e abuso da celebração de contrato de trabalho a termo e, como tal, não cumpre os objetivos impostas pela Diretiva. IV - É abusivo o recurso ao disposto no art. 18.º, n.º 4, do DL n.º 427/89, de 07.12, quando a Ré, depois de ter mantido a Autora dois anos a exercer funções idênticas sem qualquer vínculo laboral escrito, celebrou com ela dois contratos de trabalho a termo certo, cada um deles com a duração de 10 meses, mediando entre ambos um intervalo de um mês e meio, para o exercício das mesmas funções, no mesmo local de trabalho e com o mesmo horário de trabalho, sem tão pouco justificar o motivo da sua celebração.
Texto Integral
Processo n.º 2006/09.5TTPNF.P1
Relator: M. Fernanda Soares – 1031
Adjuntos: Dr. Ferreira da Costa – 1615
Dra. Paula Leal de Carvalho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B… instaurou, em 28.10.2009, no Tribunal do Trabalho de Penafiel, acção emergente de contrato de trabalho contra Junta de Freguesia … pedindo dever ser considerada nula a cláusula do contrato de trabalho inicialmente celebrado entre a Autora e Ré, e convertido em contrato de trabalho sem termo certo ou incerto. A improceder tal pretensão pede a Autora dever ser convertido o contrato de trabalho celebrado em 15.09.2003 em contrato de trabalho sem termo, por nula a cláusula que estipulou o termo e respectivas renovações e a Ré condenada a proceder à reintegração da Autora no seu posto de trabalho e a pagar-lhe 1. A quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais; 2. Os salários devidos desde 30 dias antes da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da decisão final. Para o caso de se entender que o contrato de trabalho não se converteu em contrato de trabalho sem termo, pede a Autora, em alternativa, a condenação da Ré a pagar-lhe uma compensação pela não renovação, no valor de € 3.600,00.
Alega a Autora, em síntese, que no dia 01.10.2002 celebrou com a Ré um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de 10 meses, para exercer as funções de auxiliar de cozinha no C…, cumprindo o horário de segunda a sexta-feira, das 10H às 18H, com uma hora de intervalo para almoço e mediante a retribuição mensal de € 375,00. Em 15.07.2003 terminou o ano escolar e o C… encerrou, pelo que a Autora permaneceu em casa até que o mesmo reabrisse. No dia 15.09.2003 a Autora e a Ré celebraram novo contrato de trabalho, com termo em 15.07.2004, para exercer as mesmas funções e auferindo igual remuneração mensal. No final do ano lectivo, 15.07.2004, o C… fechou e reabriu em 15.09.2004 tendo a Autora permanecido em cada durante esse período. A Ré nunca comunicou à Autora a caducidade dos contratos de trabalho a termo certo celebrados em 01.10.2002 e em 15.09.2003. Em 15.09.2004 a Autora retomou as suas funções. Em 15.07.2005 o ano escolar terminou e o C… encerrou, e a Autora permaneceu em casa até 15.09.2005, data em que retomou o seu trabalho, exercendo sempre as mesmas tarefas, no mesmo horário de trabalho e com a mesma remuneração mensal. Tal situação repetiu-se ao longo dos anos sendo certo que a partir de 15.07.2004 a Autora nunca assinou qualquer contrato de trabalho escrito com a Ré. Acontece que em 19.05.2009 a Ré remeteu à Autora carta a comunicar-lhe a não renovação do contrato de trabalho celebrado em 15.09.2008. No entanto, as cláusulas constantes dos contratos de trabalho e que estipulam o termo são nulas, e a carta remetida à Autora a comunicar a não renovação do contrato configura um despedimento ilícito.
A Ré contestou arguindo a incompetência material do Tribunal do Trabalho. Mais alegou a prescrição dos créditos laborais – relativamente aos contratos verbais ou escritos referentes aos anos de 2002 até 2007 – a validade dos contratos a termo certo celebrados com a Autora, concluindo pela procedência das invocadas excepções e pela total improcedência da acção. Requereu ainda a intervenção acessória do Município ….
A Autora veio responder concluindo pela improcedência das invocadas excepções.
A Mmª. Juiz a quo indeferiu a requerida intervenção acessória provocada e designou dia para a realização de uma audiência preliminar. Proferiu ainda despacho saneador onde julgou improcedente a excepção de incompetência absoluta material do Tribunal do Trabalho. De seguida, consignou os factos já assentes e elaborou a base instrutória.
Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal, respondeu-se aos quesitos e foi proferida sentença a julgar a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência, foi declarado a nulidade do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré e condenada esta a pagar-lhe a compensação correspondente ao valor das retribuições que a Autora deixou de auferir desde o dia 28.09.2009 até 14.12.2009, compensação essa à qual terão de ser deduzidas as quantias que a trabalhadora haja recebido a título de subsídio de desemprego no referido período temporal, as quais deverão ser entregues pela Ré à Segurança Social, a liquidar em incidente de liquidação. Dos mais pedidos foi a Ré absolvida.
A Autora veio recorrer da sentença – na parte em que não considerou nulas as cláusulas que estipularam o termo dos diversos contratos de trabalho a termo certo, com a consequente conversão em contrato sem termo – e requerer o reenvio prejudicial para o TJUE a fim de se pronunciar quanto à interpretação da Directiva Comunitária nº1999/70/CE, do Conselho de 28.07, respeitante aos acordo quadro CES, UNICE e CEEP, relativo a contratos a termo, transposta para o nosso ordenamento jurídico pela Lei nº99/2003, de 27.08 – pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por outra que condene a Ré a reconhecer a contratação a termo certo como ilegal, condenando-a a reintegrar a Autora no posto de trabalho e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir até à data da sentença, com a consequente procedência da acção, concluindo do seguinte modo: 1.A decisão recorrida incorreu no erro de considerar que o entendimento do TJ sobre a questão em apreço viola a CRP, nomeadamente o artigo 47º, nº2. 2.A jurisprudência do TJ é unânime em considerar que o direito da U.E. se impõe aos direitos nacionais, consagrando por isso o primado do direito da U.E. 3.E se alguma dúvida ainda pudesse existir com o Tratado de Lisboa ficou claro o primado do direito da União. 4.Os Tratados Constitutivos da União assimilaram dos diversos ordenamentos jurídicos os seus princípios fundamentais, pelo que o disposto no artigo 8º da CRP., mais não é do que um excesso de zelo da nossa Constituição da República, pois quando se está a referir aos princípios fundamentais, os mesmos dizem respeito ao princípio da soberania popular, princípio do pluralismo de expressão e organização democrática, princípio do respeito, garantia e efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, princípio da separação e interdependência dos poderes e a independência dos Tribunais. 5.Tais princípios estão acautelados nos Tratados Constitutivos da União, pelo que não há conflito com esses princípios. 6. Portugal, com a sua integração na então Comunidade Económica Europeia, actual, União Europeia, está vinculado aos compromissos que assumiu e que constam dos Tratados. 7.O Tribunal de 1ªinstância é o primeiro aplicador do Direito da União Europeia e da Jurisprudência do TJCE. 8.A questão de facto em apreço já foi julgada em Tribunais Nacionais que adoptaram o entendimento sufragado pelo TJCE, diga-se a título de exemplo: acórdão proferido em 04.07.2006, publicado na CJ do STJ de 2006, tomo2, página 11/22; o acórdão do STJ de 24.05.2006. 9.Dispõe o artigo 4º do Tratado de Lisboa que a União Europeia e os Estados Membros, se respeitam mutuamente, no cumprimento das obrigações decorrentes dos Tratados. Os Estados estão, por isso, obrigados a adoptar medidas necessárias para atingir os objectivos dos Tratados, e estão obrigados a não adoptar medidas que coloquem em causa esses objectivos. É a consagração do Princípio da Lealdade Europeia. Os Estados respeitam-se mutuamente e obrigam-se a adoptar medidas necessárias a atingir os objectivos comuns e, dessa forma, acautela-se o efeito útil das normas comunitárias. 10.Dispõe o artigo 53º da CRP que «É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos». Este direito surge no Capítulo dos Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores, é por isso, um direito fundamental, consagrado igualmente na DUDH, artigo 23º e na Convenção nº158 da OIT. 11.A protecção desse direito fundamental na União Europeia decorre da justaposição de três esferas jurisdicionais: a que decorre da Constituição de cada Estado Membro, dos tratados constitutivos da União Europeia e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 12.Não restam dúvidas que a contratação a termo, tal como se encontra descrita na petição inicial, e nos factos dados como provados, viola o princípio da segurança no emprego, pois estamos a falar de uma trabalhadora que durante sete anos trabalha para a recorrida, no mesmo local de trabalho, as mesmas funções, e ao fim de sete anos, é comunicada a caducidade do contrato, e simultaneamente, a recorrida contrata outras trabalhadoras para fazerem o que a recorrente fazia. 13. E foi comunicada a caducidade, que o mesmo é dizer despedimento, apenas e tão só porque a recorrente intentou um processo judicial contra a recorrida, razão pela qual só esta trabalhadora e uma outra que igualmente intentou um processo judicial contra a recorrida, dizia, só estas duas trabalhadoras, foram despedidas. 14. O TJCE é competente para apreciar os actos jurídicos europeus com base na violação dos direitos fundamentais, com fundamento no artigo 6º/2 do Tratado da União. 15.A sentença recorrida, ao considerar que não é possível a conversão em contrato sem termo, acarretando simplesmente a nulidade do contrato, esta posição seria subverter os objectivos da Directiva Comunitária, retirando-lhe qualquer efeito útil que não exclui do seu âmbito de aplicabilidade as relações de trabalho no âmbito das entidades públicas, A prevalência da Directiva não ofende os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático – artigo 8º, nº4 da CRP. 16.É dever do Juiz Nacional – no cumprimento da lealdade europeia prevista no artigo 10º do Tratado da Comunidade e agora no artigo 4º, nº3 do Tratado de Lisboa – recorrer às normas do direito privado que se harmonizem com o estabelecido na Directiva, a significar que o contrato de trabalho é um contrato de trabalho por tempo indeterminado na medida em que se destinou a satisfazer necessidades permanentes e duradouras do empregador, ou a não se entender que as necessidades são de carácter permanente, que viola a norma do disposto no artigo 132º do CT, pelo que nos termos do disposto no nº3 da mesma considera-se sem temo. 17.A comunicação da caducidade configura um despedimento ilícito, pelo que deve a recorrida ser condenada a reintegrar a recorrente no seu posto de trabalho, a pagar todas as retribuições devidas até à decisão final. 18.Uma vez que a questão de direito contende com a interpretação de direito da União Europeia, requer ao abrigo do artigo 267º do Tratado de Lisboa, o reenvio prejudicial. 19.A sentença recorrida violou as normas dos artigos 267º do Tratado de Lisboa, a Directiva Comunitária 1999/70/CE, artigo 4º do Tratado de Lisboa, artigo 53º e artigo 8º, nº4 da Constituição da República Portuguesa, artigo 220 do Tratado da Comunidade, artigos 384º, 140º, nº2, 132º e 389º, nº1, al. a) do CT, e artigo 496º do C. Civil.
A Ré contra alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida, pedindo seja indeferido o requerido reenvio prejudicial.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da total improcedência do recurso.
Admitido o recurso e corridos os vistos cumprir decidir.
* * * II
Matéria de facto dada como provada e a ter em conta na decisão do recurso. 1. No dia 01.10.2002 foi celebrado entre Autora e Ré o acordo escrito junto aos autos a folhas 17 e 18, intitulado «Contrato de trabalho a termo certo», com o seguinte teor: “Contraentes: Primeira: Junta de Freguesia …, (…) Segundo: B…, (…) Entre ambos os contraentes é estabelecido e mutuamente aceite o presente Contrato de trabalho a termo certo nos termos das cláusulas seguintes: Primeira 1 – A segunda contraente obriga-se a desempenhar, em benefício da primeira contraente, a função de tarefeira. 2 – A função em causa compreende a execução dos serviços inerentes à sua categoria, designadamente auxiliar de cozinha. Segunda O período de trabalho da segunda contraente é de 35 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta e com o seguinte horário de trabalho: início às 10 h e termo às 18 h, com 1 hora de intervalo para almoço. Terceira 1 – O local de trabalho da segunda contraente é no C…. 2 – A segunda contraente poderá ser solicitado pela primeira contraente para exercer as suas funções fora do local referido no número anterior, desde que seja designadamente para a frequência de estágios ou de cursos de aperfeiçoamento profissional. Quarta 1 – A remuneração mensal ilíquida da segunda contraente é de 375.00 (trezentos e setenta e cinco euros). 2 – A primeira contraente, em retribuição pelos serviços prestados pela segunda, obriga-se ainda a assegurar-lhe todos os benefícios do regime geral de previdência, segurança social e segurança no trabalho, não havendo lugar a pagamento de subsídio de refeição, de férias e natal. Quinta Este contrato é válido pelo prazo de 10 meses a contar da data da sua assinatura. Sexta Este contrato é válido pelo prazo estabelecido na cláusula anterior, cessando a partir desse momento. Sétima Na integração das lacunas emergentes do clausulado no presente contrato, aplicar-se-ão as disposições vigentes sobre o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e caducidade do contrato a termo, constante do Dec-Lei nº64-A/89, de 27 de Fevereiro (…)”. 2. Nos termos do acordo aludido em 1, a Autora obrigou-se, sob a direcção, fiscalização e orientação da Ré, a exercer as funções de auxiliar de cozinha, no C…, de acordo com o horário de trabalho de 35 horas semanal, distribuídas de segunda a sexta, com início às 10 h e termo às 18 h, com uma hora de intervalo para almoço, mediante a retribuição mensal ilíquida de € 375,00. 3. Em 15 de Julho de 2003, terminou o ano escolar e o C… encerrou. 4. No dia 15.09.2003 foi celebrado entre Autora e Ré o acordo escrito junto aos autos a folhas 19 e 20, intitulado «Contrato de trabalho a termo certo», com o seguinte teor: “Contraentes: Primeira: Junta de Freguesia …, (…) Segundo: B…, (…) Entre ambos os contraentes é estabelecido e mutuamente aceite o presente Contrato de trabalho a termo certo nos termos das cláusulas seguintes: Primeira 1 – A segunda contraente obriga-se a desempenhar, em benefício da primeira contraente, a função de tarefeira. 2 – A função em causa compreende a execução dos serviços inerentes à sua categoria, designadamente auxiliar de cozinha. Segunda O período de trabalho da segunda contraente é de 35 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta e com o seguinte horário de trabalho: início às 10 h e termo às 18 h, com 1 hora de intervalo para o almoço. Terceira 1 – O local de trabalho da segunda contraente é no C…. 2 – A segunda contraente poderá ser solicitado pela primeira contraente para exercer as suas funções fora do local referido no número anterior, desde que seja designadamente para a frequência de estágios ou de cursos de aperfeiçoamento profissional. Quarta 1 – A remuneração mensal ilíquida da segunda contraente é de 375.00 (trezentos e setenta e cinco euros). 2 – A primeira contraente, em retribuição pelos serviços prestados pela segunda, obriga-se ainda a assegurar-lhe todos os benefícios do regime geral de previdência, segurança social e segurança no trabalho, não havendo lugar a pagamento de subsídio de refeição, de férias e natal. Quinta Este contrato é válido do dia 15.09.2003 a 15.07.2004. Sexta Este contrato é válido pelo prazo estabelecido na cláusula anterior, cessando a partir desse momento. Sétima Na integração das lacunas emergentes do clausulado no presente contrato, aplicar-se-ão as disposições vigentes sobre o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e caducidade do contrato a termo, constante do Dec-Lei nº64-A/89, de 27 de Fevereiro (…)”. 5. No final do ano lectivo – 15.07.2004 – o C… fechou e só reabriu em 15.09.2004. 6. Em 15.09.2004, a Autora continuou a exercer as mesmas funções que até essa data exercia no C…, a cumprir o mesmo horário de trabalho e a auferir a mesma retribuição. 7. Em 15.07.2005, o ano escolar terminou e encerrou o C…. 8. Em 15.09.2005 a Autora continuou a receber a mesma retribuição de € 375,00, a cumprir o mesmo horário de trabalho e ajudar na cozinha. 9. Em 15.07.2006 terminou o ano escolar. 10. Em 15.07.2007, o C… fechou às crianças, deixou de ter actividade de apoio às crianças. 11. Em 15.09.2007, a Autora continuou a cumprir o mesmo horário de trabalho e a auferir a mesma retribuição. 12. A Autora manteve-se no mesmo local de trabalho até 15.07.2008, data em que terminou o ano escolar e encerrou o C…. 13. No dia 15.09.2008 a Autora compareceu ao trabalho e exerceu as funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças do C… e continuou a auferir a retribuição de € 375,00 ilíquida. 14. A Autora recusou-se a assinar um novo contrato escrito para o ano de 2008/2009, no qual constava a data de 15.09.2008, junto aos autos a folhas 21 e 22, intitulado «Contrato de trabalho a termo», contrato esse que tinha o seguinte teor: “Entre o primeiro outorgante, Junta de Freguesia … (…) e B… (…), adiante designada como segundo outorgante. É celebrado o presente contrato de trabalho a termo, a tempo parcial, contrato esse que se regerá pelas seguintes cláusulas, acordadas e aceites por ambas as partes e pelo disposto na Lei nº23/2004, de 22 de Junho e no Código de trabalho, aprovado pela Lei nº99/2003, de 27 de Agosto: Primeira: A contratação é celebrada para o exercício de funções de tarefeira; Segunda: As funções a desempenhar pelo segundo outorgante serão as relacionadas com serviço de refeições nos C… e D…; Segunda: O horário normal de trabalho é de 35 horas semanais, competindo ao representante do primeiro outorgante estabelecer o respectivo horário de trabalho; Quarta: A remuneração ilíquida horária do segundo outorgante será de 2,50 €, subsídio de férias de valor correspondente aos dias de férias a que tiver direito e subsídio de natal correspondente a tantos duodécimos quantos os meses de serviço efectuado, conforme o previsto nos artigos 254º e 255º do Código de Trabalho. Quinta: A aquisição do direito a férias rege-se pelo estipulado no artigo 212º da Lei nº99/2003 de 27 de Agosto. Sexta: A contratação visa satisfazer necessidades temporárias dos serviços decorrentes de protocolo com a Câmara Municipal …, nomeadamente para a gestão da componente social dos estabelecimentos do ensino pré-escolar e gestão do funcionamento do serviço de refeições no âmbito do programa de generalização do fornecimento de refeições nas D1…. Sétima: O presente contrato tem início a 15 de Setembro de 2008, data a partir da qual o presente contrato produz efeitos, e o final do ano lectivo 2008/2009, estabelecido pelo Ministério da Educação. Oitava: O segundo outorgante desempenhará as funções na área da Freguesia de Várzea da Ovelha e Aliviada. Nona: O presente contrato não confere a qualidade de funcionário público ou agente administrativo, sendo-lhe aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial, com as especificidades constantes da já referida Lei nº23/2004. A cessação do contrato rege-se pelo estipulado no artº384º da Lei nº99/2003, de 27 de Agosto. A despesa resultante do presente contrato tem cabimento orçamental no ano económico em curso da dotação com a seguinte classificação: …… (…)”. 15. Em 19.05.2009 a Ré enviou à Autora uma carta, que foi recebida por esta, com seguinte teor: “ (…) ASSUNTO: Caducidade do contrato de trabalho Data 19.05.2009 Esta Junta de Freguesia celebrou a 15 de Setembro de 2008, contrato de trabalho a termo certo com V.Exª., cujo prazo de caducidade ocorrerá a 15 de Julho de 2009. Tendo em vista formalizar a cessação do contrato, vimos por este meio, comunicar a V.Exª. Que não é nossa intenção renovar o contrato de trabalho a termo certo celebrado com V.Exª. Em 15 de Setembro de 2008. Mais solicitámos a V.Exª. que agende, em Julho, dia e hora para passar nas instalações da Junta de Freguesia para levantar recibo de vencimento, bem como regularizar quaisquer outros montantes eventualmente em débito (…)”. 16. À data do envio da carta aludida em 15 a Autora auferia uma retribuição mensal de € 450,00. 17. Aquando da comunicação aludida em 15, a Ré fez igual comunicação a todas as outras trabalhadoras que se encontravam ao seu serviço. 18. Com excepção da Autora e de outra colega de trabalho – E… – todas as demais trabalhadoras celebraram, em Setembro de 2009, outro contrato de trabalho, para exercer as mesmas funções. 19. Em Julho de 2009 a Ré pagou à Autora a retribuição referente ao mês de Junho de 2009 no valor de € 450,00, 15 dias de trabalho referente ao mês de Julho no valor de € 225,00 e ainda € 243,75 referente a subsídio de férias e € 243,75 referente a subsídio de natal. 20. A Autora subscreveu a declaração constante a folhas 56 dos autos, com o seguinte teor: “B… (…), declara que recebeu da Junta de Freguesia …, pelos serviços prestados no C…, tudo a que tinha direito, remuneração mensal, subsídio de férias, subsídio de natal e horas que tenha efectuado, referente ao contrato para o ano lectivo 2008/2009 de 15 de Setembro de 2008 a 15 de Julho de 2009, não tendo por isso mais nada a receber, declara mais ainda, que lhe foi entregue pela Junta de Freguesia, impresso da Segurança Social para declaração de situação de desemprego. …, 15 de Julho de 2009”. 21. Foi entregue pela Ré à Autora a declaração de situação de desemprego constante de folhas 54 a 55 dos autos, da qual consta que o contrato de trabalho cessou em 15.07.2009. 22. Na data referida em 3, a Autora foi para casa. 23. Para além de exercer as funções de auxiliar de cozinha a Autora das 15 às 18 horas ajudava a tomar conta das crianças no prolongamento do horário escolar. 24. Em 15.07.2004 a Autora foi para casa. 25. A Ré não comunicou por escrito à Autora a vontade de fazer cessar o contrato celebrado em 01.10.2002 aludido em 1. 26. A Ré não comunicou por escrito à Autora a vontade de fazer cessar o contrato celebrado em 15.09.2003 aludido em 4. 27. Em 15.09.2004, com a abertura do ano escolar, a Autora passou a exercer no C… as funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças no prolongamento do horário escolar que tinha exercido no ano escolar anterior. 28. Na data referida em 7 a Autora ficou em casa. 29. Em 15.09.2005, com a abertura do ano escolar, a Autora passou a exercer no C… as funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças no prolongamento do horário escolar que tinha exercido no ano escolar anterior. 30. Em 15.07.2006 o C… ficou encerrado, sem receber crianças, e a Autora foi para casa. 31. Em 15.09.2006, com a abertura do ano escolar a Autora passou a exercer no C… as funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças no prolongamento do horário escolar que tinha exercido no ano escolar anterior, com a mesma retribuição e o mesmo horário de trabalho. 32. Na data referida em 10 a Autora foi para casa. 33. Em 15.09.2007, com a abertura do ano escolar a Autora passou a exercer no C… as funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças no prolongamento do horário escolar que tinha exercido no ano escolar anterior. 34. Na data referida em 12 a Autora foi para casa. 35. Em 15.09.2008, com a abertura do ano escolar a Autora passou a exercer no C… as funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças no prolongamento do horário escolar que tinha exercido no ano escolar anterior. 36. Em Outubro de 2008, foi realizada uma reunião entre a Junta de Freguesia aqui Ré e as trabalhadoras do C…, tendo o Presidente da Junta proposto às trabalhadoras que assinassem um novo contrato de trabalho mais precisamente o contrato aludido em 14. 37. A partir de 15.07.2004 a Autora não assinou qualquer outro contrato. 38. Para o ano escolar de 2009/2010 e para exercer no C… as funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças no prolongamento do horário escolar a Ré contratou duas trabalhadoras – F… e G… – que trabalham a tempo parcial, uma da parte de manhã e a outra da parte de tarde. 39. A Câmara Municipal … incentivou a existência e o funcionamento de … nas freguesias do concelho, tendo pedido a colaboração das Juntas de Freguesia do concelho e dos pais das crianças que contribuem mensalmente com certa quantia. 40. A Câmara Municipal concedia a cada Junta de Freguesia, inclusive a Ré, um certo subsídio, sendo que competia à Ré a gestão do C…, pagando ao pessoal auxiliar e os gastos da cantina que o serve, o que fazia com verbas disponibilizadas pela Câmara e pelos pais. 41. A Ré teve que organizar em cada … existente na Freguesia … a respectiva cozinha e refeitório, contratando o respectivo pessoal. 42. Os … geridos pelas Juntas de Freguesia do concelho de … funcionam desde 15 de Setembro a 15 de Julho seguinte, laborando apenas 10 meses por ano, incluindo já as férias escolares. 43. Para tanto, a Câmara Municipal celebra no início do ano escolar um protocolo com a Ré onde são definidos os direitos e deveres da Câmara Municipal e Junta de Freguesia. 44. Cada protocolo vigora pelo período coincidente com o ano lectivo e sujeito a renovação expressa ou tácita. 45. A Autora sempre teve conhecimento da existência de um protocolo celebrado entre a Ré e a Câmara Municipal … e de que a sua actividade era anual, correspondendo o seu trabalho ao início e fim do ano escolar. 46. A Autora pelo menos até Outubro de 2008 sempre aceitou que a cada ano correspondia um acordo de trabalho autónomo e distinto. 47. A Autora foi contratada pela Ré dentro do condicionalismo referido em 39 a 46, tal como as demais trabalhadoras da cozinha e do refeitório (pessoal auxiliar). 48. A Ré, no âmbito do protocolo celebrado anualmente com a Câmara Municipal ou renovado anualmente, celebrava um acordo de trabalho, por igual período, para cada ano lectivo e para cada trabalhador do C…. 49. A partir de 15.07.2006 a Ré passou a emitir a respectiva declaração para o Fundo de Desemprego para que a Autora beneficiasse do subsídio de desemprego. 50. A Autora beneficiou do respectivo subsídio de desemprego no ano de 2006, no ano de 2007, no ano de 2008 e no ano de 2009, sendo que: no ano de 2006 beneficiou de tal subsídio 30 dias em Agosto e 15 dias em Setembro; no ano de 2007 beneficiou de tal subsídio 15 dias em Julho, 30 dias em Agosto e 15 em Setembro; no ano de 2008 beneficiou de tal subsídio 13 dias em Julho, 30 dias em Agosto e 15 dias em Setembro; no ano de 2009 beneficiou de tal subsídio a partir de 16 de Julho. 51. A Ré no início de cada um dos anos lectivos que decorreram entre 2002/2003 a 2008/2009 admitiu a Autora ao serviço com base no protocolo que aquela celebrava e se renovava anualmente, sondo os acordos de trabalho coincidentes com o ano lectivo e terminando cada um com o fim do ano lectivo em 15 de Julho. 52. A Ré não assumiu para com a Autora o compromisso de a contratar para cada um dos anos seguintes. 53. Pelo menos até Outubro de 2008 a Autora concordou com o sistema e prática aludidos em 46, 48, 49 e 51. 54. As trabalhadoras F… e G… a que se alude em 38 trabalham apenas 3 horas por dia, cada uma. 55. Não existe na Ré qualquer quadro para o pessoal auxiliar.
* * * III
Questões em apreciação. 1. Da nulidade dos contratos de trabalho a termo certo e a sua conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado. 2. Do reenvio prejudicial ao abrigo do disposto no artigo 267º do Tratado de Lisboa, tendo em vista a interpretação da Directiva Comunitária nº1999/70/CE, do Conselho de 28.07, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP.
* * * IV
Da nulidade dos contratos de trabalho a termo certo e a sua não conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado – A Directiva Comunitária nº1999/70/CE, do Conselho de 28.07, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP.
A apelante começa por dizer que o Tribunal a quo não considerou nula a cláusula que estipulou o termo dos contratos celebrados em 1.10.2002 e 15.09.2003. Salvo o devido respeito não podemos concordar com tal afirmação da Autora, na medida em que se afirma na sentença recorrida que “os contratos de trabalho escritos celebrados entre a autora e a ré, iniciados em 1 de Outubro de 2002 e 15 de Setembro de 2003, cujas cláusulas que estipulam o termo não se encontram justificadas nos termos legalmente exigidos, estavam, face ao preceituado no artigo 294º do Código Civil, feridos de nulidade, não sendo admissível a consideração ou conversão do contrato de trabalho em causa em contrato por tempo indeterminado”. Ou seja, e se bem se entendeu o exarado na sentença recorrida, nela se afirma a nulidade do termo aposto nos referidos contratos a termo certo mas afasta-se, em consequência dessa nulidade, a sua conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado.
E se assim é, o presente recurso passa, essencialmente, pela análise da questão «da não conversão do contrato a termo em contrato de trabalho por tempo indeterminado». Posto isto podemos avançar.
A Mmª. Juiz a quo – seguindo o entendimento exposto nos acórdãos do Tribunal Constitucional com os nº368/2000 e nº61/2004 – concluiu pela não conversão dos contratos a termo em contrato de trabalho por tempo indeterminado, sob pena de violação do disposto no artigo 47º, nº2 da Constituição da República Portuguesa. Mais defendeu que “o princípio do primado do direito comunitário não se sobrepõe, pelo menos, às normas constitucionais e à interpretação que, com força obrigatória geral, delas foi feita pelo Tribunal Constitucional nos mencionados Acórdãos 368/2000 e 61/2004”, aderindo, neste particular, ao entendimento sufragado no acórdão desta Secção Social de 16.03.2009 (e cuja relatora foi a aqui 2ªadjunta).
A apelante diz que o entendimento sufragado na sentença recorrida – não conversão dos contratos a termo certo em contrato de trabalho por tempo indeterminado – viola o disposto no artigo 53º da Constituição da República Portuguesa e colide com os princípios estabelecidos pela Directiva Comunitária nº1999/70/CE, do Conselho, de 28.07, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP, a qual deve prevalecer sobre o direito interno. Vejamos então.
Nas datas da celebração dos contratos a termo certo – 1.10.2002 e 15.09.2003 – estava em vigor o DL nº 427/89 de 07.12 [alterado pelo DL nº218/98 de 17.07], aplicável por força do disposto no DL nº409/91 de 17.10. O primeiro diploma regulamenta os princípios a que obedece a relação jurídica de emprego na Administração Pública, e o segundo procede à aplicação à administração local autárquica daquele DL nº427/89.
Refere o artigo 1º, nº1 do DL nº409/91 de 07.12 que “O disposto no Decreto-Lei nº427/89, de 7 de Dezembro, aplica-se à administração local, com as adaptações constantes do presente diploma”. Por sua vez o artigo 14º, nº3 do DL nº427/89 de 07.12 determina que “ O contrato de trabalho a termo certo não confere a qualidade de agente administrativo e rege-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, com as especialidades constantes do presente diploma”.
E o artigo 18º, nº4 do DL nº427/89 de 07.12 prescreve que “O contrato de trabalho a termo certo a que se refere o presente diploma não se converte, em caso algum, em contrato sem termo”.
Da conjugação de todas as disposições legais resulta que – e não obstante os contratos a termo celebrados com a Autora não conterem a “indicação do motivo justificativo” [como obriga o disposto no artigo 42º, nº1, al. e) do DL nº64-A/89 de 27.02, aplicável aos referidos contratos atenta a data da celebração dos mesmos] – eles nunca se converterão em contratos de trabalho por tempo indeterminado.
Mas a resposta terá de ser outra bem diferente como vamos de seguida expor.
Determina o art.2º, al. n), da Lei Preambular ao Código do Trabalho/2003 o seguinte: “Com a aprovação do Contrato de Trabalho é efectuada a transposição, parcial ou total, das seguintes directivas comunitárias: Directiva nº1999/70/CE, do Conselho, de 28 de Junho, respeitante ao acordo quadro CES, UNICE e CEEP relativo a contratos de trabalho a termo”.
No referido Acordo Quadro, preâmbulo do Anexo, consta o seguinte: (…) “ as partes signatárias deste acordo reconhecem que os contratos de trabalho sem termo são e continuarão a ser a forma mais comum no que diz respeito à relação laboral entre empregadores e trabalhadores”, determinando, no Anexo, o seu art.1º que “O objectivo do presente acordo quadro consiste em a) melhorar a qualidade do trabalho sujeito a contrato a termo garantindo a aplicação do princípio da não discriminação; b) estabelecer um quadro para evitar os abusos decorrentes da utilização de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo”. Por sua vez o art.2º nº1 refere que “o presente acordo é aplicável aos trabalhadores contratados a termo ou partes numa relação laboral, nos termos definidos pela lei, convenções colectivas ou práticas vigentes em cada Estado-Membro”, e o art.5º “para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados-Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei” (…) “ deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de sectores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas: a) razões objectivas que justifiquem a renovação dos supra mencionados contratos ou relações laborais; b) duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo; c) número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo” (nº1); “ Os Estados-Membros, após consulta dos parceiros sociais” (…) “ deverão, sempre que tal seja necessário, definirem que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados: a) como sucessivos; b) como celebrados sem termo” (nº2).
Do acabado de transcrever podemos concluir que as medidas de prevenção do recurso abusivo aos contratos de trabalho a termo são aplicáveis quer às relações de trabalho estabelecidas no sector público quer às relações estabelecidas no sector privado.
Neste sentido é a posição de Susana Sousa Machado em “Contrato de Trabalho a Termo – A Transposição da Directiva 1999/70/CE para o Ordenamento Jurídico Português: (In)compatibilidades”, página 299.
E se na referida Directiva não se fez qualquer distinção quanto à natureza pública ou privada do empregador, certo é que o nosso legislador ordinário acabou por fazer essa distinção – primeiramente no art.18º nº4 do DL nº427/89 de 07.12 (na redacção dada pelo DL nº218/98 de 17.07) e posteriormente no art.10º nº2 da Lei 23/2004 de 22.06 – ao determinar que verificados certos pressupostos, se o empregador for público o contrato a termo não se converte em contrato sem termo, mas se o empregador for privado então a conversão (baseada nos mesmos pressupostos) já ocorre.
E porquê esta distinção?
O Tribunal Constitucional decidiu que essa distinção se justifica sob pena de violação do disposto no art.47º nº2 da Constituição da República Portuguesa (acórdão 368/00, com força obrigatória geral, publicado no DR 1ª-A série, nº277, de 30.11.2000, contendo seis votos de vencido).
Mas, e salvo o devido e muito respeito, não parece que assim seja.
Na verdade, e neste particular acompanhámos as considerações de Francisco Liberal Fernandes quando refere que o princípio da igualdade de acesso à função pública consagrado no art.47º, nº2 da C.R.P., “não é aplicável aos contratos a termo celebrados pela Administração, mas apenas às relações de serviço constituídas através de nomeação ou de contrato administrativo de provimento” (Questões Laborais, 2002, nº19, pg.80/81).
Aliás, quando no art.47º, nº2 da C.R.P. se fala que todos têm direito de acesso à função pública “em condições de igualdade e liberdade, em regra, por via de concurso”, tal não significa que a única via de acesso seja o concurso (nosso sublinhado).
Também Susana Sousa Machado sustenta que a “argumentação do Tribunal Constitucional poderá começar a perder progressivamente as suas bases de sustentação” por se estar perante situação em que “o trabalhador não iria aceder à modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público por nomeação mas tão só a um contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado” – obra citada, páginas 317 e 318.
Por isso, e tendo em conta os princípios estabelecidos na Directiva 1999/70/CE, está o Estado Português obrigado a definir medidas concretas que punam o recurso sucessivo à celebração de contratos de trabalho a termo, quer na Administração Pública quer no Sector Privado, sendo certo que a distinção a que atrás nos referimos viola claramente o direito à segurança no emprego previsto no art.53º da C.R.P.
E o direito à segurança no emprego não se satisfaz com a criação de uma compensação pecuniária devida ao trabalhador pela falsa expectativa de emprego permanente que de algum modo a contratação “sucessiva” criou no seu espírito e na sua vida pessoal e familiar – e que a Directiva teve em conta igualmente no seu preâmbulo.
Neste particular são oportunas e pertinentes as considerações feitas por Susana Sousa Machado, considerações que acompanhamos na íntegra e que aqui se deixam transcritas: (…) “Sucede que, segundo acreditamos, Portugal tem uma legislação que não está em condições de prevenir eficazmente a utilização abusiva de contratos a termo quando se trata de uma entidade empregadora pública e, dessa forma, não garante o efeito útil da norma comunitária. A verdade é que, prevenir e compensar são realidades bem diferentes. Ora, assim sendo, parece-nos que o regime jurídico do contrato de trabalho em funções públicas”, e também o DL nº427/89 de 07.12 dizemos nós, “não procura acautelar ou impedir a celebração de sucessivos contratos a termo, o que é manifestamente contrário ao art.5º do acordo quadro, cujo objectivo é prevenir a utilização abusiva desses contratos. Julgamos, outrossim, que a medida consagrada no nosso ordenamento jurídico, a jusante da prevenção, se insere unicamente numa lógica de compensação” (…) “haverá, portanto, uma certa monetarização da utilização abusiva de contratos a termo sucessivos por uma entidade empregadora do sector público. Restará, então, ao sector público celebrar sucessivos contratos a termo com o mesmo trabalhador e para o mesmo posto de trabalho, para satisfação de necessidades permanentes, e esperar que o trabalhador, coagido pela necessidade de ter um emprego (ainda que precário), não invoque a responsabilidade civil do dirigente máximo do órgão que celebrou o contrato de trabalho” – obra citada página 324.
Em conclusão: o DL nº427/89 de 07.12 não consagra medidas efectivas de protecção dos trabalhadores contra o uso e abuso da celebração de contratos de trabalho a termo, e como tal não cumpre os objectivos impostos pela Directiva.
Basta ler o preâmbulo do DL nº218/98 de 17.07 (que alterou o DL nº427/89 de 07.12), para concluirmos que o legislador conhece perfeitamente a realidade da contratação de trabalhadores por contrato de trabalho a termo certo, e o uso e abuso que se fez, (e faz) desses contratos para satisfazer necessidades permanentes dos serviços. E não obstante tal conhecimento, o legislador não foi capaz (por razões que aqui e agora não interessam averiguar) de “travar” esse abuso (como aliás soube perfeitamente fazer no sector privado), adoptando medidas concretas de protecção para esses trabalhadores, no caso de violação das regras que determinaram a contratação a termo.
Assim sendo – e no seguimento da posição que a aqui relatora e 1ºadjunto vêm defendendo – podemos concluir ser abusivo o recurso ao disposto no artigo 18º, nº4 do DL nº427/89 de 07.12 quando, como no caso da presente acção, a Ré celebrou com a Autora dois contratos a termo certo [cada uma deles com a duração de 10 meses, mediando entre ambos um intervalo de um mês e meio] para o exercício das mesmas funções, no mesmo local de trabalho e com o mesmo horário de trabalho, sem tão pouco justificar – como determinam os artigos 18º, nº2, alíneas a), b), c), d), e) do DL nº427/89 de 07.12 e 42º, nº1, al. e) do DL nº64-A/89 de 27.02 – o motivo da sua celebração. A isto acresce o facto de a Ré ter mantido a Autora, a partir de 15.07.2004 e até 15.07.2009 a exercer as mesmas funções, mas desta vez sem qualquer vínculo laboral escrito [a Ré apresentou à Autora, um contrato a termo, com a data de 15.09.2008, e que esta recusou assinar].
Tal comportamento da Ré só pode significar – segundo as regras da experiência – que ela usou a contratação a termo certo para suprir necessidades não transitórias dos serviços – em clara violação do disposto no artigo 18º, nº1 do DL nº427/89 de 07.12 [“O contrato de trabalho a termo certo é o acordo bilateral pela qual uma pessoa não integrada nos quadros assegura, com carácter de subordinação, a satisfação de necessidades transitórias dos serviços de duração determinada”] e do estabelecido no nº5 do artigo 21º do mesmo diploma [“ Os contratos de trabalho a termo certo consideram-se sempre celebrados por urgente conveniência de serviço”] – não dando cumprimento ao determinado no direito comunitário, concretamente ao estabelecido na Directiva 1999/70/CE.
E como já anteriormente afirmámos que nos citados diplomas não se previu a protecção dos trabalhadores para situações como as descritas (ao contrário do que acontece no sector privado), em clara violação dos objectivos impostos pela Directiva, terá esta de prevalecer sobre o disposto nos artigos 18º nº4 do DL nº427/89 de 07.12 [ver Constituição da República Portuguesa anotada de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, artigos 1º a 107º, página 264 anotação XIV, página 265 anotação XV e página 271 anotação XXIII].
E será conveniente aqui relembrar que tal prevalência decorre do facto do Estado Português, no âmbito do regime jurídico do contrato de trabalho na administração pública, não ter consagrado as medidas efectivas ao combate ao uso e abuso da celebração de contratos de trabalho a termo.
Com efeito, as medidas estabelecidas no artigo 18ºnº5 do DL 427/89 de 7.12 não têm sido eficazes no referido combate.
Neste particular vamos passar a citar aqui as razões expostas no acórdão proferido no processo 375/08.3TTGDM.P1 (e relatado pelo aqui 1ºadjunto), razões que se mostram pertinentes, e que são as seguintes: (…) “na verdade, como é conhecido, nomeadamente, na nossa prática judiciária, os contratos de trabalho a termo sucessivos na Administração Pública proliferam, sem que se consiga perceber a razão pela qual, tendo eles carácter excepcional, face ao declarado na lei, nos surjam com tanta frequência. Tal será, eventualmente, explicável porque a legal responsabilidade civil, disciplinar e financeira surge apenas a jusante, nada prevenindo em cada caso concreto. Assim, para além de não ser eficaz como pretende a Directiva, a responsabilidade civil do dirigente, a ser actuada, apenas poderia estabelecer uma indemnização para o trabalhador, o que é insuficiente para o cumprimento do princípio da segurança no emprego, ínsito no artigo 53º da CRP, pois este exige a possibilidade de reintegração” (…) para mais à frente concluir que “pelo menos entre nós e tanto quanto sabemos, nunca um dirigente da função pública foi chamado a responder nesses termos, perante um trabalhador precário, maxime, civilmente, pelos danos sofridos com a cessação do contrato” (…).
E para finalizar se dirá que a posição defendida no presente acórdão – prevalência da Directiva – não ofende os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático (artigo 8º, nº4 da CRP). E igualmente não atenta contra o Acórdão do Tribunal Constitucional nº368/00 de 11.7.2000 e sua força obrigatória geral, já que no mesmo acórdão não foi tratada a questão nos termos aqui abordados sendo que à data da sua prolação ainda não tinha sido introduzida a alteração ao artigo 8º da Constituição da R. Portuguesa (o nº4 deste artigo foi acrescentado pela Lei Constitucional nº1/2004 – 6ªrevisão constitucional).
Cumpre, ainda, e a título de nota final, dizer que à data da celebração dos contratos a termo – 1.10.2002 e 15.09.2003 – já a Directiva deveria ter sido transposta para a Ordem Jurídica Portuguesa, o que não aconteceu [segundo o artigo 2º da Directiva o prazo de integração da mesma na ordem jurídica dos Estados-Membros deveria ocorrer até 10.07.2001 ou o mais tardar até 10.07.2002].
A dita transposição ocorreu já fora do referido prazo mas tal não impede a sua aplicação ao caso concreto conforme é referido no acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias e que passámos a citar: “No caso de uma directiva ser transposta para o ordem jurídica do Estado-Membro em causa fora do prazo e de as suas disposições pertinentes não terem efeito directo, os tribunais nacionais, na medida do possível, devem interpretar o direito interno, a partir do termo do prazo de interposição, à luz do teor e da finalidade da directiva em causa, para alcançar os resultados por esta prosseguidos, privilegiando a interpretação das normas nacionais mais conforme a essa finalidade, de modo a chegar, assim, a uma solução compatível com as disposições da referida directiva” – acórdão de 04.07.2006 publicado na CJ, acórdãos do STJ, ano 2006, tomo 2, páginas 11 e seguintes.
Assim, e por todas as razões que se deixaram consignadas, é dever do Juiz Nacional – no cumprimento do princípio da lealdade europeia prevista no artigo 10º do Tratado da Comunidade e agora no artigo 4º, nº3 do Tratado de Lisboa – recorrer às disposições do direito privado que se harmonizem com o estabelecido na Directiva, a significar que o contrato de trabalho da Autora a termo certo celebrado em 01.10.2002 se converteu – ao abrigo do disposto no artigo 14º, nº3 do DL nº427/89 de 07.12, com referência ao disposto nos artigos 42º, nº3 e 41º-A, nº1 do DL nº64-A/89 de 27.02 [este último vigente à data da celebração de ambos os contratos a termo certo, e com a redacção dada pela Lei nº18/2001 de 03.07] – num contrato de trabalho por tempo indeterminado na medida em que a Ré não fez consignar, como devia, o motivo da sua celebração e também usou a referida contratação para satisfazer necessidades permanentes e duradouras [note-se, que tais necessidades duram desde 2002 e perduram mesmo após a saída da Autora].
Cumpre finalmente referir que abordámos a questão em termos de à Ré ser aplicável o regime previsto no DL nº427/89 de 07.12, por força do estatuído no DL nº409/91 de 17.10 [relembremos aqui que este último diploma veio proceder à aplicação à administração local autárquica do DL nº427/89 de 07.12], tendo em conta a abordagem feita na sentença a tal respeito. No entanto, e analisando os contratos a termo certo celebrados em 01.10.2002 e 15.09.2003 podemos concluir que a Ré agiu com a Autora, ao contratá-la, como agiria qualquer entidade empregadora privada, a significar que a não justificação do termo aposto nos dois contratos conduziria, necessariamente, à nulidade dos contratos e à sua conversão em contrato de trabalho sem termo, reportando-se a antiguidade da Autora a 01.10.2002.
* * * V
Do reenvio prejudicial.
Em face da conclusão a que chegámos anteriormente considera-se ficar prejudicado o pedido de reenvio formulado pela Autora/recorrente.
* * * VI
Da declaração de caducidade comunicada pela Ré à trabalhadora.
Perante a conversão do contrato a termo em contrato sem termo, a declaração de caducidade operada pela Ré em 15.05.2009 traduz um despedimento ilícito, atento o disposto no artigo 14º, nº3 do DL nº427/89 de 07.12 [na redacção dada pela Lei nº23/04 de 22.06], com referencia ao artigo 381º, al. c) do CT/2009.
* * * VII
Dos créditos da Autora.
Para além do direito a ser reintegrada – artigo 389º, nº1 al. b) do CT/2009 – a Autora tem direito a receber as remunerações que deixou de auferir desde 28 de Setembro de 2009 até ao trânsito em julgado do presente acórdão – artigo 390º, nº1 e nº2, do CT/2009 – e sem prejuízo do disposto na al. c) do nº2 do mesmo artigo, a liquidar posteriormente, dado este Tribunal não possuir, desde já, todos os elementos para proceder ao cálculo das retribuições. Os juros são devidos nos termos do disposto no artigo 805º, nº3 do C. Civil. Relativamente ao pedido de indemnização por danos não patrimoniais, o mesmo foi julgado improcedente pelo Tribunal a quo e não tendo a Autora recorrido da sentença nesta parte, a decisão transitou em julgado neste particular.
* * *
Termos em que se julga a apelação procedente, se revoga a sentença recorrida e se substitui pelo presente acórdão, e em consequência 1. Se considera nulo o contrato de trabalho a termo certo celebrado em 01.10.2002 entre Autora e Ré e se declara a sua conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado, com efeitos reportados àquela data. 2. Se condena a Ré a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho. 3. Se condena a Ré a pagar à Autora as remunerações devidas desde 28.09.2009 e até ao trânsito em julgado do presente acórdão, sem prejuízo do disposto no artigo 390º, nº2 al. c) do CT/2009, a liquidar oportunamente. 4. Se absolve a Ré dos demais pedidos.
* * *
Custas da apelação a cargo da apelada.
* * *
Porto, 24.09.2012
Maria Fernanda Pereira Soares
Manuel Joaquim Ferreira da Costa
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho (voto vencida conforme declaração anexa)
_____________________
Voto vencida, subscrevendo, no essencial, os fundamentos aduzidos na sentença recorrida que fazem aplicação do entendimento que tenho vindo a sufragar. Designadamente, nos acórdãos desta Relação de 22.02.2010 e 16.03.009. inwww.dgsi.pt - Processos 385/08.0TTOAZ.P1 e 0847551, respetivamente.
Paula Alexandra Pinheiro Gaspar Leal Sotto Mayor de Carvalho