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PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
IMPUGNAÇÃO DAS DELIBERAÇÕES
CADUCIDADE
Sumário
I – O regulamento interno, resultante de deliberação da assembleia dos proprietários lojistas de um centro comercial, tem natureza meramente obrigacional e constitui realidade jurídica distinta do estatuto do condomínio e seu regulamento. II - É da competência da assembleia de condóminos a deliberação relativa à elaboração de um regulamento do condomínio. III - O direito de os condóminos ausentes da assembleia geral impugnarem as deliberações nelas tomadas, por contrárias à lei ou aos regulamentos, caduca no prazo de 60 dias contados sobre a data das deliberações, independentemente da sua comunicação.
I - RELATÓRIO.
1. “B…, Ldª” instaurou, em 21/9/2009, no Tribunal Judicial da Póvoa de Varzim, presente acção declarativa, com processo comum ordinário, contra “C…, Ldª” e D…, pedindo que seja declarada a ineficácia ou, caso assim se não entenda, a nulidade ou a anulabilidade de todas as deliberações tomadas na assembleia de condomínio de 13/07/2009, com todos os efeitos legais.
Alegou para o efeito, em resumo, que, no dia 21 de Julho de 2009, na qualidade de condómina das galerias comerciais “E…”, recebeu uma carta que continha uma acta de uma assembleia de condomínio do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, nºs . a ., Póvoa de Varzim, em que foi deliberado realizar obras nas referidas galerias comerciais, bem como criar um regulamento de condomínio; a galeria comercial é composta por lojas, sendo que, na sua maioria, não faz parte do Condomínio da Rua …; a gestão da galeria é efectuada desde 1994 por entidade distinta desse Condomínio, tendo normas de funcionamento próprias, dispondo de um orçamento conjunto; a assembleia deliberou realizar obras, que são desnecessárias e dispensáveis, numa entrada que se situa noutro Condomínio.
2. Citadas, as rés apresentaram defesa por excepção, em que invocam a excepção da caducidade, com o fundamento de que à data da proposição da acção já haviam decorrido mais de 60 dias desde a data da deliberação que se pretende impugnar, de ilegitimidade passiva, alegando que a representação judiciária dos condóminos compete ao administrador, pelo que a acção deveria ter sido proposta contra a ré “C…, Ldª”, na qualidade de representante dos condóminos réus na acção, sendo a segunda ré parte ilegítima, e de abuso do direito por parte da autora, e por impugnação, aduzindo que foi a sociedade “F…, Lda”, que administrava as fracções que integram a galeria comercial do referido Condomínio, que por sua iniciativa se desvinculou da administração das fracções que integravam a galeria comercial, pelo que não há sobreposição de decisões de gestão, que as E… apresentavam, além do mais, degradação dos espaços, mau estado de conservação e limpeza, segurança deficiente, pelo que os lojistas apresentavam inúmeras queixas, e que todas as medidas que estão a ser levadas a cabo pelo Condomínio o foram no interesse dos lojistas e demais utilizadores dos espaços em causa, tendo sido realizadas obras de conservação/manutenção, há muito reclamadas pelos lojistas.
Concluem pela procedência das excepções e pela improcedência da acção, com a sua consequente absolvição.
3. Após resposta da A. a sustentar a improcedência das excepções invocadas pelas RR., foi proferido despacho saneador que, declarando a 1ª R. parte legítima e a ilegitimidade da 2ª R. e relegando para final o conhecimento da excepção da caducidade, declarou a matéria de facto assente e elaborou base instrutória, que não foram objecto de reclamações.
4. Tendo-se procedido a julgamento com gravação e observância do formalismo legal, sem que as respostas dadas à base instrutória e tendo a R. oferecido alegações a sustentar a improcedência da acção, foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a R. do pedido.
5. Inconformada, apelou a A. que, alegando, formulou as seguintes conclusões:
1ª: Salvo o sempre devido respeito a Recorrente não se pode conformar com a douta sentença proferida.
2ª: Da matéria de facto dada como provada decorre que as fracções autónomas de que a Recorrente é proprietária e melhor identificadas no ponto 2.1 da sentença aqui impugnada, se situam num espaço comercial denominado E….
3ª: Resultou igualmente provado, que, desde o pretérito ano de 1994 e até ao dia 31 de Janeiro de 2009, as E… foram administradas pela sociedade “F…, Lda” , havendo um orçamento conjunto para todas as lojas, independentemente do Condomínio que integravam.
4ª: Ficou também provado que as E…, eram constituídas por três Condomínios distintos.
5ª: Ora, decorre de tais factos que, os proprietários das lojas que integram as E…, com vista a prosseguirem uma actividade destinada a satisfazer um interesse colectivo, de forma organizada e mediante a afectação de certos bens e fundos, constituíram uma associação de facto, não personalizada, uma vez que não foram respeitados os requisitos de forma relativos à constituição de tal associação.
6ª: E, se é certo que os associados se podem desvincular, a todo o tempo, da associação constituída, a verdade é que, no caso em apreço isso não aconteceu, não tendo sequer sido alegado pelo Condomínio Réu.
7ª: Pelo que, assim sendo, o contrato de associação de facto celebrado entre as partes se mantém em vigor, continuando a produzir os seus efeitos.
8ª: Mas mesmo que assim se não entenda, temos de dizer que o artigo 1438º-A, do CC dispõe que o conjunto de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que o compõem, pode estar sujeito, com as necessárias adaptações, ao regime da propriedade horizontal.
9ª: Isto é, atendendo à matéria provada e ao estatuído no artigo 1438º-A, do CC, podemos entender que o caso sub judice, é subsumível ao conceito de condomínio complexo.
10ª: Acontece que, os condomínios complexos devem reger-se com regras que devem compatibilizar os diferentes regimes de competência das propriedades horizontais que os constituem.
11ª: Na verdade, ao se pretender sujeitar diferentes prédios a um regime de propriedade horizontal, o legislador quis que este regime fosse estável e unitário.
12ª: Daí que no caso dos condomínios complexos as deliberações devam ser tomadas em assembleias gerais ou plenárias, distintas daquelas que dizem respeito a cada propriedade horizontal.
13ª: Sendo que, nestes casos, deve haver apenas um único administrador geral a que caberá a gestão e representação de todas as partes comuns, quer as que pertencem a cada edifício, quer as que ligam funcionalmente os edifícios entre si.
14ª: Ora, no caso sub judice, independentemente de se qualificar a relação estabelecida entre os proprietários das diversas lojas que integram as E…, como associação de facto, sem personalidade
jurídica ou como um condomínio complexo, a verdade é que as exigências de uma administração e assembleias comuns, são ainda maiores, porquanto estamos a falar de um conjunto de lojas que integram uma zona comercial una.
15ª: Até porque continuando as E… abertas ao público e em pleno funcionamento, existem - e existirão sempre - actos de gestão (por exemplo, horário de funcionamento) e despesas comuns (por exemplo, água, luz, alarmes, etc.) que não se compadecem com o funcionamento independente de três Condomínios.
16ª: Deste modo, não se pode acompanhar a posição assumida na douta sentença impugnada que sustenta que a realização de obras nas partes comuns, constitui matéria que cabe na competência da assembleia de condóminos em apreço.
17ª: Na verdade, as partes comuns de cada um dos Condomínios, correspondem às partes comuns de uma entidade comercial unitária, denominada E….
18ª: Aliás, a entidade denominada E…, enquadra-se no conceito de estabelecimento comercial que, de acordo como Coutinho de Abreu, pode ser entendido como “um complexo de elementos em interacção, uma unidade complexa, isto é, global, não elementar (constituída por partes diversas inter-relacionadas), e original (com qualidades próprias), um todo que é mais que a soma das partes” (Cfr. Jorge Coutinho de Abreu, Da Empresarialidade, Colecções Teses, Almedina, página 44).
19ª: Assim sendo, o giro comercial das referidas galerias não é compatível com uma Administração não unitária, dependente das deliberações que pudessem vir a ser tomadas autonomamente pelos três Condomínios que a compõem.
20ª: Por tal motivo, entende-se que tal deliberação é ineficaz relativamente à Recorrente, só podendo produzir efeitos se esta desse seu assentimento a tal deliberação.
21ª: Assinale-se que foi dado como provado que o Condomínio Réu deliberou acerca da realização de obras num dos outros Condomínio que integram as E… - Condomínio ….
22ª: Ou seja, tal deliberação é nula, por violação de disposições legais imperativas (artigos 1430º, nº1 e 1422º, nº1, do CC).
23ª: Por outro lado, a douta sentença ao considerar procedente a excepção de caducidade invocada pela Condomínio Réu, violou o disposto no artigo1432º, nº6, do CC.
24ª: Efectivamente, aquando da propositura da presente acção ainda não tinham decorrido 60 dias, contados sobre o dia 21 de Julho de 2009.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis e com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, deve ao presente recurso ser dado total provimento, nos termos e pelas razões supra descritas e, em consequência, revogar-se a decisão ora em apreço, com os legais efeitos, assim se fazendo, a costumada, inteira, habitual e sã JUSTIÇA.
6. Tendo a 1ª R. apresentado contra-alegações a sustentar a manutenção da decisão recorrida, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
1. A decisão apelada considerou provados os seguintes factos (com indicação das correspondentes alíneas dos factos assentes e dos quesitos da base instrutória):
1) A autora é proprietária das fracções autónomas “AA”, “AB”, “AC”, “AD”, “L”, “M”, “X”, “Z” do prédio sito na Rua …, nºs . a ., na cidade da Póvoa de Varzim, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 1801/19930621. (A) e certidão junta aos autos a fls. 366 a 379).
2) No dia 21 de Julho de 2009, a autora, na qualidade de condómina, recebeu uma carta registada que continha uma acta de uma assembleia de condomínio do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, nºs . a ., na cidade da Póvoa de Varzim, conforme documento junto nos autos de fls. 10 e 11, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (B))
3) De acordo com tal documento, nessa assembleia de condomínio foi deliberado realizar obras, bem como criar um regulamento de condomínio. (C))
4) As fracções referidas em 2) situam-se no espaço comercial denominado E…. (resposta ao quesito 1º)
5) As obras deliberadas na assembleia de condomínio referida em 2.3. diziam respeito à parte das E… que integra o Condomínio referido em 2.2., sendo que as lojas …, consoante a respectiva localização, integram um dos três Condomínios distintos que aí existem. (resposta ao quesito 2º).
6) Desde o ano de 1994 e até 31 de Janeiro de 2009, a gestão da E… era efectuada pela sociedade comercial “F…, Lda”, sendo que esta administrava os serviços comuns da E…, com orçamento conjunto para todas as respectivas lojas comerciais, independentemente do Condomínio que estas integram. (resposta ao quesito 3º)
7) No orçamento enviado à autora, faz-se referência expressa à remoção de apainelados e espelhos existentes nas duas entradas … - … e Rua …, conforme teor do documento de fls.12 a 14, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (resposta ao quesito 4º).
3. Tendo em consideração que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações, estando vedado a este tribunal apreciar e conhecer de matérias que nelas se não encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso e que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as questõessuscitadas são as de saber se a deliberação da assembleia de condóminos em causa nos autos é ineficaz, nula ou anulável e, neste último caso, se se encontra caducado o direito de a impugnar.
Em causa nos autos estão as deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 13/7/2009 do prédio em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, nºs . a ., Póvoa de Varzim, de que a recorrente, na qualidade de condómina, teve conhecimento em 21/7/2009, e que reputa de ineficazes, nulas ou anuláveis, no que foi desatendida pela sentença recorrida que, não as considerando ineficazes nem nulas, entendeu que, a serem anuláveis se encontrava caducado o direito de as impugnar.
Nessa assembleia, a que a recorrente não esteve presente mas para a qual não alega não ter sido convocada, foi deliberado, por unanimidade dos condóminos presentes, realizar obras na parte do condomínio correspondente a galeria comercial (substituição do tecto da galeria e respectiva iluminação, arranjo das entradas do … e Rua …, arranjo do WC das … e outras obras) - fls. 10 a 14 -, sendo as obras relativas ao arranjo das entradas do … e Rua … suportadas por terceiro e não estando incluídas no orçamento de fls. 12 a 14, e criar um regulamento do condomínio.
Inserido no Capítulo VI do Título II, Livro III, do Código Civil, relativo à propriedade horizontal, e subordinado à epígrafe “Impugnação das deliberações”, estabelece o artº 1433º, nº 1, do Código Civil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar, sem outra indicação de origem) que “as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”.
Nos termos deste preceito legal a sanção cominada é a anulabilidade das deliberações.
Todavia, não se referindo a lei às deliberações nulas, nem às ineficazes, as mesmas seguem o regime geral e, como tal, são impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do artº 286º.
Importa, assim, distinguir, em matéria das deliberações das assembleias dos condóminos, distinguir os vícios que enfermam as deliberações de nulidade daqueles que enfermam de anulabilidade; as últimas são sanáveis mediante deliberações sucessivas e a respectiva invalidade deve ser feita valer no prazo estabelecido no artº 1433º.
São nulas as deliberações da assembleia de condóminos que infrinjam normas de interesse e ordem pública e as que violem normas gerais imperativas. Mas, sendo um problema de interpretação sistemática normativa conhecer os preceitos da lei cuja violação dá origem à nulidade da deliberação, pode afirmar-se que pertencem necessariamente ao conjunto dos preceitos em causa as normas que tutelem directamente o interesse público ou que estabeleça tutela autónoma de terceiros - cfr. Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, págs. 251/252.
Por força do disposto no artº 1438º-A, aditado ao Código Civil pelo DL nº 267/94, de 25/10, com a finalidade de permitir a sujeição ao regime da propriedade horizontal de “conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afectadas ao uso de todas ou algumas unidades ou fracções que os compõem”, e ultrapassando no sentido afirmativo a dúvida de saber se seria ou não admissível à face da lei portuguesa anterior (nomeadamente tendo em conta o princípio da tipicidade dos direitos reais) essa aplicação em situações em que, como escreve M. Henrique Mesquita, A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Janeiro/Dezembro de 1976, pág. 86), “vários edifícios estão integrados num conjunto imobiliário afectado a determinado fim, havendo elementos ou serviços comuns a todos eles, como jardins, piscinas, garagens, instalações gerais de água, luz, aquecimento, etc.”, o regime da propriedade horizontal pode aplicar-se a conjuntos de edifícios que reúnam os requisitos legalmente exigidos, ainda que neles tenha (separadamente) sido instituído o regime da propriedade horizontal em data anterior à da entrada em vigor daquele DL, quer substituindo-o, quer coexistindo em maior ou menor medida com administrações parcelares separadas - cfr. os Acórdãos do STJ de 16/10/2008 e de 21/5/2009, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Resulta dos factos provados que a A. é proprietária de várias fracções autónomas do prédio sito na Rua …, nºs . a ., Póvoa de Varzim, as quais se situam no espaço comercial denominado “E…” e que, desde o ano de 1994 e até 31 de Janeiro de 2009, a gestão das referidas galerias era efectuada pela sociedade comercial “F…, Ldª”, sendo esta que administrava os serviços comuns das galerias, com orçamento conjunto para todas as respectivas lojas que, consoante a respectiva localização, integram um dos três condomínios distintos que aí existem, independentemente do condomínio que estas integram.
Pode assim concluir-se, que os titulares das fracções das E…, entre os quais se inclui a A., detêm uma sobreposição de duas qualidades: enquanto donos das fracções autónomas, estão sujeitos ao regime da propriedade horizontal e à disciplina estabelecida no Regulamento do condomínio e na lei quanto à sua participação no uso, fruição e conservação das partes comuns e inerentes despesas, nos termos previstos nos artºs 1429º-A e 1424º; enquanto lojistas, poderão estar sujeitos a um outro regulamento, como o Regulamento Interno, que foi elaborado para regular as relações dos lojistas entre si.
Como sustentado no Ac. do STJ de 9/3/2004, www.dgsi.pt., que se acompanha grosso modo, caracterizando o regulamento interno e distinguindo-o do regulamento do condomínio, a propriedade horizontal apresenta-se como uma figura jurídica autónoma integrada por “um misto incindível” de propriedade singular sobre uma parte determinada do prédio e de compropriedade sobre outras partes funcionalmente ligadas àquela. O condomínio traduz justamente essa situação de que são titulares os condóminos, como declarado no artº 1420º.
O estatuto da propriedade horizontal é fixado pela lei, que prevê um conjunto de normas imperativas, pelo título constitutivo e pelo regulamento do condomínio.
O regulamento de condomínio corporiza um conjunto de regras destinadas a disciplinar as relações entre os condóminos no tocante ao gozo, conservação e administração do edifício, ou seja, é elemento da «definição concreta do estatuto do direito real de propriedade horizontal» destinado a prevenir e resolver eventuais situações de conflito emergentes da posição de cada um dos condóminos, enquanto titular simultâneo de um direito singular de propriedade e de comproprietário das partes comuns (cfr. Sandra Passinhas, obra citada, pág. 81).
Referindo-se ao estatuto de um direito real, como o é a propriedade horizontal, e disciplinando as relações entre condóminos, independentemente das pessoas que, em cada momento, sejam titulares dos direitos, o regulamento tem como sujeitos dos direitos e obrigações que prevê os condóminos, enquanto titulares do direito real misto incindível, apresentando incidência e eficácia propter rem.
Quando aprovado pela assembleia de condóminos, o regulamento é uma deliberação normativa disciplinadora da relação condominial.
O conjunto dos condóminos a que a lei (artº 1430º) comete a administração das partes comuns e a feitura do regulamento do condomínio, tem sido assimilada a uma associação não personalizada, tal como prevista nos artºs 195º a 198º.
Com efeito, no condomínio é possível encontrar um grupo de pessoas (os condóminos - substracto pessoal), que prossegue interesse colectivo determinado e duradouro, com um conjunto de bens (e fundos) com afectação específica, tudo apoiado numa organização. Daí a aplicabilidade, no que for compatível com o estatuto condominial, do regime das associações sem personalidade jurídica (cfr. autora e obra citadas, pág. 180 e segs).
O regulamento interno do centro comercial (que se pode caracterizar como a afectação de um espaço físico, com uma área e número de lojas mínimos, a ramos de comércio e prestação de serviços diversificados, com serviços comuns às lojas nele instaladas e submetido a uma gestão unitária) contém várias semelhanças e pontos de contacto com que se caracteriza um regulamento de condomínio, mas, sendo criado por um acto jurídico como um ente comercial, goza de um estatuto que assenta necessariamente na autonomia privada, tratando-se sempre de um regime meramente obrigacional. E se é certo que a autonomia privada também pode intervir no acto jurídico constitutivo da propriedade horizontal, moldando-lhe o estatuto e interferindo na fixação do conteúdo do direito real, apenas se tornam vinculativos para os titulares do direito real (condóminos), nele se incorporando, por via dos efeitos do registo da escritura.
Um centro comercial instalado num edifício constituído em propriedade horizontal não passa, por isso, a constituir um condomínio: aquele, constitui uma realidade de natureza económica e comercial não submetida a qualquer regulamentação imperativa ou oponível a terceiros; o edifício, objecto de propriedade horizontal, vive sujeito a um estatuto real, consubstanciado em imperativas regras do condomínio.
Vigora para este o estatuto de natureza real a que são inerentes as regras da legalidade de reconhecimento e sujeição ao princípio da taxatividade, ou seja, a proibição de figuras de natureza real não tipificadas ou previstas pelo legislador, com o conteúdo também por ele balizado.
Ora, um estatuto de natureza real, porque é dotado de eficácia erga omnes, não pode aplicar-se a relações de natureza obrigacional, que produzem apenas efeitos inter partes, não devendo os terceiros ser atingidos, sem o seu consentimento, pelo regime estabelecido por uma relação de cariz meramente obrigacional.
O regulamento interno das E… de 3 de Maio de 1994 - fls. 322 e seguintes -, tem uma origem interna - resulta de deliberação da assembleia dos proprietários lojistas.
Como tal, não provém de declarações de vontade e vinculação dos condóminos do edifício, ou dos edifícios, em estabelecimento de regras disciplinadoras sobre o uso de coisas comuns e repartição de despesas segundo os direitos e obrigações respeitantes a cada condómino, mas provém, tão só, de proprietários de fracções de uma parte do edifício, de cada edifício, na sua qualidade de lojistas.
Um tal ordenamento, assim destinado a disciplinar a actividade dos lojistas, fora e para além do que corresponde ao uso das coisas comuns do edifício - direitos incindíveis e compropriedade indivisível (artº 1420º) -, não é, não pode ser, um regulamento de condomínio a que a lei atribui força vinculativa, enquanto conjunto de direitos e obrigações ligadas ao estatuto do direito real - a propriedade singular e a compropriedade que integram o condomínio.
A existência do regulamento do condomínio é obrigatória e dele, enquanto condóminos, devem participar os donos das fracções destinadas a comércio e integradas no centro comercial, mas a disciplina, regulamentação e gestão dos serviços e interesses comuns dos lojistas, proprietários ou não das fracções-lojas é coisa diferente que não tem de se situar no âmbito das relações condominiais, nomeadamente quando a totalidade do edifício não está afecta à instalação do centro comercial.
Reafirma-se, portanto, a natureza meramente obrigacional do estatuto do centro comercial E…, corporizado no seu regulamento interno, como realidade jurídica distinta do estatuto do condomínio dos edifícios em que está instalado e seu regulamento.
Decorre do que se deixa exposto que as deliberações em causa não violam normas de interesse e ordem pública e normas gerais imperativas, nem estabelecem tutela autónoma de terceiros, pelo que não são ineficazes nem nulas.
Na verdade, a deliberação relativa à realização de obras, que salvaguardou as obras relativas ao arranjo das entradas do … e Rua …, suportadas por terceiro e não estando incluídas no orçamento de fls. 12 a 14, na medida em que dizem respeito à parte das galerias que integra o condomínio do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, insere-se nas competências da assembleia de condóminos do prédio em questão [artº 1436º, al. e)], na medida em que respeitam a obras nas partes comuns, apesar de integradas nas galerias.
De igual modo, é da competência da assembleia de condóminos a deliberação relativa à criação de um regulamento do condomínio disciplinando o uso, fruição e conservação das partes comuns - artº 1429º-A.
Mas, a ser entendido, como sustenta a recorrente, que o regulamento aprovado respeita às E…, que integram lojas de três condomínios distintos, ou seja, o grupo de pessoas constituído pelos proprietários das lojas, que reuniu em assembleia e criou o regulamento interno, estaríamos, tal como sucede com o condomínio, perante uma associação de facto, não personalizada, já que não foram respeitados os legais requisitos de forma (artºs 167º, nº 1, e 168º, nºs 1 e 3), tendo o mesmo, como se referiu, natureza meramente obrigacional.
E se os direitos e obrigações dos proprietários/lojistas, enquanto associados devem reger-se pelo estatutos, ou seja o regulamento interno, e pelas disposições que regem as associações sem personalidade jurídica (artº 195º e segs.) e, subsidiariamente, por expressa remissão do artº 195º, nº 1, as normas relativas às associações (artºs 167º a 188º) que não pressuponham a personalidade, certo é que a gestão da galeria em causa apenas foi efectuada pela sociedade “F…, Ldª” desde o ano de 1994 até 31 de Janeiro de 2009 - cfr. factos provados de 6), resultantes da resposta restritiva ao artº 3º da base instrutória, que era indagado se “A gestão da E… é efectuada desde o passado ano de 1994, pela sociedade comercial «F…, Ldª», entidade distinta do condomínio da Rua …, com normas de funcionamento próprio, diversas daquelas que foram criadas pelo regulamento aprovado na assembleia de 13 de Julho de 2009, e com orçamento diverso” -, o que significa que não resultou provado que existisse quer regulamento interno das galerias, quer a sua gestão por terceira entidade, à data da deliberação.
Afastada, pelo que se deixou exposto, as deliberações em questão sejam ineficazes ou nulas, restaria a hipótese, tal como também sustentado pela recorrente, de serem consideradas anuláveis.
Contudo, tal como entendeu a decisão recorrida, acolhendo a alegação da recorrida na contestação, nessa hipótese encontrava-se caducado o direito de a A. as impugnar à data da instauração da acção.
Vejamos porquê.
Estabelece o artº 1433º, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 267/94 que “as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado” (nº 1).
Acrescenta que “o direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação” (nº 4).
Por seu turno, prescreve o nº 5 do artº 1432º que “as deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes”.
Consignando-se no nº 6 que “as deliberações têm de ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada, com aviso de recepção, no prazo de 30 dias”.
Divergem a jurisprudência e a doutrina acerca da interpretação do nº 4 do artº 1433º, no que respeita à caducidade do direito de impugnação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos, nomeadamente quanto à necessidade ou não da sua conjugação com o nº 6 do artº 1432º.
Assim, entendem uns que todas as deliberações devem ser comunicadas aos condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias (e não apenas no caso das deliberações sujeitas a unanimidade de votos, tomadas sob condição de aprovação pelos condóminos ausentes), como resulta do nº 6 do artº 1432º, em correlação com o nº 2 do artº 1433º (“No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes”), já que “aquele nº 6 é uma disposição genérica e não apenas complementar do nº 5. Em consequência, da falta de comunicação resulta o adiamento do início do prazo para propositura da acção de impugnação” - Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 2ª edição, pág. 179.
Como refere Sandra Passinhas, obra citada, pág. 249, o direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contado sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes.
Defendem outros a orientação diversa de que “actualmente os condóminos faltosos terão de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações para, se o desejarem, poderem impugná-las no prazo dilatado de 60 dias sobre a data da deliberação e não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava” - Rui Vieira Miller, A Propriedade Horizontal no Código Civil, 3ª edição, pág. 272, Ac. RL de 22/06/99, CJ, Tomo III, pág. 121, e Acs. STJ de 11/01/2000, BMJ nº 493, pág. 385, e de 17/3/2005, Proc. 05B018, www.dgsi.pt.
É nosso entendimento que esta última orientação é a que melhor se coaduna com uma interpretação histórico-actualista, sistemática e teleológica (racional), tendo presente a presunção de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artº 9º, nº s 1 e 3).
Em primeiro lugar, a actual redacção do artº 1433º, nº 4, adveio da publicação do DL nº 267/94, em correspondência com o seu anterior nº 2, que substituiu.
Este nº 2 prescrevia que “o direito de propor a acção caduca, quanto aos condóminos presentes, no prazo de 20 dias a contar da deliberação e, quanto aos condóminos ausentes, no mesmo prazo a contar da comunicação da deliberação”.
Ocorrem, com o novo texto, duas sensíveis alterações: foi alargado de 20 para 60 dias o prazo para os condóminos ausentes impugnarem as deliberações; deixou, no entanto, de se fazer referência à comunicação da deliberação como início do prazo da impugnação, passando tão só a aludir-se à data da deliberação.
Se o legislador, sabendo que na redacção anterior se referia expressamente a data da comunicação aos condóminos ausentes e, mesmo assim, resolveu excluir essa referência, certamente o fez consciente de que outro sentido se pretendeu.
Em nosso entender, tais alterações têm um significado evidente: se, por um lado, o legislador, relativamente aos condóminos ausentes, alargou o prazo para impugnação das deliberações anuláveis de 20 para 60 dias, assim lhes concedendo uma maior dilação para poderem averiguar em concreto do teor das deliberações tomadas em assembleia geral (o que, em princípio, constitui um benefício para aqueles e se justifica em razão da ausência na assembleia), por outro lado quis tutelar a segurança e operacionalidade das deliberações tomadas, impedindo que, devido a circunstâncias alheias (ausência em parte incerta) ou imputáveis aos condóminos ausentes (intencional impedimento da comunicação), estes se refugiem na alegação do desconhecimento do que se deliberou nas assembleias para, com base nesse fundamento, passados meses ou anos, atacarem as deliberações tomadas ou dilatarem, com tal expediente, a realização de inovações, obras ou quaisquer outras diligências que afectariam todos os interessados e tornariam praticamente ingovernável o condomínio.
É que os condóminos têm cada vez mais que se revelar como pessoas responsáveis e preocupadas com a resolução dos problemas que afectam o condomínio e, nessa medida, devem procurar estar ao corrente de todas as situações que lhe digam respeito.
Assim, ainda que não compareçam nas assembleias gerais (por não quererem ou não o poderem fazer - em todo o caso sempre se poderão fazer representar), desde que saibam da sua realização devem diligenciar por conhecerem o que foi deliberado e, caso não estejam de acordo, utilizarem rapidamente o direito de impugnação para não impossibilitarem, por largo tempo, a eficácia das deliberações tomadas.
De outro modo, o argumento de que o nº 6 do artº 1432º é uma norma geral, de aplicação a todas as deliberações de condóminos, contende claramente com o elemento sistemático da interpretação.
Com efeito, resulta do nº 5 do citado artº 1432º que as deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes, sob condição da aprovação dos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes.
Ora, os números seguintes referem, precisamente, a necessidade de comunicação das deliberações a todos os condóminos ausentes (nº 6), a possibilidade de estes comunicarem à assembleia o seu assentimento ou a sua discordância (nº 7), a presunção que advém do silêncio dos ausentes (nº 8).
Assim, da inserção sistemática da norma do nº 6 do artº 1432º - colocada na sequência e regulamentando, de certo modo, o preceituado no nº 5 - deve concluir-se que a mesma se reporta tão somente às deliberações que têm que ser aprovadas por unanimidade dos condóminos.
Conclui-se, deste modo, que o direito de os condóminos ausentes da assembleia geral impugnarem as deliberações nelas tomadas por contrárias à lei ou aos regulamentos, caduca no prazo de 60 dias contados sobre a data das deliberações, independentemente da sua comunicação.
No caso em apreço, sendo certo que a recorrente, como forma de obstar à verificação da caducidade, não alegou não ter sido convocada, a assembleia de condóminos em que foram tomadas as deliberações realizou-se em 13 de Julho de 2009 e a acção apenas veio a ser instaurada a 21 de Setembro de 2009, pelo que caducou o direito de ela impugnar as deliberações.
Improcedem, portanto, as conclusões das alegações da recorrente, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
III. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
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Custas pela apelante.
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Porto, 20/9/2012
António do Amaral Ferreira
Deolinda Maria Fazendas Borges Varão
Evaristo José Freitas Vieira