DESCOBERTO EM CONTA
JUROS MORATÓRIOS
Sumário

I- O descoberto em conta não é mais do que uma forma de concessão de crédito pelos bancos aos seus clientes, ficando com o direito de haver deles os montantes que lhes adiantaram.
II- No descoberto em conta, o envio dos extractos bancários, sem que o banco encerre a conta ou exija o pagamento do saldo devedor, não pode ser considerado interpelação com o efeito de constituir os devedores em mora.

Texto Integral


Apelação n.º 2252/09.1TVPRT.P1
Relator – Leonel Serôdio ( 261)
Adjuntos – José Ferraz
- Amaral Ferreira

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Relatório

B…., S.A. intentou ação declarativa com processo ordinário contra C…. e D…., pedindo que os RR sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 43.691,36, acrescida de juros vincendos à taxa legal sobre o capital de € 17.533,98 até efectivo pagamento, e ainda o imposto de selo a arrecadar pelo Estado no acto da cobrança.
Alega, em suma, que os RR. são titulares de uma conta de depósitos à ordem, aberta no Banco A, que era movimentada a débito e a crédito por depósitos, e ainda levantamentos/pagamentos, bem como transferências bancárias. Fruto de vários débitos resultantes da falta de pagamento de prestações de crédito habitação, imposto de selo, juros e comissões, a conta acumulou entre 23.07.2001 e 29.06.2006 sucessivos saldos devedores que o A ia transferindo para os seus Serviços de Recuperação de Crédito sem encerrar a conta, acumulando o saldo devedor total de € 17.533,98 dadas as sucessivas promessas de regularização por parte do R. marido, mas que nada foi pago. Sustenta que tem, assim, a haver dos RR, para além do capital de € 17.533,98, juros remuneratórios de 27%, acrescidos de juros de mora à taxa de 2% vencidos desde as datas das aludidas transferências e aos juros acresce o imposto de selo que for devido, a arrecadar pelo Estado no acto da cobrança (nos termos da Tabela Geral do Imposto de Selo). Assim, o débito total dos RR. para com o Banco A, em capital, juros e imposto de selo, ascende, nesta data (06/11/2009), a € 43.691,36.

Os RR contestaram separadamente. A Ré invocou a ineptidão da petição, a prescrição dos juros peticionados compreendidos no prazo de prescrição de 5 anos e a inexistência do crédito peticionado, pelo pagamento da quantia em dívida através de cheque emitido em 2007.01.03 no valor de € 50.000,00. A final pede que as exceções invocadas sejam julgadas procedentes e a ação julgada improcedente. Mais pedindo a condenação do A. como litigante de má-fé, devendo ser condenado em multa e indemnização a atribuir à Ré.
Por sua vez o Réu marido na sua contestação limitou-se a alegar a inexistência do crédito peticionado pelo pagamento em 2007 através do cheque de € 50.000,00 de todas as responsabilidades dos RR. para com o A.
Concluindo pela improcedência da ação e ainda pela condenação do A. como litigante de má-fé em multa e indemnização aos RR.

O A replicou pugnando pela improcedência da exceção de ineptidão da P.I. invocada pela Ré mulher e pela improcedência da exceção de pagamento e condenação como litigante de má-fé.

No saneador foi julgada improcedente a exceção de ineptidão da petição e julgada parcialmente procedente a invocada exceção da prescrição de juros, relativamente aos anteriores a 22.11.2004.
Foram seleccionados os factos assentes e a provar, sem reclamações.

O processo prosseguiu os seus termos, com realização da audiência de discussão e julgamento e resposta à matéria de facto, por despacho de fls. 447 a 451 sem censura.
De seguida, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e condenou os RR a pagar ao A a quantia de € 17.533,98, acrescida de juros de mora desde a citação e até integral e efectivo pagamento, à taxa de juro decorrente dos art.ºs dos art.ºs 1º e 2º da Portaria 597/05 de 19/07 in DR I Série B de 19/07/05. Quanto ao mais absolveu os RR. do pedido.

O A apelou e terminou a sua alegação com as seguintes conclusões que se transcrevem:
“I. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, que condenou – e bem – os réus ao pagamento ao recorrente da quantia peticionada a título de capital e ainda dos juros de mora desde o pagamento, mas julgou improcedente a acção no que se refere aos juros de mora peticionados, condenando os réus a pagar ao autor apenas juros de mora desde a citação para os presentes autos.
II. De acordo com o teor da sentença recorrida, o tribunal “a quo” considerou que não havendo disposição legal, nem estipulação das partes em contrário, «tem o credor o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, que no caso dos autos significa o reembolso do crédito».
III. Mais adiantando que, «fazendo-o e caso o devedor não cumpra, pode o Banco exigir juros de mora, contados desde o momento em que interpelou para cumprir», tendo considerado que só ocorreu interpelação com a citação para os presentes autos, o que o recorrente não pode aceitar.
IV. De facto, nos casos de descoberto em conta derivados do comportamento do cliente na obtenção de numerário para além do saldo existente na conta, tal como se verificou ser a situação vertida nestes autos, o Banco pode exigir o respectivo saldo devedor, não se tornando necessário fixar judicialmente prazo para o vencimento da obrigação de restituir por parte do devedor.
V. E, ao remeter aos recorridos os respectivos extractos da conta para a morada por estes indicada e nos termos contratualizados – o que não foi impugnado pelos recorridos, que aceitaram os extractos como elementos de prova, deles fazendo uso para esse efeito, inclusive em sede de audiência de julgamento – o Banco recorrente indicou àqueles, com precisão, quais os montantes que se mostravam em dívida e qual a
respectiva evolução ao longo do tempo.
VI. Permitindo que os recorridos tomassem o devido conhecimento dessa realidade, dando-lhes, inclusive, a possibilidade de deles reclamarem no prazo de 30 dias, caso entendessem que os mesmos não coincidiam com a realidade – cfr. extractos bancários juntos aos autos.
VII. Através dessa conduta activa do Banco recorrente, os recorridos sabiam e tinham de saber estarem constituídos na obrigação de pagarem ao Banco os valores indicados a descoberto na conta e que como se referiu supra, não se tornando necessário fixar prazo para o vencimento da obrigação de restituir por parte do devedor.
VIII. Pagamento que deveria ser realizado, designadamente, através do provisionamento da respectiva conta bancária ou através de qualquer outro modo de pagamento junto do credor, ora Banco recorrente.
IX. Assim, através dos referidos extratos e da sua recepção e conhecimento, os recorridos têm de considerar-se interpelados ao pagamento dos respectivos valores desde a data da recepção daqueles documentos, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 805º n.º 1 e 806º do C.C.
X. Verificando-se a mora a partir desse momento, e não a partir da sua citação para os termos da presente acção que, posteriormente, lhes foi instaurada pelo Banco recorrente, como considerou a sentença recorrida.
XI. Termos em que, a douta sentença recorrida deve ser parcialmente revogada e substituída por outra que considere que os réus se mostram interpelados ao pagamento do capital em dívida, desde a data em que recepcionaram os extractos bancários juntos aos autos, contabilizando-se os respectivos juros de mora desde aquelas datas até efectivo e integral pagamento.
Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se parcialmente a douta sentença recorrida nos termos referidos.”

Fundamentação

Factos dados como provados na 1ª instância:

1- Os RR. são titulares de uma conta de depósitos à ordem n.º 431012920008, aberta no banco A. no dia 13.05.1997, Agência de D. Manuel II, conta que era movimentada a débito e a crédito por depósitos e ainda levantamentos/pagamentos, bem como transferências bancárias [al. A) dos factos assentes].
2 - Por Escritura Pública de Mútuo com Hipoteca, outorgada no dia vinte e três de Maio de mil novecentos e noventa e sete, o Autor emprestou à Ré e marido, o montante de quatro milhões e novecentos mil escudos (€ 24.441,09), tendo estes em garantia do bom pagamento da importância mutuada, acrescida dos juros devidos e despesas, constituído hipoteca a favor do A. sobre o prédio urbano, sito no Porto, na Rua …., n.º …, freguesia de Paranhos, inscrito na matriz sob o artigo 6.203, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial do Porto, sob o número mil trezentos e quarenta e um, de Paranhos (cf. doc. de fls. 232 a 241 cujo teor aqui se dá por reproduzido) [al. B) dos factos assentes].
3- Em simultâneo, foi celebrado DOCUMENTO COMPLEMENTAR, elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado que instrui a aludida Escritura (cf. doc. de fls. 232 a 241 cujo teor aqui se dá por reproduzido) [al. C) dos factos assentes].
4 - O banco aqui A. emitiu em 18.12.2006 declaração intitulada “Termo de Cancelamento de Hipoteca”, nos termos do qual “DECLARA pelo presente documento e nos termos do n.º 1 do art.º 56.º do Código do Registo Predial autorizar o CANCELAMENTO TOTAL da(s) inscrições hipotecárias C-Ap. 18 de 1993/10/13, C-Ap. 31 de 1994/04/11 e C-Ap. 4 de 1997/05/14, que incide(m) sobre o(s) prédio(s) descrito(s) na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Porto, sob o(s) número(s) 01341, da freguesia de Paranhos, cuja(s) hipoteca(s) foi(foram) constituída(s) a seu favor conforme escritura pública por prescindir da sua garantia” (cf. doc. n.º 2 junto a fls. 242/243, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) [al. D) dos factos assentes].
5 -Tal documento foi entregue contra entrega do cheque visado n.º 0228258394, emitido em 2007.01.03, pelo montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), sacado da conta e assinado por E…., que já havia adquirido o imóvel em 25.10.2005 (cf. docs. 3 e 4 juntos a fls. 244 a 247 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido) [al. E) dos factos assentes].
6 - Em anexo à cópia do cheque referido em 5) encontra-se uma declaração, assinada pela Exma. Senhora Dra. F…., que refere expressamente o seguinte:
“Declaro que recebi o presente cheque para regularização dos créditos Hipotecários
incidentes sobre o prédio descrito na CRP de 1341, digo, do Porto sob o n.º 1341 (freguesia de Paranhos). Porto, 10 de Janeiro de 2007 A Advogada F….” (cf. doc. 4 inserto a fls. 247 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido) [al. F) dos factos assentes].
7 - Entre 23.07.2001 e 29.06.2006, a conta referida em 1) acumulou sucessivamente o saldo devedor de € 17.533,98 [resposta ao item 1.º da base instrutória].
8 - O saldo devedor referido em 7) é fruto de vários débitos, incluindo débitos de prestações de crédito à habitação [resposta ao item 2.º da base instrutória].
9 - Indo o A. transferindo para os seus Serviços de Recuperação de Crédito os sucessivos saldos devedores, sem encerrar a conta ou mover acção judicial contra os RR. [resposta ao item 5.º da base instrutória].
10 - A conta referida em 1) estava adstrita ao pagamento dos empréstimos bancários garantidos por hipoteca (crédito à habitação) [resposta ao item 7.º da base instrutória].
11 - Na conta referida em 1) eram efectuados ainda outros movimentos para além dos relacionados com o crédito à habitação [resposta ao item 11.º da base instrutória].
12 - O banco não incluiu nos valores a cobrar pelo terceiro adquirente do imóvel E…., os valores já debitados na conta de depósitos à ordem dos Réus e referidos em 7) e 8) dos factos provados [resposta ao item 15.º da base instrutória].
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A única questão a decidir é a de saber se o Banco A, ora Apelante, tem direito a juros de mora, desde que a data em que os RR rececionaram os extratos bancários juntos aos autos.
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Está assente que estamos perante o denominado “ descoberto bancário” estando definitivamente decidido que os RR estão obrigados a pagar ao Banco A o montante equivalente ao saldo devedor.

O descoberto em conta é “a situação que se gera quando, numa conta corrente subjacente a uma abertura de conta, o banqueiro admite um saldo a seu favor, isto é um saldo negativo para o cliente.”[1]
Tem sido reconhecido que tal operação pode resultar de um acordo prévio com o titular da conta ou existir independentemente de tal acordo.[2]
Nos casos em que existe esse acordo prévio denomina-se «abertura de crédito a descoberto ou clean credit», se não existir acordo prévio designa-se «crédito de tesouraria, facilidade de caixa ou overdraft».
O descoberto em conta, pode, pois, advir dum negócio prévio com o banqueiro, mas na sua forma típica, é tolerado por este, normalmente por curto período, como modo de facilitar a tesouraria de certos clientes.[3]
Como decidiu o acórdão do STJ de 16.3.2000[4] “ o descoberto em conta revela uma situação de relevância jurídica da relação contratual de facto, que resulta de um comportamento típico de confiança entre o cliente e o banco, envolvendo uma proposta tácita de ordem de levantamento por parte do cliente e aceitação tácita dessa ordem por parte do cliente.”
Ao descoberto em conta aplicam-se, tendencialmente, as regras do mútuo bancário.[5]
Em suma: como se decidiu, na sentença recorrida, “o descoberto em conta não é mais do que uma forma de concessão de crédito por parte dos bancos aos seus clientes e os bancos tem direito a haver dos seus clientes os montantes que lhe adiantou.”

A questão que se coloca é a de saber quando é que os RR se constituíram em mora.
A sentença recorrida decidiu “que nos termos do disposto no art.º 777º, nº1 do CC, não havendo disposição legal, nem estipulação das partes nesse sentido, tem o credor o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, que no caso dos autos significa o reembolso do crédito.
Fazendo-o e caso o devedor não cumpra, pode o banco exigir juros de mora, contados desde o momento em que interpelou para cumprir e in casu desde a citação já que não resulta que anteriormente tenha ocorrido interpelação para tal pagamento.
No caso, não resulta dos factos provados, nem sequer dos alegados, que o descoberto tenha resultado de um acordo prévio entre A e RR e que se tenha acordado um prazo para o pagamento do saldo devedor.
Estando, assim, perante uma obrigação sem prazo certo e, por isso, os devedores apenas se constituem em mora depois de interpelados para cumprir, como expressamente resulta do disposto nos nºs 1 e 2 al. a) do art. 804º do CC.
O A aceita estar-se perante uma obrigação sem prazo, o que defende é que o envio dos extratos bancários aos RR, onde constam o saldo devedor constitui interpelação.
Do citado art. 777º n.º 1 do CC decorre que o vencimento das obrigações sem prazo, como é, em regra, o denominado descoberto em conta, fica na dependência da vontade das partes, ou seja, a qualquer altura o Banco pode reclamar o cumprimento (pagamento do saldo devedor).
O descoberto em conta distingue-se do empréstimo por o banco poder exigir a restituição a todo a qualquer tempo e não somente ao fim do prazo contratualmente determinado[6].
Contudo, só se verifica a situação de mora do devedor, depois de este ser interpelado.
A interpelação é o acto pelo qual o credor exige ou reclama do devedor o cumprimento da obrigação[7]. Implica pois uma comunicação do credor ao devedor da sua decisão de lhe exigir o cumprimento da obrigação.
Como é sabido essa comunicação pode ser feita directamente pelo credor, interpelação extra-judicial, contudo, dela tem de resultar que está a exigir o cumprimento da obrigação, tendo, na maioria das obrigações de simultaneamente se fixar um prazo para o efeito.
Na verdade ao contrário do que parece defender o Apelante a referida regra do n.º 1 do art. 777º não é absoluto. Há obrigações em que a natureza da prestação, as circunstâncias em que foi contraída ou a finalidade do contrato requerem um prazo mais ou menos largo para o seu cumprimento[8].
A sentença recorrida decidiu que no caso apenas com a citação os RR se consideram interpelados e os Apelantes sustentam que o envio dos extratos bancários recebidos pelos RR e que constam dos autos equivalem a interpelação.
Os extratos bancários são emitidos pelo banqueiro como uma obrigação que sobre ele recai no âmbito de uma abertura de conta que é o contrato celebrado entre o banqueiro e o cliente.[9]
Nesses extratos são enviados aos clientes, com regularidade, e a aprovação por estes, em regra tácita, consolida os movimentos nele constantes, mas o seu envio não significa exigência de pagamento do saldo desfavorável ao cliente.
Em regra, na conta corrente bancária o saldo é favorável ao cliente ou, no máximo, igual a zero. Apenas é negativo quando surge a situação atrás analisada de descoberto em conta. Mas se o Banco pretende reaver o saldo devedor tem de o exigir expressamente ao cliente, sendo insuficiente o envio do extrato, especialmente quando a situação não é pontual.
Como decidiu o Ac. da Relação do Porto de 22.05.99, proferido no processo n.º 22.05.97, no sitio do ITIJ, (onde consta apenas o sumário): “ III - O descoberto em conta é a operação pela qual o banco consente que o seu cliente saque, para além do saldo existente na conta de que é titular, até um certo limite e por determinado prazo.
IV - Trata-se de uma obrigação pura em que, na falta de estipulação ou disposição em contrário, se vence logo que o credor, mediante interpelação, exija o seu cumprimento.
V - Para o vencimento dos juros moratórios a pagar ao banco não basta a data do encerramento da conta e, se outra data não existir, deverá ter-se em conta a data da citação.” (sublinhado nosso).
Perante esta posição, que se subscreve, era logo de afastar a posição defendida pelo Apelante, até porque não está sequer demonstrado o encerramento da conta, atenta a alegação do A vertida na n.º 1 dos factos provados, na data da propositura da ação a conta ainda não tinha sido encerrada.
Mas no caso a questão, apresenta outros contornos que afastam decisivamente que o envio dos extratos possa ser equiparado a interpelação.
Senão vejamos:
Está provado que os RR são titulares de uma conta de depósitos à ordem no banco A e que a situação de “descoberto em conta” não se limitou a um curto período, pelo contrário, provou-se que “ entre 23.07.2001 e 29.06.2006, a conta referida acumulou sucessivamente saldo devedor de atingiu o montante de € 17.533,98 e que o A. foi transferindo para os seus Serviços de Recuperação de Crédito os sucessivos saldos devedores, sem encerrar a conta ou mover acção judicial contra os RR.
Por outro lado, não está provado, que simultaneamente ao envio dos extratos bancários que abrangeu o período final (29.06.2006) o Banco tenha comunicado que encerrava a conta e muito menos que exigia que esse saldo devedor fosse pago em determinado prazo.
Saliente-se que o A não logrou sequer provar que o R marido fazia sucessivas promessas de regularização da divida (cf. resposta negativa ao art. 6º da base instrutória).
Como se referiu, atenta a quantia que se acumulou ao longo de quase 5 anos é manifestamente contrário ao princípio da boa fé que o Banco A pudesse exigir o pagamento imediato do saldo devedor no montante de € 17.533,98.
Para além disso, está provado que depois de 29.06.2006, decorreram negociações entre A e um terceiro na sequência das quais o A declarou em 10.01. 2007, ter recebido um cheque, emitido em 03.01 2007, no montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), sacado da conta desse terceiro para regularização de dívidas dos RR ao Banco por crédito à habitação com hipoteca sobre o prédio e que a referida conta estava adstrita ao pagamento desses créditos incluía débitos de prestações de crédito à habitação.

Perante, esta factualidade é indiscutível que o envio dos extratos bancários pelo A aos RR, nunca podia ser qualificado como interpelação. Atentas as circunstâncias atrás referidas, a interpelação impunha que o A. efectuasse uma comunicação clara e inequívoca em exigisse o montante concreto em dívida, fixando-lhe um prazo razoável para o efeito.
Por outro lado, o princípio da boa fé impunha que essa comunicação só ocorresse depois do Banco A em 10.01.2007 ter recebido de terceiro o pagamento do crédito hipotecário que detinha sobre os RR, devendo o A ter-lhes explicado que não tinha incluído no montante recebido de terceiro adquirente do imóvel os valores já debitados na conta de depósitos à ordem dos RR.

Em resumo e conclusão: No descoberto em conta em que a situação se prolongou por cerca de 5 anos e atingiu o montante € 17.533,98, o envio aos RR dos extratos bancários, sem que o Banco encerre a conta ou exija o pagamento do saldo devedor, não pode ser considerada interpelação com o efeito de constituir os devedores em mora.

Decisão

Julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo Apelante.

Porto, 11.10.2012
Leonel Gentil M. Serôdio
José Manuel carvalho Ferraz
António do Amaral Ferreira
__________________
[1] cf. Menezes Cordeiro, Manual do Direito Bancário,1ª edição, pág. 541
[2] cf. Paula Camanho, em Contrato de Depósito Bancário, publicado em “ Estudos em Homenagem do Professor Inocêncio Galvão Telles, vol.II, pág. 112 e acórdãos aí referidos.
[3] cf. Menezes Cordeiro, obra citada, pág.541.
[4] BMJ n.º 495, pág. 329
[5] Cf. neste sentido Menezes Cordeiro, obra citada, pág. 541 e citado acórdão do STJ de 16.3.2000,
[6] Cf. Paula Camanho, citando Simões Patrício, em Contrato de Depósito Bancário, publicado em “ Estudos em Homenagem do Professor Inocêncio Galvão Telles, vol.II, pág. 113, nota 8.
[7] Cf. Almeida e Costa, em Direito das Obrigações, 9ª edição, pág.941
[8] Cf. neste sentido Almeida e Costa, obra citada, pág. 943
[9] Cf. Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, pp.. 446 e 455