JUSTO IMPEDIMENTO
MANDATÁRIO
Sumário

I - A doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato
II- O justo impedimento do mandatário tem de ser imprevisível, pois que se era de previsão normal e não tomou as necessárias cautelas incorreu em negligência.
III – Não constitui justo impedimento um caso em que o mandatário, aquando do contacto da Ré para organizar a defesa, cujo prazo já decorria, já se encontrava na invocada situação de doença impeditiva do exercício de mandato e era previsível a manutenção dessa situação para além do prazo legalmente concedido para apresentação daquela defesa.

Texto Integral

Recurso de Apelação: nº 1804/11.4TTPRT.P1 Reg.220
Relator: António José Ascensão Ramos
1º Adjunto: Des. Eduardo Petersen Silva
2º Adjunto: Des. João Diogo Rodrigues
Recorrente: B…, Lda.
Recorrida: C…

Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
1. C… deduziu contra B…, LDA., acção de impugnação de despedimento colectivo, pedindo que se declare a ilicitude do despedimento de que foi alvo e, em consequência, a Ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização, em substituição da reintegração, bem como outras quantias a título de indemnização por danos morais e vários créditos laborais.
Alegou, em síntese, que ela e mais outras duas trabalhadoras, foram alvo de um despedimento verbal, sem precedência de qualquer procedimento.
Tal despedimento é ilícito, tendo ainda descrito os vários danos sofridos, bem como justificado os restantes pedidos formulados.
________________
2. A Ré foi citada, por carta registada com A/R, assinada em 23/12/2011, para contestar a acção, nos termos e para os efeitos do artigo 156º do CPT.
________________
3. Com data de 30 de Dezembro de 2011 a Ré outorgou procuração forense ao Exº Sr.º Dr. D…, o qual, via Citius, nesse mesmo dia, a remeteu para os autos.
________________
4. Por despacho referência nº 1664555, datado de 19/01/2012, foi designada uma tentativa de conciliação.
________________
5. No dia 25 de Janeiro de 2012 a Ré apresentou contestação, tendo, como questão prévia, suscitado o justo impedimento do seu mandatário, nos termos do artigo 146º do CPC, alegando que o mesmo foi acometido de uma doença que implicou intervenção cirúrgica e internamento hospitalar entre os dias 26/12/2011 e 28/12/2011.
O mandatário da Ré foi submetido a uma intervenção cirúrgica de cura e remoção de uma hérnia umbilical a 21/12/2011. Dado o local da cirurgia e necessidade medicamente recomendada de repouso, sem qualquer tipo de esforço, o que engloba, face à situação, o facto de permanecer algum tempo sentando, pelo período de um mês, o mandatário da Ré viu-se forçosamente impedido de exercer a sua actividade profissional durante esse período de repouso, tendo só nesta data iniciado a sua actividade profissional.
Para prova do alegado juntou um documento.
________________
6. A Autora pronunciou-se quanto ao requerido justo impedimento defendendo que a situação invocada não constituiu justo impedimento.
________________
7. Oficiou-se ao Hospital … que informasse se tem ou não serviço de urgência e que indicasse em que data foi marcada e comunicada ao doente a intervenção cirúrgica mencionada, respondeu aquele que o mandatário da Ré foi observado em consulta externa de cirurgia geral no dia 28/1072011 por hérnia umbilical e nessa data foi inscrito para cirurgia, tendo a data desta lhe sido comunicada em 11/11/2011. Mais informou que não tem serviço de urgência.
________________
8. Pelo Tribunal a quo foi proferido o seguinte despacho:
“[…]
Factos com interesse:
1- A Ré foi citada em 23 de Dezembro de 2011 para contestar no prazo de 15 dias.
2-No dia 30 de Dezembro de 2011 a Ré constituiu mandatário e nessa mesma data a respectiva procuração foi junta aos autos;
3-A Ré apresentou contestação em 25 de Janeiro de 2012;
4-O mandatário da Ré foi observado em consulta externa de Cirurgia Geral do Hospital … em 28 de Outubro de 2010 por hérnia umbilical e nesta data foi inscrito para cirurgia;
5- No dia 11 de Novembro de 2011 foi-lhe comunicada a data da cirurgia;
6- O mandatário da Ré foi operado em 27 de Dezembro de 2011;
7- Em 28 de Dezembro de 2011 o médico assistente registou um pós-operatório sem complicações e recomendou que devia evitar esforços durante um mês.
Considerando que o mandatário da Ré teve conhecimento da data em que iria ser submetido a uma cirurgia com cerca de um mês e meio de antecedência, esteve apenas internado até ao dia 28 de Dezembro de 2011 e não ficou totalmente incapacitado para o exercício da sua profissão já que aceitou o mandato da Ré no dia 30 de Dezembro, é manifesto que não se verifica o invocado justo impedimento.
Ao aceitar o mandato depois de ter sido operado significa que se sentia em condições físicas e psíquicas para assumir a responsabilidade de tratar deste caso jurídico.
Por conseguinte, não se provou um caso grave de saúde e urgente que tivesse impedido o mandatário da Ré de apresentar, dentro do prazo, a contestação.
Assim sendo, indefere-se o justo impedimento e não se admite a contestação.
Custas do incidente pela Ré.
Notifique.”
________________
9. Inconformada com esta decisão dela recorreu a Ré, tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª- O presente recurso vem interposto do despacho proferido em 17 de Maio de 2012, a contestação apresentada por esta.
2ª-O inconformismo da Recorrente advém da circunstância de a fls, com a Refª:……. que indeferiu o justo impedimento invocado pelo mandatário da Ré e, consequentemente, não admitiu no despacho recorrido, a Senhora Juiz "a que" não ter feito correcta aplicação dos normativos legais aplicáveis e não ter valorado acertadamente os elementos juntos aos autos.
3ª- Com a redacção introduzida ao nº 1 do art. 146° pelo Decreto-Lei 329-A/95, o legislador pretendeu introduzir uma flexibilização à rigidez do conceito de justo impedimento "de modo a abarcar situações em que a omissão ou retardamento da parte se haja devido a motivos justificados ou desculpáveis que não envolvam culpa ou negligência séria" - Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, pág. 257.
4ª- O próprio legislador de 1995 refere no Relatório do supra citado Decreto-Lei 329-A/95 que com a alteração do art. 146.° "flexibiliza-se a definição conceituai de justo impedimento, em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa, que se afastem da excessiva rigidificação que muitas decisões proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam".
5ª- Assim, considera-se justo impedimento, todo o acontecimento que obste a prática atempada do acto e que não seja imputável à parte que o invoca nem ao seu mandatário.
6ª-Deste modo, e desdobrando o conceito de "justo impedimento" compreendido no art. 146º do C.P.C., constata-se que os requisitos de tal conceito são, actualmente, dois:
- que seja estranho à vontade da parte: e
- que determine a impossibilidade, para a parte de praticar o acto por si ou por mandatário.
7ª-O que significa que a actual lei contenta-se com a verificação de um acto não culposo por parte do "retardatário" para ver justificada a prática de actos fora do prazo.
8ª- Ora, no caso em apreço, o justo impedimento tem por fundamento doença do mandatário da ora apelante que o impediu de, atempadamente, proceder à elaboração e entrega da sua contestação.
9ª- A situação de doença do mandatário é patente e inequívoca.
10ª- Aliás em momento nenhum é posto em causa o atestado médico junto para prova do alegado, assim como não é questionada a veracidade dos factos contidos na declaração constante de tal documento.
11ª- Entendeu o Tribunal recorrido para considerar não verificado o justo impedimento, que, por um lado, se tratou de um facto previsível, atendendo que o mandatário da Ré tinha conhecimento de que iria ser submetido a uma cirurgia com cerca de um mês e meio de antecedência e, por outro lado, que o mesmo não ficou totalmente incapacitado para o exercício da sua profissão, uma vez que aceitou o mandato da Ré em 30 de Dezembro de 2011.
12ª- Ora, não pode a Apelante concordar com tal fundamentação.
13ª- Com a alteração de 1995, deixou de se fazer a exigência da imprevisibilidade do evento que determinou a impossibilidade da prática do acto dentro do prazo legalmente estabelecido, sendo o mesmo substituído por uma ideia de culpa.
14ª- Deste modo, não pode colher a fundamentação da Senhora Juiz "a quo" da previsibilidade para sustentar a rejeição do justo impedimento invocado pela Apelante.
15ª- Pois que não obstante o mandatario da Apelante ter conhecimento da data da cirurgia a que iria ser submetido, desconhecia, sem culpa, os impedimentos impostos no pós-operatório e a duração dos mesmos, desconhecendo que uma cirurgia daquela natureza seria tão limitativa do exercício da sua actividade profissional.
16ª- Por outro lado, sendo o mandatário advogado "avençado" da ora apelante, a aceitação do mandato está incluída no seu contrato de avença, sendo que a simples junção de uma procuração, dada a natureza simplista do acto, não pode ser determinante para a aferição da capacidade do mandatário para o exercício da profissão num dado momento.
17ª- A doença do mandatário da apelante, conforme resulta do próprio relatório médico junto aos autos, obrigou-o a repouso durante cerca de um mês, impedindo-o nomeadamente de permanecer sentado, sem que tal lhe causasse dores e incómodos.
18ª- O mandatário da apelante tinha a convicção de que tal impossibilidade só duraria no máximo a semana seguinte à cirurgia de que foi alvo, o que não veio a suceder.
19ª- Salvo melhor opinião, tal doença, facto de natureza objectiva, não é nem pode ser imputável a culpa do mandatário da apelante, sendo que, com o devido respeito, e perante um juízo de razoabilidade e normalidade, o dever de diligência no exercício do seu mandato não lhe impunha que, perante tal quadro clínico, devesse ou tivesse a obrigação de praticar o acto em causa tendo inclusivamente em linha de conta tratar-se de acto judicial de relevante importância, complexidade e exigência, não podendo a sua omissão ser passivei de um juízo censurável.
20ª - Até porque, atendendo à complexidade do assunto em discussão, e atendendo ao facto de ter sido o mandatário da apelante quem acompanhou todo o processo subjacente que conduziu à interposição da presente acção era este quem melhor se encontrava posicionado para assegurara a defesa da apelante.
21ª- Pelo que nem sequer era de equacionar a hipótese de substabelecimento noutro advogado, o qual não poderia assegurar de forma eficaz e em tempo útil a defesa dos interesses do mandante, motivo pelo qual, sempre com o devido respeito por opinião em contrário, também não recata sobre a apelante a obrigação de constituir novo mandatário.
22ª- Sendo que o conceito de justo impedimento, nomeadamente, como no caso dos presentes autos, em situações de doença temporariamente incapacitante não obriga à constituição de novo mandatário, designadamente quando o período de incapacidade não se revele excessivamente longo.
23ª- O mandatário da apelante desconhecia o período de tempo em que efectivamente estaria incapacitado para o exercício da sua actividade, sendo que o mesmo não era certo, tendo-se inclusivamente revelado inferior ao previsto pelo corpo clínico que o assistiu.
24ª- Conforme tão bem ilustra o Professor Lebre de Freitas in "Código de Processo Civil Anotado", Volume I, pág. 257 "bastará que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou a seu mandatário para que devamos entender verificar-se uma situação de justo impedimento".
25ª- Defendendo ainda o referido autor, que a possibilidade de a parte ou o mandatário terem tido alguma forma de participação na ocorrência verificada, não obsta à verificação do justo impedimento, desde que tal não envolva um juízo de censurabilidade.
26ª- Ora, mesmo que se considere ter havido uma conduta participativa do apelante ou do seu mandatário, o que não se aceita e apenas se admite, pelo facto de em termos formais ter aceite o mandato já no decorrer do evento incapacitante, a verdade é que atendendo tratar-se de um advogado "avençado", ser este quem detinha o conhecimento dos factos que melhor e mais eficazmente garantiam a defesa dos interesses da apelante e desconhecer-se a duração da incapacidade, tal evento não envolve, em si mesmo; um juízo de censurabilidade e o que determinou a impossibilidade não ser imputável a culpa da parte ou do seu mandatário.
27ª- O mandatário da apelante viu-se obrigado a invocar o justo impedimento junto de outros processos, nomeadamente no processo nº 1794/11.3 TTPRT que corre termos pela 1ª ­Secção do Tribunal do Trabalho do Porto, em que também é parte a ora apelante, tendo sempre o fundamento invocado sido aceite e considerado verificado o justo impedimento, exactamente por se considerar não existir um juízo de censurabilidade e o evento que determinou a impossibilidade não ser imputável a culpa da parte ou do seu mandatário.
28ª- Deste modo, e face a tudo quanto supra se exposto e de acordo com o actual espírito da lei, que resulta do actual nº 1 do art. 146º° do C.P.C., conjugado com o relatório do Decreto­-Lei nº 329-A/95, o despacho recorrido ao decidir nos termos em que decidiu, fez uma errada aplicação dos normativos legais, violando o nºs 1 do art. 146,° do CPC.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho recorrido, ordenando-se que o mesmo seja substituído por outro que julgue verificada a situação de justo impedimento por parte do mandatário da apelante e, consequentemente, receba a contestação, seguindo-se os demais trâmites, com todas as consequências legais, em conformidade com o que aqui vem pedido.
________________
10. A Autora apresentou resposta às alegações defendendo na essência que não se verificam os pressupostos do justo impedimento, pelo que o recurso deverá improceder, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
________________
11. Foram colhidos os vistos legais.
________________
II – Questões a Decidir
Como é sabido o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil (na redacção introduzida pelo DL 303/2007, de 24.08), aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2). Assim, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (artigo 660.º, n.º 2, do CPC), com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, este normativo, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, independentemente da sua respeitabilidade, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como resulta do disposto no artigo 664.º do Código de Processo Civil[1].
De modo que, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões formuladas pela apelante, a questão a apreciar é a que respeita à tempestividade da contestação apresentada pela ora recorrente, mais concretamente, saber se se verifica o invocado justo impedimento do mandatário que permita validar a contestação apresentada muito para além do prazo legal de 15 dias fixado no artigo 156º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho.
___________________
III – FUNDAMENTOS
1. De facto:

A factualidade e incidências processuais relevantes para a decisão do recurso são as que decorrem do antecedente relatório, que aqui se dá por reproduzido.
___________________
2. De Direito

O justo impedimento constitui uma derrogação da regra da extinção do direito de praticar um acto pelo decurso de um prazo peremptório. O prazo para contestar uma acção tem natureza peremptória e o decurso desse prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto, nos termos do n.º 3 do artigo 145.º, do CPC. “O acto poderá, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte” (n.º 4, da mesma norma).
O justo impedimento constitui uma verdadeira derrogação da regra da extinção do direito de praticar um acto pelo decurso de um prazo peremptório. O prazo para recorrer de uma decisão judicial tem natureza peremptória e o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto, servindo, assim, como salienta Abrantes Geraldes[2] de «válvula de escape do sistema» de decorrente da extinção do direito de praticar o acto na sequência do decurso do prazo peremptório.
Nos termos do nº 1 do art.º 146º do CPC, “Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto”.
A redacção deste normativo foi fruto da reforma processual operado em 1995 pelo DL nº 329-A/95, de 11/12, que alterou a anterior, a qual configurava o justo impedimento como «o evento normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o acto, por si ou por mandatário».
Assim, antes da reforma introduzida pelo DL n.º 329-A/95 de 12/12, só era considerado justo impedimento o evento normalmente imprevisível estranho à vontade da parte que a impossibilitasse de praticar o acto por si ou por mandatário, ou seja, a previsão legal reportava-se àquelas hipóteses em que «a pessoa que devia praticar o acto foi colocada na impossibilidade absoluta de o fazer, por si ou por mandatário, em virtude da ocorrência de um facto, independente da sua vontade, e que um cuidado e diligências normais não fariam prever»[3].
Abrantes Geraldes[4] comenta que esta reforma processual «atenuou a rigidez do anterior sistema de invocação e aceitação do justo impedimento, assente em regras de imprevisibilidade e de impossibilidade para a prática dos actos, centrando agora tal instituto na ideia da culpabilidade das partes, dos seus representantes ou mandatários (art. 146, n.º 1)».
Também Lopes do Rego[5] refere que com o nº 1 do artigo 146º se «pretende operar alguma flexibilização no conceito de "justo impedimento" colocando no cerne da figura a inexistência de um nexo de imputação subjectiva à parte ou ao seu representante do facto que causa a ultrapassagem do prazo peremptório.
O que deverá relevar decisivamente para a verificação do "justo impedimento" - mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do acto - é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário no excedimento ou ultrapassagem do prazo peremptório, a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no nº 2 do art. 487º do C. Civil, e sem prejuízo do especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das causa».
Segundo Abílio Neto[6], “a esta quase responsabilidade pelo risco, a Reforma de 1995 contrapôs uma definição conceitual de justo impedimento muito mais flexível do que a anterior, (em termos de permitir - como se refere no Relatório - a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa, que se afastou da excessiva regidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor, inquestionavelmente revelam».
Mais acrescenta que «o novo conceito de justo impedimento faz apelo, em derradeira análise, ao «meio termo» de que falava Vaz Serra (RLJ, 109º-267): deve exigir-se das partes que procedam com a diligência normal, mas já não é de lhes exigir que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais.”
À luz do novo conceito, basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto obstaculizador da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção. Tal não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade.
Passa assim o núcleo do conceito de justo impedimento da normal imprevisibilidade do acontecimento para a sua não imputabilidade à parte ou ao mandatário. Um evento previsível pode agora excluir a imputabilidade do atraso ou da omissão. Mas, tal como na responsabilidade civil contratual, a culpa não tem de ser provada, cabendo h parte que não praticou o acto alegar e provar a sua falta de culpa, isto é, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivo (art. 799-l CC): embora não esteja em causa o cumprimento de deveres, mas a observância de ónus processuais, a distribuição do ónus da prova põe-se nos mesmos termos[7].
Podemos, pois, no seguimento do Acórdão da Relação de lisboa de 02/02/2010[8], extrair a conclusão, que o justo impedimento é o evento, a ocorrência, não imputável à parte, nem ao seu representante, nem ao seu mandatário, que obsta à prática atempada do acto processual.
Para que o evento constitua justo impedimento é indispensável que não possa ser imputado à parte, nem ao seu representante, nem ao seu mandatário.
O nexo de imputação de um evento a um sujeito supõe a apreciação da responsabilidade deste na produção daquele.
A regra «é a de que a responsabilidade pressupõe a culpa, de que não há responsabilidade sem culpa.
A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, devia e podia ter agido de outro modo. É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor, e pode revestir duas formas distintas: o dolo (a que os autores e as leis dão algumas vezes o nome de má fé) e a negligência ou mera culpa (culpa em sentido estrito)»[9].
O justo impedimento, ao contrário, pressupõe a irresponsabilidade, não pode haver qualquer juízo de reprovabilidade pessoal da conduta da parte, do seu representante, do seu mandatário. Estes não podem ser responsabilizados pela produção do evento obstativo da prática atempada do acto processual.
A parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova, cabe-lhe portanto a prova da sua falta de culpa, da sua irresponsabilidade, ou da irresponsabilidade do seu representante ou do seu mandatário, na produção do evento obstativo da prática atempada do acto processual.
A doença do mandatário da parte é um dos motivos frequentemente invocados para justificar a prática de actos processuais fora do prazo legal.
Averiguemos, em termos breves, como tem a jurisprudência apreciado o conceito de justo impedimento, em casos de doença do mandatário forense, à luz da actual redacção da lei.
- Acórdão da Relação do Porto de 14/04/2008, Processo nº 0716429, in www.dgsi.pt: «Para a verificação do “justo impedimento” o que releva é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário, na ultrapassagem do prazo peremptório, a qual deve ser valorada em consonância com o critério geral do art. 487º, 2 do C. Civil, sem prejuízo do especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro, no acompanhamento das causas.»
- Acórdão da Relação do Porto de 01/6/2011, Processo 841/06.5PIPRT.P1, in www.dgsi.pt: «As doenças dos mandatários só em casos limite em que sejam manifesta e absolutamente impeditivas da prática de determinado acto e, além disso, tenham sobrevindo de surpresa, inviabilizando quaisquer disposições para se ultrapassar a dificuldade, podem ser constitutivas de justo impedimento.»
- Acórdão da Relação do Porto de 25/10/2007, Processo nº 3856/07. CJ, nº 201, Ano XXXII, Tomo IV/2007, pá. 194: «Não ocorre justo impedimento no caso em que o mandatário, aquando do seu contacto para organizar a defesa, se encontre já na invocada situação de doença impeditiva do exercício de mandato e, designadamente, quando era previsível a manutenção de tal situação para além do prazo legalmente concedido para apresentação daquela defesa».
- Acórdão da Relação de Lisboa de 08/07/1999, Processo 0021696, in www.dgsi.pt: «Para que a "doença de advogado" satisfaça o conceito de "justo impedimento" para a prática do acto, como mandatário judicial, é necessário que a doença seja súbita e tão grave que impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato».
- Acórdão da Relação de Lisboa de 20/05/1998, Processo nº 001424, www,dgsi.pt: «I - O justo impedimento do mandatário tem de ser imprevisível, pois que se era de previsão normal e não tomou as necessárias cautelas incorreu em negligência. II - O evento tem de ser independente da vontade, pois se de algum modo poderia prever com cuidado e diligências normais a sua ocorrência, não há fundamento para invocar o justo impedimento. III - O recorrente tinha nomeado outro patrono no processo de impugnação do despedimento com procuração outorgada pelo próprio advogado requerente do justo impedimento, pois bastava comunicar ao constituído no processo para tomar a seu cuidado a prática dos actos processuais considerados necessários a acautelar os interesses da requerida, pelo que não se mostram verificados os pressupostos do justo impedimento.»
- Acórdão da Relação de Guimarães de 23/06/2004, Processo nº 1107/04-1, in www.dgsi.pt: «A doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato.»

Dito isto, vejamos o caso dos autos.

Salvo o devido respeito por opinião contrária, entendemos que a decisão recorrida merece acolhimento. Sem pormos aqui em causa que o ilustre mandatário da Ré foi sujeito a uma intervenção cirúrgica a uma hérnia umbilical no dia 27 de Dezembro de 2011 e que em 28 de Dezembro de 2011 o médico assistente registou um pós-operatório sem complicações e recomendou que o paciente deveria evitar esforços durante um mês, a verdade é que não resulta destes factos uma plena impossibilidade de o mesmo atempadamente apresentar a contestação. Se reconhecemos que, face às circunstâncias advenientes da experiência comum, essa intervenção cirúrgica poderia ser impeditiva, ou pelo menos, dificultaria, a prática da apresentação da contestação durante alguns dias, já não está demostrado que essa impossibilidade ou obstáculo fosse total e prorrogado durante o mês seguinte à intervenção. O médico assistente, como se referiu, registou um pós-operatório sem complicações e recomendou que o paciente deveria evitar esforços durante um mês. E, ressalvado o devido respeito, não se vislumbra, nem está alegado ou provado, que a elaboração de uma contestação determinasse a prática de esforços (físicos), embora reconheçamos que muitas horas sentado numa cadeira possa trazer alguma incomodidade, face à zona objecto de intervenção cirúrgica.
Por outro lado, deveremos atentar em que, mesmo que tal «doença» fosse impeditiva para o mandatário de elaborar a contestação, não o era de contactar e avisar o cliente ou substabelecer mandato.
No caso em apreço, existe ainda mais um elemento que impede a verificação do justo impedimento. É que na altura em que foi outorgada a procuração forense (30 de Dezembro de 2011) já decorria o prazo para a Ré contestar, pelo que, quando o mandatário aceitou representar a Ré, já tinha pleno conhecimento do decurso desse prazo e da obrigação que decorria de ter de apresentar atempadamente a contestação. Mas mais, nessa mesma data (30/12/2011) já o ilustre mandatário tinha sido operado (sendo certo que apenas esteve internado um dia) e já tinha pleno conhecimento desde o dia 28 de Dezembro que durante um mês deveria evitar fazer esforços. Ora, se não se encontrava em condições físicas para levar a cabo o mandato deveria ter dito avisado a sua constituinte e recomendar-lhe a procura de um outro advogado, ou, no mínimo, ter substabelecido o mandato e avisado, porque não, o Tribunal dessa sua situação. Mas não foi isso que fez, pois no dia 30 de Dezembro, via citius, juntou aos autos a procuração forense, mas nem uma palavra quanto à sua situação clínica.
E não se venha, como se veio, com o argumento de que atendendo à complexidade do assunto em discussão, e atendendo ao facto de ter sido o mandatário da apelante quem acompanhou todo o processo subjacente que conduziu à interposição da presente acção, era este quem melhor se encontrava posicionado para assegurar a defesa da apelante, pelo que nem sequer era de equacionar a hipótese de substabelecimento noutro advogado, o qual não poderia assegurar de forma eficaz e em tempo útil a defesa dos interesses do mandante, motivo pelo qual, sempre com o devido respeito por opinião em contrário, também não recaía sobre a apelante a obrigação de constituir novo mandatário.
Em primeiro lugar, nada do que alegou foi invocado aquando da invocação do justo impedimento e, muito menos, se encontra provado.
Em segundo lugar, como se exarou no Acórdão da Relação de Lisboa de 09/03/2010[10],« [n]inguém é insubstituível, nem a lei permite a derrogação de qualquer prazo peremptório à espera que um mandatário da parte se restabeleça para que o processo prossiga os seus termos. O acto é da parte, o advogado é apenas representante desta. Quando o advogado escolhido não está em condições de exercer o mandato, a parte tem de diligenciar pela escolha de outro que o esteja, caso aquele não tome a iniciativa de substabelecer noutro colega de profissão. O processo não pode ficar indefinidamente parado à espera que o mandatário impedido, por doença, se restabeleça, o que poderia demorar meses ou mesmo anos, com manifesto prejuízo para a justiça e os interesses dos cidadãos envolvidos no respectivo processo e, consequentemente, para a segurança da ordem jurídica globalmente considerada, protelando indefinidamente o trânsito em julgado das decisões proferidas ou ressuscitando causas pressupostamente há muito transitadas em julgado.».

Assim sendo, mesmo considerando que a situação clínica do ilustre mandatário seria impeditiva de apresentar em tempo útil a contestação, o que nem minimamente está demostrado, também seria de afastar o justo impedimento pelo facto, de no caso o mandatário, aquando do seu contacto pela Ré para organizar a defesa, cujo prazo já decorria, já se encontrava na invocada situação de doença impeditiva do exercício de mandato e, designadamente, quando era previsível a manutenção de tal situação para além do prazo legalmente concedido para apresentação daquela defesa.
Podemos afirmar que o mandatário, no caso, não agiu com a diligência devida a que a situação o obrigava.

Improcedem, assim, as conclusões de recurso.
________________
3. Vencida é a Recorrente responsável pelo pagamento das custas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
___________________
III. Decisão
Por tudo o exposto, acordam os juízes desta Secção Social em negar provimento á apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
________________
Condenam a Recorrente no pagamento das custas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Notifique.
________________
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 713º, nº 7 do CPC.
________________
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 138º nº 5 do Código de Processo Civil).
________________
Porto, 08 de Outubro de 2012
António José da Ascensão Ramos
Eduardo Petersen Silva
João Diogo de Frias Rodrigues
____________
[1] Cfr. VARELA, Antunes. Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688; e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 371/2008, consultável no respectivo sítio, bem como Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/10/2001 e 10/04/2008, respectivamente n.º 01A2507 e 08B877, in www.dgsi.pt e Acórdão da Relação do Porto de 15/12/2005, Processo n.º 0535648, in www.dgsi.pt.
[2] Geraldes, António Santos. Temas da Reforma em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 76.
[3] Bastos, Rodrigues. Notas ao Código de Processo Civil, vol. I, pág. 321.
[4] Geraldes, António Santos Abrantes. Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, pág. 77.
[5] Do Rego, Carlos Francisco de Oliveira Lopes. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume I, pág. 154.
[6] Neto, Abílio. Código de Processo Civil, Anotado, 21ª Edª, pág. 291.
[7] Freitas, José Lebre de, Código de Processo Civil, Anotado, 2ª Edª, págs 273/274.
[8] Processo nº 1355/07.1TBVFX-C.L1-1, www.dgsi.pt.
[9] cfr. Varela, Antunes. Das Obrigações em Geral, volume I, 10ª edição, pgs. 566, 567.
[10] Processo nº 1651/02.4TAOER-A.L1-5, www.dgsi.pt.
_____________
SUMÁRIO – a que alude o artigo 713º, nº 7 do CPC.
I - A doença do advogado da parte só constitui justo impedimento se for súbita e tão grave que o impossibilite, em absoluto, de praticar o acto, avisar o constituinte ou substabelecer o mandato
II- O justo impedimento do mandatário tem de ser imprevisível, pois que se era de previsão normal e não tomou as necessárias cautelas incorreu em negligência.
III – Não constitui justo impedimento um caso em que o mandatário, aquando do seu contacto pela Ré para organizar a defesa, cujo prazo já decorria, já se encontrava na invocada situação de doença impeditiva do exercício de mandato e, designadamente, quando era previsível a manutenção de tal situação para além do prazo legalmente concedido para apresentação daquela defesa.

António José da Ascensão Ramos