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EXECUÇÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
PENHORA EM EXECUÇÃO FISCAL
PLANO DE PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
QUANTIA EXEQUENDA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário
I - Por força do disposto no artº 871º, nº 1 do Código de Processo Civil a penhora de um bem em execução comum que antes fora penhorado numa execução fiscal que se mostra pendente determina a suspensão da primeira. II - O credor da execução comum deverá reclamar o seu crédito na execução fiscal. III - A situação mantém-se, mesmo quando a execução fiscal se encontre suspensa por causa de nela ter sido firmado, entre exequente e executado, um plano de pagamento em prestações da quantia exequenda.
Texto Integral
Recurso de Apelação
Processo nº 3536/10.1YYPRT-A.P1
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. Apelante - B… SA, com sede na Rua … nº .., em Lisboa;
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. Apelados - C…, residente na Rua … nº …, .º, no Porto; e - D…, residente na Rua … nº .., .º dt.º, na Póvoa de Varzim
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SUMÁRIO: I – Efectuada a penhora de um bem em execução fiscal e penhorado depois o mesmo bem numa execução comum, opera o regime de sustação desta última (artigo 871º, nº 1, do CPC), havendo o credor, aqui exequente, de ter de reclamar o seu crédito naquela; II – Esta disciplina não é afastada pela circunstância de a execução fiscal se encontrar suspensa por causa de nela ter sido firmado, entre exequente e executado, um plano de pagamento em prestações da quantia exequenda; III – Nessa hipótese, deve entender-se que, em princípio, também opera o regime de tu-tela dos direitos dos restantes credores, emergente do processo civil (artigo 885º), o qual não se mostra excepcionado para as execuções fiscais e se mostra consentâneo com a aplicação subsidiária a elas das regras jurídicas próprias desse processo (artigos 2º, alínea e), e 246º, do CPPT).
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
1. B…, SA suscitou contra C… e D… acção executiva para pagamento de quantia certa fundada em dois títulos executivos; pediu a entrega de um volume de capital igual a 81.045,62 €, interesses vencidos de 19.610,48 € e os vincendos (v fls. 21 a 23 e docs fls. 24 a 33 e 34 a 35).
A instância executiva seguiu a sua marcha.
Na execução foi efectuada a penhora da casa da Rua … nº … – .º, no Porto (descrição 1493/20040318 da 1ª conservatória do registo predial do Porto, freguesia …).[1] A penhora foi inscrita no registo predial em 10 Mai 2011 (doc fls. 52).
Entretanto, porém, em processo de execução fiscal, a correr no serviço de finanças da Póvoa de Varzim, e para garantia do crédito exequendo da Fazenda Nacional, de volume igual a 1.745,67 €, a mesma casa fôra já (antes) penhorada, com inscrição no registo predial em 5 Abr 2011 (doc fls. 52).
O agente de execução sustou a instância executiva, quanto ao bem assim duplamente penhorado (v fls. 54 a 58).
2. O banco exequente apresentou requerimento. E neste pediu o prosseguimento da acção executiva, concernentemente ao bem (imóvel) penhorado (v fls. 60 a 62).
Em suma, argumentou que a execução fiscal, onde se implementou a precedente penhora, se acha suspensa por via de um “plano de pagamento em prestações” (docs fls. 63 e 64); reclamou aí o seu crédito; mas acha-se impedido de ali obter pagamento, por não poder impulsionar o andamento da execução fiscal (“as finanças não aceitam prosseguir com a execução por impulso do credor reclamante, enquanto se mantiver a suspensão do processo, pois para a execução fiscal não existe uma norma análoga à do artigo 882º do CPC”); acha-se em situação de impasse; não se verificando a hipótese do artigo 871º, nº 1, do Código de Processo Civil, que supõe que a primeira execução se ache em situação dinâmica, em curso, em movimento; devendo – isso sim – seguir a segunda e nesta ser citado o credor da penhora que precede, como titular inscrito de ónus registado e para reclamar o seu crédito, se assim entender.
O juiz “a quo” proferiu despacho (v fls. 68).
E disse, sem prejuízo das competências do agente de execução, que na sua óptica “o juiz do processo não tem competências para ordenar o prosseguimento da presente execução, desse modo afastando a garantia resultante da penhora efectuada no âmbito do processo de execução fiscal, devendo a exequente exercer os seus direitos junto desse processo, nomeadamente reclamando da sua suspensão e do facto de não lhe ser permitido o prosseguimento para pagamento do seu crédito”.
3. O banco exequente apelou deste despacho.
E formulou as sínteses conclusivas que assim se sumariam:
a) Nos autos executivos foi penhorada uma fracção, pertença do executado, a qual já estava onerada com penhora fiscal anterior; b) O apelante reclamou os seus créditos nessa execução fiscal, tendo depois averiguado a situação da mesma e apurou que esta se encontra suspensa por acordo de pagamento; c) Assim, estando essas execuções numa situação de suspensão e não sendo ordenada a venda do imóvel sobre o qual o apelante tem hipoteca, não pode aquele obter a cobrança coerciva dos seus créditos; d) De acordo com o artigo 871º do CPC, sustada a execução por existência de penhora anterior, o apelante deve reclamar os seus créditos na execução à ordem da qual foi registada a penhora mais antiga; e) Contrariamente ao Código de Processo Civil, o Código de Procedimento e de Processo Tributário, no seu artigo 218º, estabelece que “podem ser penhorados pelo órgão de execução fiscal os bens apreendido por qualquer tribunal, não sendo a execução, por esse motivo, sustada nem apensada”; f) Esta norma tem origem no artigo 300º do anterior Código de Processo Tributário que estabelecia a impenhorabilidade dos bens penhorados em execução fiscal (“penhorados quaisquer bens pelas repartições de finanças, não poderão os mesmos bens ser apreendidos, penhorados ou requisitados por quaisquer tribunais”), o qual acabou por vir a ser julgado inconstitucional com força obrigatória geral, pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 451/95, de 3 de Agosto; g) Daí que muitos tribunais tenham, nessa altura, feito letra morta do artigo 871º do CPC e ordenassem o prosseguimento dos autos, apesar da existência de penhora anterior; h) Analisando o artigo 218º do actual Código de Procedimento e Processo Tributário, vemos que, em termos práticos, apesar de o apelante poder reclamar o seu crédito na execução fiscal, a verdade é que o seu direito enquanto credor está praticamente anulado; i) É que, mesmo reclamando o seu crédito, se a execução fiscal se mantiver parada ou suspensa – como é o caso – o Estado mantém a sua garantia, sem que o credor (que até tem hipoteca) possa, de algum modo, impulsionar o andamento daquela mesma execução, pois não pode requerer o prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma; j) Fica, assim, o apelante perante uma situação de impasse, pois o Código de Procedimento e Processo Tributário não prevê a possibilidade de a execução prosseguir por impulso do reclamante numa situação deste tipo; l) Estando os referidos autos suspensos, não se verifica, pois, o circunstancialismo do artigo 871º, nº 1, do CPC (pendência de duas ou mais execuções sobre o mesmo bem); m) Além de que, se os presentes autos prosseguissem, iria ser citada a Fazenda Nacional, como credor e como titular inscrito de um ónus registado sobre o imóvel em questão, para reclamar os seus créditos; n) A ratio legis deste artigo 871º está na necessidade de evitar que sobre o mesmo bem recaiam duas vendas ou adjudicações, pretendendo-se que a liquidação seja uma só, por razões de certeza jurídica e de protecção do credor exequente e do executado; o) Para que este preceito tenha efeito útil a primeira execução deve estar em movimento; p) Por conseguinte, só há utilidade no artigo 871º do CPC se as duas execuções se encontrarem a correr termos, pois só assim é que o exequente / reclamante pode atingir a finalidade através do pagamento dos seus créditos pela via executiva; q) No caso de a execução à ordem da qual foi registada a primeira penhora ficar “parada” por qualquer razão, deve a segunda execução prosseguir (tanto mais quando a primeira execução é fiscal, não tendo o reclamante fundamento para requerer o seu prosseguimento), pois se assim não for ficam bloqueadas ambas as execuções: a primeira por estar parada e a segunda em virtude do despacho de sustação; r) Em suma; impunha-se o prosseguimento da presente execução, relativamente ao imóvel penhorado; s) Tal prosseguimento foi requerido pelo apelante, mas foi indeferido pelo juiz “a quo”, com fundamento apenas na falta de sustentação legal e para decidir desta forma foi feita uma aplicação literal do artigo 871º do CPC; t) Contudo, este preceito legal, como todos os outros, deverá ser aplicado e interpretado tendo em conta o caso concreto; u) Quando isso não acontece surgem situações de denegação da justiça; o que aqui se verifica; v) E isto prejudica em primeira análise o apelante, mas também os executados visto que o montante da sua dívida vai aumentando em consequência do vencimento dos juros; x) Portanto, com este despacho subverte-se a finalidade do artigo 871º do CPC; que é, na verdade, a de garantir a certeza e segurança jurídicas, devendo por isso ser revogado.
Deve, por isso, revogar-se a decisão recorrida.
4. Não foi apresentada resposta.
5. Delimitação do objecto do recurso.
A decisão recorrida delimita o âmbito do objecto do recurso; as conclusões do apelante circunscrevem as concretas questões decidendas que o constituem (artigo 684º, nº 2, final, e nº 3, do Código de Processo Civil).
A hipótese dos autos assenta na seguinte situação.
Certo bem (imóvel) foi penhorado numa execução fiscal.
O mesmo bem é penhorado, depois, numa execução comum.
A execução fiscal é suspensa com base em plano de pagamento.
Merece aplicação, na execução comum, o disposto no artigo 871º, nº 1, do Código de Processo Civil? Com suspensão da instância executiva? Ou ao invés deve esta, ainda assim, prosseguir a sua marcha? E isso por a execução fiscal não viabilizar mecanismo algum de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum?
II – Fundamentos
1. O contexto processual relevante para a decisão do recurso é o que se colige, desde já, dos pontos 1. e 2. do relatório deste acórdão; e que, segundo cremos, não há necessidade de agora voltar a transcrever.
2. O mérito do recurso.
2.1. O primordial assunto decidendo é o de saber se a execução, que pende na comarca (a execução comum) e onde está penhorada a casa da Rua …, no Porto, pertença do executado C…, deve prosseguir a marcha. A questão coloca-se por essa execução estar suspensa; estando-o, por causa de incidir precedente penhora sobre o mesmo bem em execução fiscal; mas, por outro lado, por esta (a fiscal) também estar suspensa, aqui por causa de uma satisfação prestacional do crédito, aí exequendo, e que nela vem estando em realização.
2.2. O quadro legal aplicável encontra-se no Código de Processo Civil, no segmento de regulação da execução comum, bem como no Código de Procedimento e de Processo Tributário, no trecho específico da execução fiscal; se bem que, mesmo nesta, seja aquele código de processo a operar subsidiariamente (artigo 2º, alínea e), do CPPT); e até, muito em particular, na disciplina da reclamação de créditos (artigo 246º do CPPT).
A questão da penhorabilidade de um bem, em execução comum, quando este já se ache antes penhorado, em execução fiscal, está há muito ultrapassada; sendo inequívoca a admissibilidade de uma tal dupla penhora.[2]
É diferente dessa, a hipótese a que se reporta o artigo 218º, nº 3, do CPPT; este incidente ainda sobre dupla penhora, mas quando a precedente seja a da execução comum; preceituando a norma que, então, a execução fiscal não seja, por esse motivo, sustada nem apensada.[3]
No geral, para a concorrência de execuções comuns, rege em particular o artigo 871º, nº 1, do CPC; que exactamente estatui que na pendência de mais de uma execução sobre os mesmos bens, é sustada, quanto a estes, aquela em que a penhora tenha sido posterior. Nesse caso, o exequente da segunda execução, para poder obter o pagamento do seu crédito através dos bens assim duplamente penhorados, terá de o ir reclamar à execução com penhora anterior. E então será nesta que o crédito há-de ser graduado, na ajustada sentença de verificação e graduação, a fim de ser pago, pelo produto da venda de tais bens e no lugar que lhe competir, segundo a ordem de preferência das garantias reais.
Pode, porém, acontecer que a primeira execução também se ache suspensa; e designadamente por aí haver acordo de pagamento prestacional da dívida exequenda, em cumprimento (artigo 882º do CPC). Nesta hipótese, a tutela dos direitos dos restantes credores (para lá do ali exequente) é feita à custa do regime descrito no artigo 885º do CPC; de onde resulta, ao que agora mais interessa, que se algum dos credores reclamantes, com crédito vencido, requerer o prosseguimento da (primeira) execução para satisfação do seu (próprio) crédito, a suspensão desta (primeira) execução fica sem efeito (nº 1); e seguirá marcha.
A (1ª) instância executiva, em que a precedente penhora se efectivara e que justificou a suspensão daquela outra (2ª) em que penhora houve, mas mais tardia (por decorrência, esta cujo exequente ali se viu compelido a reclamar o seu crédito), retoma a tramitação dos seus actos. Mantendo-se esta (a 2ª) suspensa.
Estamos no alcance da concorrência de execuções comuns. Qual a solução quando a concorrência é entre uma execução fiscal (a da precedente penhora, mas suspensa por acordo de pagamento) com uma execução comum (a da subsequente penhora, exactamente suspensa por esse facto)?
Neste derradeiro caso concorrem (ao menos em momento inicial) duas suspensões; e é precisamente a hipótese dos autos; defendendo o banco apelante que se gerou bloqueio na satisfação do seu crédito e, por isso, que a solução tem de passar pela reactivação da (2ª) execução (a comum), em que é exequente.
Vejamos. Afigura-se-nos que, embora não dando a lei uma resposta clara para situações deste tipo, uma coisa será certa; a de que, em hipótese alguma, a solução passe por ser aquela que propugna o banco apelante, qual seja a de que a acção executiva em que haja penhora de bem subsequente retome a marcha dos seus actos; desfecho desprovido de qualquer apoio nas normas aplicáveis.
Já mencionámos a relação de subsidiariedade que o Código de Processo Civil comporta no domínio das execuções fiscais (artigos 2º, alínea e), e 246º, do CPPT); a qual é passível de fazer indiciar que a disciplina da tutela dos direitos dos (restantes) credores, para lá do exequente, tal como emerge do artigo 885º daquele código, também é aplicável nestas outras execuções.
O que não pode o banco apelante dizer é que, enquanto credor na execução comum, já não pode obter a cobrança coerciva do seu crédito; ou que o seu direito enquanto credor está praticamente anulado (a não ser que a execução por si instaurada prossiga). É certamente afectado, atenta a vicissitude ocorrida, o seu interesse na realização mais atempada do respectivo direito de crédito;[4] mas não excludente (ou intoleravelmente dificultada) essa realização.[5]
Como não pode ainda dogmaticamente afirmar estar-lhe vedado o impulso da execução fiscal em circunstância alguma e, em particular, por o código de processo tributário não prever essa possibilidade. É que há precisamente que ter em conta o mecanismo de subsidiariedade aduzido, do processo civil relativamente ao processo tributário.
Por fim, a ilação de que para que o artigo 871º do CPC produza efeito útil a primeira das execuções deva estar em movimento e que, não o estando, essa norma não tem aplicação, também se nos afigura inadequada. O objectivo que a disposição tem em vista é (apenas) o de evitar que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; “a liquidação tem de ser única e há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar”;[6] objectivo que, aliás, se poderia frustrar na medida em que se optasse por reactivar aquela das execuções em que penhora foi seguidamente realizada.[7]
O assunto nesta matéria é (tão-só) do tempo de satisfação do crédito. E o banco apelante afirma que já o reclamou na execução fiscal.
Como dissemos, a lei não é inequívoca em solucionar a situação da dupla penhora, em execuções fiscal e comum, sendo aquela precedente mas estando a instância suspensa por via de um plano de pagamentos em realização.
Que deve (pode) o exequente (comum) fazer?
São duas as opções que, em tese, se nos afiguram possíveis.
De um lado, escreve FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA:[8]
“Encontrando-se a execução fiscal suspensa, na sequência da autorização para pagamento da dívida em prestações, deve a mesma prosseguir se o credor reclamante o solicitar em vista à satisfação do seu crédito, ante o estatuído no artigo 885º”.
Numa outra óptica, opina SALVADOR DA COSTA:[9]
“Tendo em conta a natureza da execução fiscal e o interesse específico que lhe está subjacente, propendemos a considerar que o disposto no artigo 885º, nº 1 [do CPC] não é aplicável à sua suspensão para pagamento da quantia exequenda em prestações que nela tenha sido decidida”; com a consequência de então o reclamante (exequente comum) ter de aguardar o termo da suspensão a que naquela (na fiscal) haja lugar.
Como é bom de ver, na tese de AMÂNCIO FERREIRA permite-se acautelar melhor os interesses dos credores, ademais do exequente fiscal, que mais rapidamente conseguirão ver realizado os seus créditos; já na de SALVADOR DA COSTA se enfatiza o interesse do executado (na filosofia própria da execução fiscal), subjacente à faculdade do pagamento faseado de que ali beneficia, em prejuízo (pelo retardamento) dos seus demais credores. Sem aprofundar, diríamos tender aderir à primeira das teses.[10]
No caso de concurso de créditos (e com garantias reais) cremos que é a que melhor salvaguarda o justo equilíbrio dos interesses, das expectativas e dos propósitos das partes envolvidas. A situação da execução fiscal, suspensa no quadro do plano de acordo entre exequente e executado para pagamento da quantia exequenda em prestações, apoia-se numa causa legal, que resulta de uma faculdade concedida e em prescrições normativas que a sustentam;[11] não está (por alguma forma) excepcionada na lei de processo tributário em desvio do que a lei processual civil (subsidiária) estatui; por outro lado, é a primeira daquelas teses a que melhor permite atenuar a situação de desvantagem em que o exequente comum fica colocado em face do exequente fiscal.
Mas independentemente disso o que não há é reactivação da execução comum; aliás, a penhora efectuada posteriormente, com origem no crédito desta execução, continua com todas as potencialidades, válida e eficaz (mantendo a vantagem de poder dar satisfação nela se a dívida da execução fiscal for paga).[12] A suspensão da execução (comum) não traz prejuízo ao, nela, exequente já que o seu direito de ser pago pelo produto da venda do bem (imóvel) penhorado está garantido;[13] apenas faltando saber se ocorre nessa execução ou na fiscal; e quando; mas certo de que, ou numa ou noutra, haverá (sempre) de vir a ter lugar.
Em suma; não há que preterir a disciplina do artigo 871º, nº 1, do CPC; que vale mesmo quando a primeira das penhoras se comporte em execução fiscal, suspensa por via de satisfação prestacional da dívida; tendo a segunda sido realizada numa execução comum.
Improcedem as conclusões da apelação; subsistindo a decisão do juiz “a quo” no segmento (impugnado) em que indeferiu o pretendido prosseguimento da acção executiva (comum) concernentemente ao bem (imóvel) aqui penhorado, mas precedentemente penhorado numa execução fiscal.
3. O banco apelante decai no recurso de apelação que interpôs; decorrentemente, terá de suportar o encargo das inerentes custas (artigo 446º, nº 1, início, e nº 2, do CPC).
4. Síntese conclusiva.
É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito do presente recurso:
I – Efectuada a penhora de um bem em execução fiscal e penhorado depois o mesmo bem numa execução comum, opera o regime de sustação desta última (artigo 871º, nº 1, do CPC), havendo o credor, aqui exequente, de ter de reclamar o seu crédito naquela;
II – Esta disciplina não é afastada pela circunstância de a execução fis-cal se encontrar suspensa por causa de nela ter sido firmado, entre exequente e executado, um plano de pagamento em prestações da quantia exequenda;
III – Nessa hipótese, deve entender-se que, em princípio, também ope-ra o regime de tutela dos direitos dos restantes credores, emergente do processo civil (artigo 885º), o qual não se mostra excepcionado para as execuções fiscais e se mostra consentâneo com a aplicação subsidiária a elas das regras jurídicas próprias desse processo (artigos 2º, alínea e), e 246º, do CPPT).
III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente e em manter a decisão recorrida, com o sentido de que subsiste a suspensão da instância executiva, quanto à casa da Rua …, …, .º, no Porto (descrição 1493/20040318, 1ª conserv reg predial do Porto, freg …), nesta penhorada.
Custas a cargo do banco apelante.
Porto, 29 de Outubro de 2012
Luís Filipe Brites Lameiras
Carlos Manuel Marques Querido
José Fonte Ramos
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[1] São as seguintes as inscrições registrais que, ademais de penhoras, incidem sobre esse bem imóvel: . aquisição, por doação, em favor do executado C… (ap 24 Nov 2005); .. hipoteca voluntária, em favor do banco exequente (ap 24 Nov 2005 [provisório por natureza] e ap 9 Jan 2006 [conversão em definitiva]).
[2] Fernando Amâncio Ferreira, “Curso de processo de execução”, 11ª edição, página 354; Salvador da Costa, “O concurso de credores”, 4ª edição, página 305.
[3] Precisamente, é a (expressa) derrogação, na hipótese, do regime civil do artigo 871º, nº 1. Acerca do artigo 218º, nº 3, do CPPT, vejam-se os Acórdãos da Relação de Lisboa de 4 de Junho de 2009, proc.º nº 3002/05.7TBBRR,L1-2, e da Relação de Guimarães de 7 de Fevereiro de 2012, proc.º nº 4324/05.2TBVCT.G1, ambos em www.dgsi.pt.
[4] Salvador da Costa, obra citada, página 307.
[5] Sobre o alcance constitucional da situação, na óptica de que a sustação da execução comum na sequência da penhora anterior em execução fiscal não fere a constituição, por não haver aí diminuição da garantia do credor à satisfação do seu crédito nem esta se tornar desproporcionalmente mais difícil ou onerosa, vejam-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 51/99, de 19 de Janeiro de 1999, 281/99, de 5 de Maio de 1999, e 283/99, de 5 de Maio de 1999, no Diário da República, 2ª série, respectivamente, de 5 de Abril de 1999, página 4925, de 1 de Março de 2000, página 4197, e de 14 de Julho de 1999, página 10215.
[6] Alberto dos Reis, “Processo de execução”, volume 2º, reimpressão, 1985, página 287.
[7] Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de Janeiro de 2000 na Colectânea de Jurisprudência, ano XXV, tomo I, página 82.
[8] Obra citada, páginas 355 e 369.
[9] Obra citada, página 307.
[10] Igualmente, o Acórdão da Relação de Coimbra de 18 de Março de 2003 na Colectânea de Jurisprudência, ano XXVIII, tomo 2, página 15.
[11] A este respeito, estabelecendo a distinção entre aquela execução que se encontra parada por inércia do (aí) exequente, daquela em que a suspensão é ditada por imperativos legais, veja-se o Acórdão da Relação de Coimbra de 5 de Abril de 2005, proc.º nº 154/05, em www.dgsi.pt.
[12] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Outubro de 1998 no Boletim do Ministério da Justiça nº 480, página 374.
[13] A circunstância de, na hipótese, o banco exequente ter ainda inscrita como garantia do seu crédito também uma hipoteca sobre o bem penhorado, não altera quaisquer termos. A hipoteca confere ao credor o direito de ser pago com preferência sobre os demais (artigo 686º, nº 1, do Código Civil); é um direito real de garantia que está naturalmente salvaguardado; e irá operar na graduação dos créditos, ocorra esta na execução fiscal ou na execução comum.